quarta-feira, 14 de agosto de 2019

" HOJE ESCOLHI FALAR DE SOLIDÃO "



As pessoas queixam-se de solidão.
Entendo que solidão não é propriamente aquele sentimento que advém de estarmos sozinhos, sem ninguém por perto.  Até porque muitas vezes, nós somos mesmo os melhores companheiros de nós próprios . Nós escolhemo-nos, e não é uma situação de desespero de causa.

Para mim, solidão não é sequer não ter interlocutor, até porque ao longo do dia mantemos conversas de circunstância com milhentas pessoas mais ou menos conhecidas, que connosco se cruzam, sejam conversas acidentais, sejam um pouco mais sérias.  Mas só !
Sei que vivemos em "colmeias", como já aqui lhes chamei, em que de uma célula habitacional para outra, ninguém sabe nada de ninguém.  Ou, sabe o estritamente indispensável.  As pessoas conhecem-se, às vezes há 40 anos ou mais, mas ... não se conhecem, de facto !  É assim !...

Nos meios pequenos há uma proximidade aparente entre os conterrâneos.  Aparente e apenas na base do "diz que diz", da coscuvilhice, das "novidades" com que as gentes têm que ocupar, afinal, os seus tempos.  Isso parece "colmatar" a solidão ... mas só parece !

Também sabemos que podemos estar rodeados de muita gente, e absolutamente sós.  Não obrigatoriamente em solidão !
Sós, porque não empatizamos, sós porque não conhecemos, sós porque não gostamos daquela situação pontual que estamos a viver.  Sós, por opção ou escolha assumida.  Não em solidão !

E sós numa relação ... quantas e quantas vezes ?! Também existe ... e tanto ! Porque as pessoas passaram a desconhecer-se, porque as pessoas viraram já as costas ... sós, porque o projecto que era dos dois, deixou de o ser !  E essa situação é de doer mesmo !  Vidas aparentemente comuns, vidas que se desenrolam lado a lado ... apenas !
Há presenças, num caldo de uma assustadora ausência ... chamo-lhe, de "vida" !...

Depois há os amigos, uns mais próximos que outros.  Alguns que vêm lá de trás, do tempo da inocência e da ingenuidade, em que, sem conhecermos ainda as hipocrisias sociais, tudo se contava, tudo se falava, tudo se cumpliciava, tudo se dividia, sem temores.
Ainda não existiam os medos da censura, dos julgamentos, da não aceitação, das "punições" implacáveis da sociedade que viríamos inevitavelmente a conhecer mais tarde, e que sempre está pronta a estender um dedo acusatório.
Mas muitos, perdemos pelo caminho.  A vida quase sempre se encarregou de disseminar as pessoas por aí, nas suas próprias realidades, e o afastamento acaba por impor-se.

E se os amigos nós escolhemos, que dizer da família, que nos calhou na "rifa" ???
A família vai-se perdendo também. Força das circunstâncias.  Hoje vão uns, amanhã vão outros, e vão ficando apenas as recordações de outros tempos e de outras vivências, que o foram em comum.
Os nossos, aqueles de sangue, bem nossos mesmo, também nas suas vidas, e àparte serem já de outras gerações distanciadas da nossa, não têm tempo, paciência ou mesmo compreensão para as nossas coisas, para a nossa linguagem, para a nossa forma de entendimento.  A realidade virou, num curto espaço temporal, de cento e oitenta graus, e pouco do "de ontem" consegue encaixar-se no "de hoje" !

Em suma, há múltiplas formas de as pessoas se sentirem sós ... Repito ... do meu ponto de vista, não obrigatoriamente  em solidão !

Então afinal, o que entendo eu como solidão ?  Para mim, solidão é bem outra coisa.

Entendo sentir-me efectivamente em solidão, não quando não me restam alternativas que não seja, por exemplo ficar no silêncio do meu quarto.  Isso, pode simplesmente ser uma escolha pessoal.  Pode ser-me absolutamente necessário, por reequilibrante e desejado.
Solidão não significa não ter encontrado quem queira acompanhar-me ao cinema, por exemplo.  Isso é meramente um acidente de percurso, sem nenhuma importância.

Solidão é não encontrar linguagens comuns, sentires que identificamos como próximos, entendimentos desarmados, sem baias, restrições ou cautelas ...
É não encontrar corações abertos e disponíveis, a quem possamos escancarar as nossas maiores "misérias", sem medos ou pudores, sabendo que ali está um porto de abrigo, uma escora, um suporte, um amparo. É não encontrar alguém que saiba ler dentro de nós !
É não encontrar quem nunca, seguramente, nos deixará cair ...  que não julga, não crucifica, não faz juízos de valor negativos e destruidores ...
O que não significa  que precise de manifestar concordância incondicional connosco, e que não tenha capacidade e frontalidade  mesmo, de discordar severamente deste ou daquele ponto.  Isso será salutar, amigo, fraterno ... isso será afecto, carinho e amor !

Penso que terei sido clara.  Tudo isto, para mim ... sim ... é que é SOLIDÃO !...

Anamar

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