domingo, 11 de agosto de 2019

" REALIDADE "






A vida, leva a vida a sofrer de desencontros.  A sofrer de destempos, de desocasiões, de momentos furados ...
Em jovens, quando estamos cheios de gás, de fé e de convicções ... quando temos a garra de alcançar entre as mãos, o mundo todo ( porque tudo parece possível ), pela nossa imaturidade, ingenuidade e incapacidade, não podemos dar o passo ... porque a perna ainda é curta !
As limitações que se nos colocam, as exigências familiares, sociais, as dificuldades e as desilusões que nos vão começando a sombrear o caminho, como nuvem que nos escurecesse a alma, tratam de refrear-nos essa ânsia de vida, de poder e de sonho ... Reduzem-nos a "caixa de velocidades" ...
São  inerentes aos verdes anos, a utopia, a inconsciência doce, alguma irresponsabilidade natural.

É uma fase da vida em que, aberta a malfadada porta da adultícia, que ironicamente ansiamos que se abra, a realidade nos cai em cima ...
A vida, a bendita da vida com que nos têm enchido os ouvidos na doçura da nossa adolescência ... a vida real, dura, exigente, impiedosa e  intolerante, saca-nos  cá  p'ra  fora do bem  bom, e diz-nos : "anda ... faz-te à estrada !  Agora é mesmo a sério !..."
Entramos na montanha russa.  Temos todos os sonhos do mundo ... ainda ... Não temos capacidades de os viver !
Estamos aí, na luta, errando, acertando, escalando as montanhas, saltando os precipícios, e tacteando ... passo a passo, na exigência de uma sobrevivência digna e gratificante.
Temos sonhos, força, juventude ... e ausência de tempo para os concretizar ...

Os anos seguem, desenrolam-se mais ou menos pacificamente. Atingimos seguramente algum estatuto social, graças ao esforço desenvolvido. Ocupamos um lugar, somos respeitados, amarinhamos a pulso a encosta da pirâmide, na certeza de que havemos de chegar ao topo.  Porque afinal, os sonhos ainda não nos abandonaram. Longe disso !  São-no mais maduros, mais realistas, mais assertivos.
Constituímos famílias, às vezes precárias porque as escolhas não caíram no bilhete premiado ... e continuamos.
Economicamente sentimo-nos confortáveis.  Segurança é uma palavra que começa a incorporar o nosso léxico de vida.  Realizações, também.  Saem-nos do corpo e da alma. A competição é desenfreada, monstruosa, é dura, é intolerante e incomplacente. Profissionalmente tornamo-nos um pouco "workholics" ... Não há escolha. O mérito virá da competência !

Não há, é tempo ... Acreditamos que apenas "ainda" ... porque haveremos de chegar lá !
Haveremos de poder usufruir daqueles paraísos com que as agências de viagens nos enchem os olhos.  E com a pessoa certa ao nosso lado !
Haveremos de realizar aquele sonho maluco que nunca ninguém entendeu ... mas que era nosso !...  Haveremos seguramente de ter tempo.  Por ora, temos que continuar a escalada ... Os putos estão a crescer, as necessidades a aumentar, as responsabilidades, também.  Terá de ser adiante.  Por agora, ainda não dá !

E a vida anda ... inapelavelmente.
Os cabelos começam a branquear-nos as cabeças. As crianças já são pequenos adultos à nossa volta. Deixámos o Corsa lá atrás, e já andamos de Audi 4, porque é mais seguro.  Somos respeitados, ou talvez o devêssemos ser, se tivermos em conta os joelhos escalavrados e as solas dos sapatos que gastámos.  Pensamos que estamos a cumprir o nosso desígnio.  Procuramos dar exemplos de equidade, justiça, honestidade, seriedade, respeito e todos aqueles que agora não me ocorrem ...
Temos a casa de fim de semana, vamos na segunda ou terceira relação, porque as anteriores ou se desfasaram no tempo, ou as vidas não nos deram margem de as viver em pleno, em verdade.
Os amores seguiram, quantas vezes, trilhos distintos, deixando para trás as juras que ainda ontem fizéramos ...

Mas a vida que leva a vida a sofrer de desencontros, de destempos, de desocasiões e de momentos furados, começa a opacizar-nos a mente e a vontade.  E os sonhos tão sonhados, almejados, e acreditados, já não encontram forças em nós, para os buscar lá atrás, e viver ...
O tempo que era ... já foi !...
Perdemos a frescura, a ingenuidade e a fé ... A oportunidade já não é oportunidade de coisa nenhuma, porque as cores da paleta com que agora se pintam os nossos dias, esmaeceram-se ... de cansaço !
Se calhar, a vontade já não tem a garra de agarrar mais nada nesta vida, entre as mãos ... As ilusões, que o foram no tempo em que não havia tempo nem condições de as agarrar, cansaram ...

Hoje, se alongarmos o pensamento para o que ficou, percebemos claramente os encontros e desencontros com que a vida e os anos brincaram connosco !

Amargo, este meu texto ???!!!
Infelizmente,  penso  que  não.  É tão só um quadro a preto e branco da história da nossa estrada ... julgo !
É, como lhe chamei, simplesmente ... REALIDADE !...

Anamar

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