quinta-feira, 18 de outubro de 2012

" A VIDA "



No meu post de ontem, coloquei uma frase, um pensamento, que de alguma forma foi "mentor" de tudo o que escrevi.
Foi ela, uma espécie de pontapé de saída para a reflexão que constituíu  o  que  postei :   "A  VIDA  é MUITO,  para  ser  insignificante "...

Na altura não referi o autor dessa frase.
Ela foi retirada de um poema seu, que do meu ponto de vista tem tanto de lúcido e comovente, como de absolutamente realista, talvez duro e um pouco cru ...
Mas a Vida é tudo isso, não ??!!...

Trata-se de Augusto Branco, personalidade que não me dizia nada, mas que indaguei na Net.

Augusto Branco (Porto Velho, 23 de maio de 1980), pseudônimo de Nazareno Vieira de Souza é um poeta e escritor brasileiro.

Biografia

Augusto Branco nasceu em Porto Velho, capital do estado brasileiro de Rondônia, filho de Rosa e Raymundo, dois ribeirinhos que foram morar na cidade. Escreveu seus primeiros versos ainda na infância entre os 7 e 8 anos, pouco antes de começar a trabalhar na loja de ferragens de seu pai.
O poeta é Técnico em Contabilidade e cursou Administração na Faculdade São Lucas, até que aos seus 23 anos resolveu buscar outros horizontes em sua vida profissional.
Freqüentou os cursos de Administração e Pedagogia na Universidade Federal de Rondônia, mas não completou, no entanto nenhuma faculdade. Colaborou, como colunista, no periódico Diário da Amazônia, e publicou várias obras na Internet, meio que encontrou para divulgar sua obra enquanto não conseguia assinar com uma editora.
Publicou seus primeiros livros de forma independente, pelo Clube de Autores, e suas publicações virtuais tiveram um êxito considerável, especialmente o poema VIDA: Já perdoei erros quase imperdoáveis - atribuído a diversos autores  pela Internet,  mas finalmente registado em seu nome pela Biblioteca Nacional. Chamou atenção pela sua popularidade na internet, a nível mundial, ao longo de muitas redes sociais, e até  em rede nacional pela Rede Globo.

"Bom mesmo é ir à luta com determinação, abraçar a vida com paixão, perder com classe e vencer com ousadia, porque o mundo pertence a quem se atreve, e a VIDA é MUITO para ser insignificante."


Sem demais "acrescentos", portanto, que seriam grosseiros, ousados e excessivos da minha parte, deixo-vos apenas ...  "A  VIDA " ...

Já perdoei erros quase imperdoáveis,
tentei substituir pessoas insubstituíveis
e esquecer pessoas inesquecíveis.

Já fiz coisas por impulso,
já me decepcionei com pessoas
que eu nunca pensei que iriam me decepcionar,
mas também já decepcionei alguém.

Já abracei pra proteger,
já dei risada quando não podia,
fiz amigos eternos,
e amigos que eu nunca mais vi.

Amei e fui amado,
mas também já fui rejeitado,
fui amado e não amei.

Já gritei e pulei de tanta felicidade,
já vivi de amor e fiz juras eternas,
e quebrei a cara muitas vezes!

Já chorei ouvindo música e vendo fotos,
já liguei só para escutar uma voz,
me apaixonei por um sorriso,
já pensei que fosse morrer de tanta saudade
e tive medo de perder alguém especial (e acabei perdendo).

Mas vivi!
E ainda vivo!
Não passo pela vida.
E você também não deveria passar!

Viva!!

Bom mesmo é ir à luta com determinação,
abraçar a vida com paixão,
perder com classe
e vencer com ousadia,
porque o mundo pertence a quem se atreve
e a vida é muito para ser insignificante ! 


Augusto Branco


Anamar

quarta-feira, 17 de outubro de 2012

" PROTAGONISTAS "



Todos nós somos protagonistas das nossas vidas, aliás, os únicos protagonistas.

Seja qual for o contexto em que ela se desenvolva, seja em "mar flat" ou com frequentes tempestades, o ser humano tem que criar uma própria adaptabilidade, por forma a ir passando "nos intervalos da chuva".
Uma adaptabilidade que passa pela consciencialização , que sempre ajuda um pouco, de pensarmos, embora por vezes achemos que não, de que não somos exemplares únicos por aqui, e que as preocupações, as alegrias ou os sucessos que experimentamos, as diculdades e os desânimos que nos assolam, são afinal comuns a todos os mortais.

As pessoas dizem :  "com o mal dos outros, posso eu bem" ... mas é um facto, que se não nos centrarmos apenas no nosso umbigo e mantivermos a capacidade de percepção lúcida e isenta, perceberemos, da análise do que nos rodeia, que a atitude inteligente no protagonismo das nossas vidas, só pode ser uma : a de sermos actores positivos, realizadores esperançosos e encenadores confiantes.

A força interior que devemos cultivar e estimular, terá que ser a nossa garantia de emergir por cada queda, de nos levantarmos por cada trambolhão ... porque alguém disse :  " A Vida é MUITO  para ser insignificante " !!!...

É óbvio que o encarar dos dias e das horas, a capacidade de resiliência de cada um de nós, faz parte também da nossa matriz genética, mas passa igualmente muito, pela maturidade, pela auto-estima, pelo pragmatismo, pela coragem e pela fé, segurança e força que temos, ou pressentimos em nós mesmos.
É algo que nasce connosco em potência, mas que terá que ser trabalhado, para ter expressão.
Como tudo, deverá ser maturado, ajuizado, e auto-censurado de forma isenta, numa perspectiva positiva de melhoria, de polimento de arestas, de contorno de atitudes erráticas, para que muitas vezes somos levados a resvalar.

Ontem estava um dia de sol, hoje amanheceu um dia de Inverno ... e então??
Amanhã será Primavera de novo, e certamente o sol não nos vai defraudar, as estrelas também não, menos ainda a lua, por cada noite em que nos deslumbra, de tão cheia !...

As dádivas que recebemos, de tudo o que nos rodeia e nos envolve, deveremos aceitá-las sem suspeições, sem prenúncios de que são simplesmente transitórias, precárias e curtas !
São dádivas e pronto !!  São bênçãos, porque são Vida !...

Normalmente tendemos a ser demasiado exigentes na nossa existência ;   tendemos a reclamar-nos com direito a mais, a melhor, a mais simples, a mais fácil, a mais feliz !
E o facto de não conseguirmos ter a simplicidade e o pragmatismo, de perceber que a Vida é isto que se faz todos os dias, e não mais, dificulta-nos a capacidade de aceitação, diminui-nos o arcaboiço, para resistir e acrescenta-nos infelicidade.

A prosápia de nos acharmos seres privilegiados e superiores, de acharmos que somos "alguém" ou alguma coisa, substancialmente diferente e mais importante que todos os nossos pares, humanos ou não, induz-nos em erros grosseiros, de supremacia, arrogância e soberba, que não ajudam à nossa gestão diária.

Faço de facto um esforço em crescendo, para me encaixar mais e mais, nestes princípios que defendo, apesar de toda a dificuldade e resistência que tenho em mim, pela minha forma por vezes demasiado negativista, decepcionada e excessivamente dramática talvez, que é a minha complicada forma de ser.

No entanto, quando consigo afastar um pouco a cortina de teias de aranha, da minha mente ... quando faço uma faxina desanuviadora das névoas do meu coração, terei que reconhecer, que quando partir daqui, desta caminhada que não pedi, mas me deram, claramente, de alguma forma, as sete cores do arco-íris, sempre estiveram por cima da minha cabeça, sempre pintaram  generosamente, os meus dias, até aqueles que só consegui ver a cinzento, ou mesmo a preto e branco ...
Na verdade, não me foram regateados, a emoção, a paixão, a aventura, o desafio, a loucura, no meu viver sem barreiras.
A fantasia da liberdade do sonhar, a fantasia a que sempre nos transporta uma peça que se desenrola frente aos nossos olhos ( num palco, em que somos simultâneamente actores e espectadores, numa interactividade gratificante que nos projecta sem horizonte , até lá, até onde o devaneio nos levar ),  agrada-me, provoca-me, impulsiona-me, empurra-me p'ra Vida ...

O "frisson" do fio da navalha ( que eu gosto ), o risco do arriscar, o viver cá e lá em escolhas desafiantes, o testar os limites ( umas vezes razoáveis, outras não ), a aleatoriedade que experimento por cada vez que me movo, como peça de xadrês no tabuleiro ...  e sentir-me assim, "poderosa", dona de mim mesma, na garupa do cavalo, aos comandos do destino, ao leme da lancha rápida ... faz-me sentir efectivamente, em toda a plenitude, protagonista da minha vida ... porque " a Vida é MUITO,  para ser insignificante !!!...

Hoje, só  pode ter sido  seguramente a chuva, purificadora do "ar", que deve ter trazido tanta clarividência ao meu espírito  !!!... (rsrsrs)

Anamar

sábado, 13 de outubro de 2012

" O DAY AFTER "



Acordei como se acorda, quando se acorda, no dia seguinte a um pesadelo.
Quando se acorda não acreditando, que se está a acordar daquelas penumbras, e que elas existem mesmo.

Lembro que acordei exactamente assim, no dia seguinte ao meu pai ter partido.
Lembro claramente o ser arrancada desse sono profundo, como um furacão varre impiedosamente as alamedas dos jardins, despenteia violentamente as ramagens dos coqueiros, como simples brinquedinhos insignificantes de menino travesso.

É um acordar de um poço tão escuro e tão tenebroso, que nos derruba de cansaço, que nos mostra com nitidez um buraco gélido e desconfortável dentro do peito, bem aqui no meio, um buraco vazio, de uma ausência atroz, que nos faz sentir vazios por inteiro ...
Sem corpo, sem coração, sem alma ... extirpados de tudo !...
Tão vazios, que nos perguntamos se pertenceremos mesmo à realidade para que acordámos, ou se deveríamos ter ficado lá atrás, no reino das brumas, onde parecemos pertencer ...

Acorda-se ofegante, acorda-se em susto, acorda-se em desespero.
Queremos  porque  queremos,  negar  que  é  verdade  o  que  foi  verdade ;  queremos sentir o alívio que se tem, ao largar um pesadelo, porque percebemos que apenas foi um pesadelo que nos atormentou, e que fez parte dos desígnios confusos do reino onírico, sempre assombrado, e nada mais .
Aí, depois dos olhos bem abertos, depois de termos sacudido das pálpebras, as últimas pégadas desse rasto maldito, aos poucos, regressamos ao sol da realidade, com o alívio do diabinho safado, ter ido embora, e não ter passado de mais uma maldade que a madrugada nos aprontou !

Mas quando os ausentes fazem parte da galeria dos "mortos-vivos", como lhes chamo, o "desastre" é substancialmente maior.
Tanto maior, quanto sabemos que essas memórias que nos torturaram, que durante horas regressaram vívidas, quase reais, aos nossos braços, não são memórias, são realidades.
Existem, andam por aí, dividem à distância de Mundos, os dias e as noites com os nossos dias e as nossas noites, as horas dos nossos relógios, o mesmo céu, a mesma lua, o mesmo sol e o mesmo ar ...
É então que o tal buraco, é a boca de um desfiladeiro para o qual fomos jogados, e do qual não podemos sair nunca, porque não tem estrada, rumo ou norte, que nos dê uma mão de subida.

É então que sentimos uma fraude, um monstruoso engano, tão mas tão grande dentro de nós, um sabor a fel tão mas tão amargo na boca, uma dor tão mas tão sufocante na alma, que inclusive, perdemos a vontade útil sequer, de sair do desfiladeiro, ainda que por sobrevivência ...

E temos um misto de sensações / emoções que se baralham, que se mesclam, que nos paralisam, que nos torturam.
Sentimos raiva e ódio.  Sentimos dor e mágoa.  Sentimos pena e compreensão.  Sentimos impotência, e portanto desistência e cansaço, sentimos ausência de luz, porque nos sentimos acossados, encurralados em caminhos sem saída, com uma cerração indissipável à nossa frente, que nos tolhe por inteiro .

São sensações de perdas dolorosas e irreversíveis, porque recorrentes afinal, ausência de esperança, uma espécie de não percebermos o que se está por aqui a fazer, qual a razão de ser de tudo isto, que destino ilógico e sem nexo, cumprimos !...

No nosso percurso, os acontecimentos, as pessoas, os sonhos, as realizações, as metas atingidas, as lutas travadas, os insucessos e os êxitos, as dores, os medos e as alegrias, vão ficando confinadas a "gavetas", a "prateleiras", onde se vão amontoando.
E o mentor dessa estratificação na nossa existência, é sem dúvida, o Tempo, o tal anjo e vilão, que tanto nos aplaca as dores, como nos tortura a mente, revivalizando tudo, quando menos esperamos ou queremos ...

Por que determinismo do destino, de quando em vez, essas "gavetas" ou "prateleiras" se escancaram, e pelas madrugadas da Vida somos massacrados com tudo de novo ?

É apenas porque tudo quanto lá está, receia ser apagado em definitivo, e reclama o lugar que ocupou ?
É porque há um qualquer mecanismo inexplicável no subconsciente humano, que pretende testar até onde os "mortos-vivos" são mais vivos ou mais mortos, ainda ?
É porque tudo quanto aconteceu e foi, nos quer lembrar que aconteceu e foi, à revelia de o podermos, querermos recordar, ou  "deletar " ?
É porque o ser humano tem uma fatia desumana, masoquista, maquiavélica, a preenchê-lo, que gosta de o torturar  e deixar assim, como estou hoje, inerte, anestesiada por um mau estar que não defino mas que me "robotiza", com vontade de voltar a dormir ... "vivenciando",  ou um estonteante sonho cor-de-rosa, compensador e regenerador ...ou dormir simplesmente de vez e em paz ??!!...

Decididamente, os "day after", demos que volta lhes demos, contêm sempre o doloroso do determinado, do definitivo, da inevitabilidade, do insolúvel, a dilaceração do corpo e da alma, o irremediável cheiro de morte, que paira, e que fede por antecipação !!!...

Anamar

" QUEM ME QUISER "





Hoje, quem me quiser não me terá, pela simples razão que já morri ...

Hoje , quem me quiser, apenas lembrará o tempo que eu vivi.

Hoje, dobrei a esquina,  fechei os olhos, cerrei a luz 

Deixei que a sombra me envolvesse, que as chuvas me inundassem, 

Fingi que acreditei ...

Deixei que os sonhos me enganassem ...

Hoje, ainda que queiras ... lembra apenas que um dia te existi !

Já não me podes ter ... pela simples razão que já morri ...

                                                                                                 Anamar



Para vocês,  "Quem me quiser" ... extraordinário poema de  Rosa Lobato de Faria, nesta madrugada de sábado ... apenas mais um dia ..

                                   

Quem me quiser

 

Quem me quiser há-de saber as conchas
as cantigas dos búzios e do mar.
Quem me quiser há-de saber as ondas
e a verde tentação de naufragar.
Quem me quiser há-de saber as fontes,
a laranjeira em flor, a cor do feno,
a saudade lilás que há nos poentes,
o cheiro de maçãs que há no inverno.
Quem me quiser há-de saber
a chuva que põe colares de pérolas nos ombros
há-de saber os beijos e as uvas
há-de saber as asas e os pombos.
Quem me quiser há-de saber
os medos que passam nos abismos,
infinita nudez clamorosa dos meus dedos,
o salmo penitente dos meus gritos.
Quem me quiser há-de saber
a espuma em que sou turbilhão, subitamente
- Ou então não saber coisa nenhuma
e embalar-me ao peito, simplesmente.

Rosa Lobato de Faria





Anamar

sexta-feira, 12 de outubro de 2012

" EU "



A minha mãe desfeiteou-me logo à nascença ...
Não arranjou estação melhor para eu nascer, que o Outono, de que fujo a sete pés.
Estação teimosa, que insiste em correr à má fila, com o resto do sol que nos trazia à luz, ainda há tão pouco tempo atrás.
Inventa de pintar o céu com "claras" encasteladas de nuvens cobardolas, porque de quando em vez deixam que os farrapitos azuis, espreitem através delas.
Inventa de ameaçar com projectos de chuva, que só serve para nos sujar as vidraças, quer de casa, quer do carro, sem sequer o lavar em condições, evitando que  sempre que  vou  pegar  nele,  tenha  escrito  no vidro  de  trás : " lava-me  seu  porco" ( o  que  não  me  faz  bem  nenhum  ao  ego,  e  me  carrega  com culpabilidades  de  consciência ) !
Mas o calor, tem sido para o lado que dorme melhor.  Continua a pé firme.
E por isso, correndo o risco de nos molharmos ou não, continuamos de braços desnudados, e com as meias recolhidas às gavetas.
Os chapéus ainda dormem, porque os odeio.  São sempre candidatos a esquecidos, porque não passam de empecilhos nas mãos.

As folhas ensaiam agora os primeiros passos de "prima-dona", nos bailados que irão fazer lá mais para diante. As árvores estendem os braços esquálidos, e vão-as deixando partir ...
Os pássaros já fazem formações geométricas, céu afora, e debandam rumo ao calorzinho de África.
Vou com eles, nos olhos e no coração !...
Aqui, ficam-me as gaivotas, as andorinhas do mar, os albatrozes, os sempre fiéis pardais, e mais uns quantos ... porque até as cegonhas do meu Alentejo já emigraram ...

As areias sobem, as areias descem, ao sabor do sobe e desce do mar, talvez mais barulhento agora.
Não sei,  está-me só guardado nas recordações.
As falésias, de penedos em malabarismos de circo, continuam e continuarão geração após geração, para que os que nascem agora, conheçam os rochedos que os pais deles já conheceram, que os avós também, e que se calhar, os filhos irão conhecer um dia ...
A perenidade e a indiferença da dureza do que é selvagem, autêntico, rude, e que conhece a história dos tempos, dos séculos e dos milénios ...

E a gente vai passando, e como marcos da estrada, eles por lá continuam, até que um dia nós não passaremos mais, e serão outros a fazê-lo, e a orientar-se por eles ...
Como as notas escritas nas partituras, pelos Mozarts, pelos Liszts, pelos Bethovens, pelos Strausses ... e que saltam delas ( com a frescura do acabado de parir ), aos nossos ouvidos, à nossa alma ... e nos incendeiam o sonho !
Hoje, como ontem, como sempre ...
Foi dádiva deixada, nunca consumida ...

Como as histórias, os pensamentos, os poemas que nos transportam gratuitamente onde eles querem, ao fim de Mundos não sonhados, guardando para si apenas o pó dos tempos, nas prateleiras onde só amarelecem ... nunca morrem !...

Tal como as estrelas, os céus, as luas, o chegar e o partir do sol todos os dias ... como que repetem a magia de se repetirem, sem se repetirem na verdade ...
Porque nenhum é igual a nenhum.  Os acontecimentos são os mesmos, na mente do Homem, mas nos seus olhos atentos, bem percebem que o que viram ontem, não é o que vêem hoje, e que o não verão jamais, ao longo da eternidade.
E a emoção que transportaram, e que fez pulsar o seu coração, emudecer a sua voz,  orvalhar os seus olhos, também não !...

E os castanheiros voltam a oferecer-nos as castanhas, que estavam escondidas nos ouriços ainda há dias apenas,  e as romãs - rainhas coroadas pela Natureza - abrem-se generosamente nas bagas vermelhas, que nos adoçarão o corpo, à falta de nos adoçarem o espírito ...
Porque esse, está outonal ... esse, maquilhou-se já com os laranjas, os castanhos, os vermelhos, os ocres, ou o nada, dos troncos vazios das árvores que se despentearam ...e que aceitaram a nudez e a amputação natural, na esperança da renovação, do renascimento e da pujança, na próxima época ...

Por que é que o Homem não tem, por cada ano, uma Primavera depois de um Inverno e de um Outono, na Vida ??!!
Cecília Meireles diz que "aprendeu com as Primaveras a deixar-se cortar, para poder voltar sempre inteira ", regenerada na estação seguinte

Queria ter essa sabedoria !...
Queria ser essa flor que murcha no pé , e que o não lamenta ...
Queria ter a força da ave que ano após ano, com a mesma energia, confiança e alegria, refaz o seu ninho, aconchego de vida que se renova ...
Queria ter a coragem das uvas da latada, que cumprem inapelavelmente o seu destino ...
Queria ter a aceitação da borboleta, na precariedade das suas horas de vida, esbanjando beleza efémera por aí ... sem chorar ...

Eu nasci no Outono, e o meu ciclo de vida é a melancolia ... as minhas cores são o diáfano dos pastéis, da paleta do Arquitecto ...
Os meus sons, são os embaladores das sonatas intemporais ...
Os meus sonhos, são os sonhos sem limites, que o condor transporta nos golpes de vento sobre os desfiladeiros do Grand Canyon ...
Os meus desejos, os do poeta que acredita no amor eterno ...
Os meus cheiros, o da terra molhada e das acácias vermelhas, no esplendor da savana ...
A minha liberdade, a da gaivota que ousa tocar os céus com as asas, desafiando o Criador ...
O meu ser é o de uma mulher-mãe-menina, que ousa viver, que sofre as angústias de cordão nunca cortado, que brinca ainda, na inconsequência e na ingenuidade da ignorância da Vida ...
O meu rosto tem os sulcos do caminho andado, tem as marcas das lágrimas de montante a juzante, tem o olhar comprido de quem contempla a estrada percorrida, e a saudade de amores que se foram perdendo nas voltas do percurso ...
E o meu corpo ... a ousadia, o desafio, e o frémito de Vida, na sabedoria da maturidade de uma mulher outonal !!!...

Essa, sou EU !!!...


Anamar

quinta-feira, 11 de outubro de 2012

" RETRATO "


Em que mundo estamos ?  Em que galáxia vivemos ?

Tenho a sensação que isto virou de "ponta a cabeça".   A páginas tantas, a bússola aponta mas é o sul e não o norte, e temos andado enganados !

Uma mulher, relata  pormenorizadamente a sua vida no FB.  Exibe fotos da filha e diz : " Como é linda a minha filha, já viram"?
Exibe indiferentemente fotos dos netos, do marido, da mãe, dos gatos, dos concertos, das audições a que foi ...
Tudo consequência de um grau de degenerescência mental, que me causa engulhos, só pode ...
E é incapaz de avaliar o  ridículo, apondo comentários infantis, "naïves", descabidos, que me perturbam.
E fico triste, porque a conheci nos tempos de "normalidade", digamos ... ( se isto existe ).
E está feliz ... tontamente feliz, embora de quando em vez, com o ar mais feliz do mundo também, diga que acabou de chegar do "psi" ... como quem diz que acabou de chegar das compras no super !!

Senso  de  conveniência  e  saber  estar ??... Pois ... o  pessoal  alucinou !...

Outra  diz  de  chofre : " Hoje  separei-me ... não  sei  se  em  definitivo !..."  enquanto outra afirma : "Estou numa relação ... ainda não dá muito para perceber ... "
Nas redes sociais, os homens convidam uma mulher p'ra cama, na segunda frase de diálogo, mas elas também estimulam sexo virtual, sem problemas e total desinibição ...
"Abençoadas"  web cams, "abençoados" Skypes, "abençoado" cair de véus, de todos os véus ...

No café, à minha frente, tenho uma figura híbrida, tipo Zé Castelo Branco, estão a ver ?
Não costumo sentir "frenicoques" com este tipo de coisa, mas desta vez sinto-me incomodada ...  Sinal de alguma / muita intolerância já, da minha parte !

Um "habitué" idoso, frequentador diário do espaço, em vez de recorrer aos lavabos para se aliviar, resolve o problema, mesmo na mesa contígua à minha ...

Ajudam-se  amigos,  que  não  nos  ajudam  quando  precisamos  o  retorno ...

Nos corredores dos supermercados, as pessoas falam sozinhas, ou então contam a vida desde que nasceram, ao parceiro de banco de jardim  ( que acabaram de ver ), onde se sentaram por momentos a descansar ...

Inverteu-se tudo ... o Mundo perdeu fronteiras !
Circulamos ao Deus dará, numa alucinação colectiva, em que parece que queremos esquecer a qualquer preço, como quem recorre a uma droga, desde que seja salvadora, e tire a "dor", pelo menos durante algum tempo.
As pessoas querem mergulhar em qualquer sonho ou pesadelo, querem entorpecer-se de qualquer forma, querem aturdir-se, abafando o "ruído de fundo" com a aparelhagem no máximo, querem entrar seja em que túnel for, desde que as leve até uma luz diferente, do outro lado !

Estranha época esta, que não dá mesmo para entender, ou talvez dê ... e talvez não pudesse ser de facto, de outra forma !...
Penso que há um padecimento mental colectivo, penso que todos, indistintamente, andamos à deriva num mar encapelado, em tempestade alterosa e instalada.
Acho que a ausência de esperança, a ausência de objectivos, metas ou projectos, nos deixam a viver por viver, a viver porque respiramos ... pouco mais !
A sensação de impotência conseguiu exaurir o ser humano, que neste momento adquiriu por defesa, uma carapaça de indiferença, de encolher de ombros, e todos entramos numa espécie de festa de loucura de vésperas do último dia ;  todos vivemos aquele  desnorte do valer tudo, do condenado, a quem foi dito que dispunha das suas últimas vinte e quatro horas !...
E simultâneamente , gerou-se  uma insensibilidade, que acho que corresponde mais ou menos, àquela que sentimos no trabalho final dum parto, quando a mulher é cosida e ... simplesmente já não sente mais nada, tanto o sofrimento e a dilaceração sofrida entretanto.
Vivemos um estado de embriaguês que permite tudo.  São estertores finais de um moribundo, são quedas não sentidas, do ébrio que despejou dentro de si garrafas sobre garrafas ... é a indiferença do desistente de uma doença terminal, é a impotência, o imobilismo e o estado cataléptico, das vítimas de bombardeamentos e torturas que não entendem, em guerras que também não entendem ... porque ... já não vale a pena, e é sempre melhor esquecer (quando não há alternativa visível, quando já não se pede nada ... ), é sempre melhor deixar de consciencializar, deixar de sentir ... ir morrendo aos poucos ...

Os desnutridos, física e emocionalmente, deste país, continuam com o rabo sentado no barril de pólvora, no cone do vulcão que ameaça "vomitar" a qualquer momento ... enquanto os "deuses" dormem no Olimpo.
As valetas estão cheias de moribundos, e os coveiros não têm mãos a medir ... mas o Mundo continua a ver filmes do Mr. Bean ...
As gargantas estão roucas, e os sapatos não têm mais solas, de tanto caminho ;  as bandeiras estão rasgadas ou põem-se de cabeça para baixo ... e as velhas de 99 anos, continuam a esmolar nas ruas, os euros ou os escudos, ou "lá o que é" ...com que a família come o pão no dia seguinte !...
Os "Infantes D.Henrique" desta terra, afogaram-se na última viagem ... as "Padeiras de Aljubarrota" morreram no forno, junto com os espanhóis, e o resto do povo perdeu-se com D.Sebastião, em Alcácer Quibir, num nevoeiro que nunca mais dissipa ...
Entretanto, Portugal ajoelhou ...
Nos tempos actuais já não se fabricam heróis !...
Resta-nos a poeira do caminho, ou a relva dos campos para engolir ;  o Holocausto do século XXI, está mais perto do que sequer consciencializamos ... porque em campos de concentração, já vivemos ... ainda que não tenhamos dado por isso !!...

Enfim ... assim vai correndo o Mundo !...
Assim vamos indo todos !...

Mas curiosamente, e sem que se entenda, como  sapiente e perspicazmente Torga nos dizia, com toda a actualidade, afinal ...



Somos um povo sem surpresas !...  Continuamos simplesmente iguais a nós próprios !!!...

Anamar

quarta-feira, 10 de outubro de 2012

" GRILHETAS "




Ontem...algures em Lisboa ...


" Falta-me a coragem !... "

Estas palavras ecoam-me, com som de tristeza e desalento, nos meus ouvidos ...

Mas a Vida é feita de coragem !
Coragem para nascer, desde logo, tendo à espera o desconhecido, que é o pior que nos pode esperar em qualquer circunstância, do nosso caminho.
Porque o desconhecido assombra, angustia, faz o coração disparar.
Ter coragem para acordar, encontrar o sol ou a chuva lá fora, e na vida ... e saber dançar nela, é coragem pura !

É preciso coragem para o amor ...
Pôr um filho no Mundo, é um acto de coragem .
Perder alguém muito nosso, que nos abandona, sem que nada possamos fazer ( porque o destino sentencia implacavelmente ), e mesmo assim conseguirmos continuar em frente, é um acto de coragem !
A resistência às injustiças, à indignidade, ao abandono, ao esquecimento ... são actos de coragem ...
A luta pela sobrevivência diária, o combate pelo direito a ser-se Homem, a força de erguer a cabeça na incerteza da tempestade ... também ...
O desespero que nos leva a alcançar o tronco que flutua, no último minuto, quando o sopro da vida ameaça deixar-nos, é coragem ...  É não desistência !...
O reunir forças, sabe-se lá de onde, e pensar que elas são candeia que nos ilumina a estrada, quando tudo está  escuro  à  nossa  volta, e  não  se  vislumbra  mesmo  estrada, sequer  um  atalho ... é coragem !...
Continuarmos a reclamar-nos gente, quando nos sentimos meros farrapos humanos ... o que é, senão coragem ??!!...

Há atitudes e decisões, que só se conseguem tomar, se a tivermos.
A coerência, a honestidade, a lisura, a verticalidade, a humildade até, neste Mundo corrompido e doente, são exemplos disso.
Há escolhas que só quem a tem, admite ...

A renúncia é dos mais surpreendentes actos de coragem.
Confunde-se com cobardia às vezes, pode confundir-se com falta de ética, pode confundir-se até com estupidez ou burrice ...
Mas abdicarmos de nós mesmos em função de outrém, merecedor ou não, em função de princípios, valores, convicções, obrigações morais e outras, é um suicídio antecipado, é uma eutanásia praticada e assumida, para os quais é precisa suprema coragem !

Porque coragem, como muitas vezes levianamente se confunde, não é ausência de medo ... não é conseguir entrar no quarto escuro sem saber o que lá se vai encontrar.
Para mim, só seres de eleição a possuem na sua essência, e a praticam, porque ela é de nós para os outros, com prejuízo e anulação de nós mesmos.
Ela é saber sair de si, é o oposto do egoísmo, do egocentrismo, do autismo de interesses e conveniências ;  é abnegação total, é dádiva, muitas vezes não reconhecida, valorizada, menos ainda agradecida !...

Escolher abandonar alguém no caminho, se esse alguém nos for razão de vida ... escolher dobrar a esquina, deixando para trás apenas um derradeiro olhar comprido, lágrimas e dor, e levarmos em frente um coração feito em pedaços, só porque conseguimos esquecer-nos e anular-nos ... porque tem que ser assim, ou sentimos que tem que ser assim, não é mais que aquela coragem que poucos detêm ...
Fazermo-nos eterna e definitivamente prisioneiros de arames farpados, ou de grades de masmorras, cujos cadeados nós próprios trancamos e de que deitamos fora a chave, e com ela a felicidade um dia sonhada ... bom, se não é coragem ... então o que é ???!!!

Talvez eu seja utópica na análise de tudo isto.
Talvez eu seja "naïve" ...  Talvez eu arranje justificações para atitudes que tenham tudo menos nobreza, e seja tonta ... apenas porque preciso acreditar que não sou tonta !...
Talvez a destituída ou pouco clarividente seja eu, ao abonar benefícios, para posturas, que se calhar os não deveriam merecer ... talvez eu precise acreditar que há ainda seres humanos assim ... despojados, altruístas, superiores, em suma ...
Não faz mal se ainda consigo ver o Mundo com alguma cor, se ainda tenho alguma capacidade de aceitação, benefício de dúvida, ou de creditação àcerca do Homem !...

Falta-te coragem ... confessavas ...

Não falta não !  Tens sim a coragem que eu não tenho !...
Vai restar-te talvez uma tranquilidade de consciência e uma paz de espírito ( dizem que se dorme com elas na almofada ... ), que não terá preço, suponho, que representará dever cumprido e sossego de coração.
Só desejo que consigas viver o resto dos teus dias, alimentado por essa convicção, aconchegado pelo altruísmo de te teres tornado, por "moto próprio", um ser que se supõe vivente, mas na realidade não o é, um ser que não existe, apenas atravessa a Vida, invisível da sorte, enjeitado do destino ... um "zombie", nos dias e nas noites que te couberem ainda , espalhando a felicidade, a paz e a esperança, nos corações que vão supor "ad eternum", que lhes coube o mérito de efectivamente o terem merecido !...

Perto de ti, sou de facto um arremedo de gente, uma aprendiza imperfeita, egoísta e sempre lutadora pelos MEUS sonhos e convicções ... porque tenho consciência absoluta de que a Vida é só uma, já  me sobra pouca para o conseguir, e de facto, não tenho o que pensas não ter ... CORAGEM !!!...

Se  me  leres ... sê  feliz !!!  
Talvez  o  mereças  mais  que  ninguém !!!...




Anamar

segunda-feira, 8 de outubro de 2012

" SEI LÁ SE VOU POR AÍ !!! "



Por que vai embora a energia da madrugada, e o meio do dia me quebra a força e a esperança ?
Nas alvoradas, quando só o céu escuro, o piscar das estrelas, e a luz difusa de uma lua ( que apenas um quarto do mês tem a pujança de nos encher a alma ) brilha ... posso tudo !

Nessas horas imprecisas de silêncio absoluto, em que só os entes semelhantes a mim, pairam, em que voejam pelo meu quarto seres que me coabitam, silenciosamente, não se revelando, mas sentindo-se ... quando o som do silêncio, mais embala do que assusta ( ainda que o nevoeiro cerrado feche a noite lá fora, como hoje, indefinindo os contornos e as sombras ) ... nessas horas, eu tenho poder.
Nessas horas, eu ordeno à mente e ao coração, centros decisores do meu eu, tudo o que faz sentido, tudo o que é porque deve ser, tudo o que sinto, porque é isso que tenho que sentir.

E sempre me sei tão poderosa, que acredito que mal Vénus durma, as estrelas fechem as pálpebras aos poucos, e os seres turbulentos do dia que amanhece, comecem desordeiramente ( como tudo o que é diurno, tudo o que só tem cor à luz do sol ), comecem, dizia, a atormentar-me ... eu, como uma amazona na garupa de um corcel, bem hirta, dominarei os medos, as angústias e as dores.
Tenho a certeza que conseguirei !...

Por que será que só sou capaz, no reino das irrealidades, no reino do sossego e dos silêncios, quando sou muito mais eu e eu, simplesmente, do que eu e os outros ?!..
Por que será que só então tenho certezas e convicções, só  então  vejo  claro,  ironicamente  quando  a  escuridão  paira  afinal  por  todo  o  lado ??!!

E aí, um alívio de alma percorre-me.
O peso de toneladas que carrego, liberta-me, sinto-me a começar uma estrada, uma estrada com saída, sem horizonte que a limite ;  uma estrada com sol, campos verdes a bordejá-la, flores, muitas flores ... e algumas sombras de repouso.
Uma estrada de Primavera.  Não uma estrada de Inverno, nem sequer de Outono.
Mas um caminho, com um norte, não a passadeira em que percorremos quilómetros, sem sairmos do mesmo sítio ... mas um trilho com destino !

Destino ...  Acho que é o que falta nesta minha vida, em que, como diz a Bia, pareço viver por viver ;  em que acaba semana, entra semana, e vegeto, hiberno, encerro, morro voluntariamente, todos os dias um bocadinho.

Há manhãs, em que como hoje, a cama me embalava como há muito já não acontecia.
Dormia profundamente às dez e meia ;  dormia e dormiria, e havia uma recusa absoluta em mim, de me levantar.  Fi-lo, porque a isso me obriguei.
Começa agora o tempo em que a cama é salvação, é "ninho", é reduto aconchegante, onde não se sentem cansaços, mágoas, onde o coração não chora, onde a mente está entorpecida, onde os olhos estão cerrados, onde a dor mora menos.

Porque os dias são um pavor.  Hoje é um deles.
Ninguém conseguiria perceber, eu não saberia explicá-lo, ainda que o quisesse, com toda a eloquência de que me pudesse servir.
Ninguém conseguiria perceber, por que, neste café cheio de gente, escrevo com as lágrimas a saírem-me dos olhos, com um buraco claramente definido aqui dentro, com uma desesperança que me aterroriza, com uma dor, dor física mesmo ( eu sinto-a, juro ! ).
Sei que está aqui pelo peito, algures ;  sei que sobe à garganta, porque me aperta numa espécie de sufocação anunciada, sei que galga aos olhos, porque mos descontrola, e à mente, porque ma escurece, como naqueles dias de Inverno em que o céu fecha de repente, no anúncio de tempestade que se avizinha.
Sinto os farrapos de mim a boiar em mar revolto, e não vou jamais conseguir recuperá-los, e reorganizá-los em puzzle construtível !...
E dói, dói muito ... desafia-me a resistência, que nunca sei até onde vai durar ...

E cada hora do dia que vou ter que enfrentar, é um calvário, são grilhetas que arrasto nos pés, são toneladas de vazio que carrego ... E extraordinariamente, o vazio, que seria a ausência de tudo, é um "carrego" com o peso do Mundo, que não me assume significado ou expressão, para ter que o ir atravessando.

Este post é devastador !
É quase ilógico que o coloque aqui.  É uma exposição pessoal que não teria por que fazer, que não tenho por que fazer.
Mas acreditem, é a máscara do oxigénio que preciso, para conseguir respirar neste momento ...

Poderão dizer ... sei quem dirá  : " Tretas ... nada mais que uma chamada de atenção !  Poderia escrever e guardar no fundo de uma gaveta ! "
É verdade.  Objectivamente é verdade. Poderia !
Apenas, colocando isto neste meu "canto", pareço sentir arrego de desconhecidos, sem rosto, sem voz, sem "julgamento" ... porque não me conhecem.
Pareço sentir eco, gente, pareço sentir bóias ou coletes de salvação, de salvadores que não sabem quem salvam, nem precisam saber quem salvam ... Pouco interessa!
Pareço sentir menos solidão, pareço sentir-me espaldada, pareço inventar suportes, pareço escavar um "buraco no deserto" para onde clamo o que não interessa, e que preocuparia, ou molestaria  outrém ... pela simples razão de que aqui, eu não sou nada para ninguém, e ninguém é nada para mim ... que não sejam ouvidos moucos, e olhos que lêem e viram a página ...
Mas talvez me tenham ajudado, ainda assim !...

Mas hoje, como diria José régio, no seu espantoso "Cântico Negro" ... " não sei por onde vou,  não sei para onde vou " !...
Eu,  nem  sequer  sei  quem  sou,  nem  tão  pouco  sei,  "se  não  vou  por  aí " !!!...


Anamar

domingo, 7 de outubro de 2012

" BREU !... "



"  BREU "  foi o título que escolhi para este meu post, que de meu tem muito pouco, à excepção de uma confrangedora dor, e uma solidariedade profundas pelas gentes do meu país .... indiscriminadamente afinal ... porque  somos  sempre  "os mesmos",  os que estão  na mesma barca!...

Nem sequer é o "NEVOEIRO"  de que nos falava o Mestre, vaticinando afinal uma cerração tão espessa e cega, que  não deixa passar um só raio de sol !...

É uma mágoa opacizada, é uma revolta  já quase silenciosa ... é um desespero, a cheirar a morte antecipada nos corações !...

Ai   PORTUGAL  de milénios gloriosos, de histórias de coragem e desafio ... serás mesmo capaz de te ajoelhares aos pés, de quem sem pudor ou vergonha, já te espezinha ??!!...

Deixo-vos Pessoa, e uma mulher sem rosto, sem nome, sem casa, sem comida .... uma mulher que são todas as mulheres, todas as mães, todas as avós da minha terra ...
As  Evas,  do  PRINCÍPIO  e  do  FIM  de  tudo .... do  Paraíso  que  não  temos, e do Inferno  em  que vivemos ... apenas  com  um  CORAÇÃO  ainda  a  pulsar ... e  noventa  e  nove  anos .......para  que reflictam !!!...

 ( Clique no título,  para abrir o vídeo )

Idosa de 99 anos passa os dias a pedir na rua para ajudar a família desempregada - País - Notícias - RTP





Anamar

sexta-feira, 5 de outubro de 2012

" TENHO PENA ... "





" TENHO PENA DE SÓ MORAR NA MINHA PELE, QUANDO A TERRA É TÃO GRANDE "

Esta frase consta do diálogo entre duas personagens, de um livro de Simone de Beauvoir que estou a reler, e saltou-me do livro como uma faísca atinge um pinheiro, fulminante e inesperadamente ... tipo, "é isto ... exactamente o que pressinto em mim " !...
A precariedade do meu "invólucro", com tanto, para lá deste quarto e desta janela !
A pequenez do que conseguirei viver enquanto por cá andar, e tanto que é o viver das vidas todas por aí, tanto que é o VIVER, afinal !...

Há um ano eu enganava, por esta altura, esta sensação claustrofóbica existencial, pois dentro de um mês iria partilhar mais um retalhinho de outras vidas, miscigenando-me com outras peles, nesta Terra de facto tão grande.
E invejo profundamente, a idade e a disponibilidade de quem coloca uma mochila nas costas, e simplesmente segue, cumprindo um espírito viageiro, que pressinto desde sempre em mim.

É por ele, que me sinto incompleta ; é por ele, que sempre me falta uma fatia ;  é por ele, que a insatisfação de qualquer coisa inacabada coexiste comigo em permanência,  e que a angústia de saber que os horizontes escondem horizontes, sem que eu  tenha "passada" que os atinja, me é absolutamente sensível !...
É por ele, por esse espírito inquieto e em turbulência, que sei injusto o quinhão cada vez mais reduzido e curto, que me distribuíram à chegada.

Só me deram mente, coração, espírito e sonho, para deles fazer o que quisesse.

Com a mente torturo-me, porque feito um bicho-carpinteiro, não sossega nem me dá tréguas ;  questiona-me, confronta-me comigo mesma a cada segundo que respiro, coloca-me problemas em permanência, e questões que parecem desafiar a inteligência que me distribuíram também, mas não em quantidade suficiente, estou convicta ...

Com o coração amo destemperadamente, sofro na mesma proporção, dilacero-me, porque é pequeno demais para tudo o que lá quero meter dentro, desgoverna-se e perde-se nos percursos, frequentemente, deixando-me a mente  "à  nora" ;
descompassa o ritmo, pela utopia, pela insanidade que o caracteriza, pela falta de clarividência, prudência e recusa de racionalidade.
É rebelde, é indisciplinado ;  é muito, muito pouco inteligente, e é recorrente no enviesado dos caminhos que sempre escolhe ...  e tem memória curta, curta demais ...

O espírito, é este companheiro irreverente, travesso, irrequieto, que me projecta para lá dos meus muros e me confronta comigo mesma.
Mas como um cavalo sem freio, não se deixa dominar, domar, sequer orientar nos trilhos para onde me leva ...
O espírito é o écran onde se projectam os meus filmes, onde existe a dicotomia do que sou e do que talvez devesse ser, onde o razoável e o louco se degladiam sem piedade, onde o meu direito e o meu avesso, jogam de gato e rato.
O espírito é o que tira as noites para me atormentar, nas horas de insónia e de solidão ...
É o que me faz sentir a mais feliz e a  mais infeliz dos mortais ... enfim, é de alguma forma, a "tribuna" onde me são lidas pela Vida, as "sentenças", favoráveis ou não !...

Resta o sonho ...
Do sonho disponho em excesso, incontidamente, na liberdade, na leveza, no etéreo  provocador  rodopio, de bailarina em pontas, no bailado da sua vida.
Com o sonho mergulho e arrisco-me constantemente, porque nunca olho primeiro, o que me espera no fundo do abismo.
Com  o  sonho  entrego-me  razoável  ou  irrazoavelmente, aposto sem limites, ( quando bastaria "ler" atentamente ), para que percebesse estar a tomar uma canoa furada !...
O sonho, é o que ainda me faz levantar em cada manhã, como se esse fosse o dia do meu "jackpot", e a ausência dele, o que me faz chorar ao deitar, e desejar morrer quando o sol dormiu, o céu se apagou, e as primeiras estrelas começaram a anunciar-se, sabendo que tudo se repetirá, exactamente igual, no dia seguinte ...

Sinto que cada vez sonho menos, e sem ele, a esperança parte, a coragem também, e o desencanto toma conta de mim.  A ingenuidade  do acreditar fácil, abandonou o meu coração há muito, embora incoerentemente, num cantinho esconso do meu peito, como uma criança, acredito infantilmente, que de uma cartola pode continuar a sair um coelho !!!...

Hoje sinto-me sem ar ;  hoje, feriado, pouco movimento, muitas coisas fechadas, ausência de gente, em clima de fim de semana antecipado, tenho uma solidão mortal dentro de mim.
Desci para tomar um café, porque me apavora pensar, que como todos os dias, vou estar sentada frente àquela vidraça, de onde nem já a minha gaivota se aproxima, frente àqueles telhados desalinhados, naquele silêncio absoluto de casa desabitada, a ver o laranja lá ao fundo, com o sol a descer de mansinho, até que os seus últimos raios do dia, tombem sobre Sintra, e sobre o mar de Sintra, que ainda fica noutro horizonte que visualizo na minha mente e no meu coração, mas obviamente não, da minha janela ...
E sufoco, a pensar que mais um dia se exauriu, inglória e irreversivelmente, sem história, sem rumo, sem ter valido a pena, afinal ...

E  lamento, lamento  que  com  uma  Terra  tão  grande, eu  viva  confinada  e  condenada  a  morar  na minha  única  e  imperfeita  pele !!!...

Anamar 

quinta-feira, 4 de outubro de 2012

" A D. AUGUSTA "



Tive  ontem  conhecimento  através  da  porteira  do  meu  prédio  -  a  D. Leonilde, que vive connosco há trinta e sete anos, que faz parte da "mobília", que foi para ali acabada de casar, e que neste momento, como a maioria dos condóminos "militantes", já é avó ... Já vos digo do que tive conhecimento.

Vou apresentar-vos um pouco melhor a D. Leonilde, a pessoa mais humilde, mais prestável e mais amiga que conheço, nestas condições.
É o "bombeiro" de serviço no prédio, para tudo o que é solicitada. Ela faz o seu trabalho inerente ao lugar que ocupa, presta horas como empregada, a quem esporadicamente a solicita para trabalhos mais complicados, ou às velhotas que já os não podem fazer, dá recados necessários, por vezes, entre condóminos, encarrega-se da compra das flores oferecidas aos que já partiram, que já são bastantes e continuam nas nossas memórias, trata da minha Rita quando estou fora, e das minhas plantas ( se calhar melhor que eu ... ), e claro, como lhe "compete", põe-nos ao corrente das novidades das redondezas ( o que normalmente ocorre lá em baixo, na entrada do prédio ).
É generosa, solícita e humilde, sem ser subserviente.
É o que se costuma dizer, uma "jóia" de pessoa !...

Ora bem, apresentada que está a D. Leonilde, cabe-me agora falar do que me levou a escrever este post, porque foi algo que ocupou o meu espírito algum tempo.

Dizia-me ontem a D. Leonilde, que uma senhora que vive nos prédios em frente, há longos anos ( eu diria, desde sempre ), que por ali teve filhos, teve netos, enviuvou e continuou a resistir a pé firme, na sua vidinha pacata, na solidão da sua viuvez, casara de novo ...
E surpreendentemente casara, porque ela própria ( deve ser senhora seguramente com setenta e muitos ou até oitenta anos ), colocara um anúncio de matrimónio num jornal, porque segundo dizia, era-lhe terrível o isolamento em que vivia, a aridez dos seus dias sem sol, o silêncio das suas noites sem lua ( digo eu ... ).

O marido é um senhor ( agora já o sei ), mais ou menos da mesma faixa etária, solteiro convicto, e que já antevia o futuro dos seus dias num qualquer lar, porque os parentes mais próximos, ou já haviam falecido, ou encontravam-se fora do país, e como tal, e não querendo ser "empecilho na vida de ninguém", ao ver aquele anúncio, perscrutou por detrás daquelas palavras, uma D. Augusta no mesmo "barco", com vivências por certo semelhantes às suas, desígnios de resto de vida, também ... e resolveu arriscar.
Resolveram arriscar, afinal !...

E agora, desperta que estou para a situação,  já vejo a D. Augusta e o Sr. Afonso a irem tomar o seu cafezinho, a saírem até ao Parque, neste resto de dias bem soalheiros, a conversarem, de braços dados, no passo cadenciado e sem pressas que a idade lhes impõe, a irem ao supermercado às compras, enfim, na vida do dia a dia sem demais sobressaltos.
E felizes, muito felizes ( isso informou-me a D. Leonilde ) !...

Ora bem, talvez uma situação considerada normal em países  "mais arejados", aqui, neste nosso "quintal", ainda nos traz um sorriso ao rosto, e alguma surpresa à mente.
Ainda é algo inusitado, dentro dos padrões sociais costumeiros, e em particular acontecer em gerações que não as de hoje.

Fiquei a pensar naquele casal ternurento, e a questionar-me se alguma vez eu teria "disponibilidade" mental, física e emocional para tomar uma atitude destas, para arrriscar ...

Na realidade o quê?


Um restinho de vida diferente, auspicioso à partida, com um companheiro ao lado que ainda me desse o braço pelas ruas, que ainda amasse apanhar sol comigo, passear pelos campos, ver o mar ...  que  ainda  soubesse  ouvir  a  chuva  a  cair  nas  noites  de  Inverno (  mesmo que o ouvido comece a "endurecer" mais e mais ), que gostasse da minha música e a partilhássemos em silêncio, que falássemos longamente, com todo o tempo do Mundo, ou simplesmente  ... que desconversássemos até ... que esconderia atrás das costas a rosa, que depois com um sorriso de amor me ofereceria ... e que desse vida à casa que se tornara cada vez mais desertificada e vazia ??!!...
ou ...
um fracasso total, cuja gravidade talvez não fosse excessivamente penalizante, porque afinal, oitenta anos são oitenta anos ... e o tempo em que as mágoas e os insucessos deixam máculas irreversíveis e incontornáveis muitas vezes ... já foi há muito ??!!...

Pergunto-me  se  conseguiria  sair  do   "encasulamento"  em  que  vivo   ( e de que me queixo ), e teria capacidade de tolerância, habituação, cedência, partilha do meu "eu" ... do meu "eu" e das "minhas coisas", como dizemos ??!!...
Seria eu capaz de sair de uma vida já toda estratificada., toda delineada, dum  "rame-rame" e de uma monotonia que no entanto rejeito, dum figurino que se fossilizou  ao  longo  dos  anos,  de  uma  vida   só comigo  mesma ??!!...
Seria  capaz  de  sair  do  egoísmo,  ou  simplesmente  do  meu  esquema ( egoísmo é excessivo, penso ), para me encaixar numa realidade totalmente nova, diferente, com obrigatoriedades outra vez, com renúncia de muita coisa, com adaptação a outras, que sim ou não, me satisfariam ou colidiriam comigo ??!!...
De readquirir rotinas entediantes ... uma vez mais ??!!...
Seria  eu capaz de  prescindir de uma "liberdade" que adquiri,  pelo facto de ser eu comigo mesma apenas, não devendo explicações ou satisfações aos demais, e voltar a ter "asas" cortadas e horizontes limitados ??!!...

À medida que os anos passam, cada vez mais nos questionamos com a aproximação do fim da estrada, com a consciencialização da dificuldade do caminho, e de termos de o percorrer sozinhos, sem ombro ou bordão, e com capacidades em declínio.
Esse é o grande pavor, creio, que assombra as nossas reflexões, quando delas não conseguimos fugir.
Agora, qual o "preço" a pagar para alterar este estado de coisas?
Teremos  "JÁ",  ou  "AINDA" , flexibilidade  em  todas  as  vertentes,  para  sermos  também  uma  D. Augusta ??!!...

Realmente a incoerência do ser humano, a sua insatisfação permanente, as suas indefinições, fantasmas e dúvidas,  são  espantosos ... e  a  coragem, loucura ou capacidade de risco, inversamente espantosas também ...
Sabemos o que não queremos, mas raramente sabemos o que realmente queremos, ou o que realmente seríamos capazes de assumir e enfrentar, do que teríamos coragem ...

Dicotomia louca esta !!!...

O drama, é que os anos vão passando, muito, muito depressa, e a dúvida da indefinição avoluma-se até ao infinito, ou até um infinito qualquer, em que já nem Donas Augustas conseguiríamos mais ser, ainda que  o quiséssemos mesmo !!


Anamar

terça-feira, 2 de outubro de 2012

" A BARCA DA MEMÓRIA "


Veja este vídeo fantástico do MSN - Memórias da cidade do Porto no fundo do mar


( clique sobre esta frase para abrir o vídeo )

Na cidade do Porto decorre uma iniciativa cultural interessantíssima, que apelidaram da "Barca da Memória". Conforme o vídeo que aqui  posto e que retrata o evento, os portuenses são convidados a colocar em contentores que serão posteriormente selados, o que entenderem poder retratar o Porto actual.
Algo que fale dos dias de hoje, da história da cidade e dos seus habitantes.
Esses contentores, reunidos num Barco Rabelo - "A Barca da Memória" ( como lhe chamaram ), serão então, em cerimónia adequada, transportados para alto mar, e afundados a  três milhas a sudoeste da barra do Douro.
A ideia é serem recuperados em 2112, ou seja, daqui a cem anos, para que as memórias de hoje na vida da cidade e dos portuenses, sejam dessa forma - nas mais variadas vertentes - narradas e ilustradas aos concidadãos de então.

Esta iniciativa, lembrou-me o conhecido envio de mensagens em garrafas lançadas ao mar, na expectativa de que, algures num qualquer areal, de um qualquer continente, num qualquer lugar do Mundo, ao serem recuperadas, essas mensagens sejam lidas, e dessa forma tenham colocado em comunicação dois seres, que não se conhecem, que jamais se conhecerão, que talvez já nem existam,  mas  que  dessa  forma  saiam  perpetuados,  através  dessa  comunicação ...

São nostálgicas estas formas de expressão e transmissão de pensamentos e sensações, por quem assim os expressa .  É como se o ser humano, de certo modo, quisesse eternizar a sua existência, a sua pegada, algures aqui na Terra ;
Como se dessa forma se sentisse um pouco detentor e manipulador do Tempo, vencendo-o, numa espécie de passada de gigante.
É como se dissesse :  " Daqui a cem anos eu já não estou ;  mas estarei, através de quem me ler, quem me sentir, quem me perscrutar ... "

O ser humano sempre sonha com a eternidade, sempre sonha deixar o seu rasto, de alguma maneira, no Planeta.
Os namorados inscrevem corações entrelaçados e atravessados por setas, em troncos de árvores, que atravessam anos ... às vezes, vidas ;
Nas pedras deixam-se inscrições a desafiar as eras ;
Nas areias escrevem-se nomes, deixam-se pegadas e tactuam-se mãos, para a maré desfazer, indiferente ...

Em casa, não em barcas, mas em arcas, guardam-se as memórias, como se pode.  De fotos, a postais, a escritos, a flores secas, a pedras, a conchas, a bilhetes de espectáculos, a guardanapos de papel ... de tudo, essas arcas têm ( já aqui falei delas muitas e muitas vezes, e da minha compulsão em recheá-las ).
É como se disséssemos : " Passei aqui na Terra por algum tempo.    Aqui estão  as  minhas marcas ... as memórias  da  pessoa  que  eu  fui !... "

E tudo porque temos pavor do esquecimento, até mesmo na cabeça dos nossos entes queridos.
A minha mãe frequentemente diz, sobre isto ou aquilo que faz : " Depois vocês vão lembrar-se de mim, um dia !... "  ( como se nós pudéssemos esquecê-la !... )
Mas na cabeça dela, sendo algo material, permanecerá depois dela partir, e terá para todo o sempre, a marca das suas mãos.
Ela não entende que a marca individual do ser humano, não passa por nada material, mas advém sim, do espólio espiritual, afectivo, do todo global que essa pessoa intrinsecamente foi, distribuíu, doou de si mesma, na sociedade, e no seu meio restrito, junto de todos e de alguns.
Esse é que é o legado que fica.  Isso  é que imortaliza ou não, o Homem !

Sentimos pavor de não sermos realmente mais do que o pó, em que nos transformaremos ...
E o pó é volátil, o pó vai com o vento, o pó transporta um anonimato doloroso, e até os mais humildes, conscientes e realistas, sentem que é injusto ser em vão, a sua passagem por aqui.  
Que diabo ...  boa, má, louvável, reprovável ... fomos gente ... tivemos "história" !
Temos direito a um lugar na "galeria" !!!...

Recordo o  filme  que a maioria de vocês  lembrará seguramente, baseado na  novela do mesmo nome, de Nicholas Sparks :  "As palavras que nunca te direi".
O enredo da película assenta exactamente, como referi atrás, nas palavras, nos sentimentos, nas emoções, nas histórias, narradas anonimamente, encerradas e transportadas numa garrafa lançada ao mar.

Esta  ideia  é  assaz  romântica,  é  emocionante,  é  nostálgica,  poética ...
Comporta em si, a remota ilusão de que um dia, alguém lerá aquelas confidências ...
Onde?  Quando ?  Quem ?
Ninguém poderá responder a nada disso ;  é como uma página da nossa vida, uma folha do nosso destino, que seguiu à deriva pelo Mundo.
Somos nós a falarmos para alguém sem rosto ; é um pouco do que somos, transportado a outros corações ;
é parte das nossas memórias, que alguém / ninguém irá partilhar com alguém / ninguém, também sem rosto, mas certamente com alma !...

Nunca o fiz, mas às vezes penso que gostaria de um dia, também embarcar nessa viagem ... largar a minha garrafa numa qualquer maré, de um qualquer mar ...
E já me perguntei, quais seriam as minhas palavras, sem destinatário conhecido ??

Afinal, talvez simplesmente encerrasse nela, um poema ...  um poema da mulher-poetisa, eleita pelo meu coração, e que tão bem dá eco à alma feminina ... Florbela Espanca 
Talvez este ... quem sabe ??!!...


                    " EU "

Eu sou a que no Mundo anda perdida,
Eu sou a que na Vida não tem norte,
Sou a irmã do Sonho, e desta sorte
sou crucificada ... a dolorida ...

Sombra de névoa ténue e esvaecida,
E que o destino amargo, triste e forte,
impele brutalmente para a morte !
Alma de luto sempre incompreendida !...

Sou aquela que passa e ninguém vê ...
Sou a que chamam triste sem o ser ...
Sou a que chora sem saber porquê ...

Sou talvez a visão que Alguém sonhou,
Alguém que veio ao Mundo p'ra me ver
e que nunca na Vida me encontrou !    
  
                                        Florbela Espanca ( do Livro de Mágoas )
                                                       


Anamar

"APONTAMENTO"



Nem sei por que estou aqui ... afinal são seis horas da manhã, há hora e meia que não durmo, e "ela"  chamou-me ...  Decididamente chamou-me!

A minha casa acesa com uma luz clara, mansa, silenciosa, levou-me à vidraça. Claro que ela era dona do céu. Ela já ofuscava a luz do dia  que ainda  não espreitava,  e a das estrelas que esfregavam os olhos de sono ... e de espanto.
Ela, e um pássaro branco e roçagante, dividiram o céu escuro. Talvez uma coruja em regresso a casa !

Não tenho nada para dizer, não tenho nada sobre que valha a pena fazer-vos perder tempo. Só que, agora é assim ... as madrugadas trazem-me quase sempre à realidade antes da hora, começam a massacrar-me os miolos com demasiada antecedência ... E entre  rebolar-me  naquela cama vazia, e vir "à janela"... resolvi vir abrir as cortinas e espreitar-vos desse lado, na tal hora mágica, de silêncio absoluto, de seres inquietos como eu, que se passeiam por aqui.
Comungamos das noites, dividimos as madrugadas, ouvimos o silêncio.
 Eles lá ... eu, cá ... ainda!...

Há de facto algo estranho, na noite.
A noite é uma entidade que se impõe ... tem os seus segredos e as suas histórias.
A noite é o albergue dos que circulam contra-ciclo quase sempre.
Claro que há quem conviva com ela, porque está assimilada nas suas vidas, por imposições profissionais.  Mas mesmo aí, eu acho que as cumplicidades que se geram nas noites e nas madrugadas silenciosas, é muito particular.  Não tem a ver com as cumplicidades desnudas, partilhadas no buliço dos dias confusos.
Diria que têm uma força especial. A força do comungado num segredo que o não é.

Bom, começam a circular os primeiros combóios, que certamente levam gente que adoraria estar numa cama como a que eu rejeitei.
A vida de quem tem vida!...
A minha mãe, seguramente, também já está levantada há algum tempo.  Essa aí, tem pressa em sorver o resto do tempo que lhe atribuiram para ver luas sobre luas, por enquanto.
Essa aí, faria de cada vinte e quatro, quarenta e oito horas, para que a estrada ainda se lhe alongasse ... porque ela ama viver.
De facto, tenho poucos dos genes dela !...

E vou voltar para o segundo "round" de mais uma noite sem história ... ou com tantas histórias, que me fundem a cabeça, e me trazem à janela, para lhe render homenagem ... a ela, à rainha imponente da noite ... e ao pássaro branco, talvez uma coruja ... em rota de "casa"...

Anamar

segunda-feira, 1 de outubro de 2012

" A DESTEMPO "




Já  chegaste tarde ...

Tarde demais, porque até o sol já foi.  Sabes, o sol agora dorme mais cedo, porque afinal já estamos naqueles dias dourados, castanhos e vermelhos,  em que de certeza os castanheiros já perderam as folhas.
Eu apenas imagino ... porque aquele caminho também já não é mais meu ...
Talvez agora seja o tempo dos ouriços ... não sei !

A areia despovoou-se, e agora são as gaivotas que reinam.   Têm o areal por sua conta, para o seu bailado de início de dia.   Até porque o mar atroa lá atrás, e não está satisfeito nesta época.
Deixou de ser azul ou verde, e vestiu-se daquela cor que é e não é ... cinzenta, apenas rendilhada pela profusão de espuma branca, com que galga os rochedos.
As algas, essas são perenes.  Deixam-se vestir e despir, por cada maré que sobe ou desce.
A brisa, mais fustiga do que acaricia, e não demora a tornar-se vento.

Já chegaste tarde ...

Énya já não canta "Amarantine", nem "Only time", naquela aparelhagem sincopada.
Eu, esqueci as palavras, esqueci o calor, esqueci-me de mim.  Sei lá quem sou !!...
Já sou outra, outra vez, nestas mil outras que sou ao longo da minha vida.
Não há farol por aqui.  Não há sequer um pontinho luminoso, como o que brilha às vezes, na janela de um monte, perdido em nenhures, no isolamento do montado interminável, no meu  Alentejo ... e que sempre fala de gente, de família, de candeeiro aceso na mesa da janta ...
Aqui, até as estrelas ficaram por detrás dos castelos de nuvens, ameaçadoras.
Não tarda começa a chover, e a chuva sempre nos empurra para a "concha" !
Não é como a chuva abençoada de Samaná, da Jamaica ou de Sta. Lucia.  Essa, era doce, era quente, e vinha embrulhada em papel de presente, e laço de fita.
Essa, puxava-nos para dançarmos alucinadamente, abandonando-nos à sua carícia ... lascivamente, pecaminosamente !...  Mas essa tinha segredos !...
Aqui a chuva chama-se silêncio, solidão, cansaço ... escuridão ...

Já chegaste tarde ...

Os caminhos e os sítios já te esqueceram.
As minhas taças ficaram plenas de rosas secas, antúrios antes de morrerem, e alfazema dos montes.
Não sobrou nenhum espaço ... e isso era um sinal.  Um sinal que eu não percebi ...
Logo eu, que sei ler os sinais todos !...
Já pouco sei ;  e o que sei está muito enevoado, demasiado enevoado, como um tule envolvente de leito nupcial, como uma teia tão bem tecida, que quase se opacizou ... como as tais "nieblas" que me apavoram, mas que sempre atazanam a minha vida, como um determinismo ou um karma que não entendo ...
O que sei, parece um anátema nos meus dias, que "Alguém" entendeu eu merecer viver !

Pouco sei, de facto ...  Não me movo ... plano ;  Não saboreio o ar ... deixo-o entrar e sair em mim ;  Nada me dói ... estou anestesiada de vida ;  Não durmo ... perambulo pelas madrugadas, nos sonhos, como um sonâmbulo perambula na noite ;  Sou como uma folha tombada na correnteza, que avança, recua, encalha, dança, rodopia, sem ir a lado nenhum.
Mas também não tenho lugar para ir, não é ??   Que importa !!!...

Já chegaste tarde ...

Agora já não consigo achar-te mais.  Já não sei como se faz.
Perdi os rumos, esqueci as marcas, não tenho referências, os meus pontos cardeais são falaciosos.
Os caminhos que me levavam até ti, enganadores ;  sempre desembocam em rotundas que me deixam entontecida, e como a roda do hamster, intencionalmente incapaz.
Eu acho mesmo, que é essa coisa vaga que chamamos destino, que feito um diabinho brincalhão goza à minha custa, como um menino extasiado num parque de diversões, que enlouquecido, travesso, quer experimentar todas ao mesmo tempo !
Mas aos meninos a gente perdoa tudo, não é ??!!...

Agora, ainda que eu quisesse ...

... tu já chegaste tarde demais !!!...

Anamar

sábado, 29 de setembro de 2012

" MONÓLOGO "



Já te perguntaste se ainda vivo ??
Porque viver não é igual a estar vivo !...
Porque imaginares que sou feliz, é obviamente uma impossibilidade, já que ninguém é feliz  com perdas no percurso, não é ?
Cada perda é um buraco a mais, desde que chegamos até que partimos.   E não há remendos que cubram os buracos deixados aqui e ali no nosso eu, cada vez mais retalhado !...

E já te perguntaste se respiro, ou se simplesmente deixo entrar e sair o ar nos meus pulmões, que mecanicamente mantém o coração a bater ?!
Sim, porque ele apenas bate, não pulsa !   E pulsar é algo muito diferente.  Pulsar é uma coisa que nos arranca do torpor, que nos levanta do chão, que nos aquece a alma, que nos traz sorriso e luz ao rosto, e que nos sussurra ao ouvido, que é uma bênção cada dia das nossas vidas ...

 E se durmo ...  Já te perguntaste, se naquele período em que me desligo do Mundo, continuo a procurar-te, em sonhos, ou se a escuridão é tanta que não visualizo mais nada?!

E se rio ?  Isso não te perguntas, porque isso tu sabes que não acontece mais, porque nenhum condenado consegue rir ... e a Vida lê-me sentenças sobre sentenças.  E cada uma que vem, me encontra o rosto cada vez mais fechado e desistente !
Mas também já não choro ... O nó que está bem aqui no peito, consegue estrangular-me a garganta, mas já não tem força para me soltar lágrimas ( que talvez fossem misericordiosas, de alívio ) ... apenas porque já secaram todas, há muito !
Claro que não canto nem danço, ainda que a música me embale docemente, e divida comigo os dias ...

Já te perguntaste se ainda vejo, ou se apenas olho o que me cerca, por insensibilidade e indiferença ??
Pois é ... É que , estranhamente, o êxtase, a paixão, o espanto e o assombro que me tornavam de novo uma criança, quando olhava um nascer ou um pôr-de-sol, quando seguia o desfazer  das ondas nos rochedos, quando pegava uma flor entre as mãos ( mesmo aquelas humildes dos campos ), quando seguia com o olhar, perdidamente, o voo da minha gaivota rumo ao infinito ...  estranhamente, esse êxtase, essa paixão, esse espanto e esse assombro, deixaram de fazer sentido, porque aconteceu o que eu diria ser impossível em mim ... fiquei indiferente, insensível, dura, distante ... adormecida no coração e na alma ( se ainda não a perdi também ) ... em suma, desaprendi de ser criança outra vez !

Já te perguntaste se tenho força para me levantar por cada manhã, se quero encarar cada dia que começa ... ou se prefiro confinar-me ao silêncio e à escuridão das madrugadas, em que o Mundo pára, em que os mortos vagueiam, e em que a vida adormece ?!...

E se sonho ??!!
Bem sabes que não !...  Afinal, há muito esqueci como é essa coisa fantasiosa com que o ser humano, masoquistamente, gosta de se enganar.
Bem sabes que há muito deixei de acreditar que "fazer de conta", minuto a minuto, segundo a segundo, ainda faça algum sentido para mim.
Bem sabes que desisti de me mascarar de eu mesma, porque se algum dia fui alguma coisa, também não sei mais onde pára !...

E o que faço hoje dos meus dias, já te perguntaste ?
Sim, porque o sol e a lua que são teimosos, continuam a dividir isto, em dois reinados : o da luz  e o da escuridão.
A escuridão acompanha-me neste momento com frequência crescente, porque nela há o silêncio, o recolhimento, a ausência de gente, à excepção dos loucos como eu.
A noite é cada vez mais dos loucos, eu acho !
E os dias ?  Nos dias tudo me é excessivamente indiferente.  Os dias são formados  pelas horas em que expio as minhas faltas, as horas em que me embriago com cálices de fel e veneno entorpecente, que me adormecem a instantes.
Nos dias, eu caminho por ínvias estradas, que nunca vão dar a nenhum lado, que nunca sequer têm fim ou saída ... porque princípio têm, continuam a ter.
Os dias são formados pelas horas do não valer a pena, as horas em que dói  ...  Às vezes dói, outras não ...
Os dias têm demasiados atalhos confusos, cada vez mais confusos, num labirinto infernal, cansativo, desgastante, vazio e frio ...  frio também ... ainda que haja quarenta graus lá fora !
Apenas porque não vale a pena ... já não vale a pena ! ...   Já não vale a pena sequer importar-me com o valer a pena !...

Podias agora perguntar-te, se ainda acreditarei na esperança.  Na esperança de alguma coisa, na esperança em alguma coisa.
Tu, que me sabes por dentro e por fora, tu que mesmo quando eu não falava, sabias o que eu dizia, tu, cujos olhos conseguiam devassar os meus, e cujas mãos eram sábias e sabiam dos meus segredos, tu, que me arrancavas doçura, e trazias à tona o melhor de mim mesma, tu, que conseguias tornar-me com uma só palavra, uma menina ingénua outra vez ... tu sabes bem, que eu não sei mais o que significa esse vocábulo, esse anseio do Homem, esse estado de espírito ;  tu sabes bem, que pior que ignorá-lo, é não acreditar mais nesse impulsionador de almas, é tê-lo matado, como contra-natura, uma mãe tira a vida ao próprio filho que gerou com o maior amor do Mundo, dentro de si !

Mas também não importa mais !...

Tu, que me conheces desde que nasci, tu, que tiveste muitos rostos, muitos corpos  ( mais ou menos escaldantes ), muitos corações ( que bateram próximo, ou longe do meu ) dentro do peito, tu, que foste infinitos cólos em que adormeci ...  tu, que enrodilhaste sucessivamente os lençóis da minha cama, que deixaste a mistura de cheiros na minha almofada, que deixaste olhares sobre olhares dentro dos meus olhos ...  tu, que acabaste sendo o nada, no tudo que me eras ...

... tu ...  já te perguntaste ??!!...


Anamar