sábado, 29 de setembro de 2012

" MONÓLOGO "



Já te perguntaste se ainda vivo ??
Porque viver não é igual a estar vivo !...
Porque imaginares que sou feliz, é obviamente uma impossibilidade, já que ninguém é feliz  com perdas no percurso, não é ?
Cada perda é um buraco a mais, desde que chegamos até que partimos.   E não há remendos que cubram os buracos deixados aqui e ali no nosso eu, cada vez mais retalhado !...

E já te perguntaste se respiro, ou se simplesmente deixo entrar e sair o ar nos meus pulmões, que mecanicamente mantém o coração a bater ?!
Sim, porque ele apenas bate, não pulsa !   E pulsar é algo muito diferente.  Pulsar é uma coisa que nos arranca do torpor, que nos levanta do chão, que nos aquece a alma, que nos traz sorriso e luz ao rosto, e que nos sussurra ao ouvido, que é uma bênção cada dia das nossas vidas ...

 E se durmo ...  Já te perguntaste, se naquele período em que me desligo do Mundo, continuo a procurar-te, em sonhos, ou se a escuridão é tanta que não visualizo mais nada?!

E se rio ?  Isso não te perguntas, porque isso tu sabes que não acontece mais, porque nenhum condenado consegue rir ... e a Vida lê-me sentenças sobre sentenças.  E cada uma que vem, me encontra o rosto cada vez mais fechado e desistente !
Mas também já não choro ... O nó que está bem aqui no peito, consegue estrangular-me a garganta, mas já não tem força para me soltar lágrimas ( que talvez fossem misericordiosas, de alívio ) ... apenas porque já secaram todas, há muito !
Claro que não canto nem danço, ainda que a música me embale docemente, e divida comigo os dias ...

Já te perguntaste se ainda vejo, ou se apenas olho o que me cerca, por insensibilidade e indiferença ??
Pois é ... É que , estranhamente, o êxtase, a paixão, o espanto e o assombro que me tornavam de novo uma criança, quando olhava um nascer ou um pôr-de-sol, quando seguia o desfazer  das ondas nos rochedos, quando pegava uma flor entre as mãos ( mesmo aquelas humildes dos campos ), quando seguia com o olhar, perdidamente, o voo da minha gaivota rumo ao infinito ...  estranhamente, esse êxtase, essa paixão, esse espanto e esse assombro, deixaram de fazer sentido, porque aconteceu o que eu diria ser impossível em mim ... fiquei indiferente, insensível, dura, distante ... adormecida no coração e na alma ( se ainda não a perdi também ) ... em suma, desaprendi de ser criança outra vez !

Já te perguntaste se tenho força para me levantar por cada manhã, se quero encarar cada dia que começa ... ou se prefiro confinar-me ao silêncio e à escuridão das madrugadas, em que o Mundo pára, em que os mortos vagueiam, e em que a vida adormece ?!...

E se sonho ??!!
Bem sabes que não !...  Afinal, há muito esqueci como é essa coisa fantasiosa com que o ser humano, masoquistamente, gosta de se enganar.
Bem sabes que há muito deixei de acreditar que "fazer de conta", minuto a minuto, segundo a segundo, ainda faça algum sentido para mim.
Bem sabes que desisti de me mascarar de eu mesma, porque se algum dia fui alguma coisa, também não sei mais onde pára !...

E o que faço hoje dos meus dias, já te perguntaste ?
Sim, porque o sol e a lua que são teimosos, continuam a dividir isto, em dois reinados : o da luz  e o da escuridão.
A escuridão acompanha-me neste momento com frequência crescente, porque nela há o silêncio, o recolhimento, a ausência de gente, à excepção dos loucos como eu.
A noite é cada vez mais dos loucos, eu acho !
E os dias ?  Nos dias tudo me é excessivamente indiferente.  Os dias são formados  pelas horas em que expio as minhas faltas, as horas em que me embriago com cálices de fel e veneno entorpecente, que me adormecem a instantes.
Nos dias, eu caminho por ínvias estradas, que nunca vão dar a nenhum lado, que nunca sequer têm fim ou saída ... porque princípio têm, continuam a ter.
Os dias são formados pelas horas do não valer a pena, as horas em que dói  ...  Às vezes dói, outras não ...
Os dias têm demasiados atalhos confusos, cada vez mais confusos, num labirinto infernal, cansativo, desgastante, vazio e frio ...  frio também ... ainda que haja quarenta graus lá fora !
Apenas porque não vale a pena ... já não vale a pena ! ...   Já não vale a pena sequer importar-me com o valer a pena !...

Podias agora perguntar-te, se ainda acreditarei na esperança.  Na esperança de alguma coisa, na esperança em alguma coisa.
Tu, que me sabes por dentro e por fora, tu que mesmo quando eu não falava, sabias o que eu dizia, tu, cujos olhos conseguiam devassar os meus, e cujas mãos eram sábias e sabiam dos meus segredos, tu, que me arrancavas doçura, e trazias à tona o melhor de mim mesma, tu, que conseguias tornar-me com uma só palavra, uma menina ingénua outra vez ... tu sabes bem, que eu não sei mais o que significa esse vocábulo, esse anseio do Homem, esse estado de espírito ;  tu sabes bem, que pior que ignorá-lo, é não acreditar mais nesse impulsionador de almas, é tê-lo matado, como contra-natura, uma mãe tira a vida ao próprio filho que gerou com o maior amor do Mundo, dentro de si !

Mas também não importa mais !...

Tu, que me conheces desde que nasci, tu, que tiveste muitos rostos, muitos corpos  ( mais ou menos escaldantes ), muitos corações ( que bateram próximo, ou longe do meu ) dentro do peito, tu, que foste infinitos cólos em que adormeci ...  tu, que enrodilhaste sucessivamente os lençóis da minha cama, que deixaste a mistura de cheiros na minha almofada, que deixaste olhares sobre olhares dentro dos meus olhos ...  tu, que acabaste sendo o nada, no tudo que me eras ...

... tu ...  já te perguntaste ??!!...


Anamar

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