sexta-feira, 5 de outubro de 2012

" TENHO PENA ... "





" TENHO PENA DE SÓ MORAR NA MINHA PELE, QUANDO A TERRA É TÃO GRANDE "

Esta frase consta do diálogo entre duas personagens, de um livro de Simone de Beauvoir que estou a reler, e saltou-me do livro como uma faísca atinge um pinheiro, fulminante e inesperadamente ... tipo, "é isto ... exactamente o que pressinto em mim " !...
A precariedade do meu "invólucro", com tanto, para lá deste quarto e desta janela !
A pequenez do que conseguirei viver enquanto por cá andar, e tanto que é o viver das vidas todas por aí, tanto que é o VIVER, afinal !...

Há um ano eu enganava, por esta altura, esta sensação claustrofóbica existencial, pois dentro de um mês iria partilhar mais um retalhinho de outras vidas, miscigenando-me com outras peles, nesta Terra de facto tão grande.
E invejo profundamente, a idade e a disponibilidade de quem coloca uma mochila nas costas, e simplesmente segue, cumprindo um espírito viageiro, que pressinto desde sempre em mim.

É por ele, que me sinto incompleta ; é por ele, que sempre me falta uma fatia ;  é por ele, que a insatisfação de qualquer coisa inacabada coexiste comigo em permanência,  e que a angústia de saber que os horizontes escondem horizontes, sem que eu  tenha "passada" que os atinja, me é absolutamente sensível !...
É por ele, por esse espírito inquieto e em turbulência, que sei injusto o quinhão cada vez mais reduzido e curto, que me distribuíram à chegada.

Só me deram mente, coração, espírito e sonho, para deles fazer o que quisesse.

Com a mente torturo-me, porque feito um bicho-carpinteiro, não sossega nem me dá tréguas ;  questiona-me, confronta-me comigo mesma a cada segundo que respiro, coloca-me problemas em permanência, e questões que parecem desafiar a inteligência que me distribuíram também, mas não em quantidade suficiente, estou convicta ...

Com o coração amo destemperadamente, sofro na mesma proporção, dilacero-me, porque é pequeno demais para tudo o que lá quero meter dentro, desgoverna-se e perde-se nos percursos, frequentemente, deixando-me a mente  "à  nora" ;
descompassa o ritmo, pela utopia, pela insanidade que o caracteriza, pela falta de clarividência, prudência e recusa de racionalidade.
É rebelde, é indisciplinado ;  é muito, muito pouco inteligente, e é recorrente no enviesado dos caminhos que sempre escolhe ...  e tem memória curta, curta demais ...

O espírito, é este companheiro irreverente, travesso, irrequieto, que me projecta para lá dos meus muros e me confronta comigo mesma.
Mas como um cavalo sem freio, não se deixa dominar, domar, sequer orientar nos trilhos para onde me leva ...
O espírito é o écran onde se projectam os meus filmes, onde existe a dicotomia do que sou e do que talvez devesse ser, onde o razoável e o louco se degladiam sem piedade, onde o meu direito e o meu avesso, jogam de gato e rato.
O espírito é o que tira as noites para me atormentar, nas horas de insónia e de solidão ...
É o que me faz sentir a mais feliz e a  mais infeliz dos mortais ... enfim, é de alguma forma, a "tribuna" onde me são lidas pela Vida, as "sentenças", favoráveis ou não !...

Resta o sonho ...
Do sonho disponho em excesso, incontidamente, na liberdade, na leveza, no etéreo  provocador  rodopio, de bailarina em pontas, no bailado da sua vida.
Com o sonho mergulho e arrisco-me constantemente, porque nunca olho primeiro, o que me espera no fundo do abismo.
Com  o  sonho  entrego-me  razoável  ou  irrazoavelmente, aposto sem limites, ( quando bastaria "ler" atentamente ), para que percebesse estar a tomar uma canoa furada !...
O sonho, é o que ainda me faz levantar em cada manhã, como se esse fosse o dia do meu "jackpot", e a ausência dele, o que me faz chorar ao deitar, e desejar morrer quando o sol dormiu, o céu se apagou, e as primeiras estrelas começaram a anunciar-se, sabendo que tudo se repetirá, exactamente igual, no dia seguinte ...

Sinto que cada vez sonho menos, e sem ele, a esperança parte, a coragem também, e o desencanto toma conta de mim.  A ingenuidade  do acreditar fácil, abandonou o meu coração há muito, embora incoerentemente, num cantinho esconso do meu peito, como uma criança, acredito infantilmente, que de uma cartola pode continuar a sair um coelho !!!...

Hoje sinto-me sem ar ;  hoje, feriado, pouco movimento, muitas coisas fechadas, ausência de gente, em clima de fim de semana antecipado, tenho uma solidão mortal dentro de mim.
Desci para tomar um café, porque me apavora pensar, que como todos os dias, vou estar sentada frente àquela vidraça, de onde nem já a minha gaivota se aproxima, frente àqueles telhados desalinhados, naquele silêncio absoluto de casa desabitada, a ver o laranja lá ao fundo, com o sol a descer de mansinho, até que os seus últimos raios do dia, tombem sobre Sintra, e sobre o mar de Sintra, que ainda fica noutro horizonte que visualizo na minha mente e no meu coração, mas obviamente não, da minha janela ...
E sufoco, a pensar que mais um dia se exauriu, inglória e irreversivelmente, sem história, sem rumo, sem ter valido a pena, afinal ...

E  lamento, lamento  que  com  uma  Terra  tão  grande, eu  viva  confinada  e  condenada  a  morar  na minha  única  e  imperfeita  pele !!!...

Anamar 

2 comentários:

F Nando disse...

Mais uma poesia de vida que tão bem vestes na tua prosa...
Bjs

anamar disse...

Oh Fernando...

És um doce !

Obrigada por tudo ... sobretudo pela amizade, e "devoção" tua, que pressinto, aos meus escritos.

Beijinhos grandes

Anamar