quinta-feira, 11 de outubro de 2012

" RETRATO "


Em que mundo estamos ?  Em que galáxia vivemos ?

Tenho a sensação que isto virou de "ponta a cabeça".   A páginas tantas, a bússola aponta mas é o sul e não o norte, e temos andado enganados !

Uma mulher, relata  pormenorizadamente a sua vida no FB.  Exibe fotos da filha e diz : " Como é linda a minha filha, já viram"?
Exibe indiferentemente fotos dos netos, do marido, da mãe, dos gatos, dos concertos, das audições a que foi ...
Tudo consequência de um grau de degenerescência mental, que me causa engulhos, só pode ...
E é incapaz de avaliar o  ridículo, apondo comentários infantis, "naïves", descabidos, que me perturbam.
E fico triste, porque a conheci nos tempos de "normalidade", digamos ... ( se isto existe ).
E está feliz ... tontamente feliz, embora de quando em vez, com o ar mais feliz do mundo também, diga que acabou de chegar do "psi" ... como quem diz que acabou de chegar das compras no super !!

Senso  de  conveniência  e  saber  estar ??... Pois ... o  pessoal  alucinou !...

Outra  diz  de  chofre : " Hoje  separei-me ... não  sei  se  em  definitivo !..."  enquanto outra afirma : "Estou numa relação ... ainda não dá muito para perceber ... "
Nas redes sociais, os homens convidam uma mulher p'ra cama, na segunda frase de diálogo, mas elas também estimulam sexo virtual, sem problemas e total desinibição ...
"Abençoadas"  web cams, "abençoados" Skypes, "abençoado" cair de véus, de todos os véus ...

No café, à minha frente, tenho uma figura híbrida, tipo Zé Castelo Branco, estão a ver ?
Não costumo sentir "frenicoques" com este tipo de coisa, mas desta vez sinto-me incomodada ...  Sinal de alguma / muita intolerância já, da minha parte !

Um "habitué" idoso, frequentador diário do espaço, em vez de recorrer aos lavabos para se aliviar, resolve o problema, mesmo na mesa contígua à minha ...

Ajudam-se  amigos,  que  não  nos  ajudam  quando  precisamos  o  retorno ...

Nos corredores dos supermercados, as pessoas falam sozinhas, ou então contam a vida desde que nasceram, ao parceiro de banco de jardim  ( que acabaram de ver ), onde se sentaram por momentos a descansar ...

Inverteu-se tudo ... o Mundo perdeu fronteiras !
Circulamos ao Deus dará, numa alucinação colectiva, em que parece que queremos esquecer a qualquer preço, como quem recorre a uma droga, desde que seja salvadora, e tire a "dor", pelo menos durante algum tempo.
As pessoas querem mergulhar em qualquer sonho ou pesadelo, querem entorpecer-se de qualquer forma, querem aturdir-se, abafando o "ruído de fundo" com a aparelhagem no máximo, querem entrar seja em que túnel for, desde que as leve até uma luz diferente, do outro lado !

Estranha época esta, que não dá mesmo para entender, ou talvez dê ... e talvez não pudesse ser de facto, de outra forma !...
Penso que há um padecimento mental colectivo, penso que todos, indistintamente, andamos à deriva num mar encapelado, em tempestade alterosa e instalada.
Acho que a ausência de esperança, a ausência de objectivos, metas ou projectos, nos deixam a viver por viver, a viver porque respiramos ... pouco mais !
A sensação de impotência conseguiu exaurir o ser humano, que neste momento adquiriu por defesa, uma carapaça de indiferença, de encolher de ombros, e todos entramos numa espécie de festa de loucura de vésperas do último dia ;  todos vivemos aquele  desnorte do valer tudo, do condenado, a quem foi dito que dispunha das suas últimas vinte e quatro horas !...
E simultâneamente , gerou-se  uma insensibilidade, que acho que corresponde mais ou menos, àquela que sentimos no trabalho final dum parto, quando a mulher é cosida e ... simplesmente já não sente mais nada, tanto o sofrimento e a dilaceração sofrida entretanto.
Vivemos um estado de embriaguês que permite tudo.  São estertores finais de um moribundo, são quedas não sentidas, do ébrio que despejou dentro de si garrafas sobre garrafas ... é a indiferença do desistente de uma doença terminal, é a impotência, o imobilismo e o estado cataléptico, das vítimas de bombardeamentos e torturas que não entendem, em guerras que também não entendem ... porque ... já não vale a pena, e é sempre melhor esquecer (quando não há alternativa visível, quando já não se pede nada ... ), é sempre melhor deixar de consciencializar, deixar de sentir ... ir morrendo aos poucos ...

Os desnutridos, física e emocionalmente, deste país, continuam com o rabo sentado no barril de pólvora, no cone do vulcão que ameaça "vomitar" a qualquer momento ... enquanto os "deuses" dormem no Olimpo.
As valetas estão cheias de moribundos, e os coveiros não têm mãos a medir ... mas o Mundo continua a ver filmes do Mr. Bean ...
As gargantas estão roucas, e os sapatos não têm mais solas, de tanto caminho ;  as bandeiras estão rasgadas ou põem-se de cabeça para baixo ... e as velhas de 99 anos, continuam a esmolar nas ruas, os euros ou os escudos, ou "lá o que é" ...com que a família come o pão no dia seguinte !...
Os "Infantes D.Henrique" desta terra, afogaram-se na última viagem ... as "Padeiras de Aljubarrota" morreram no forno, junto com os espanhóis, e o resto do povo perdeu-se com D.Sebastião, em Alcácer Quibir, num nevoeiro que nunca mais dissipa ...
Entretanto, Portugal ajoelhou ...
Nos tempos actuais já não se fabricam heróis !...
Resta-nos a poeira do caminho, ou a relva dos campos para engolir ;  o Holocausto do século XXI, está mais perto do que sequer consciencializamos ... porque em campos de concentração, já vivemos ... ainda que não tenhamos dado por isso !!...

Enfim ... assim vai correndo o Mundo !...
Assim vamos indo todos !...

Mas curiosamente, e sem que se entenda, como  sapiente e perspicazmente Torga nos dizia, com toda a actualidade, afinal ...



Somos um povo sem surpresas !...  Continuamos simplesmente iguais a nós próprios !!!...

Anamar

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