Será um blogue escrito com a aleatoriedade da aleatoriedade das emoções de cada momento... É de mim, para todos, mas também para ninguém... É feito de amor, com o amor que nutro pela escrita...

quinta-feira, 4 de outubro de 2012
" A D. AUGUSTA "
Tive ontem conhecimento através da porteira do meu prédio - a D. Leonilde, que vive connosco há trinta e sete anos, que faz parte da "mobília", que foi para ali acabada de casar, e que neste momento, como a maioria dos condóminos "militantes", já é avó ... Já vos digo do que tive conhecimento.
Vou apresentar-vos um pouco melhor a D. Leonilde, a pessoa mais humilde, mais prestável e mais amiga que conheço, nestas condições.
É o "bombeiro" de serviço no prédio, para tudo o que é solicitada. Ela faz o seu trabalho inerente ao lugar que ocupa, presta horas como empregada, a quem esporadicamente a solicita para trabalhos mais complicados, ou às velhotas que já os não podem fazer, dá recados necessários, por vezes, entre condóminos, encarrega-se da compra das flores oferecidas aos que já partiram, que já são bastantes e continuam nas nossas memórias, trata da minha Rita quando estou fora, e das minhas plantas ( se calhar melhor que eu ... ), e claro, como lhe "compete", põe-nos ao corrente das novidades das redondezas ( o que normalmente ocorre lá em baixo, na entrada do prédio ).
É generosa, solícita e humilde, sem ser subserviente.
É o que se costuma dizer, uma "jóia" de pessoa !...
Ora bem, apresentada que está a D. Leonilde, cabe-me agora falar do que me levou a escrever este post, porque foi algo que ocupou o meu espírito algum tempo.
Dizia-me ontem a D. Leonilde, que uma senhora que vive nos prédios em frente, há longos anos ( eu diria, desde sempre ), que por ali teve filhos, teve netos, enviuvou e continuou a resistir a pé firme, na sua vidinha pacata, na solidão da sua viuvez, casara de novo ...
E surpreendentemente casara, porque ela própria ( deve ser senhora seguramente com setenta e muitos ou até oitenta anos ), colocara um anúncio de matrimónio num jornal, porque segundo dizia, era-lhe terrível o isolamento em que vivia, a aridez dos seus dias sem sol, o silêncio das suas noites sem lua ( digo eu ... ).
O marido é um senhor ( agora já o sei ), mais ou menos da mesma faixa etária, solteiro convicto, e que já antevia o futuro dos seus dias num qualquer lar, porque os parentes mais próximos, ou já haviam falecido, ou encontravam-se fora do país, e como tal, e não querendo ser "empecilho na vida de ninguém", ao ver aquele anúncio, perscrutou por detrás daquelas palavras, uma D. Augusta no mesmo "barco", com vivências por certo semelhantes às suas, desígnios de resto de vida, também ... e resolveu arriscar.
Resolveram arriscar, afinal !...
E agora, desperta que estou para a situação, já vejo a D. Augusta e o Sr. Afonso a irem tomar o seu cafezinho, a saírem até ao Parque, neste resto de dias bem soalheiros, a conversarem, de braços dados, no passo cadenciado e sem pressas que a idade lhes impõe, a irem ao supermercado às compras, enfim, na vida do dia a dia sem demais sobressaltos.
E felizes, muito felizes ( isso informou-me a D. Leonilde ) !...
Ora bem, talvez uma situação considerada normal em países "mais arejados", aqui, neste nosso "quintal", ainda nos traz um sorriso ao rosto, e alguma surpresa à mente.
Ainda é algo inusitado, dentro dos padrões sociais costumeiros, e em particular acontecer em gerações que não as de hoje.
Fiquei a pensar naquele casal ternurento, e a questionar-me se alguma vez eu teria "disponibilidade" mental, física e emocional para tomar uma atitude destas, para arrriscar ...
Na realidade o quê?
Um restinho de vida diferente, auspicioso à partida, com um companheiro ao lado que ainda me desse o braço pelas ruas, que ainda amasse apanhar sol comigo, passear pelos campos, ver o mar ... que ainda soubesse ouvir a chuva a cair nas noites de Inverno ( mesmo que o ouvido comece a "endurecer" mais e mais ), que gostasse da minha música e a partilhássemos em silêncio, que falássemos longamente, com todo o tempo do Mundo, ou simplesmente ... que desconversássemos até ... que esconderia atrás das costas a rosa, que depois com um sorriso de amor me ofereceria ... e que desse vida à casa que se tornara cada vez mais desertificada e vazia ??!!...
ou ...
um fracasso total, cuja gravidade talvez não fosse excessivamente penalizante, porque afinal, oitenta anos são oitenta anos ... e o tempo em que as mágoas e os insucessos deixam máculas irreversíveis e incontornáveis muitas vezes ... já foi há muito ??!!...
Pergunto-me se conseguiria sair do "encasulamento" em que vivo ( e de que me queixo ), e teria capacidade de tolerância, habituação, cedência, partilha do meu "eu" ... do meu "eu" e das "minhas coisas", como dizemos ??!!...
Seria eu capaz de sair de uma vida já toda estratificada., toda delineada, dum "rame-rame" e de uma monotonia que no entanto rejeito, dum figurino que se fossilizou ao longo dos anos, de uma vida só comigo mesma ??!!...
Seria capaz de sair do egoísmo, ou simplesmente do meu esquema ( egoísmo é excessivo, penso ), para me encaixar numa realidade totalmente nova, diferente, com obrigatoriedades outra vez, com renúncia de muita coisa, com adaptação a outras, que sim ou não, me satisfariam ou colidiriam comigo ??!!...
De readquirir rotinas entediantes ... uma vez mais ??!!...
Seria eu capaz de prescindir de uma "liberdade" que adquiri, pelo facto de ser eu comigo mesma apenas, não devendo explicações ou satisfações aos demais, e voltar a ter "asas" cortadas e horizontes limitados ??!!...
À medida que os anos passam, cada vez mais nos questionamos com a aproximação do fim da estrada, com a consciencialização da dificuldade do caminho, e de termos de o percorrer sozinhos, sem ombro ou bordão, e com capacidades em declínio.
Esse é o grande pavor, creio, que assombra as nossas reflexões, quando delas não conseguimos fugir.
Agora, qual o "preço" a pagar para alterar este estado de coisas?
Teremos "JÁ", ou "AINDA" , flexibilidade em todas as vertentes, para sermos também uma D. Augusta ??!!...
Realmente a incoerência do ser humano, a sua insatisfação permanente, as suas indefinições, fantasmas e dúvidas, são espantosos ... e a coragem, loucura ou capacidade de risco, inversamente espantosas também ...
Sabemos o que não queremos, mas raramente sabemos o que realmente queremos, ou o que realmente seríamos capazes de assumir e enfrentar, do que teríamos coragem ...
Dicotomia louca esta !!!...
O drama, é que os anos vão passando, muito, muito depressa, e a dúvida da indefinição avoluma-se até ao infinito, ou até um infinito qualquer, em que já nem Donas Augustas conseguiríamos mais ser, ainda que o quiséssemos mesmo !!
Anamar
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2 comentários:
Eu arriscaria a dizer que não quererias ser outra D. Augusta, com a tranquilidade de um amor tardio e pacato... Engano-me?
Perdoa a opinião.
Uma beijoca
Malmequer
Olá Malmequer
Pressinto isso em mim, com uma enorme clareza.
Aliás, foi uma assumpção de tipologia de vida, que tornei praticamente definida em mim, de há oito anos a esta parte...
Vais-me conhecendo bem !!
Beijokinhas e obrigada sempre e muito, por comentares
Anamar
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