terça-feira, 2 de outubro de 2012

" A BARCA DA MEMÓRIA "


Veja este vídeo fantástico do MSN - Memórias da cidade do Porto no fundo do mar


( clique sobre esta frase para abrir o vídeo )

Na cidade do Porto decorre uma iniciativa cultural interessantíssima, que apelidaram da "Barca da Memória". Conforme o vídeo que aqui  posto e que retrata o evento, os portuenses são convidados a colocar em contentores que serão posteriormente selados, o que entenderem poder retratar o Porto actual.
Algo que fale dos dias de hoje, da história da cidade e dos seus habitantes.
Esses contentores, reunidos num Barco Rabelo - "A Barca da Memória" ( como lhe chamaram ), serão então, em cerimónia adequada, transportados para alto mar, e afundados a  três milhas a sudoeste da barra do Douro.
A ideia é serem recuperados em 2112, ou seja, daqui a cem anos, para que as memórias de hoje na vida da cidade e dos portuenses, sejam dessa forma - nas mais variadas vertentes - narradas e ilustradas aos concidadãos de então.

Esta iniciativa, lembrou-me o conhecido envio de mensagens em garrafas lançadas ao mar, na expectativa de que, algures num qualquer areal, de um qualquer continente, num qualquer lugar do Mundo, ao serem recuperadas, essas mensagens sejam lidas, e dessa forma tenham colocado em comunicação dois seres, que não se conhecem, que jamais se conhecerão, que talvez já nem existam,  mas  que  dessa  forma  saiam  perpetuados,  através  dessa  comunicação ...

São nostálgicas estas formas de expressão e transmissão de pensamentos e sensações, por quem assim os expressa .  É como se o ser humano, de certo modo, quisesse eternizar a sua existência, a sua pegada, algures aqui na Terra ;
Como se dessa forma se sentisse um pouco detentor e manipulador do Tempo, vencendo-o, numa espécie de passada de gigante.
É como se dissesse :  " Daqui a cem anos eu já não estou ;  mas estarei, através de quem me ler, quem me sentir, quem me perscrutar ... "

O ser humano sempre sonha com a eternidade, sempre sonha deixar o seu rasto, de alguma maneira, no Planeta.
Os namorados inscrevem corações entrelaçados e atravessados por setas, em troncos de árvores, que atravessam anos ... às vezes, vidas ;
Nas pedras deixam-se inscrições a desafiar as eras ;
Nas areias escrevem-se nomes, deixam-se pegadas e tactuam-se mãos, para a maré desfazer, indiferente ...

Em casa, não em barcas, mas em arcas, guardam-se as memórias, como se pode.  De fotos, a postais, a escritos, a flores secas, a pedras, a conchas, a bilhetes de espectáculos, a guardanapos de papel ... de tudo, essas arcas têm ( já aqui falei delas muitas e muitas vezes, e da minha compulsão em recheá-las ).
É como se disséssemos : " Passei aqui na Terra por algum tempo.    Aqui estão  as  minhas marcas ... as memórias  da  pessoa  que  eu  fui !... "

E tudo porque temos pavor do esquecimento, até mesmo na cabeça dos nossos entes queridos.
A minha mãe frequentemente diz, sobre isto ou aquilo que faz : " Depois vocês vão lembrar-se de mim, um dia !... "  ( como se nós pudéssemos esquecê-la !... )
Mas na cabeça dela, sendo algo material, permanecerá depois dela partir, e terá para todo o sempre, a marca das suas mãos.
Ela não entende que a marca individual do ser humano, não passa por nada material, mas advém sim, do espólio espiritual, afectivo, do todo global que essa pessoa intrinsecamente foi, distribuíu, doou de si mesma, na sociedade, e no seu meio restrito, junto de todos e de alguns.
Esse é que é o legado que fica.  Isso  é que imortaliza ou não, o Homem !

Sentimos pavor de não sermos realmente mais do que o pó, em que nos transformaremos ...
E o pó é volátil, o pó vai com o vento, o pó transporta um anonimato doloroso, e até os mais humildes, conscientes e realistas, sentem que é injusto ser em vão, a sua passagem por aqui.  
Que diabo ...  boa, má, louvável, reprovável ... fomos gente ... tivemos "história" !
Temos direito a um lugar na "galeria" !!!...

Recordo o  filme  que a maioria de vocês  lembrará seguramente, baseado na  novela do mesmo nome, de Nicholas Sparks :  "As palavras que nunca te direi".
O enredo da película assenta exactamente, como referi atrás, nas palavras, nos sentimentos, nas emoções, nas histórias, narradas anonimamente, encerradas e transportadas numa garrafa lançada ao mar.

Esta  ideia  é  assaz  romântica,  é  emocionante,  é  nostálgica,  poética ...
Comporta em si, a remota ilusão de que um dia, alguém lerá aquelas confidências ...
Onde?  Quando ?  Quem ?
Ninguém poderá responder a nada disso ;  é como uma página da nossa vida, uma folha do nosso destino, que seguiu à deriva pelo Mundo.
Somos nós a falarmos para alguém sem rosto ; é um pouco do que somos, transportado a outros corações ;
é parte das nossas memórias, que alguém / ninguém irá partilhar com alguém / ninguém, também sem rosto, mas certamente com alma !...

Nunca o fiz, mas às vezes penso que gostaria de um dia, também embarcar nessa viagem ... largar a minha garrafa numa qualquer maré, de um qualquer mar ...
E já me perguntei, quais seriam as minhas palavras, sem destinatário conhecido ??

Afinal, talvez simplesmente encerrasse nela, um poema ...  um poema da mulher-poetisa, eleita pelo meu coração, e que tão bem dá eco à alma feminina ... Florbela Espanca 
Talvez este ... quem sabe ??!!...


                    " EU "

Eu sou a que no Mundo anda perdida,
Eu sou a que na Vida não tem norte,
Sou a irmã do Sonho, e desta sorte
sou crucificada ... a dolorida ...

Sombra de névoa ténue e esvaecida,
E que o destino amargo, triste e forte,
impele brutalmente para a morte !
Alma de luto sempre incompreendida !...

Sou aquela que passa e ninguém vê ...
Sou a que chamam triste sem o ser ...
Sou a que chora sem saber porquê ...

Sou talvez a visão que Alguém sonhou,
Alguém que veio ao Mundo p'ra me ver
e que nunca na Vida me encontrou !    
  
                                        Florbela Espanca ( do Livro de Mágoas )
                                                       


Anamar

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