segunda-feira, 1 de outubro de 2012

" A DESTEMPO "




Já  chegaste tarde ...

Tarde demais, porque até o sol já foi.  Sabes, o sol agora dorme mais cedo, porque afinal já estamos naqueles dias dourados, castanhos e vermelhos,  em que de certeza os castanheiros já perderam as folhas.
Eu apenas imagino ... porque aquele caminho também já não é mais meu ...
Talvez agora seja o tempo dos ouriços ... não sei !

A areia despovoou-se, e agora são as gaivotas que reinam.   Têm o areal por sua conta, para o seu bailado de início de dia.   Até porque o mar atroa lá atrás, e não está satisfeito nesta época.
Deixou de ser azul ou verde, e vestiu-se daquela cor que é e não é ... cinzenta, apenas rendilhada pela profusão de espuma branca, com que galga os rochedos.
As algas, essas são perenes.  Deixam-se vestir e despir, por cada maré que sobe ou desce.
A brisa, mais fustiga do que acaricia, e não demora a tornar-se vento.

Já chegaste tarde ...

Énya já não canta "Amarantine", nem "Only time", naquela aparelhagem sincopada.
Eu, esqueci as palavras, esqueci o calor, esqueci-me de mim.  Sei lá quem sou !!...
Já sou outra, outra vez, nestas mil outras que sou ao longo da minha vida.
Não há farol por aqui.  Não há sequer um pontinho luminoso, como o que brilha às vezes, na janela de um monte, perdido em nenhures, no isolamento do montado interminável, no meu  Alentejo ... e que sempre fala de gente, de família, de candeeiro aceso na mesa da janta ...
Aqui, até as estrelas ficaram por detrás dos castelos de nuvens, ameaçadoras.
Não tarda começa a chover, e a chuva sempre nos empurra para a "concha" !
Não é como a chuva abençoada de Samaná, da Jamaica ou de Sta. Lucia.  Essa, era doce, era quente, e vinha embrulhada em papel de presente, e laço de fita.
Essa, puxava-nos para dançarmos alucinadamente, abandonando-nos à sua carícia ... lascivamente, pecaminosamente !...  Mas essa tinha segredos !...
Aqui a chuva chama-se silêncio, solidão, cansaço ... escuridão ...

Já chegaste tarde ...

Os caminhos e os sítios já te esqueceram.
As minhas taças ficaram plenas de rosas secas, antúrios antes de morrerem, e alfazema dos montes.
Não sobrou nenhum espaço ... e isso era um sinal.  Um sinal que eu não percebi ...
Logo eu, que sei ler os sinais todos !...
Já pouco sei ;  e o que sei está muito enevoado, demasiado enevoado, como um tule envolvente de leito nupcial, como uma teia tão bem tecida, que quase se opacizou ... como as tais "nieblas" que me apavoram, mas que sempre atazanam a minha vida, como um determinismo ou um karma que não entendo ...
O que sei, parece um anátema nos meus dias, que "Alguém" entendeu eu merecer viver !

Pouco sei, de facto ...  Não me movo ... plano ;  Não saboreio o ar ... deixo-o entrar e sair em mim ;  Nada me dói ... estou anestesiada de vida ;  Não durmo ... perambulo pelas madrugadas, nos sonhos, como um sonâmbulo perambula na noite ;  Sou como uma folha tombada na correnteza, que avança, recua, encalha, dança, rodopia, sem ir a lado nenhum.
Mas também não tenho lugar para ir, não é ??   Que importa !!!...

Já chegaste tarde ...

Agora já não consigo achar-te mais.  Já não sei como se faz.
Perdi os rumos, esqueci as marcas, não tenho referências, os meus pontos cardeais são falaciosos.
Os caminhos que me levavam até ti, enganadores ;  sempre desembocam em rotundas que me deixam entontecida, e como a roda do hamster, intencionalmente incapaz.
Eu acho mesmo, que é essa coisa vaga que chamamos destino, que feito um diabinho brincalhão goza à minha custa, como um menino extasiado num parque de diversões, que enlouquecido, travesso, quer experimentar todas ao mesmo tempo !
Mas aos meninos a gente perdoa tudo, não é ??!!...

Agora, ainda que eu quisesse ...

... tu já chegaste tarde demais !!!...

Anamar

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