quinta-feira, 16 de julho de 2009

"OS CORDELINHOS INVISÍVEIS"



Teresa estava na porta daquela igreja.

Era uma noite de Junho, de um Junho quente como são os Junhos em Lisboa.
Lá dentro, na luz difusa duma capela, velava-se um corpo.
O cheiro misto da cera das velas e das flores, impregnava o ar até à entrada.
Deveria haver um silêncio profundo e pesado, mas havia um "brouhaha" de vozes que fingiam estar em surdina mas não estavam.

Teresa estava estática, gélida, hirta e morta também, só não estava a ser velada ainda...apesar do seu coração e da sua mente, estarem naquele esquife lá dentro, partilhando já aquela tumba, com quem fora o amor da sua vida.

Sempre o respeitara, o venerara quase, por isso jamais quebraria ali o juramento feito a um pedido seu.
Se algo lhe acontecesse, um dia, ela não deveria estar presente, apesar de a sua vontade a impelir para o interior daquela capela, apesar do seu sentir lhe dizer que deveria ser ela quem havia de estar à sua cabeceira, deveria ser ela a aconchegar-lhe o último leito, a por-lhe a última flor nas mãos, a dizer-lhe as últimas frases de amor ao ouvido (sabendo que ele a escutava, já do outro lado, que ele a via já do outro lado e que também já a amparava e aquecia num sopro de força e coragem).

Conheceram-se havia longos e longos anos.
Ela, quase uma menina ainda...ele, homem feito, com responsabilidades assumidas na vida.
Amaram-se, partilharam-se, entregaram-se...
Dos sonhos aos projectos, das vontades às esperanças, do possível ao impossível...tudo dividiram, em tudo acreditaram.
Viviam com sofreguidão cada minuto que usufruíam, cada tarde passada nos sítios que se tornaram por isso, "seus", cada pôr-de-sol que os extasiava, cada música que os inundava, cada gesto de afecto que os preenchia e lhes tornava plena a vida, quando se separavam e de novo sós, enfrentavam os respectivos caminhos.
Ambos sabiam pertencerem-se, ambos sabiam que "os cordelinhos invisíveis" do tudo que os ligava, falariam sempre do outro, mesmo na sua ausência física.

Fora um amor tão completo que bastava, tão bonito quanto generoso, tão forte e seguro que nunca fora exigente, de uma aceitação do possível, por saberem que a Vida lhes reservara um quinhão apenas...no entanto, com o tamanho do Mundo!

E decorrera uma vida...

Os anos acrescentaram a cada um, menos vigor, menos frescura, um cansaço acumulado de uma esperança que se ia desvanecendo aos poucos e poucos.
O futuro parecia começar a fechar-se, sobre algo que parecia não "querer" realizar-se nunca...
Contudo, Teresa sempre acreditara, que nem que fosse por um dia, havia de partilhar com aquele homem, por inteiro, a sua vida.
Nesse dia, deixaria para trás tudo e todos, dobraria aquela esquina sem nada nas mãos, carregando apenas consigo, todo o amor que lhe preenchera o coração...e não olharia para trás sequer...

E era Junho, um Junho quente como são os Junhos em Lisboa.
Na porta daquela igreja, naquela noite de um Verão que era um Inverno profundo dentro de si, Teresa estava morta...e ninguém ainda dera por isso!!...

Anamar

Sem comentários: