
Tal como eu, o senhor abeirou-se das caixas da fruta.
Sorria, sorria muito, perguntava se eram docinhas...as ameixas...embora me pareça que ele as não definia muito bem, com um olhar que mais adivinhava do que divisava.
- "Boas p'ra comer já! Um torrão de açúcar!" - dizia a vendedora.
"Só é preciso ter cuidado não engula o caroço!"...
E ele ria, ria muito e agradecia.
- "Atenda esta senhora! Eu tenho todo o tempo!"
Olhei de soslaio para ele, para a bengala em que se apoiava para manquejar menos, para o riso rasgado no rosto...para os olhinhos "piscos" de criança-avelhentada.
Agradeci e detive-me naquela última frase: "Eu tenho todo o tempo!"...
Acedi à balança, eu e a vendedora.
Ele ficou mais atrás, com olhos gulosos para as "línguas de gato" ali à mão.
"Este senhor é muito engraçado...Tem noventa e quatro anos e diz que não quer viver mais...que está farto do corpo que carrega..."
Olhei-o de novo...agora com algum espanto e admiração. A cara pregueadinha continuava iluminada pelo sorriso.
Saí.
Nos meus ouvidos ficaram ainda palavras de apreço por me ter conhecido...
Afinal, pouco mais que dez minutos e três ou quatro frases trocadas!!...
Um provável lampejo de sol numa vida que está cansada de continuar a fazer-se, num corpo demasiado "pesado" para ser carregado já!
Mas ria, ria sempre, gratuitamente.
Nunca ele saberá que também iluminou a minha tarde, por entre os pêssegos e as ameixas!...
Anamar
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