sexta-feira, 26 de junho de 2020

" AQUI DA MINHA JANELA " - HISTÓRIA DE UM PESADELO - outro dia mais





Bom, não sei qual será o degrau desta escada até ao infinito, em que o dia de hoje se encaixa.
E nem esperava sequer, estar novamente a escrever mais uma página desta história de um pesadelo ... "olhada" aqui da minha janela ...
Esta "never ending story" que se arrasta, e que perpetua a desestabilização, a angústia ... o medo e a morte ... objectivamente a "não vida" nas nossas vidas, voltou a pincelar-se de nuvens negras no nosso firmamento que se mantivera azul e estoicamente ensolarado, nos primeiros meses da pandemia.
Aliás foi este "status quo" que nos cotou como um dos países que mais assertivamente abordara e tratara a tragédia que se abate sobre o Mundo.

Contivemos e estabilizámos de certa forma, o avanço dos casos de infecção, por forma a que paulatinamente a curva exponencial que o representa, se achatasse em planalto, evitando que uma hecatombe numérica fizesse sucumbir o SNS.
Estendemos portanto no tempo, o aumento brusco  do número de infecções, o que provocaria a ruptura dos meios técnicos e humanos desse serviço.
Víramos o que fora o descalabro, sobretudo em Itália e Espanha, e fomos eficientes, prudentes e eficazes nos resultados.
O confinamento rigoroso do país, resultado dos sucessivos estados excepcionais decretados pelo Governo e instituições de saúde responsáveis pela gestão da crise, contiveram efectivamente o que poderia ter sido um desastre com custos demasiado elevados.

As pessoas ficaram em casa, o país mobilizou-se em torno duma causa que reconheceu, a protecção pessoal a vários níveis, o distanciamento social de segurança e o respeito pelas regras superiormente emanadas, deram resultados.
No cômputo global, mesmo a nível europeu e por comparação com países similares em área e população ao nosso, as coisas correram favoravelmente, e parecia estarem a criar-se condições para fases mais leves de confinamento.
É que, a realidade social na sua vertente económica e política, pressionava drasticamente, a impossibilidade da manutenção de um país totalmente fechado, por muito mais tempo.  A crise económica que se abatera por todo o mundo, obrigava à retoma do trabalho, da actividade laboral no seu conjunto, sob pena dos danos sociais serem absolutamente destrutivos e irreversíveis.
Assim, estados de emergência, estados de calamidade, estado de alerta, e de contingência ... foram os passos sucessivamente percorridos pelo território nacional, ao longo dos tempos.
Foi aberto o desconfinamento, ainda que faseado e sob medidas rigorosas de contenção.
E estragou-se tudo !!!

Neste momento temos o país a caminhar sorrateiramente e em bicos de pés, no avanço para a normalidade, mas em três fases distintas em simultaneidade :  zonas que estão regidas simplesmente por um estado de alerta ( as mais bafejadas por alguma bonança da doença, com a existência de uma acalmia na prevalência de casos ), zonas abrangidas ainda por um estado de contingência, e zonas, como aquela onde resido, em que dezanove freguesias estão abrangidas, de novo, por um estado de calamidade, o que lhes configura um quadro de confinamento novamente bem mais apertado, e um recuo nas posições profilácticas, assumidas até agora.
Restrições mais severas nas liberdades sociais, encerramento da maioria dos espaços comerciais às 20 h, permissão de circulação para o estritamente necessário apenas, e recolhimento a casa.

Era previsível.  Sempre me foi previsível, que em consequência do desconfinamento decretado, iríamos ter uma inversão da tendência que vinha a manifestar-se até então.
Somos um povo de brandos costumes, somos permissivos em excesso, pouco disciplinados e pouco responsáveis.
Depois de demasiado tempo sob medidas rigorosas de confinamento, de uma reclusão pesada e doída com inibição das mais elementares e simples necessidades, contenção de vontades e desejos ( em que cada um nas suas casas convivia com o mundo exterior exclusivamente com o auxílio das novas tecnologias, e em que os afectos ansiosamente necessários e equilibrantes à vida, eram expressados e transmitidos à distância de andares, de patamares, de ruas ... de vídeo-chamadas e vídeo-conferências, e em que tudo tão completamente distante e impessoal, nos deixava quantas vezes, com o coração ainda mais espremido e as lágrimas mais incontidas ... ), o desconfinamento decretado, ainda que com apelos de prudência, responsabilidade e equilíbrio, revelou-se demasiado gorado ...
De repente, e numa espécie de emaravilhamento, descompressão urgente e loucura colectiva, parece termos esquecido que o vírus não partiu, que circula entre nós, se transmite vertiginosamente e sem regras, está e continuará a estar nas nossas vidas, sem clemência ... e que passos em falso, podem ter preços excessivamente elevados !

Inicialmente verificava-se serem os menos jovens a assumirem algumas atitudes permissíveis e de irresponsabilidade.  Havia alguma renitência a cuidados de protecção achados excessivos, porque afinal, já havíamos passado tantas coisas nas nossas vidas, que quase parecíamos invencíveis !...
Não seria este vírus a vir derrubar-nos !

Agora, mercê da "liberdade" a viver-se, novamente com as portas abertas, a alegria a empolgar-nos, a criatividade e a juventude amputadas, de novo a saírem pelos poros, são os mais jovens que parecem ter assumido o tal grau de invencibilidade.
E com os poucos anos que detêm, a insuficiente experiência de vida, e uma convicção de que ela está toda aí à sua frente para ser vivida em pleno, rápida e urgentemente ... facilmente são impulsionados para atitudes inconsequentes, imprudentes, com desrespeito pelas regras determinadas superiormente para a situação sanitária que se vive.
Desta forma, têm propiciado um recrudescimento de contágios, mercê do pouco cuidado dos convívios e da proximidade entre si, comprometendo toda a estabilidade e melhoria possível já  alcançada no país.

Por outro lado, não podemos ignorar que estas dezanove freguesias problemáticas têm de facto um perfil muito particular.
Pertencem a zonas limítrofes da cidade de Lisboa, da sua cintura industrial, zonas de habitação precária onde residem pessoas de parcas condições económicas, na generalidade emigrantes, alguns já de segunda e terceira gerações.
Vivem em condições difíceis, em que fisicamente é praticamente impossível a observância das regras de privacidade e distanciamento social.
São bairros e freguesias de gente que diariamente sai de suas casas, em transportes públicos com um excesso de frequência, com ocupações que exigem presença local  nunca substituível por tele-trabalho.
Havendo um foco de infecção num destes espaços, o mesmo alastra como um rastilho, em cadeias de transmissão familiar e social, duma forma vertiginosa e incontrolável.

Esta é, em síntese, a realidade que volto a viver no presente momento, em que aguardava já, com alguma serenidade, uma evolução mais positiva e optimista do panorama sanitário da Covid 19 em Portugal !

Até amanhã !  Espero que tenham, neste entretanto, continuado a ficar bem !

Anamar

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