segunda-feira, 1 de junho de 2020

"AQUI DA MINHA JANELA " - HISTÓRIA DE UM PESADELO - Dia 81



"Nós somos as nossas memórias !" - já o disse seguramente vezes sem conta, por aqui.
Parafraseio apenas a grande Fernanda Montenegro ...
E se as perdemos, ficaremos perdidos, porque as referências que sempre nos situam, esfumam-se e as coordenadas vão embora.

Hoje em dia, todos receamos mais ou menos acintosamente, a ameaça da enfermidade que dá pelo nome de Alzheimer.
É assim um pesadelo sempre pairante - até pela frequência da sua incidência - que se apropria da nossa mente, do nosso computador de bordo, e consequentemente das nossas vidas, escarnecendo, brincando de gato e rato, e deletando indiscriminadamente tudo o que guardávamos religiosamente no nosso disco rígido ... ou seja, tudo o que enforma e desenha a nossa vida pregressa.

Não parece depender da faixa etária.  Não parece depender de cuidados e prevenções não havidos.  Não parece escolher este ou aquele, por mais ou menos factores de risco a que se tenha exposto.
Não !  Ela chega silenciosamente, pé ante pé ... e já vai destruindo, trucidando, arrasando ...
Talvez nos apanhe distraídos nas primeiras incursões.  Sinais de alerta que talvez ( ou não ), tenham tido apenas a capacidade de nos ligar as antenas ...
Um esquecimentozinho aqui, outro ali ... quem não tem ?!   Isso não é nada !  Estamos todos cansados, desgastados ... quem não esquece ?!
A palavra que não vem, a frase que ficou "debaixo da língua" ... a associação de ideias que não ocorre ... o sentido que se perdeu ... a "branca" ... a maldita branca !  Mas sê-lo-à só isso ?!
Aquele corte mental ... aquela estrada de raciocínio que de repente despenca no vazio absoluto do pesadelo ... O que é isto ?  Quem é aquele ?
E o hiato ... a história interrompida ... o vazio !  O vazio da existência ... a não vida, perdida e largada algures, lá atrás, naquele túnel escurecido dos frangalhos da mente !...

Julgo ser mais ou menos assim.
E é dramático, é devastador, é inglório  tentar soprar a chama duma vela que continua insensível, bruxuleante apenas ... cuja combustão não reactiva por nada, nem por ninguém ... e se extingue aos poucos, dia após dia ...

Tenho casos próximos que me angustiam.  Tenho familiares e amigos mergulhados nesta teia destruidora e injusta de silêncios, cujas vidas encaixam na minha, cujas existências ajudam a entretecer a minha existência também ... e cujo espaço vazio, retirará a significância, amputará e incompletará mortalmente o que um dia houver a escrever-se ... sem retorno ou conserto !

Hoje, no meu dia 81, dia um da fase três do desconfinamento que caminha hesitante, assustado, asténico e pouco convicto ... e porque as memórias, tantas memórias  me vieram chegando nos temas musicais que me acompanharam caminhada fora ... "saltitei" peregrinante por entre as pessoas, as lembranças, os lugares, as palavras ditas, os risos largados, os sons, as histórias, as emoções, os afectos ... num bouquet interminável, colorido e cheiroso de tudo o que tem sido, afinal,  a minha Vida !

Até amanhã !  Fiquem bem, por favor !

Anamar

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