quarta-feira, 10 de junho de 2020

" TEMPO DE RECUAR "




Hoje foi dia de recuar no tempo ... e voltar no tempo, nunca dá coisa boa !

Sentia-me totalmente desocupada, num daqueles dias que cirandamos sem destino, nem que seja no habitual périplo caseiro, mexendo aqui, abrindo ali, olhando acolá, com todo o tempo do mundo à nossa frente.
Depois de mais uma noite mal dormida, quase uma noite não dormida, mercê do disco partido que adquiri, e que dá pelo nome de "gata surda a miar pela casa fora, ininterruptamente pela madrugada" ... fui caminhar com sacrifício acrescido, pois parecia-me antes, estar a cumprir uma penitência e não propriamente a usufruir de um tempo lúdico ... tal o estado "desgraçado"  a que me sentia votada.

O meu rumar lá atrás começara já durante a noite, num dos "intervalos" em que até consegui sonhar ... Os sonhos, é sabido, umas vezes lembramos, outras não ... desta vez fiquei com farrapos na memória.
Ainda assim, era um sonho meio baralhado ( como aliás convém a qualquer sonho que se preza ... 😃😃😃 ), pois remontando a factos pertencentes a quinze, dezasseis anos atrás, incluía anacronicamente a minha gata no enredo ...
Percebe-se claramente porquê.  É que enquanto eu tentava dormir e até mesmo sonhar, ela continuava a "serenata" no corredor, paredes meias comigo ... Só pode ter sido isso !!!

Almocei e vim dar volta a uma gaveta cujo conteúdo precisava  reavaliar.  De lá pingaram então memórias, em que há muito não mexia e que já nem lembrava estarem por ali.  Documentos escritos, fotografias ... enfim, algumas das coisas que sou perita em manter comigo.
Quando um dia eu for em viagem de ida, muito trabalho terá quem cá fica para "encaminhar" para o "arquivo morto", como diz a Lena, o tanto que guardo em caixas e caixinhas, sacos e dossiers que na verdade só a mim respeitam ...
Ou então tenho que me cultivar o sentido do desapego, atempadamente, para ainda de cabeça feita, conseguir cortar os laços afectivos e emocionais que me prendem a tão valiosas e inestimáveis insignificâncias na minha vida ... e dar-lhes eu, o destino que então entender !
Não será fácil, conhecendo-me como me conheço ...

Essas incursões pelos idos de dois mil e pouco, mais não foram do que uma espécie de reencontro com aquela de quem tenho uma infinita saudade, e com tempos que nostalgicamente me assomam à mente e ao coração : a que eu era então, a vida que eu detinha e as histórias da minha história, nesses anos transactos !
Ultimamente dou por mim ( nesta escorrência temporal que parece ter-nos estagnado as existências ) em romagens absurdas, em buscas inglórias da minha silhueta, da energia criativa de que dispunha, dos sonhos que me invadiam e me faziam sentir viva, da força impulsionadora que me guiava ... até do meu sorriso ...
Ultimamente, nesta vida atordoada que é a nossa realidade actual, arrasto dias insipidamente iguais, sou uma sombra descolada de um corpo, que meio vivo meio morto, vai percorrendo tempos sem definição, rumo ou norte.  Sinto-me pardacenta, baça, sem luz e sem brilho no caminho.  Sinto-me sem vontade ou decisão, como as palavras que não saem de línguas entarameladas ...

Olham-se as fotos, perscrutam-se os olhares, avaliam-se os sorrisos ... relembra-se este e aquele episódio, fazemos rewind das histórias, reabrimos as emoções ... e parece que repegamos o passado e o arrastamos ao presente, nem que seja por brincadeira, por saudosismo ... apenas por pirraça, como se isso pudesse consolar-nos, acrescentar-nos ou compensar-nos, pelo menos !
Mas nada disso é verdade.  Nada disso acrescenta, afinal, um pingo que seja de sonho, à inevitabilidade do transcurso inexorável do destino de cada um ...
... simplesmente porque o tempo não recua nunca !!!

Anamar

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