quarta-feira, 24 de outubro de 2012

" RELEMBRANDO "



Esbarrei-me com a data, ao olhar a agenda, para relembrar a data de pagamento de mais uma das benditas contas mensais, e verifiquei que estávamos a 24 de Outubro.
Ando meio perdida no tempo, coisa de quem não tem muitas obrigações, com hora ou dia.

Casei-me no dia de hoje, faz 42 anos.
"Espantoso, pensei ...estaria quase a fazer "bodas de ouro" ... porque as de prata ainda cumpri.
O dia estava mais ou menos como o de hoje, também.  Um sol meio envergonhado, meio encoberto.
Não choveu, penso ... aliás, tenho a certeza !  Afinal ..."casamento molhado, casamento abençoado " ...

Era uma menina então.
Quando me olho nas fotos do dia, a mini-saia, a coroa de flores no cabelo apanhado, mas sobretudo aquela figurinha de noiva, que mais lembra a de uma menina na Primeira Comunhão, não me magoo ... enterneço-me.

Não tenho por que escrever nada disto aqui, mas apeteceu-me.
Afinal esta data, é uma espécie da que vivencio no último dia de cada ano.
Nessa  altura , tenho  tendência  a  "repassar"  na  cabeça,  o  ano  cessante ;  hoje fui empurrada a "repassar" uma vida !,,,

Reitero ... era uma menina !
Em pleno início de faculdade, os horizontes de uma filha única, de pais já "velhos", mas sobretudo excessivamente focalizados em mim ( vivendo dos meus insucessos e êxitos, projectando em mim, tudo - eles e a vida deles ),  levaram-me a viver uma realidade sempre "acolchoada", sempre excessivamente protegida, sempre em "incubadora".

Verdade !  Eu acho que nunca abandonei verdadeiramente aquela "incubadora", ou aquela redoma.
Afinal,  eu  era  a  "princezinha",  naqueles  três,  que  era  a  nossa  família !
Nunca deitei a cabeça de fora, qual Bela Adormecida na torre do castelo ...
Sabia lá como era isto por aqui !  Sabia lá a dureza e o desencanto que nos esperam a cada esquina !...
Lembrava o pássaro que temos na gaiola, e que se o soltarmos, ele morrerá, pela razão tão simples de que não sabe sequer procurar o sustento, porque não foi preparado para o identificar e encontrar.

Tanto quanto consigo lembrar ( já lá vão tantos anos ! ), era uma adolescente sonhadora, ingénua, crente, inexperiente,  confiante, para quem seguramente a Vida seria mãe, e não madrasta ;  que acreditava que os sonhos sonhados, sempre se realizam, desde que lutemos para os alcançar.
Pobre  de  mim,  que  não  fazia  ideia  da  força  da  correnteza,  de  facto !...

Lera os livros da literatura naïve, tipicamente femininos, literatura cor-de-rosa,  ou de preparação para uma mulher, esposa e mãe, de acordo com os parâmetros sociais, morais e familiares, a típica "fada do lar"...

Ouvia  Adamo,  Hallyday,  Silvie Vartan,  Françoise Hardi,  Joe Dassin, Tom Jones, The Shadows,  Bee Gees,  Roberto Carlos ... Bécaud,  Aznavour ... e sonhava ...

Na  minha  casa, lia-se a "Crónica Feminina", a "Flama", os "Lavores Femininos", "O Cruzeiro", o "Sétimo Céu",  e  eu  lia  Caprichos  sobre  Caprichos ...




Treinavam-se com as mães, as "prendas domésticas", garantias de um casamento consolidado ( para que estávamos fadadas ), e para que soubéssemos, como se passava a ferro, como pelo menos se estrelava um ovo !
Lembro a trabalheira que a minha mãe teve, para que eu aprendesse a vincar calças de homem ... sendo que até hoje, o não sei fazer !!!
Aprendiam-se as regras de vivência, e de agrado ao marido.
Sim, porque era certo que teríamos um marido e filhos, como o "figurino" previa.
E ainda assim, eu já teria uma profissão ( porque estudava ), o que me proporcionaria certamente mais autonomia que a que a minha mãe alcançara, confinada ao reduto caseiro, e a todas as suas exigências apenas, de uma forma exemplar ... irrepreensível !
Afinal, a sua profissão era tão somente "doméstica" !...  Tão somente ??!!....

Não era propriamente uma jovem informada ( não havia o hábito de se comprar jornal sequer ) ; a televisão surgiu, quando eu teria talvez, sei lá, uns dez anos, e ainda assim, ia-se ver um pouco à noite, de quando em quando, a casa de uma vizinha de rua, que mais abonada, tinha uma.
Em minha casa, nesses primórdios, isso era considerado um luxo, portanto, um bem "não essencial".

A vida era feita entre a casa, sempre muito só e silenciosa ( porque o meu pai estava fora a maior parte do tempo, a trabalho, e a minha mãe nos afazeres domésticos sempre intermináveis , ou não fosse ela alentejana de gema ), e a escola.
Por isso lia, sobretudo livros que a minha madrinha de baptismo, extremamente católica ( "beata" direi mesmo ), me comprava.
Leitura castradora, redutora, tendenciosa, limitadora da obtenção de uma autonomia intelectual, e consequentemente, crítica , consciente, lutadora, perseguidora de objectivos, talvez "dissidentes" ( o que não seria conveniente, óbvio).
Tinha uma amiga ( que se tornara "irmã", confidente, cúmplice ... tudo, afinal  ), com quem partilhava as dúvidas, preocupações, anseios, alegrias e mágoas, sonhos ... naquela conivência adolescente, sempre totalmente incondicional.  E tinha depois, colegas, meras colegas de vida académica.
Pouco ou nada saía.  Os fins de semana eram iguais às semanas ;  estudava, ouvia música no rádio, e claro ... inevitavelmente escrevia ... inevitavelmente comecei a escrever, desde sempre.
A escrever coisas nunca mostradas a ninguém, como é óbvio.

Ao cinema quase nunca ia.
Com a minha madrinha, vi a "Música no Coração" ( ícone de uma geração, a minha ! ).  Vi filmes com o Joselito ... "E tudo o vento levou" ... "O conde de Monte Cristo" ..... Mais tarde, bem mais tarde, o " Dr, Jivago "  ( quatro vezes vi a película, e quatro vezes chorei com ela !! )
Ouvia-se  "La novia" ... ( "blanca e radiante  lá vai la novia" ... muitos lembrarão ), "Os amores de estudante" ... "Quand vient la fin de 'été " ... "Tous les garçons ".... e imaginava-se que aqueles melodramas cor-de-rosa, também poderiam ser vividos por nós, não se sonhando que o que se viveria na verdade, eram dramas ... claro que nunca cor-de-rosa !!!

E não muito mais ...   Foi assim !...

Casei no dia de hoje, há 42 anos atrás, com a cabeça cheia das tais ilusões, dos tais sonhos, devaneios, acreditares, ânsia de libertação de algo que claramente me sufocava, mas que se calhar, à época, não conseguia verdadeiramennte consciencializar.
Casei com uma vontade louca, de me independentizar de todas as peias e amarras que me haviam tolhido, com uma vontade louca de "crescer", de abrir a janela e respirar um ar de que eu fosse dona,  e  pudesse  aceitar ou  rejeitar,  pela  minha  cabeça  e  pelo  meu  coração ...
Casei, acreditando em utopias, em céus azuis, em vida mansa, em sol, muito sol a inundá-la ...
Casei com a ingenuidade, a fé e a inocência, da criança que afinal eu era ...

Tinha 19 anos !!!...


Anamar

terça-feira, 23 de outubro de 2012

" LIMITES .... "

 

Num destes dias, um conceituado político afirmava : "Atingiu-se o limite da razoabilidade ;  não é possível mais ! "  ( a propósito das sucessivas e inclementes exigências a que o Governo, mais e mais, submete o povo português )

Na Física, diz-se que os materiais têm coeficientes de elasticidade, de alongamento, de dilatação ... limites inultrapassáveis.

O açúcar, tem os "pontos" ( de pérola, de cabelo, de estrada ... ) .  Se ultrapassados ... desanda tudo !

O ser humano tem o limite de resiliência, a sua capacidade ( que se deseja grande ), para suportar as dores da Vida, as contrariedades, as adversidades diárias.
Quem melhor estiver artilhado com ela, terá uma sabedoria facilitadora da existência, e da subsistência.

Há rupturas de ligações afectivas que surgem aparentemente do nada.   Apenas, porque foi ultrapassado seguramente algum limite, muitas vezes não percepcionável ...

Deixa de se ver alguém, no justo momento em que dobrou uma esquina ...
A página do livro fica indisponível aos nossos olhos, quando a viramos ...
O copo de água entorna-se, com uma simples gota a mais ...

Enfim ... limites, limites, limites !...

De repente, nas nossas vidas percebemos que atingimos um, e que dali em diante, nada poderá continuar como estava. É obrigatório mudar alguma coisa !
Terá de operar-se uma qualquer revolução em nós, como afinal as revoluções na História dos povos,  quando também foi atingido algum pico inultrapassável.

O "pico", o "ponto", o "coeficiente", são limites, são balizas, que, atingidas, já independem da vontade humana, até mesmo dos desígnios do seu coração.
São efectivamente pontos potenciais de ruptura, contra os quais, pouco ou nada se pode já fazer...

O Homem, por acomodação, por opção, por capacidade de resistência, ou falta dela, por interesse, por estupidez ou por inteligência, por amor ou até por ódio, por tédio ou por indiferença, sempre tende a deixar arrastar muitas vezes, o que vai apodrecendo no caule, como fruta bichada.
Até ao dia ...

Ainda na Física ( e todos sabemos, ou temos consciência mais ou menos clara disso ), se ensina, que vencer a inércia, ou seja, ultrapassar o limite do repouso ou do movimento, exige dispêndio acrescido de energia.
Por isso, o ser humano se "defende", tendendo a manter o seu "estado", caótico ou não, o quanto pode, para protelar o pagamento da "factura".

Mas de repente  ( como o copo cheio de água que ainda não transbordara ), há um clique, que precipita tudo, à revelia de tudo também, e pronto, atingiu-se uma situação irreversível.
Não há volta a dar !...
Houve uma "saturação" do sistema, momento em que a quantidade de açúcar dissolvido, passou a precipitar, por incapacidade, de naquelas mesmas condições, se continuar a dissolver.

Atingido esse limite, o "stato quo" alterou-se completamente ;  na "pintura" harmoniosamente elaborada, caíu um borrão final de tinta, que a inutilizou ...
A pintura inutilizou-se, e o pintor terá ficado marcado com isso, também sem remédio.
Afinal, provavelmente, investira emocional e afectivamente naquele quadro, esforçara-se o mais que pôde e soube, sonhou-o dias e noites seguidos, foi feliz fazendo-o, em cada traço, em cada cor, em cada matiz que acrescentava.
Aquela obra de arte, era ele levado à tela, era uma realização sua, era vida sua, era sangue seu ...
Fora uma aposta em que acreditara e que falira, um insucesso com que era obrigado a conviver ...
Repentinamente, atingiu-se uma situação limite inesperada, não calculada, uma linha proibida ultrapassada, que desencadeou em consequência, inevitavelmente, a ruptura do instituído, sem volta atrás !!!

Há quem pense, não se deixar atormentar com limites.
Há quem tenha a veleidade de pensar, que sempre os ultrapassa incólume, como quem dança nos intervalos da chuva !
Há quem suponha ser invulnerável a barreiras, a muros, a proibições de sentido ... porque terá capacidade de prosseguir ...

Engano seu !  Engano meu !...

Como qualquer mortal  ( desafiando embora tudo o que já está na cota máxima, achando que ainda o domino e controlo ), também eu sinto os efeitos do sopro da ventania, também eu me vergo ao sabor da tempestade, como os canaviais das falésias,  também eu sou arremessada contra os rochedos, na época das marés vivas, sem que possa fazer nada !

E claramente me pressinto,  folha de romance acabada de virar, me sei a dobrar a estrada, perdendo para trás o trilho percorrido, me transbordo em enchente ou enxurrada de comportas rasgadas, por  um só pingo de chuva a mais, que tocou o meu coração !!!...


Anamar

domingo, 21 de outubro de 2012

" A MÁQUINA DO TEMPO "



Alterei a hora esta noite.
Mudei-a em todos os relógios, meus e não só.
Procurei, já ontem, actualizar a minha mãe, lembrando-lhe à saída : " Não esqueça que a hora muda " !...

Afinal, a hora não mudou .
Estou adiantada uma hora.  Os meus relógios vão ganhar uma hora, ao longo de todos os dias  de toda  uma semana.
Contudo, comecei este domingo atrasada, atrasada em relação à vida real ... a horas, em relação à vida que inventei !

"Perdi" a amiga com quem convivo ao pequeno-almoço, porque ao chegar ao café, ela ( que cansara de me esperar ), partira para o seu domingo normal.
No café, tudo às avessas.   A frequência habitual já fora embora, óbvio, porque as pessoas são de facto, escravas do Tempo.
Hoje eu tive a evidência, de como este papão assustador, o é afinal, muito mais.
Todos andamos a reboque dele, sem dúvida !

O  meu domingo começou num ritmo absolutamente estranho.   A sensação de ter deixado fugir tempo ( a mim, a quem sobra tempo dos dias ), é terrífica.
Engoli o pequeno-almoço, literalmente !
Agora, engoli-o  porquê, se não haveria pressa para nada ??!!    Se nada me espera, com horário a cumprir, se a casa continua vazia, e tudo continuará imperturbável nos mesmos sítios ??!!
Sei lá !...
Engoli, porque se me instalou a urgência, que sente alguém que perdeu  "aquele" combóio, e que terá que esperar pelo próximo.
Engoli, porque estou com pressa de apanhar o tempo ...  Eu, que me concedera gratuitamente, mais uma hora neste meu dia !!!...

Tenho uma sensação esquisita em mim ;  a sensação de que o planeta começou a rodar ao contrário, e que tudo está caótico ;  eu, estou caótica ...
A diferença que faz uma hora, na Vida ... no espartilho que é a Vida do Homem !!!...

Hoje brinquei "à máquina do tempo", sem querer.
Mas estranhamente percebi, que tenho demasiadas amarras a prenderem-me ao convencionado, ao determinado, ao figurino ...
Logo eu, que sempre pensei não andar a reboque de nada disto !
Logo eu, que anarquizo horários de refeições, subverto horários de sono ... conflituo horários de vida !

Hoje, estou em contra-ciclo, e não me sinto cómoda.   Parece uma incoerência em relação ao que defendo, sinal de que não estou tão liberta praticamente, como mentalmente o estou !

E se eu pudesse atrasar os relógios, não uma hora ... mas uma vida, meia vida, um quarto de vida ??!!

Como seria chegar aqui, olhar tudo à minha volta e senti-lo desconexo, incompreensível, estranho ??
Não conhecer o mundo encontrado, sentir-me analfabeta do real ?
Sentiria seguramente, o espanto do soldado, que  na  parada,  olha  os  outros  a  marcharem  em  formatura oposta  ao  seu  sentido  de  marcha ...

Lembrei o filme relativamente recente,  "O estranho caso de Benjamin Button", que nasceu velho, e caminhou da velhice para a juventude, para a infância, para o nascimento ...
Regrediu, fez o percurso às avessas ...
Lembrei, e percebi.
Hoje eu tive uma percepção aproximada do que é brincar com o "Gigante" ... o TEMPO, e querer manipulá-lo !!!

Vamos supor que eu atrasava a minha existência, de meia existência.

As minhas filhas iriam ter uma mãe mais nova que elas ;
Iria cruzar pessoas que já cruzei ...  Agora, seriam elas a olhar-me como jovem.
Quem amei, estaria a envelhecer, enquanto eu manteria a juventude ...  Quem amei, talvez quisesse voltar a amar-me !...

A regressão do meu relógio, ia deixar-me perdida num mundo que não entenderia, que não me faria sentido.
Um mundo, para o qual  não estava programada, um mundo, cujos ritmos e contornos me alucinariam, porque os não acompanhara ...
Um mundo de seres que não reconheceria ... de sonhos e anseios que não identificaria, de luz, cores e sons diversos, onde provavelmente eu não encaixaria ...

Tenho a certeza, que a pessoa que eu fui, na época para a qual cronometrei o meu relógio inventado, deveria sentir-se um zombie, no relógio real.
As realidades de então, far-me-iam sentir a anos-luz das actuais, apesar de eu só ter regredido meia existência, não esqueçam !
Haveria fantasmas imensos, que desarticulariam o meu mundo de então.
Haveria sustos, medos, dores abissais que não experienciara, logo, não compreenderia.
Tentava vestir-me, com um "fato" que não era o meu número ...

E a juventude que alcançara ( mesmo sem tomar o tão almejado elixir dos alquimistas ), não me faria mais feliz, tenho a certeza !
Transmitir-me-ia o desamparo estranho, de criança abandonada em cidade grande.

Transmitir-me-ia a insegurança e o desconforto, que se traduz naquela velha frase que o ser humano emprega muitas vezes, no seu discurso :   "Quem  me  dera ser mais nova ... mas saber o que sei hoje " !!!...

Por favor, acertem os relógios !
A hora só muda na madrugada do próximo sábado !!!

Anamar

" NOITE DOS TEMPOS LONGOS "


3,50 h da manhã pela hora antiga, 2,50 h pela hora nova ...
Aquela em que nos obrigam a fechar os olhos mais cedo, baixar os estores mais cedo, apagar a lua no céu mais cedo....
Uma noite longa, de bruxas à solta por aqui, horas de memórias, de filmes rocambolescos a desfilar em écrans, esses...que não conseguimos apagar !

O tempo, em que o dia se faz noite, só porque o sol cansou, e quer partir antes da hora ...
Vai  lá para as terras onde as pessoas sorriem  mais, dançam mais ... porque sonham menos ... querem menos ... pedem  menos !

Noite demasiado comprida esta, para que consiga suster dentro de mim, o que vai extravasando de mim.
Tempo em que a alma hiberna, as cores se esbatem, e tudo fica nos cambiantes quentes e adocicados, que deveriam ser xailes que nos cobrissem, mas que são gélidos, porque a solidão é gélida, e essa agiganta-se no firmamento, ao fechar.

O silêncio galopa, como um cavalo à solta. Os sons que não são sons, crescem, e esvaziam-nos os corações, mas lotam-nos a mente.
O sono não chega nunca mais, e há noite e mais noite para dormir ...
Nós e os outros, como nós, que têm histórias mas não contam, porque já não vale a pena contar, e além disso, já não há ouvidos que as escutem !
Restam quartos vazios, embrulhados em quatro paredes, que sempre os vão sufocando aos poucos e poucos, devagar e de mansinho, para não sufocarem também quem os habita.
Restam cigarros que não se extinguem nunca, porque há cigarros depois de cigarros ... sempre !

As madrugadas, daqui p'ra frente serão  rainhas.
E as madrugadas nunca são boas companhias, porque elas são povoadas pelos diabinhos à solta, que nos atormentam.
Eles são meus amigos. Coabitam comigo dia e noite,  mas só saem p'ra danças de roda, quando os ponteiros dos relógios deitaram as crianças e as pessoas normais, e aquelas que pousam as cabeças nas almofadas e descansam com os anjos ... não com os diabos !

Lá fora, só o céu é imutável.
Ele continua escurecido, pontilhado pelas estrelas que as nuvens permitem.  A paz parece reinar.
Mas eu estou farta de saber, que é uma paz a fingir,  só para os que não sabem, o que são noites de tempos longos demais !
 
Muito em breve farei anos ...
Muita estrada para trás, pouca para a frente, a percorrer.
Planos longos que não se cumpriram, sonhos curtos que também não se irão cumprir ...

Muita saudade perdida, pelas noites perdidas também.

Noites irrecuperáveis, porque o hoje é só hoje, e amanhã, já foi !
Muitas saudades do que sei, e do que nunca soube e só adivinhei ...

Ou talvez já não haja espaço para elas ... e eu nem sequer saiba  do que tenho saudades ...
Se calhar, só de mim !...

                                   
Anamar

sábado, 20 de outubro de 2012

" UM POUCO DE NADA ... "



Já não sabes ler os meus silêncios, não conheces mais o som dos meus olhos nos regressos a casa, porque as macieiras também já não têm mais, frutos maduros.

Sabes ... porque aqui, é Inverno não tarda, e o escuro já começou a descer !

O "braille" do meu coração também o esqueceste, mas a verdade é que os jardins também já não têm flores, nem são mais alamedas de passeios.
Sempre gostei mais das caminhadas nas matas, que não têm  alamedas, mas têm caminhos sinuosos, com folhas que ninguém semeou, árvores que ninguém plantou, e que são generosas, como todas as árvores, porque nos protegem do calor dos dias estivais, e nos abrigam sob as ramagens, para que a chuva não gele os nossos corpos nus.

Há muito que a minha mãe não me embala.
Não  me  lembro,  mas  por  certo  ela  me  pôs  no seu  cólo e  me  protegeu ... Mas isso foi há tanto tempo, que eu não sei sequer se existia.
Depois, os abraços foram esquecidos.

Deixamos de pegar as pessoas no cólo.  Aquelas a quem mais queremos ;  mesmo essas, nós esquecemos !
O ser humano tem a memória tão curta !...
Desaprendemos a falar de amor ... desaprendemos até o amor !...
Desaprendemos  as  palavras,  o  gosto  dos  beijos,  o  calor  dos  abraços...
Desaprendemos o sabor e os caminhos dos corpos ;  desaprendemos a acreditar, a confiar,  a saber o milagre que é, um sorriso no rosto que nos olha e nos aquece ...

"Imagine" ... lança John Lennon, naquele imaginário de esperança, que brotava do seu coração !...

" O que nos leva a escrever é o desejo de ser amados " , disse António Pina ...
Ele sabia das coisas.  Ele sabia de muitas coisas, aliás !...

Eu escrevo, porque preciso gritar .
Mas se gritar, assusto os pássaros e as borboletas ;  e a lua esconde-se atrás das nuvens .  E não pode ser !  Eu preciso que ela acenda o céu, porque nessas horas, a noite já me pegou, e me embrulhou  naquela capa escura, que tem a mania de deitar sobre tudo ...
E a noite até costuma ser minha aliada, mas às vezes não quer saber, e deixa-me só.
Só, também não estou enquanto a música soar, as recordações pularem, e os sonhos souberem voar no meu "eu" ...

À  minha frente, os olhos daquele menino que julga que vive mas não vive.
Aquele menino que não anda, que baba, que revira os olhos, que faz um esgar de sorriso ... só um esgar, para o vazio, para ninguém ...
Olha, mas não vê, inerte, no carrinho em que o movem.  Ele que terá oito ou nove anos ...

Qual será o Mundo dele ??
Em que Universo ele viverá ??!!
É um vegetal, é uma criança, respira ...  Eu diria que apenas respira, e é sensível ao afecto, isso, ele é ...
É quando o tal esgar de sorriso, lhe ilumina um rosto morto, indiferente e inerte.  É quando  solta um grito sem significado ...
Aquele menino que julga que vive mas não vive, sente o amor !...

Estranhos mecanismos dos seres humanos !...
O amor, o tal que os poetas juram que move montanhas, deve mover mesmo !
Por instantes, torna vivo aquele "menino-morto" ... por instantes opera um imenso milagre ...
 Aqui ... mesmo à minha frente ...
E eu não posso fazer nada !  Ninguém pode ...  Nem sequer entrar no Mundo dele, nem sequer abrir a porta do seu Universo ... para espreitar !...

Lembrei-te ...
Lembrei o que dirias, se estivesses aqui comigo, e os teus olhos batessem nele.
Ias olhar-me e dizer : "Mais uma, dos milhões de marionetas, com que Alguém se entretém a brincar ...  Mais um, dos ensaios falhados, que somos todos nós "!!!

E irias ver as lágrimas correrem-me .

Aqui, neste café onde estou só, no meio de muitos que nem sei, nem me sabem ... as lágrimas desobedeceram-me ...
Hoje, as lágrimas romperam o arnês forte com que as prendo, com que sempre as prendo ...
Arrombaram as portas das masmorras onde as detenho, e de onde as não deixo sair ... há muito, muito tempo ...

Já não sabes ler os meus silêncios, nem o som dos meus olhos, nem conheces mais o sabor dos meus lábios ... porque a Eternidade é absoluta, e cai penumbrenta, como este Inverno que não tarda !

Por isso, as macieiras não têm mais frutos maduros, e eu ... simplesmente deixei de sentir !!!....


Anamar

sexta-feira, 19 de outubro de 2012

" OS EXILADOS "


  ( CLIQUE,  PARA  ABRIR  O  VÍDEO )

Jovem enfermeiro emigra e dirige carta a Cavaco Silva a despedir-se do país - País - Notícias - RTP


Uma das minhas filhas é licenciada em Enfermagem.
Licenciou-se tardiamente, porque procurou a profissão que ansiava - sem saber bem que ansiava - por caminhos tortuosos, visto ter frequentado e completado, anos lectivos de três cursos diferentes e díspares : Veterinária, Medicina e Matemática Aplicada.
Foi um daqueles jovens com muito bom aproveitamento em termos escolares, com uma indefinição de rumo tremenda  ( os jovens escolhem cedo a orientação profissional, frente a uma panóplia de oferta, que nem nos passa pela cabeça ! ).

Finalmente, portanto, decidiu-se pela Enfermagem, e como se diz : "Tardou, mas arrecadou ! "
Creio que está na profissão certa, é reconhecida profissionalmente, e também penso que vive intensamente o que faz.
Hoje, reconheço eu própria, que enfermagem é efectivamente "a cara dela".

Terminou tarde, mas com as mesmas ilusões, esperanças e utopias com que acabamos todos, a carreira universitária.
Iniciaremos  a  profissional, e o futuro começa a desenhar-se  à nossa frente.

É uma miúda inquieta, faz de tudo um pouco, e além da profissão, que lhe permite ganhar, mal, a vida, sempre procura valorizar-se, fazendo pequenos cursos intermédios, que lhe têm permitido um enriquecimento profissional.  Neste momento está a tirar a especialidade, no seu ramo :  obstetrícia e ginecologia.
O objectivo é ser, não enfermeira generalista, mas especializada, e o objectivo é ... ir para o estrangeiro, tentar singrar na vida.
Trabalha por acumulação em duas clínicas, num jogo de horários que é um verdadeiro puzzle, porque ainda assim não poderá  queixar-se muito da sorte ( comparativamente aos seus colegas de curso, licenciados no mesmo ano ), dado ter conseguido colocar-se, praticamente logo terminou a vida académica.
Obviamente, que depois de ter feito um périplo de loucos, no envio de currículos, procura intensa de oportunidades por aqui e por ali ... Mas trabalha !...
Trabalha de dia, trabalha de noite, trabalha aos sábados, trabalha aos domingos ...  Não sei se terá horas para dormir !!!...

Olho para ela e vejo na jovem dos vinte anos, bonita, atraente, elegante, feliz ... um adulto demasiado gasto, demasiado consumido, demasiado envelhecido, para a idade que tem ;
só com trinta e quatro anos,  vejo um adulto amargo, apreensivo, com semblante carregado, demasiado desiludido e desencantado, demasiado desesperado, porque não tem mais horas para trabalhar e o dinheiro é curto, é curtíssimo, para honrar as responsabilidades assumidas.

E como quase todos os cidadãos deste país, também ela encurtou os sonhos, as espectativas, a esperança e também a fé, de conseguir chegar a algum lado, por aqui ...
E tal como por quase todos os cidadãos deste país, ainda em idade produtiva  ( arriscaria dizer, lhes terá passado pela cabeça ir embora, procurar lá fora exactamente algum futuro decente ), também ela diz que parte, mal acabe a especialidade.

Ontem, o telejornal passava a reportagem que o vídeo que postei, documenta.
Eu, estava na altura com a minha mãe ( essa sim, de lágrima fácil, como já vos tenho contado ), e dei por mim, a querer falar, e a não conseguir desembrulhar o nó que se me instalara na garganta.
Creio mesmo, que uma que outra lágrima, me traíu ...

E como este jovem enfermeiro Pedro, "expulso" do seu país, também eu me senti no direito de gritar....
porque senti uma raiva crescente a subir-me no peito, uma impotência e um desespero a amarinharem-me, uma indignação  abissal,  uma sensação de profunda  injustiça, como cidadã  portuguesa, como  mulher e como mãe ...
Também eu me senti no direito e no dever, de publicamente deixar algumas palavras solidárias, no veículo de maior divulgação e mobilização, na comunicação social da actualidade ... o Facebook.

De alguma forma, a minha voz é só mais uma a juntar a tantos coros e manifestações de protesto, de todas as áreas sociais, culturais, políticas, de todas as faixas etárias, que nas ruas se fazem ouvir ... É só mais uma voz, igual às vozes dos indigentes, dos sem-abrigo, dos idosos que esmolam desumanamente pelas calçadas, ou dos que, por vergonha, passam fome e não dizem ...
É uma voz igual à dos desempregados, e dos que perdem o ganha-pão todos os dias ... igual ao repicar dos sinos nas nossas aldeias ( a rebate, em sinal de desgraça ... ), igual ao choro da criança de cinco anos, a quem não se matou a fome, por incumprimento económico dos pais, na escola que frequenta !...
Apenas uma voz mais, a juntar à de todos os "exilados", que Portugal deixa sangrar por esse Mundo fora, numa "expulsão" mais doída ainda, que a sofrida pela emigração em massa, na geração dos nossos pais e avós, nos remotos anos sessenta !

O  MEU  DESABAFO  NO  FACEBOOK ... uma mera reflexão, de solidariedade com todos os "Pedros-enfermeiros" deste país :

Estou a pensar como é triste ser português no dia de hoje ....
Estou a pensar como tenho vergonha do meu país no dia de hoje...

Estou a pensar que destino é este que se abateu sobre nós, que "exporta pessoas", que "mata" desempregados sem
pão p'ra pôr na mesa, que desampara os velhos, que tira a esperança, que mata a fé ... que leva os nossos jovens para longe do nosso sol, do nosso mar, do nosso céu azul, dos nossos cheiros, dos nossos afectos ... do nosso chão ... em busca de alguma "vida" possível, noutros mundos lá fora !


Hoje, Pedro, um dos 24 enfermeiros recém-licenciados que rumaram a outro futuro, embarcava de avião para o Reino Unido. Despedia-de do pai com quem vivia e que ficará só, levava um cachecol de Portugal ao pescoço.... e despediu-se de outro Pedro, neste caso, Passos Coelho, deixando-lhe um recado e um pedido : "Sr. Primeiro Ministro, não taxe por favor, as lágrimas, e menos ainda a saudade às gentes deste país !!! "

Um jovem, que felizmente ainda tem força, ânimo , coragem, idade, para ir à luta, para guardar no coração a saudade, e a nostalgia, e nos olhos as lágrimas ... e tentar VIVER!!!!

Espera voltar um dia .... sem mágoa, diz, ao seu país que o expulsou, que o deixou de acolher, que o impediu de trabalhar, que lhe matou o sonho e a ilusão ...

E que será dos outros?? Dos que ficam, dos que estão, dos que já têm pouca estrada para andar e pouco horizonte para alcançar??

Que será deles, Dr. Passos Coelho, Ministro Gaspar .... que será deles Sra. Merkel, fria, distante, austera, nazi, reencarnação de Hitler no século XXI....e que não sabe nem sonha, o que é ser PORTUGUÊS !!!

"REQUIEM" por este país, por esta Europa, por este Mundo, por este planeta que deixa mais e mais, esmaecer o seu azul !!!!





 NOTA :   QUERO FAZER UMA CORRECÇÃO AO COMENTÁRIO  SUPRA-CITADO ... 
A CARTA DE PEDRO, FOI DIRIGIDA A CAVACO SILVA E NÃO A PASSOS COELHO .... MAS ERA CABÍVEL  A  QUALQUER MEMBRO DO GOVERNO ... PENSO !

Anamar

quinta-feira, 18 de outubro de 2012

" A VIDA "



No meu post de ontem, coloquei uma frase, um pensamento, que de alguma forma foi "mentor" de tudo o que escrevi.
Foi ela, uma espécie de pontapé de saída para a reflexão que constituíu  o  que  postei :   "A  VIDA  é MUITO,  para  ser  insignificante "...

Na altura não referi o autor dessa frase.
Ela foi retirada de um poema seu, que do meu ponto de vista tem tanto de lúcido e comovente, como de absolutamente realista, talvez duro e um pouco cru ...
Mas a Vida é tudo isso, não ??!!...

Trata-se de Augusto Branco, personalidade que não me dizia nada, mas que indaguei na Net.

Augusto Branco (Porto Velho, 23 de maio de 1980), pseudônimo de Nazareno Vieira de Souza é um poeta e escritor brasileiro.

Biografia

Augusto Branco nasceu em Porto Velho, capital do estado brasileiro de Rondônia, filho de Rosa e Raymundo, dois ribeirinhos que foram morar na cidade. Escreveu seus primeiros versos ainda na infância entre os 7 e 8 anos, pouco antes de começar a trabalhar na loja de ferragens de seu pai.
O poeta é Técnico em Contabilidade e cursou Administração na Faculdade São Lucas, até que aos seus 23 anos resolveu buscar outros horizontes em sua vida profissional.
Freqüentou os cursos de Administração e Pedagogia na Universidade Federal de Rondônia, mas não completou, no entanto nenhuma faculdade. Colaborou, como colunista, no periódico Diário da Amazônia, e publicou várias obras na Internet, meio que encontrou para divulgar sua obra enquanto não conseguia assinar com uma editora.
Publicou seus primeiros livros de forma independente, pelo Clube de Autores, e suas publicações virtuais tiveram um êxito considerável, especialmente o poema VIDA: Já perdoei erros quase imperdoáveis - atribuído a diversos autores  pela Internet,  mas finalmente registado em seu nome pela Biblioteca Nacional. Chamou atenção pela sua popularidade na internet, a nível mundial, ao longo de muitas redes sociais, e até  em rede nacional pela Rede Globo.

"Bom mesmo é ir à luta com determinação, abraçar a vida com paixão, perder com classe e vencer com ousadia, porque o mundo pertence a quem se atreve, e a VIDA é MUITO para ser insignificante."


Sem demais "acrescentos", portanto, que seriam grosseiros, ousados e excessivos da minha parte, deixo-vos apenas ...  "A  VIDA " ...

Já perdoei erros quase imperdoáveis,
tentei substituir pessoas insubstituíveis
e esquecer pessoas inesquecíveis.

Já fiz coisas por impulso,
já me decepcionei com pessoas
que eu nunca pensei que iriam me decepcionar,
mas também já decepcionei alguém.

Já abracei pra proteger,
já dei risada quando não podia,
fiz amigos eternos,
e amigos que eu nunca mais vi.

Amei e fui amado,
mas também já fui rejeitado,
fui amado e não amei.

Já gritei e pulei de tanta felicidade,
já vivi de amor e fiz juras eternas,
e quebrei a cara muitas vezes!

Já chorei ouvindo música e vendo fotos,
já liguei só para escutar uma voz,
me apaixonei por um sorriso,
já pensei que fosse morrer de tanta saudade
e tive medo de perder alguém especial (e acabei perdendo).

Mas vivi!
E ainda vivo!
Não passo pela vida.
E você também não deveria passar!

Viva!!

Bom mesmo é ir à luta com determinação,
abraçar a vida com paixão,
perder com classe
e vencer com ousadia,
porque o mundo pertence a quem se atreve
e a vida é muito para ser insignificante ! 


Augusto Branco


Anamar

quarta-feira, 17 de outubro de 2012

" PROTAGONISTAS "



Todos nós somos protagonistas das nossas vidas, aliás, os únicos protagonistas.

Seja qual for o contexto em que ela se desenvolva, seja em "mar flat" ou com frequentes tempestades, o ser humano tem que criar uma própria adaptabilidade, por forma a ir passando "nos intervalos da chuva".
Uma adaptabilidade que passa pela consciencialização , que sempre ajuda um pouco, de pensarmos, embora por vezes achemos que não, de que não somos exemplares únicos por aqui, e que as preocupações, as alegrias ou os sucessos que experimentamos, as diculdades e os desânimos que nos assolam, são afinal comuns a todos os mortais.

As pessoas dizem :  "com o mal dos outros, posso eu bem" ... mas é um facto, que se não nos centrarmos apenas no nosso umbigo e mantivermos a capacidade de percepção lúcida e isenta, perceberemos, da análise do que nos rodeia, que a atitude inteligente no protagonismo das nossas vidas, só pode ser uma : a de sermos actores positivos, realizadores esperançosos e encenadores confiantes.

A força interior que devemos cultivar e estimular, terá que ser a nossa garantia de emergir por cada queda, de nos levantarmos por cada trambolhão ... porque alguém disse :  " A Vida é MUITO  para ser insignificante " !!!...

É óbvio que o encarar dos dias e das horas, a capacidade de resiliência de cada um de nós, faz parte também da nossa matriz genética, mas passa igualmente muito, pela maturidade, pela auto-estima, pelo pragmatismo, pela coragem e pela fé, segurança e força que temos, ou pressentimos em nós mesmos.
É algo que nasce connosco em potência, mas que terá que ser trabalhado, para ter expressão.
Como tudo, deverá ser maturado, ajuizado, e auto-censurado de forma isenta, numa perspectiva positiva de melhoria, de polimento de arestas, de contorno de atitudes erráticas, para que muitas vezes somos levados a resvalar.

Ontem estava um dia de sol, hoje amanheceu um dia de Inverno ... e então??
Amanhã será Primavera de novo, e certamente o sol não nos vai defraudar, as estrelas também não, menos ainda a lua, por cada noite em que nos deslumbra, de tão cheia !...

As dádivas que recebemos, de tudo o que nos rodeia e nos envolve, deveremos aceitá-las sem suspeições, sem prenúncios de que são simplesmente transitórias, precárias e curtas !
São dádivas e pronto !!  São bênçãos, porque são Vida !...

Normalmente tendemos a ser demasiado exigentes na nossa existência ;   tendemos a reclamar-nos com direito a mais, a melhor, a mais simples, a mais fácil, a mais feliz !
E o facto de não conseguirmos ter a simplicidade e o pragmatismo, de perceber que a Vida é isto que se faz todos os dias, e não mais, dificulta-nos a capacidade de aceitação, diminui-nos o arcaboiço, para resistir e acrescenta-nos infelicidade.

A prosápia de nos acharmos seres privilegiados e superiores, de acharmos que somos "alguém" ou alguma coisa, substancialmente diferente e mais importante que todos os nossos pares, humanos ou não, induz-nos em erros grosseiros, de supremacia, arrogância e soberba, que não ajudam à nossa gestão diária.

Faço de facto um esforço em crescendo, para me encaixar mais e mais, nestes princípios que defendo, apesar de toda a dificuldade e resistência que tenho em mim, pela minha forma por vezes demasiado negativista, decepcionada e excessivamente dramática talvez, que é a minha complicada forma de ser.

No entanto, quando consigo afastar um pouco a cortina de teias de aranha, da minha mente ... quando faço uma faxina desanuviadora das névoas do meu coração, terei que reconhecer, que quando partir daqui, desta caminhada que não pedi, mas me deram, claramente, de alguma forma, as sete cores do arco-íris, sempre estiveram por cima da minha cabeça, sempre pintaram  generosamente, os meus dias, até aqueles que só consegui ver a cinzento, ou mesmo a preto e branco ...
Na verdade, não me foram regateados, a emoção, a paixão, a aventura, o desafio, a loucura, no meu viver sem barreiras.
A fantasia da liberdade do sonhar, a fantasia a que sempre nos transporta uma peça que se desenrola frente aos nossos olhos ( num palco, em que somos simultâneamente actores e espectadores, numa interactividade gratificante que nos projecta sem horizonte , até lá, até onde o devaneio nos levar ),  agrada-me, provoca-me, impulsiona-me, empurra-me p'ra Vida ...

O "frisson" do fio da navalha ( que eu gosto ), o risco do arriscar, o viver cá e lá em escolhas desafiantes, o testar os limites ( umas vezes razoáveis, outras não ), a aleatoriedade que experimento por cada vez que me movo, como peça de xadrês no tabuleiro ...  e sentir-me assim, "poderosa", dona de mim mesma, na garupa do cavalo, aos comandos do destino, ao leme da lancha rápida ... faz-me sentir efectivamente, em toda a plenitude, protagonista da minha vida ... porque " a Vida é MUITO,  para ser insignificante !!!...

Hoje, só  pode ter sido  seguramente a chuva, purificadora do "ar", que deve ter trazido tanta clarividência ao meu espírito  !!!... (rsrsrs)

Anamar

sábado, 13 de outubro de 2012

" O DAY AFTER "



Acordei como se acorda, quando se acorda, no dia seguinte a um pesadelo.
Quando se acorda não acreditando, que se está a acordar daquelas penumbras, e que elas existem mesmo.

Lembro que acordei exactamente assim, no dia seguinte ao meu pai ter partido.
Lembro claramente o ser arrancada desse sono profundo, como um furacão varre impiedosamente as alamedas dos jardins, despenteia violentamente as ramagens dos coqueiros, como simples brinquedinhos insignificantes de menino travesso.

É um acordar de um poço tão escuro e tão tenebroso, que nos derruba de cansaço, que nos mostra com nitidez um buraco gélido e desconfortável dentro do peito, bem aqui no meio, um buraco vazio, de uma ausência atroz, que nos faz sentir vazios por inteiro ...
Sem corpo, sem coração, sem alma ... extirpados de tudo !...
Tão vazios, que nos perguntamos se pertenceremos mesmo à realidade para que acordámos, ou se deveríamos ter ficado lá atrás, no reino das brumas, onde parecemos pertencer ...

Acorda-se ofegante, acorda-se em susto, acorda-se em desespero.
Queremos  porque  queremos,  negar  que  é  verdade  o  que  foi  verdade ;  queremos sentir o alívio que se tem, ao largar um pesadelo, porque percebemos que apenas foi um pesadelo que nos atormentou, e que fez parte dos desígnios confusos do reino onírico, sempre assombrado, e nada mais .
Aí, depois dos olhos bem abertos, depois de termos sacudido das pálpebras, as últimas pégadas desse rasto maldito, aos poucos, regressamos ao sol da realidade, com o alívio do diabinho safado, ter ido embora, e não ter passado de mais uma maldade que a madrugada nos aprontou !

Mas quando os ausentes fazem parte da galeria dos "mortos-vivos", como lhes chamo, o "desastre" é substancialmente maior.
Tanto maior, quanto sabemos que essas memórias que nos torturaram, que durante horas regressaram vívidas, quase reais, aos nossos braços, não são memórias, são realidades.
Existem, andam por aí, dividem à distância de Mundos, os dias e as noites com os nossos dias e as nossas noites, as horas dos nossos relógios, o mesmo céu, a mesma lua, o mesmo sol e o mesmo ar ...
É então que o tal buraco, é a boca de um desfiladeiro para o qual fomos jogados, e do qual não podemos sair nunca, porque não tem estrada, rumo ou norte, que nos dê uma mão de subida.

É então que sentimos uma fraude, um monstruoso engano, tão mas tão grande dentro de nós, um sabor a fel tão mas tão amargo na boca, uma dor tão mas tão sufocante na alma, que inclusive, perdemos a vontade útil sequer, de sair do desfiladeiro, ainda que por sobrevivência ...

E temos um misto de sensações / emoções que se baralham, que se mesclam, que nos paralisam, que nos torturam.
Sentimos raiva e ódio.  Sentimos dor e mágoa.  Sentimos pena e compreensão.  Sentimos impotência, e portanto desistência e cansaço, sentimos ausência de luz, porque nos sentimos acossados, encurralados em caminhos sem saída, com uma cerração indissipável à nossa frente, que nos tolhe por inteiro .

São sensações de perdas dolorosas e irreversíveis, porque recorrentes afinal, ausência de esperança, uma espécie de não percebermos o que se está por aqui a fazer, qual a razão de ser de tudo isto, que destino ilógico e sem nexo, cumprimos !...

No nosso percurso, os acontecimentos, as pessoas, os sonhos, as realizações, as metas atingidas, as lutas travadas, os insucessos e os êxitos, as dores, os medos e as alegrias, vão ficando confinadas a "gavetas", a "prateleiras", onde se vão amontoando.
E o mentor dessa estratificação na nossa existência, é sem dúvida, o Tempo, o tal anjo e vilão, que tanto nos aplaca as dores, como nos tortura a mente, revivalizando tudo, quando menos esperamos ou queremos ...

Por que determinismo do destino, de quando em vez, essas "gavetas" ou "prateleiras" se escancaram, e pelas madrugadas da Vida somos massacrados com tudo de novo ?

É apenas porque tudo quanto lá está, receia ser apagado em definitivo, e reclama o lugar que ocupou ?
É porque há um qualquer mecanismo inexplicável no subconsciente humano, que pretende testar até onde os "mortos-vivos" são mais vivos ou mais mortos, ainda ?
É porque tudo quanto aconteceu e foi, nos quer lembrar que aconteceu e foi, à revelia de o podermos, querermos recordar, ou  "deletar " ?
É porque o ser humano tem uma fatia desumana, masoquista, maquiavélica, a preenchê-lo, que gosta de o torturar  e deixar assim, como estou hoje, inerte, anestesiada por um mau estar que não defino mas que me "robotiza", com vontade de voltar a dormir ... "vivenciando",  ou um estonteante sonho cor-de-rosa, compensador e regenerador ...ou dormir simplesmente de vez e em paz ??!!...

Decididamente, os "day after", demos que volta lhes demos, contêm sempre o doloroso do determinado, do definitivo, da inevitabilidade, do insolúvel, a dilaceração do corpo e da alma, o irremediável cheiro de morte, que paira, e que fede por antecipação !!!...

Anamar

" QUEM ME QUISER "





Hoje, quem me quiser não me terá, pela simples razão que já morri ...

Hoje , quem me quiser, apenas lembrará o tempo que eu vivi.

Hoje, dobrei a esquina,  fechei os olhos, cerrei a luz 

Deixei que a sombra me envolvesse, que as chuvas me inundassem, 

Fingi que acreditei ...

Deixei que os sonhos me enganassem ...

Hoje, ainda que queiras ... lembra apenas que um dia te existi !

Já não me podes ter ... pela simples razão que já morri ...

                                                                                                 Anamar



Para vocês,  "Quem me quiser" ... extraordinário poema de  Rosa Lobato de Faria, nesta madrugada de sábado ... apenas mais um dia ..

                                   

Quem me quiser

 

Quem me quiser há-de saber as conchas
as cantigas dos búzios e do mar.
Quem me quiser há-de saber as ondas
e a verde tentação de naufragar.
Quem me quiser há-de saber as fontes,
a laranjeira em flor, a cor do feno,
a saudade lilás que há nos poentes,
o cheiro de maçãs que há no inverno.
Quem me quiser há-de saber
a chuva que põe colares de pérolas nos ombros
há-de saber os beijos e as uvas
há-de saber as asas e os pombos.
Quem me quiser há-de saber
os medos que passam nos abismos,
infinita nudez clamorosa dos meus dedos,
o salmo penitente dos meus gritos.
Quem me quiser há-de saber
a espuma em que sou turbilhão, subitamente
- Ou então não saber coisa nenhuma
e embalar-me ao peito, simplesmente.

Rosa Lobato de Faria





Anamar

sexta-feira, 12 de outubro de 2012

" EU "



A minha mãe desfeiteou-me logo à nascença ...
Não arranjou estação melhor para eu nascer, que o Outono, de que fujo a sete pés.
Estação teimosa, que insiste em correr à má fila, com o resto do sol que nos trazia à luz, ainda há tão pouco tempo atrás.
Inventa de pintar o céu com "claras" encasteladas de nuvens cobardolas, porque de quando em vez deixam que os farrapitos azuis, espreitem através delas.
Inventa de ameaçar com projectos de chuva, que só serve para nos sujar as vidraças, quer de casa, quer do carro, sem sequer o lavar em condições, evitando que  sempre que  vou  pegar  nele,  tenha  escrito  no vidro  de  trás : " lava-me  seu  porco" ( o  que  não  me  faz  bem  nenhum  ao  ego,  e  me  carrega  com culpabilidades  de  consciência ) !
Mas o calor, tem sido para o lado que dorme melhor.  Continua a pé firme.
E por isso, correndo o risco de nos molharmos ou não, continuamos de braços desnudados, e com as meias recolhidas às gavetas.
Os chapéus ainda dormem, porque os odeio.  São sempre candidatos a esquecidos, porque não passam de empecilhos nas mãos.

As folhas ensaiam agora os primeiros passos de "prima-dona", nos bailados que irão fazer lá mais para diante. As árvores estendem os braços esquálidos, e vão-as deixando partir ...
Os pássaros já fazem formações geométricas, céu afora, e debandam rumo ao calorzinho de África.
Vou com eles, nos olhos e no coração !...
Aqui, ficam-me as gaivotas, as andorinhas do mar, os albatrozes, os sempre fiéis pardais, e mais uns quantos ... porque até as cegonhas do meu Alentejo já emigraram ...

As areias sobem, as areias descem, ao sabor do sobe e desce do mar, talvez mais barulhento agora.
Não sei,  está-me só guardado nas recordações.
As falésias, de penedos em malabarismos de circo, continuam e continuarão geração após geração, para que os que nascem agora, conheçam os rochedos que os pais deles já conheceram, que os avós também, e que se calhar, os filhos irão conhecer um dia ...
A perenidade e a indiferença da dureza do que é selvagem, autêntico, rude, e que conhece a história dos tempos, dos séculos e dos milénios ...

E a gente vai passando, e como marcos da estrada, eles por lá continuam, até que um dia nós não passaremos mais, e serão outros a fazê-lo, e a orientar-se por eles ...
Como as notas escritas nas partituras, pelos Mozarts, pelos Liszts, pelos Bethovens, pelos Strausses ... e que saltam delas ( com a frescura do acabado de parir ), aos nossos ouvidos, à nossa alma ... e nos incendeiam o sonho !
Hoje, como ontem, como sempre ...
Foi dádiva deixada, nunca consumida ...

Como as histórias, os pensamentos, os poemas que nos transportam gratuitamente onde eles querem, ao fim de Mundos não sonhados, guardando para si apenas o pó dos tempos, nas prateleiras onde só amarelecem ... nunca morrem !...

Tal como as estrelas, os céus, as luas, o chegar e o partir do sol todos os dias ... como que repetem a magia de se repetirem, sem se repetirem na verdade ...
Porque nenhum é igual a nenhum.  Os acontecimentos são os mesmos, na mente do Homem, mas nos seus olhos atentos, bem percebem que o que viram ontem, não é o que vêem hoje, e que o não verão jamais, ao longo da eternidade.
E a emoção que transportaram, e que fez pulsar o seu coração, emudecer a sua voz,  orvalhar os seus olhos, também não !...

E os castanheiros voltam a oferecer-nos as castanhas, que estavam escondidas nos ouriços ainda há dias apenas,  e as romãs - rainhas coroadas pela Natureza - abrem-se generosamente nas bagas vermelhas, que nos adoçarão o corpo, à falta de nos adoçarem o espírito ...
Porque esse, está outonal ... esse, maquilhou-se já com os laranjas, os castanhos, os vermelhos, os ocres, ou o nada, dos troncos vazios das árvores que se despentearam ...e que aceitaram a nudez e a amputação natural, na esperança da renovação, do renascimento e da pujança, na próxima época ...

Por que é que o Homem não tem, por cada ano, uma Primavera depois de um Inverno e de um Outono, na Vida ??!!
Cecília Meireles diz que "aprendeu com as Primaveras a deixar-se cortar, para poder voltar sempre inteira ", regenerada na estação seguinte

Queria ter essa sabedoria !...
Queria ser essa flor que murcha no pé , e que o não lamenta ...
Queria ter a força da ave que ano após ano, com a mesma energia, confiança e alegria, refaz o seu ninho, aconchego de vida que se renova ...
Queria ter a coragem das uvas da latada, que cumprem inapelavelmente o seu destino ...
Queria ter a aceitação da borboleta, na precariedade das suas horas de vida, esbanjando beleza efémera por aí ... sem chorar ...

Eu nasci no Outono, e o meu ciclo de vida é a melancolia ... as minhas cores são o diáfano dos pastéis, da paleta do Arquitecto ...
Os meus sons, são os embaladores das sonatas intemporais ...
Os meus sonhos, são os sonhos sem limites, que o condor transporta nos golpes de vento sobre os desfiladeiros do Grand Canyon ...
Os meus desejos, os do poeta que acredita no amor eterno ...
Os meus cheiros, o da terra molhada e das acácias vermelhas, no esplendor da savana ...
A minha liberdade, a da gaivota que ousa tocar os céus com as asas, desafiando o Criador ...
O meu ser é o de uma mulher-mãe-menina, que ousa viver, que sofre as angústias de cordão nunca cortado, que brinca ainda, na inconsequência e na ingenuidade da ignorância da Vida ...
O meu rosto tem os sulcos do caminho andado, tem as marcas das lágrimas de montante a juzante, tem o olhar comprido de quem contempla a estrada percorrida, e a saudade de amores que se foram perdendo nas voltas do percurso ...
E o meu corpo ... a ousadia, o desafio, e o frémito de Vida, na sabedoria da maturidade de uma mulher outonal !!!...

Essa, sou EU !!!...


Anamar

quinta-feira, 11 de outubro de 2012

" RETRATO "


Em que mundo estamos ?  Em que galáxia vivemos ?

Tenho a sensação que isto virou de "ponta a cabeça".   A páginas tantas, a bússola aponta mas é o sul e não o norte, e temos andado enganados !

Uma mulher, relata  pormenorizadamente a sua vida no FB.  Exibe fotos da filha e diz : " Como é linda a minha filha, já viram"?
Exibe indiferentemente fotos dos netos, do marido, da mãe, dos gatos, dos concertos, das audições a que foi ...
Tudo consequência de um grau de degenerescência mental, que me causa engulhos, só pode ...
E é incapaz de avaliar o  ridículo, apondo comentários infantis, "naïves", descabidos, que me perturbam.
E fico triste, porque a conheci nos tempos de "normalidade", digamos ... ( se isto existe ).
E está feliz ... tontamente feliz, embora de quando em vez, com o ar mais feliz do mundo também, diga que acabou de chegar do "psi" ... como quem diz que acabou de chegar das compras no super !!

Senso  de  conveniência  e  saber  estar ??... Pois ... o  pessoal  alucinou !...

Outra  diz  de  chofre : " Hoje  separei-me ... não  sei  se  em  definitivo !..."  enquanto outra afirma : "Estou numa relação ... ainda não dá muito para perceber ... "
Nas redes sociais, os homens convidam uma mulher p'ra cama, na segunda frase de diálogo, mas elas também estimulam sexo virtual, sem problemas e total desinibição ...
"Abençoadas"  web cams, "abençoados" Skypes, "abençoado" cair de véus, de todos os véus ...

No café, à minha frente, tenho uma figura híbrida, tipo Zé Castelo Branco, estão a ver ?
Não costumo sentir "frenicoques" com este tipo de coisa, mas desta vez sinto-me incomodada ...  Sinal de alguma / muita intolerância já, da minha parte !

Um "habitué" idoso, frequentador diário do espaço, em vez de recorrer aos lavabos para se aliviar, resolve o problema, mesmo na mesa contígua à minha ...

Ajudam-se  amigos,  que  não  nos  ajudam  quando  precisamos  o  retorno ...

Nos corredores dos supermercados, as pessoas falam sozinhas, ou então contam a vida desde que nasceram, ao parceiro de banco de jardim  ( que acabaram de ver ), onde se sentaram por momentos a descansar ...

Inverteu-se tudo ... o Mundo perdeu fronteiras !
Circulamos ao Deus dará, numa alucinação colectiva, em que parece que queremos esquecer a qualquer preço, como quem recorre a uma droga, desde que seja salvadora, e tire a "dor", pelo menos durante algum tempo.
As pessoas querem mergulhar em qualquer sonho ou pesadelo, querem entorpecer-se de qualquer forma, querem aturdir-se, abafando o "ruído de fundo" com a aparelhagem no máximo, querem entrar seja em que túnel for, desde que as leve até uma luz diferente, do outro lado !

Estranha época esta, que não dá mesmo para entender, ou talvez dê ... e talvez não pudesse ser de facto, de outra forma !...
Penso que há um padecimento mental colectivo, penso que todos, indistintamente, andamos à deriva num mar encapelado, em tempestade alterosa e instalada.
Acho que a ausência de esperança, a ausência de objectivos, metas ou projectos, nos deixam a viver por viver, a viver porque respiramos ... pouco mais !
A sensação de impotência conseguiu exaurir o ser humano, que neste momento adquiriu por defesa, uma carapaça de indiferença, de encolher de ombros, e todos entramos numa espécie de festa de loucura de vésperas do último dia ;  todos vivemos aquele  desnorte do valer tudo, do condenado, a quem foi dito que dispunha das suas últimas vinte e quatro horas !...
E simultâneamente , gerou-se  uma insensibilidade, que acho que corresponde mais ou menos, àquela que sentimos no trabalho final dum parto, quando a mulher é cosida e ... simplesmente já não sente mais nada, tanto o sofrimento e a dilaceração sofrida entretanto.
Vivemos um estado de embriaguês que permite tudo.  São estertores finais de um moribundo, são quedas não sentidas, do ébrio que despejou dentro de si garrafas sobre garrafas ... é a indiferença do desistente de uma doença terminal, é a impotência, o imobilismo e o estado cataléptico, das vítimas de bombardeamentos e torturas que não entendem, em guerras que também não entendem ... porque ... já não vale a pena, e é sempre melhor esquecer (quando não há alternativa visível, quando já não se pede nada ... ), é sempre melhor deixar de consciencializar, deixar de sentir ... ir morrendo aos poucos ...

Os desnutridos, física e emocionalmente, deste país, continuam com o rabo sentado no barril de pólvora, no cone do vulcão que ameaça "vomitar" a qualquer momento ... enquanto os "deuses" dormem no Olimpo.
As valetas estão cheias de moribundos, e os coveiros não têm mãos a medir ... mas o Mundo continua a ver filmes do Mr. Bean ...
As gargantas estão roucas, e os sapatos não têm mais solas, de tanto caminho ;  as bandeiras estão rasgadas ou põem-se de cabeça para baixo ... e as velhas de 99 anos, continuam a esmolar nas ruas, os euros ou os escudos, ou "lá o que é" ...com que a família come o pão no dia seguinte !...
Os "Infantes D.Henrique" desta terra, afogaram-se na última viagem ... as "Padeiras de Aljubarrota" morreram no forno, junto com os espanhóis, e o resto do povo perdeu-se com D.Sebastião, em Alcácer Quibir, num nevoeiro que nunca mais dissipa ...
Entretanto, Portugal ajoelhou ...
Nos tempos actuais já não se fabricam heróis !...
Resta-nos a poeira do caminho, ou a relva dos campos para engolir ;  o Holocausto do século XXI, está mais perto do que sequer consciencializamos ... porque em campos de concentração, já vivemos ... ainda que não tenhamos dado por isso !!...

Enfim ... assim vai correndo o Mundo !...
Assim vamos indo todos !...

Mas curiosamente, e sem que se entenda, como  sapiente e perspicazmente Torga nos dizia, com toda a actualidade, afinal ...



Somos um povo sem surpresas !...  Continuamos simplesmente iguais a nós próprios !!!...

Anamar

quarta-feira, 10 de outubro de 2012

" GRILHETAS "




Ontem...algures em Lisboa ...


" Falta-me a coragem !... "

Estas palavras ecoam-me, com som de tristeza e desalento, nos meus ouvidos ...

Mas a Vida é feita de coragem !
Coragem para nascer, desde logo, tendo à espera o desconhecido, que é o pior que nos pode esperar em qualquer circunstância, do nosso caminho.
Porque o desconhecido assombra, angustia, faz o coração disparar.
Ter coragem para acordar, encontrar o sol ou a chuva lá fora, e na vida ... e saber dançar nela, é coragem pura !

É preciso coragem para o amor ...
Pôr um filho no Mundo, é um acto de coragem .
Perder alguém muito nosso, que nos abandona, sem que nada possamos fazer ( porque o destino sentencia implacavelmente ), e mesmo assim conseguirmos continuar em frente, é um acto de coragem !
A resistência às injustiças, à indignidade, ao abandono, ao esquecimento ... são actos de coragem ...
A luta pela sobrevivência diária, o combate pelo direito a ser-se Homem, a força de erguer a cabeça na incerteza da tempestade ... também ...
O desespero que nos leva a alcançar o tronco que flutua, no último minuto, quando o sopro da vida ameaça deixar-nos, é coragem ...  É não desistência !...
O reunir forças, sabe-se lá de onde, e pensar que elas são candeia que nos ilumina a estrada, quando tudo está  escuro  à  nossa  volta, e  não  se  vislumbra  mesmo  estrada, sequer  um  atalho ... é coragem !...
Continuarmos a reclamar-nos gente, quando nos sentimos meros farrapos humanos ... o que é, senão coragem ??!!...

Há atitudes e decisões, que só se conseguem tomar, se a tivermos.
A coerência, a honestidade, a lisura, a verticalidade, a humildade até, neste Mundo corrompido e doente, são exemplos disso.
Há escolhas que só quem a tem, admite ...

A renúncia é dos mais surpreendentes actos de coragem.
Confunde-se com cobardia às vezes, pode confundir-se com falta de ética, pode confundir-se até com estupidez ou burrice ...
Mas abdicarmos de nós mesmos em função de outrém, merecedor ou não, em função de princípios, valores, convicções, obrigações morais e outras, é um suicídio antecipado, é uma eutanásia praticada e assumida, para os quais é precisa suprema coragem !

Porque coragem, como muitas vezes levianamente se confunde, não é ausência de medo ... não é conseguir entrar no quarto escuro sem saber o que lá se vai encontrar.
Para mim, só seres de eleição a possuem na sua essência, e a praticam, porque ela é de nós para os outros, com prejuízo e anulação de nós mesmos.
Ela é saber sair de si, é o oposto do egoísmo, do egocentrismo, do autismo de interesses e conveniências ;  é abnegação total, é dádiva, muitas vezes não reconhecida, valorizada, menos ainda agradecida !...

Escolher abandonar alguém no caminho, se esse alguém nos for razão de vida ... escolher dobrar a esquina, deixando para trás apenas um derradeiro olhar comprido, lágrimas e dor, e levarmos em frente um coração feito em pedaços, só porque conseguimos esquecer-nos e anular-nos ... porque tem que ser assim, ou sentimos que tem que ser assim, não é mais que aquela coragem que poucos detêm ...
Fazermo-nos eterna e definitivamente prisioneiros de arames farpados, ou de grades de masmorras, cujos cadeados nós próprios trancamos e de que deitamos fora a chave, e com ela a felicidade um dia sonhada ... bom, se não é coragem ... então o que é ???!!!

Talvez eu seja utópica na análise de tudo isto.
Talvez eu seja "naïve" ...  Talvez eu arranje justificações para atitudes que tenham tudo menos nobreza, e seja tonta ... apenas porque preciso acreditar que não sou tonta !...
Talvez a destituída ou pouco clarividente seja eu, ao abonar benefícios, para posturas, que se calhar os não deveriam merecer ... talvez eu precise acreditar que há ainda seres humanos assim ... despojados, altruístas, superiores, em suma ...
Não faz mal se ainda consigo ver o Mundo com alguma cor, se ainda tenho alguma capacidade de aceitação, benefício de dúvida, ou de creditação àcerca do Homem !...

Falta-te coragem ... confessavas ...

Não falta não !  Tens sim a coragem que eu não tenho !...
Vai restar-te talvez uma tranquilidade de consciência e uma paz de espírito ( dizem que se dorme com elas na almofada ... ), que não terá preço, suponho, que representará dever cumprido e sossego de coração.
Só desejo que consigas viver o resto dos teus dias, alimentado por essa convicção, aconchegado pelo altruísmo de te teres tornado, por "moto próprio", um ser que se supõe vivente, mas na realidade não o é, um ser que não existe, apenas atravessa a Vida, invisível da sorte, enjeitado do destino ... um "zombie", nos dias e nas noites que te couberem ainda , espalhando a felicidade, a paz e a esperança, nos corações que vão supor "ad eternum", que lhes coube o mérito de efectivamente o terem merecido !...

Perto de ti, sou de facto um arremedo de gente, uma aprendiza imperfeita, egoísta e sempre lutadora pelos MEUS sonhos e convicções ... porque tenho consciência absoluta de que a Vida é só uma, já  me sobra pouca para o conseguir, e de facto, não tenho o que pensas não ter ... CORAGEM !!!...

Se  me  leres ... sê  feliz !!!  
Talvez  o  mereças  mais  que  ninguém !!!...




Anamar

segunda-feira, 8 de outubro de 2012

" SEI LÁ SE VOU POR AÍ !!! "



Por que vai embora a energia da madrugada, e o meio do dia me quebra a força e a esperança ?
Nas alvoradas, quando só o céu escuro, o piscar das estrelas, e a luz difusa de uma lua ( que apenas um quarto do mês tem a pujança de nos encher a alma ) brilha ... posso tudo !

Nessas horas imprecisas de silêncio absoluto, em que só os entes semelhantes a mim, pairam, em que voejam pelo meu quarto seres que me coabitam, silenciosamente, não se revelando, mas sentindo-se ... quando o som do silêncio, mais embala do que assusta ( ainda que o nevoeiro cerrado feche a noite lá fora, como hoje, indefinindo os contornos e as sombras ) ... nessas horas, eu tenho poder.
Nessas horas, eu ordeno à mente e ao coração, centros decisores do meu eu, tudo o que faz sentido, tudo o que é porque deve ser, tudo o que sinto, porque é isso que tenho que sentir.

E sempre me sei tão poderosa, que acredito que mal Vénus durma, as estrelas fechem as pálpebras aos poucos, e os seres turbulentos do dia que amanhece, comecem desordeiramente ( como tudo o que é diurno, tudo o que só tem cor à luz do sol ), comecem, dizia, a atormentar-me ... eu, como uma amazona na garupa de um corcel, bem hirta, dominarei os medos, as angústias e as dores.
Tenho a certeza que conseguirei !...

Por que será que só sou capaz, no reino das irrealidades, no reino do sossego e dos silêncios, quando sou muito mais eu e eu, simplesmente, do que eu e os outros ?!..
Por que será que só então tenho certezas e convicções, só  então  vejo  claro,  ironicamente  quando  a  escuridão  paira  afinal  por  todo  o  lado ??!!

E aí, um alívio de alma percorre-me.
O peso de toneladas que carrego, liberta-me, sinto-me a começar uma estrada, uma estrada com saída, sem horizonte que a limite ;  uma estrada com sol, campos verdes a bordejá-la, flores, muitas flores ... e algumas sombras de repouso.
Uma estrada de Primavera.  Não uma estrada de Inverno, nem sequer de Outono.
Mas um caminho, com um norte, não a passadeira em que percorremos quilómetros, sem sairmos do mesmo sítio ... mas um trilho com destino !

Destino ...  Acho que é o que falta nesta minha vida, em que, como diz a Bia, pareço viver por viver ;  em que acaba semana, entra semana, e vegeto, hiberno, encerro, morro voluntariamente, todos os dias um bocadinho.

Há manhãs, em que como hoje, a cama me embalava como há muito já não acontecia.
Dormia profundamente às dez e meia ;  dormia e dormiria, e havia uma recusa absoluta em mim, de me levantar.  Fi-lo, porque a isso me obriguei.
Começa agora o tempo em que a cama é salvação, é "ninho", é reduto aconchegante, onde não se sentem cansaços, mágoas, onde o coração não chora, onde a mente está entorpecida, onde os olhos estão cerrados, onde a dor mora menos.

Porque os dias são um pavor.  Hoje é um deles.
Ninguém conseguiria perceber, eu não saberia explicá-lo, ainda que o quisesse, com toda a eloquência de que me pudesse servir.
Ninguém conseguiria perceber, por que, neste café cheio de gente, escrevo com as lágrimas a saírem-me dos olhos, com um buraco claramente definido aqui dentro, com uma desesperança que me aterroriza, com uma dor, dor física mesmo ( eu sinto-a, juro ! ).
Sei que está aqui pelo peito, algures ;  sei que sobe à garganta, porque me aperta numa espécie de sufocação anunciada, sei que galga aos olhos, porque mos descontrola, e à mente, porque ma escurece, como naqueles dias de Inverno em que o céu fecha de repente, no anúncio de tempestade que se avizinha.
Sinto os farrapos de mim a boiar em mar revolto, e não vou jamais conseguir recuperá-los, e reorganizá-los em puzzle construtível !...
E dói, dói muito ... desafia-me a resistência, que nunca sei até onde vai durar ...

E cada hora do dia que vou ter que enfrentar, é um calvário, são grilhetas que arrasto nos pés, são toneladas de vazio que carrego ... E extraordinariamente, o vazio, que seria a ausência de tudo, é um "carrego" com o peso do Mundo, que não me assume significado ou expressão, para ter que o ir atravessando.

Este post é devastador !
É quase ilógico que o coloque aqui.  É uma exposição pessoal que não teria por que fazer, que não tenho por que fazer.
Mas acreditem, é a máscara do oxigénio que preciso, para conseguir respirar neste momento ...

Poderão dizer ... sei quem dirá  : " Tretas ... nada mais que uma chamada de atenção !  Poderia escrever e guardar no fundo de uma gaveta ! "
É verdade.  Objectivamente é verdade. Poderia !
Apenas, colocando isto neste meu "canto", pareço sentir arrego de desconhecidos, sem rosto, sem voz, sem "julgamento" ... porque não me conhecem.
Pareço sentir eco, gente, pareço sentir bóias ou coletes de salvação, de salvadores que não sabem quem salvam, nem precisam saber quem salvam ... Pouco interessa!
Pareço sentir menos solidão, pareço sentir-me espaldada, pareço inventar suportes, pareço escavar um "buraco no deserto" para onde clamo o que não interessa, e que preocuparia, ou molestaria  outrém ... pela simples razão de que aqui, eu não sou nada para ninguém, e ninguém é nada para mim ... que não sejam ouvidos moucos, e olhos que lêem e viram a página ...
Mas talvez me tenham ajudado, ainda assim !...

Mas hoje, como diria José régio, no seu espantoso "Cântico Negro" ... " não sei por onde vou,  não sei para onde vou " !...
Eu,  nem  sequer  sei  quem  sou,  nem  tão  pouco  sei,  "se  não  vou  por  aí " !!!...


Anamar

domingo, 7 de outubro de 2012

" BREU !... "



"  BREU "  foi o título que escolhi para este meu post, que de meu tem muito pouco, à excepção de uma confrangedora dor, e uma solidariedade profundas pelas gentes do meu país .... indiscriminadamente afinal ... porque  somos  sempre  "os mesmos",  os que estão  na mesma barca!...

Nem sequer é o "NEVOEIRO"  de que nos falava o Mestre, vaticinando afinal uma cerração tão espessa e cega, que  não deixa passar um só raio de sol !...

É uma mágoa opacizada, é uma revolta  já quase silenciosa ... é um desespero, a cheirar a morte antecipada nos corações !...

Ai   PORTUGAL  de milénios gloriosos, de histórias de coragem e desafio ... serás mesmo capaz de te ajoelhares aos pés, de quem sem pudor ou vergonha, já te espezinha ??!!...

Deixo-vos Pessoa, e uma mulher sem rosto, sem nome, sem casa, sem comida .... uma mulher que são todas as mulheres, todas as mães, todas as avós da minha terra ...
As  Evas,  do  PRINCÍPIO  e  do  FIM  de  tudo .... do  Paraíso  que  não  temos, e do Inferno  em  que vivemos ... apenas  com  um  CORAÇÃO  ainda  a  pulsar ... e  noventa  e  nove  anos .......para  que reflictam !!!...

 ( Clique no título,  para abrir o vídeo )

Idosa de 99 anos passa os dias a pedir na rua para ajudar a família desempregada - País - Notícias - RTP





Anamar