sábado, 20 de outubro de 2012

" UM POUCO DE NADA ... "



Já não sabes ler os meus silêncios, não conheces mais o som dos meus olhos nos regressos a casa, porque as macieiras também já não têm mais, frutos maduros.

Sabes ... porque aqui, é Inverno não tarda, e o escuro já começou a descer !

O "braille" do meu coração também o esqueceste, mas a verdade é que os jardins também já não têm flores, nem são mais alamedas de passeios.
Sempre gostei mais das caminhadas nas matas, que não têm  alamedas, mas têm caminhos sinuosos, com folhas que ninguém semeou, árvores que ninguém plantou, e que são generosas, como todas as árvores, porque nos protegem do calor dos dias estivais, e nos abrigam sob as ramagens, para que a chuva não gele os nossos corpos nus.

Há muito que a minha mãe não me embala.
Não  me  lembro,  mas  por  certo  ela  me  pôs  no seu  cólo e  me  protegeu ... Mas isso foi há tanto tempo, que eu não sei sequer se existia.
Depois, os abraços foram esquecidos.

Deixamos de pegar as pessoas no cólo.  Aquelas a quem mais queremos ;  mesmo essas, nós esquecemos !
O ser humano tem a memória tão curta !...
Desaprendemos a falar de amor ... desaprendemos até o amor !...
Desaprendemos  as  palavras,  o  gosto  dos  beijos,  o  calor  dos  abraços...
Desaprendemos o sabor e os caminhos dos corpos ;  desaprendemos a acreditar, a confiar,  a saber o milagre que é, um sorriso no rosto que nos olha e nos aquece ...

"Imagine" ... lança John Lennon, naquele imaginário de esperança, que brotava do seu coração !...

" O que nos leva a escrever é o desejo de ser amados " , disse António Pina ...
Ele sabia das coisas.  Ele sabia de muitas coisas, aliás !...

Eu escrevo, porque preciso gritar .
Mas se gritar, assusto os pássaros e as borboletas ;  e a lua esconde-se atrás das nuvens .  E não pode ser !  Eu preciso que ela acenda o céu, porque nessas horas, a noite já me pegou, e me embrulhou  naquela capa escura, que tem a mania de deitar sobre tudo ...
E a noite até costuma ser minha aliada, mas às vezes não quer saber, e deixa-me só.
Só, também não estou enquanto a música soar, as recordações pularem, e os sonhos souberem voar no meu "eu" ...

À  minha frente, os olhos daquele menino que julga que vive mas não vive.
Aquele menino que não anda, que baba, que revira os olhos, que faz um esgar de sorriso ... só um esgar, para o vazio, para ninguém ...
Olha, mas não vê, inerte, no carrinho em que o movem.  Ele que terá oito ou nove anos ...

Qual será o Mundo dele ??
Em que Universo ele viverá ??!!
É um vegetal, é uma criança, respira ...  Eu diria que apenas respira, e é sensível ao afecto, isso, ele é ...
É quando o tal esgar de sorriso, lhe ilumina um rosto morto, indiferente e inerte.  É quando  solta um grito sem significado ...
Aquele menino que julga que vive mas não vive, sente o amor !...

Estranhos mecanismos dos seres humanos !...
O amor, o tal que os poetas juram que move montanhas, deve mover mesmo !
Por instantes, torna vivo aquele "menino-morto" ... por instantes opera um imenso milagre ...
 Aqui ... mesmo à minha frente ...
E eu não posso fazer nada !  Ninguém pode ...  Nem sequer entrar no Mundo dele, nem sequer abrir a porta do seu Universo ... para espreitar !...

Lembrei-te ...
Lembrei o que dirias, se estivesses aqui comigo, e os teus olhos batessem nele.
Ias olhar-me e dizer : "Mais uma, dos milhões de marionetas, com que Alguém se entretém a brincar ...  Mais um, dos ensaios falhados, que somos todos nós "!!!

E irias ver as lágrimas correrem-me .

Aqui, neste café onde estou só, no meio de muitos que nem sei, nem me sabem ... as lágrimas desobedeceram-me ...
Hoje, as lágrimas romperam o arnês forte com que as prendo, com que sempre as prendo ...
Arrombaram as portas das masmorras onde as detenho, e de onde as não deixo sair ... há muito, muito tempo ...

Já não sabes ler os meus silêncios, nem o som dos meus olhos, nem conheces mais o sabor dos meus lábios ... porque a Eternidade é absoluta, e cai penumbrenta, como este Inverno que não tarda !

Por isso, as macieiras não têm mais frutos maduros, e eu ... simplesmente deixei de sentir !!!....


Anamar

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