domingo, 16 de maio de 2010

"A INGENUIDADE JÁ FOI...."





Realmente a "ingenuidade" já foi....

É domingo e o " calvário" dos fins de semana instalou-se efectivamente na minha vida....
Depois de ter ido ver os meus pilantrinhas, e explicar ( ? ) o Big Bang e a Teoria da Relatividade ao António, que mo solicitou...8 anos!....(como não dizer que a ingenuidade já foi)!....resolvi ir ao cinema, para ocupar mais uma tarde de doidos, com mais uma futebolada que "de certeza" livra o país da recessão.... (que pobreza! de terra que nós somos!....), e como estamos a entrar em mais uma época baixa de sétima arte, sem grande escolha, já que as férias, o sol, o calor e o mar, começam a deitar a cabeça de fora....fui ver um filme novela, de desfazer corações , um pouco pindérico no argumento de sentimentos irreais....adolescentes....

"A melodia do adeus", baseado em mais um romance do fabrico em série e tónica igual, de Nicholas Sparks, que talvez referenciem pelos primeiros romances que o lançaram,.... "As palavras que nunca te direi"e "O diário da nossa paixão"  foram livros que li com agrado.O primeiro, adaptado também ao cinema, não me defraudou....

Estive a ver agora na estante, e admito não ter contado correctamente, e detecto que "aguentei" ler oito volumes dum autor, que se tornou um ídolo dum público feminino, cujos livros, têm sempre a mesma matriz, que "pintam" a vida normalmente com a mesma paleta de cores, e cujo fim, já se identifica, ou adivinha, no pricípio...

E cansei....
Não comprei mais, não aguentei ler mais, achei que estava a desaprender sobre a vida real....ou então, essa vida real, já me endureceu de tal forma, que me tornei progressivamente mais exigente com os conteúdos.
É um autor que vende aos quilos, é um daqueles fenómenos um pouco inexplicáveis, tem o seu público fiel (preferencialmente feminino, e por isso se contariam pelos dedos os homens que estavam na sala) e deu direito a muitas, muitas lágrimas, ou fungadelas ao longo da exibição, por parte da assistência...

Não é por acaso que Nicholas Sparks entra na minha leitura de cabeceira.
Ele faz parte do longo deserto afectivo e dum período duro e inconsciente, de adormecimento e imaturidade da minha vida....Ele é por assim dizer "O simplesmente Maria", a "Crónica Feminina", "Os Caprichos" (lembram?), "A Escrava Isaura", "O pantanal"....onde eu me ia "abastecer" para continuar a acreditar que a vida é dos grandes amores....que é tudo sentido e verdadeiro o que nos contam, que tudo, mesmo depois do sofrimento, tem um final feliz à nossa espera....
Trinta e três anos de uma longa travessia sem oásis....
A escrita de Sparks é onírica, e o ser humano, (preferencialmente o profundamente emotivo, que é o feminino), precisa "agarrar-se"a realidades minimamente felizes, que não vive...

Por isso hoje, eu não diria, a "lamechice" do que estive a ver ( porque respeito o direito à opinião e ao gosto das pessoas), mas o conteúdo (vou dizer assim), conseguiu despoletar em mim uma raiva, um azedume, e até uma mágoa ainda, porque, não vou a Fátima a pé, mas cá no fundo continua a existir aquela luzinha um pouco crédula da adolescente que eu fui, apesar das "lambadas" que fui levando pelo caminho, e apesar de, quando racionalizo, saber que o que há para percorrer, já só é uma vereda com cardos e silvas....nem chega a ser uma estrada....

Anamar

quarta-feira, 12 de maio de 2010

"A SUPER AVOZINHA..."




Não tenho por hábito, por muitas e variadas razões e convicções, expor na NET, aqui e noutros locais, fotos familiares ou pessoais.
Normalmente procuro aquilo que quero, em tantas hipóteses que a NET nos oferece, e sem que o objectivo seja plagiar (de forma nenhuma), completo ou ilustro o trabalho que quero fazer...
Também, refiro-me de alguma forma aos meus familiares mais chegados, porque fazem parte do meu quotidiano, quando, por esta ou outra razão , são motivo de referência.
Como sabem, este blogue é intimista, e como tal, ao escrevê-lo, sempre abstraio de tudo o que me rodeia;
Não é propriamente uma espécie de egocentrismo gratuito....até porque ninguém tem que "levar comigo"...é porque aqui, é mesmo o tal buraco do deserto, que se calhar todos precisaríamos ter, para gritar, rir, chorar....nós, e ele, o buraco....e ninguém a existir à nossa volta....

Bom, mas desta vez, eu trouxe aqui, pelo inusitado da coisa, uma foto pessoal mesmo, da minha mãe, a tal velhinha que contabiliza os tais 89 anos... (eu , não faço parte da história, apenas não tinha nenhuma foto onde ela estivesse só).
Já deixei ao longo deste blogue, aqui e ali, salpicos, do que é a personalidade da mulher com quem ainda hoje tenho a felicidade de repartir a minha vida, mas vou só acrescentar aqui e ali alguns pormenores, que mesmo conhecendo-a como conheço, me deixam o queixo cair...e levam a minha filha mais velha (o elemento que ela mais respeita na família....rsrsrs), a epitetá-la de "a super avozinha".... Senão, vejamos....

Eu casei muito novinha, dezanove anos (coisas das épocas), e o meu ex-marido, que na altura, já licenciado e a trabalhar, devido às vissicitudes da vida sempre viveu um pouco afastado dos próprios pais, foi, por assim dizer, "adoptado" por ela  (ainda éramos solteiros na altura), como o patinho feio, pretinho, no meio da ninhada amarelinha....

Foi, portanto ele, um filho,  e não o "tradicional" genro, (ele, aliás, trata-a ainda hoje,e apesar dos pesares, por "mãe"...),

Foram passando os anos, muitos, muitos anos...e o nosso divórcio aconteceu....

Tínhamos na altura uma vivenda, tradicionalmente de fins de semana, embora com todas as comodidades....
Implantada num jardim de mais de mil metros quadrados, vive rodeada de trepadeiras, relva, árvores e arbustos que florescem numa explosão de cores, espantosa. Tem uma piscina muito grande e tem sempre, como aqui já tenho dito a brincar....5x5 cm de terra onde a minha mãe, claro....tem que colocar uma sardinheira.

Eu acho que ela conversa com elas, enternece-se por cada botão, do borboto à flor aberta....enfim....

Isto para vos contar o quê?
Que, após a minha, felizmente já pacífica separação neste momento, com quem vos parece que a minha mãe decidiu ficar, para o melhor e para o pior, nesta vida?....
Pois é!  Deixou a sua casa fechada, onde muito pouco vem, "deixou" uma vida que seria certamente mais perto de mim, por ser na mesma localidade, e ficou com o "outro" filho, com as buganvíleas e as glicínias, com os noveleiros e as azáleas.......e claro.....com as suas sardinheiras!!!

Eu fico feliz por ela, pelo sol que ela apanha, pela alegria de se sentir útil e protectora (não esqueçam que ela é da época em que os filhos-homens eram imbecilizados pelas mães, no que toca aos trabalhos domésticos...), por cada ninho, cada melro, cada cuco que ela pode ouvir....e fico louca da vida quando me conta, pujante de energia : "Antes das seis e meia da manhã já estou na piscina" (onde molha as pernas até às coxas), fazendo aquilo a que ela chama de  hidro-ginástica para ajudar as articulações dos dois joelhos, que numa queda fracturou, já com oitenta e dois anos.
"Depois faço meia-hora de ginástica, aos ombros, aos braços, ao pescoço, e passo os rolamentos em madeira pelas costas, obrigando a coluna a ficar o mais direito que consegue, e os braços a irem para trás o que puderem...." Tomo então o meu duchinho quente, visto-me, e começo "a minha vida"!!!....Sim, porque eu quero cá estar com vocês ainda muito tempo!!!!....

Sempre conheci a minha mãe assim...."depressões"?...."papa-as" ao pequeno almoço....as suas rendinhas, os bordados quando ainda via bem, e o seu Sporting de que até a um treino assistiu e de cujos jogadores (no tempo do Augusto Inácio) tem autógrafos e dedicatórias carinhosas, e que agora grandes "dores de cabeça" lhe dá.....chegam-lhe para viver....

Agora digam-me: Com uma progenitora assim, com uma força destas, com uns genes que já não se fabricam....como é possível ter saído uma "pamonha" que nem eu???!!...

Anamar
                                 
                                

segunda-feira, 10 de maio de 2010

"NADA SE PERDE....TUDO SE TRANSFORMA..."




Um domingo absolutamente atípico, um domingo, sem grandes excepções, ao que prevejo serão os meus domingos daqui para a frente...
Considero que entrei no cinzentismo da vida. O que é que eu hei-de fazer, senão andar rua abaixo, rua acima, com o risco mais que inerente, indesejável e nada oportuno, de gastar dinheiro, com as lojas a piscarem-me os olhinhos , depois de ter percorrido todos os meus contactos possíveis, do telemóvel e cada um já ter programa definido - senão, como dizia, percorrer as labirínticas ruas (p'ra mim são sempre labirínticas, a menos que ande de GPS na mão), de um Centro Comercial qualquer, de preferência um, que descobri,  pertíssimo aqui de casa, que estranhamente , ou não (...), eu não conhecia - o Oeiras Parque, aconchegante, espaçoso, pequeno, luminoso....Por que será que nunca foi incluído nas "rotas"?.... Já não interessa....

Enfim, eu até sei por que vim aqui...não foi numa súbita curiosidade de conhecer o Centro, eu, que nem aprecio particularmente estes espaços; vim, porque a minha vida, presa por arames, parece a de um zombie, mexido por cordelinhos, e o programa do dia, por cada dia que passa, depende sempre de tanta coisa....mas, espremido, não tem , de facto, nunca, luz...

Na 3ªfeira passada, movida por desígnios de injustiça, indignação, tristeza, de morte e raiva, eu estava no píncaro dos Himalaias...eu podia tudo, eu ia ser capaz de tudo...uma mulher nova tinha nascido!....
Na 4ªfeira, razão tinha o médico, quando com toda a objectividade me disse:" nem tenha ilusões que se iria aguentar, assim, num clique, sem fármacos....de uma assentada!..."
Não disse nada, mas pensei: "estes gajos (os psiquiatras), que mania têm de nos enfiar as "pílulas milagrosas" goelas abaixo (o meu cardápio conta, por exemplo com sete qualidades por dia)...enquanto podem!...Nem percebem que isto é como o tabaco...a gente consciencializa as coisas, faz a mentalização adequada, exercita o seu auto-domínio....e pronto....tem de ser dum dia p'ro outro!"....- isto era eu a pensar...

Quanta infantilidade!! Nessa mesma quarta feira, já eu era como um balão, com um furinho minúsculo, mas a perder ar...e fui perdendo, perdendo, perdendo...e hoje, domingo, nem preciso tirar a guita do pipo...simplesmente porque nada há já para sair...

Enquanto estava comodamente instalada numa poltrona do Centro, com os olhos no tudo e no nada, de repente, atravessou-me o espírito, a D. Ester.
A D.Ester era uma senhora que morou sempre na avenida onde eu e os meus pais vivíamos. Era uma senhora, na verdadeira acepção da palavra,  penso que até mais nova que a minha mãe, bem desempoeirada, vivia com o marido e lembro que um lindo gato, persa, branco, que desafiava as leis da gravidade constantemente, porque se pavoneava ao sol, no parapeito da janela, que, muito embora fosse um primeiro andar, me deixava com o coração nas nãos. A D.Ester, não tinha, portanto, filhos.

Inesperadamente, enviuvou, e esteve viúva, algum, não muito tempo. Recordo, e era bem pequena, (talvez 13, 14 anos), quando a D.Ester, senhora, como disse, respeitável, insuspeita de comportamento, foi sujeita, a todo o tipo de comentários, pelas mentes pequeninas, desdenhosas, sem a frontalidade e coragem (para a época) em que viveu, mentes maldosas que se realizam para, e pela infelicidade dos outros, porque pôs um anúncio de casamento num jornal, voltou a casar e foi bem feliz, com um companheiro um pouco mais novo, com quem viveu, até à morte deste, também.
Pouco depois, partia a D. Ester...

Hoje, eu percebo-a lindamente...pareço vê-la, à sacada, com o seu gato branco, à hora do regresso do trabalho do marido.
Era o tipo de pessoa que não viveria sem afecto, que precisava de amor para respirar, definharia na solidão...

Há seres assim, não conseguem secundarizar o amor, viver em desertos afectivos.
Não conseguem ver cor em nada, sozinhas....olham sempre, mas só vêem se forem quatro olhos a direccionarem-se no mesmo sentido; o valor e o valer a pena das coisas, só se justifica se partilhada, não têm maturidade nem autonomia afectiva....têm que ter luz no fundo do túnel que é, de facto, a vida.
Há pessoas que não vivem senão partilhadas, sem dar-se e receber, sem se dividirem....

Ao longo da vida ouvi a minha mãe dizer (e di-lo até hoje : "A vida tudo nos dá e tudo nos leva")....
Eu estou mais (e ensinei anos a fios aos meus alunos, o princípio do grande Lavoisier, da conservação no universo....)
Eu não acho que a vida tudo nos leve. O que nos dá, apenas transforma....e enquanto que à chegada, a "nossa arca dos sonhos" está repleta, e a das recordações, vazia....no fim da jornada, a dos sonhos esvazia como o meu balão furado, e a das recordações, tenho que me sentar em cima dela para a conseguir fechar...enquanto espero...

Estas "arcas" são a nossa vida...e nela, de facto, nada se cria, nada se perde...tudo se transforma!...

Anamar

sexta-feira, 7 de maio de 2010

"HOMENS EM FUGA"

Por que será que o ser humano tende a repetir os registos e padrões comportamentais de vida, ainda que erráticos, mesmo que o perceba e o consciencialize, se sinta desconfortável com eles....parecendo nunca aprender nada, como tatuagens grudadas à pele para sempre???...

A Psicologia explica de certeza, os psicólogos, psiquiatras, psicanalistas devem conhecer e saber explicar estes meandros da alma, tão complexos...

Eu não fugi à regra...
Os homens que eu amei...os homens que me amaram (?), comportamentalmente têm de facto, todos,um padrão comum, um misto de prazer e sofrimento que parece ser o que eu busco, um masoquismo patológico centrado em mim...São todos eles, "homens em fuga"...

A  matriz original começa na figura parental do meu pai, cuja vida (como algumas vezes já aqui referi), era ser viajante de uma firma de ferragens. Foi o primeiro homem que me dava por felicidade, os escassos momentos que estava presente.
Era uma figura "incerta" na minha vida. Desde sempre, o vi sair para viagem às segundas feiras, e acho que desde muito tenra idade, devo ter interiorizado que sempre era incerto que ele voltasse.
Na minha cabecinha de menina, sempre, a figura do meu  pai, era uma figura de ausência, duvidosa, incerta, insegura, fugidia...
Já não referindo sequer, que toda a minha vida vivi a eminência da sua morte, dada a diferença abismal das nossas idades. Quando eu nasci, já o meu pai tinha quase cinquenta anos anos...e como tal, sempre me foi incutida a ideia de que não estaria cá para me ver crescer, tornar-me mulher, partir para a vida...como os pais "normais" das minhas amiguinhas...

Pela vida fora, até hoje, e agora já com  maturidade afectiva e emocional, pelo menos assim o deveria ser, os homens que mais amei e que mais me fizeram sofrer, são  homens agri-doces, com comportamentos emocionais exactamente em repetição deste registo.

Homens que podem ou não estar, que não é sequer seguro que estejam, homens em eminência de desaparecimento, que nunca me transmitiram segurança, paz, normalidade...
Homens que me dividem com outros afectos, que me dão, na generalidade migalhas, homens com um charme próprio (não intencional), mas que me provocam destruições irreversíveis sem recobro possível...

De uma forma subtilmente ilógica, ou para a qual não tenho qualquer formação científica esclarecedora...é como se a minha vida se desenvolvesse sobre a cratera de um vulcão....

Os outros, aqueles que me valorizam e entendem esta convulsão de sentires, com as minhas inseguranças, omissões, incompletudes...aqueles que estão sempre lá, prontos a "bombeirar" chamas avassaladoras, angústias e sofrimentos...esses, que me tornariam a vida tão mais simples e normal, não "mexem" com a minha adrenalina afectiva, não me motivam emocionalmente, tenho-os como "amigos", âncoras de vida, esteios de afecto, ombros de apoio...e nunca terão possibilidade de ser o "homem-carnal", o "homem-sanguíneo"...o "homem-amante", como se o sofrimento da dúvida, da incerteza, fosse um doentio auto-masoquismo ou flagelação, que me estimulasse e impelisse sempre para os mesmos abismos...

Realmente o ser humano, muitas vezes nem se merece, nem merece as "benesses" que tantas vezes a vida lhe faz desfilar ao alcance de um coração ávido, sedento e sofrido....e deixa voltar esquinas, a quem deveria ficar, e quer "morrer" por quem paira com indiferentismo, e nem reconhece os afectos que lhes são prodigalizados...

Anamar

quinta-feira, 6 de maio de 2010

"QUEM ESPERA POR QUEM NÃO VEM, NUMA HORA ESPERA CEM..."




Segundo ela, quem for às Galinheiras, mesmo em frente ao Café Central, num rés do chão, cujo número não lembra já, numa casinha de janelas pejadas de flores, modestas que nem ela, cujos vasos se estendem pela calçada, junto à porta, não há quem não conheça a D. Joana...

A D.Joana regressou "à sua casinha", graças à intervenção da Assistência Social, embora não esteja curada, nem virá a estar seguramente nunca mais, com uma das pernas em permanente chaga aberta, não sei se de uma úlcera varicosa, mas que a limita na sua vida no dia a dia.

A D: Joana, quase "residente" do Hospital de Santa Maria, é uma velhinha, a "avó", como toda a gente carinhosamente, a trata  no hospital , é alentejana, de Flor da Rosa, quase sem rugas, nos seus 89 anos, com um ar de bonomia, apesar dos pesares, muito branquinha de pele, e uma bandolete inseparável, a dar-lhe um ar cuidado e limpinho, num cabelo duma alvura espantosa.
É de uma educação invulgar, sente-se sempre agradecida por tudo o que lhe fazem, evita o mais possível incomodar o pessoal e suporta as suas dores, como pode.

"Amanhã, a esta hora já estou na minha casinha"....rejubilava a D. Joana, repetindo esta frase mais de vinte vezes na véspera de ir...Nem queria acreditar...e a felicidade estampava-se-lhe no rosto...
"Como estarão as minhas florzinhas??!!...Se calhar tudo seco!" (esta última estadia no hospital durara dois meses e meio). "Tenho uma flor de noiva, a minha avenca, dois gladíolos, um, cor de rosa, e sardinheiras muito bonitas....Se calhar está tudo seco!" - dizia, desalentada, única nuvenzinha que lhe atravessava de quando em vez o olhar...

Aguardou, mais do que o previsível, a chegada do transporte hospitalar, com o seu robezinho rosa, o seu ar desempoeirado, o andarilho a postos....devido a burocracias de última hora, enquanto dizia : "Quem espera por quem não vem, numa hora espera cem!!..."

Todos quiseram despedir-se da D. Joana, que acenava, corredor fora, quando finalmente chegou a hora.

O hospital ficou mais pobre...a D. Joana mais rica, na sua casinha das Galinheiras, frente ao Café Central, com as suas flores, que mesmo as mais "doentes", reconhecerão certamente a dona, e irão florir pela alegria desta nova Primavera da vida da D. Joana...

Anamar

terça-feira, 4 de maio de 2010

"UM PEDAÇO DE VIDA...UM PEDAÇO DE PAPEL"



A casa estava na penumbra.
Ainda não tinha ligado as luzes eléctricas, estava deitada sobre a cama, de lado, voltada para a janela.
Esta, era um mero quadrado recortado na luz crepuscular do exterior, que àquela hora era de um azul-cinza tão pálido, mas tão pálido, que não sendo o fogacho alaranjado já pouco intenso lá bem no fundo, dir-se-ia que os deuses já tinham ido dormir....

Todos os objectos do interior e do exterior, o recorte do casario, eram só sombras chinesas, vultos, que mais se adivinhavam do que se viam....

Era uma hora muito estranha.
No céu já não havia pássaros, a aragem corria algo forte, para este Maio promissor de um Verão que se anunciava....
Era a hora das bruxas....da quietude, do silêncio, da letargia, do adormecimento da natureza...
Sempre se sentia cansada nesse espaço temporal de pausa, até que o céu ficava definitivamente escuro....Parecia que ocorria ali uma suspensão de vida durante algum tempo, uma época de pausa, de intimismo, um quebrar ou deixar pender os sonhos, as forças, os projectos, os planos, toda a energia que o sol radioso da manhã seguinte repunha, recuperava, regenerava....

Eram assim os dias, as semanas que se juntavam em meses, que perfaziam anos....que completavam vidas....

Abriu a janela e deixou que a aragem da noite lhe atravessasse o corpo semi-nu.....fez uma pausa, abriu a mão onde estava ainda bem preso aquele mail....e deixou-o ir, flutuando nos golpes da aragem nocturna....enquanto se dava conta que ao alcance do clique daquele "enviar", iam vogando ao acaso, seis anos da sua vida...

Pensou:"Irónico....nem sequer está por aqui a minha gaivota. Se estivesse, ela podia trazer-me o papel de volta, do éter, do silêncio...pensando que eu me descuidara e o deixara escapar, e dizendo-me -tem cuidado! seis anos da vida de alguém, assim, perdidos, é um crime. Vê se és prudente!!"

Não....na hora das bruxas já as gaivotas fecharam a pestana há muito....

Continuou nostálgica,,, e nem Vénus, o único astro "plantado" bem ali na sua frente, teve o condão de a fazer acreditar que há mais vida lá fora, que há mais esperança e futuro do que a sentença ditada naquele definitivo papel...

Anamar

domingo, 2 de maio de 2010

O TAL "JEITINHO" QUE SÓ MÃE INVENTA....




Nunca tinha estado hospitalizada, felizmente...

Nunca atravessei este deserto do que são dias intermináveis, a começar ainda não são sete da manhã e sem términus determinado...

Nunca experimentara a sensação claustrofóbica de não ter por perto os nossos pertences, o nosso televisor, o "chato" do nosso PC (que de repente passaria a ser um querido...), até a nossa caneca do leite.

Nunca passara antes pela "exaustão", de nada haver para fazer, excepto comer (que parece acontecer de hora a hora), mandar e receber telefonemas e mensagens...e dormir, dormir, dormir...já sem posição, com as "cruzes" em reclamação e os músculos das pernas a doer de não trabalharem decentemente há dias...sei lá...nunca atravessara de facto, o deserto...

As pessoas que tenho como conhecidos e amigos (meu Deus...como são tantos...nem eu fazia ideia, o que me traz uma felicidade sem tamanho) , fazem-se e desfazem-se em tempo, em engenho e em arte, para fazer deste local um verdadeiro SPA...mas um SPA à séria...
Já não falo das minhas filhas, claro, digamos que essas sempre terão alguma obrigação "institucional". ( Não gosto do termo "obrigação"...amor não é nem nunca foi obrigação...).
Elas inventam, elas desdobram-se, elas desmultiplicam-se, para que as lágrimas não molhem o rosto da menina mimada que eu sou...

De alguma forma, este aprendizado doído, tem muito de positivo, e tem-me também mostrado, como, de facto, o afecto entre as pessoas que se querem, vem à tona, mesmo que o mar esteja encapelado, ou melhor, sobretudo se o mar estiver encapelado...
tem-me mostrado como a dor, as horas de sofrimento, as incertezas, as desesperanças ou as pequenas alegrias, solidarizam indistintamente o ser humano....e sem darmos conta, todos em comunhão, todos iguais, damos por nós a falar de nós e dos nossos, a falar de tudo e a falar de nada...simplesmente porque somos GENTE...

É de facto uma experiência  que todos "deveriam" viver, pelo menos uma vez na vida.
Vejam que não falo no mau sentido, óbvio.
Esta colmeia ou polvo gigante, imparável, este "monstro", cidade em ponto pequeno, que nunca dorme, esta "solidão acompanhada" também, a dor, o medo que às vezes é pior que o sofrimento, a união ou fraternidade e solidariedade comoventes, que se criam nesta comunidade (porque afinal, o barco é de todos....) enriquece, porque igualiza, relembra valores  que às vezes, muitas,...chegamos a desacreditar ainda existam na sociedade injusta, desumanizada, egoista e tão sozinha como a que vivemos nestes tempos.

Já tive a minha mãe internada mais do que uma vez nos hospitais, por razões várias. E diariamente a visitava o quanto podia, tentando suprir aquelas pequenas coisas que sempre fazem falta, pelo simples facto de não estarmos no nosso espaço, estarmos fragilizados e como que indefesos.....
Mas nunca pude imaginar o que traduz aquele olhar "comprido" que vai ficando, quando a hora é de regresso; quem esteve, parte para a vida cá fora, para a "liberdade", e quem fica, continua contando as horas, que descontam dias, que reduzem tempo, o tal tempo que levará teoricamente ao sanar das maleitas, ou, pelo menos, que nos devolva à nossa "normalidade".

Agora, a situação é inversa. Quem "encomprida" o olhar, sou eu, quem chega e parte a correr à custa da sua própria alimentação, do seu próprio bem estar, da sua vida, roubando tempo à hora de um almoço, que por isso não se faz, à custa de um esforço acrescido, são as minhas filhas, sobretudo a que também já tem lá em casa, três "utentes"hospitalares, de quando em quando...
Ela de facto faz de tudo, "entope-me" de felicidade traduzida nos miminhos, nas revistas de fofocas, tentando pensar em tudo o que possa aligeirar a nostalgia ou as lágrimas da tonta que sou....

Mas ela que me perdoe, e perdoa...porque conhece a avó que ainda tem (e que desta vez, pela primeira vez e desgosto seu, os 89 já não lhe permitem estar por perto). Se a minha mãe estivesse aqui, tenho a certeza, e não sei explicar o porquê deste meu "feeling", a corrente do afecto, o saber afectivo maduro e prático das coisas....aquele "jeitinho" que ela saberia dar,  (e que lá longe está dando em pensamento), um parecer querer  levar debaixo do braço as nossas pieguices reais ou não, do hospital para fora, aquela frase encorajadora real ou falsa, de estímulo, coragem, fortaleza, fé....esse "jeitinho" só mãe (algumas) sabe dar...

Anamar

"AS SUPER BACTÉRIAS..."- uma "estadia" na Dermatologia do HSM


"Elas aí vêm!!!....o exército das super-guerreiras, para mim, as "mulherzinhas verdes"...De elmo, viseira e capacete, ar ameaçador, eis o batalhão que se uniu e avança, pensando levar a melhor...Marcha unida, sorrateiramente...espreitando "portas e janelas" que incautamente tenham sido esquecidas abertas....
As "mulherzinhas verdes"...já sei por que acho que seriam verdes...se as visse, a elas....às bactérias!
É que hoje, nas "démarches" do banho diário, em cavaqueio com a utente que mal cabia na cabina ao lado, coitada (no mínimo 130 Kg), encetámos um diálogo... (sim, porque estas coisas custam sempre menos se formos criando uma boa vizinhança e afinal isto é uma família de gente que está toda num raio duma canoa furada...)

Contava-me ela, que se vira "grega" para exterminar uma que apanhara lá no serviço e certamente se encantou com uma das suas pernas gordinhas...
Era uma chaga, que instalada, não regredia por nada, aumentava sem parar e deitava um líquido verde, tipo "lata de tinta entornada"...

A partir de tal história macabra, meu Deus.... passei a "vê-las" por todos os cantos e recantos, buracos e buraquinhos, numa "orgia" delirante, tipo "glutões" (lembram-se?)...a "trincar-nos" pedacinho a pedacinho....claro que na minha mente, neste momento, só pode ser de atacantes verdes...

Guarda unida!!!!
Cornetas e cornetins, quais baratas em fuga à frente do Sheltox!!....

Caíu no chão??... Não toca!!.... Pés no chão??!! Oppss...nem pensar! Elas estão lá à espera do dedo mindinho...Passei a olhar de soslaio, desconfiada, tal como quando a "apocalíptica" Gripe A se avizinhava...
Já pensei em "escafandrizar-me" (já que tenho que estar mesmo por aqui), garrafa de oxigénio às costas, luvas e óculos espaciais, numa nobre missão de defesa contra as "mulherzinhas verdes"...

Para além disso, acho que vou andar pé ante pé, de lupa...e elementar....caçá-las aos quilos, exportá-las (pensei no Hugo Chavez....parece-vos bem?...), e com isso ajudaria o Sócrates a dizer que finalmente tinha salvo a economia do país...

NOTA : Nada disto tem intuito ofensivo, mas apenas humorístico....parece-me óbvio.De alguma forma, apesar de tudo, foram "medos" por mim vividos.
Longe de mim estar a ridicularizar ou a minorar o sofrimento humano.
Oxalá não apanhe, eu própria sem contar, alguma das renomadas bactérias hospitalares, nesta minha estadia forçada na Dermatologia do Hospital de Sta. Maria...

Anamar 

segunda-feira, 19 de abril de 2010

"LEMBRAM-SE ?"....



Nestes Tempos que afinal ainda são pascais, fui ontem, apesar de não ser a aniversariante, surpreendida pelo António, pela Vitória e pelo Quico ( como ele se "arranja"para se auto denominar próximo de Frederico, tanta volta este nome exige na língua), por este "mimo" de que alguns se lembrarão, outros não...não faço ideia se se vendem nas pastelarias a peso, ou não....

Ele eram tremoços, ervilhas, bercinhos (sim porque estes são os bébés), passarinhos...sei lá!
Era o meu pai que me comprava na Suiça ou na Nacional, um cartuchinho com todos os tipos, a peso, e floria dessa forma a minha Páscoa...


O meu pai já cá não está há muito...mas a ternura e o amor vence eternidades!
Por isso me lembrei de compartilhar com vocês, algum do licor que estes bébés têm na barriguinha...porque no meu coração, o doce, o licor, a memória, a saudade e o "quentinho" que estas amêndoas pascais, tão mas tão especiais rechearam em plenitude!!






Anamar











                                                                           

sexta-feira, 16 de abril de 2010

"UMA ESTRANHA EM MIM"

Como sabem, os mais atentos, não estou bem de saúde. Daí vai um passo para a a ausência de vontade de escrever, mais ainda a inspiração do que quer que seja, para lá de uma imperiosa vontade de estar na cama a dormir, quantas vezes profundamente , nove e meia, dez horas....o que tem acontecido com frequência.

Há duas noites, contudo, deparei-me com o início dum filme que já vira no cinema, e que achei tão empolgante, quanto nessa altura : "Uma estranha em mim", que intencionalmente dá nome a este post, com um desempenho magistral duma versátil Jodie Foster.

Aprontei-me p'ro ver desde o início (detesto quem faz "zapping" de programas, apanha bocados aqui, bocados ali, e fica feliz).Mas cada um é como cada qual e vive como quer.

É um trailer, bem concebido, bem conseguido, bem desempenhado, mas o que já na altura aqui comentei neste espaço, creio...não é nada disso, que me empolgou, mas a mensagem que o mesmo, com sabor amargo, nos deixa no fim, cuja veracidade, alguns de nós, infelizmente experimentamos...

E porque a estou a sentir com clara nitidez na pele, no corpo e na alma, desta vez pareceu fazer-me arder uma alma já chamuscada  : até que ponto um acidente traumático (e um acidente traumático pode sê-lo de muitas formas...), condiciona, determina, traz ao de cima, um outro "ALGUÉM" que, do banco dos suplentes, espreitava a altura de fazer substituições na equipa principal?....

Ao ler isto, até eu mesma me assusto...mas o que é um facto, é como é que as condicicionantes adversas de ventos e marés, conseguem trazer o pior (se calhar também o melhor) de um outro ser, um outro alguém, até talvez nosso desconhecido, estanho....um ser que nos leva a um encolher de ombros e nos diz ao ouvido"que se lixe! que importa!...o que é que isso interessa?!"

É um estranho dentro de nós, que nos leva ao mais impensável, ao mais censurável....como se fosse um ser, e é, em ser incógnito até de nós, anarquizante, castigador, humilhador, destruidor....como se  não importasse muito (e se calhar não, para o próprio), o certo, o correcto, o moralmente aceite, o valorativo....como se a frase "quanto pior, melhor....".......fosse a "cabeça" dessa entidade  abstacta mas mandante....

"Há várias formas de morrer....há que descobrir é uma forma de viver"....
Isso é dito no filme e é inteiramente verdade...
Eu não sei como se fica, se pior, se melhor....mas sim diferentes.
Aquela estranha  fará seguramente de nós, outras personagens, outras pessoas, outros indivíduos.... Jamais seremos os mesmos.

quarta-feira, 7 de abril de 2010

"UMA MÃO CHEIA DE NADA..."

Sabem quando se olha para as mãos e se constata que se tem uma mão cheia de nada e outra de coisa nenhuma??
Sabem quando se sopesa a vida e se constata que não valeu muito a pena?
Sabem como, como a areia da praia que nos escoa "safadamente" pelo intervalo dos dedos, a nossa vida vivida assume o papel duma ampulheta, imparável, sem rolha que se lhe coloque, a piscar-nos os "olhinhos" com ar bem malandro e a dizer"não te afobes" porque isto pára mesmo a curto ou a mais longo prazo??!!
Sabem quando o ipê já está de novo a anunciar o Verão, ainda ontem o pinheiro piscava, piscava e dizia..."Jingle bells, jingle bells", e todos fazíamos de conta que éramos profundamente felizes, porque o António era um menino/homem, responsável e aplicado...a "estabanada" da Vitória não tinha mais dentes ou sobrancelhas para "costurar"e no fim do "pelotão" vinha aquele cara sem vergonha, mais para "Robim dos Bosques" ou "pinguço"?

Sabem quando já nos afogamos de episódios feitos memórias, quando acreditamos que se calhar valeu a pena....e nós a ficarmos ainda, mas a ver partir já tantos dos que nos cercaram?

E a vermos portas que rangem e já se vão irreversivelmente fechando?
E mais um domingo, perseguido logo logo, do sábado a seguir?
E sabem quando já perceberam que aquele dia, daquele mês só era um...e o sol, à nossa revelia a tombar para dormir lá ao fundo??!!
E haverá um dia, "esse será o primeiro" em que nada já diz nada a ninguém??!!
E o mar rebentará de mansinho numa areia que foi nossa, mas já não é o mesmo mar...e já não é a mesma areia??

E sabem aquele aniversário em que não houve outro remédio senão convidar o velho, e sentá-lo à cabeceira...sempre com olhos de serviço sobre ele...se se baba, se deixou tombar o guardanapo, se a carne está bem esmigalhada...porque afinal, aquele "estulpício" tinha que lá estar??!!
E na cabeceira da cama, ao lado da imagem de Fátima...mesmo para os ateus, a corte dos mortos, feitos urubus à espera, apenas à espera...e a lixar aquele filme de domingo, porque é dia de visita....e "lá terá que ser"??!!

Sabem....vocês sabem todos! Fazemos de conta que não!

"Olha eu aqui com vinte anos"....olha  quando peguei pela primeira vez no "embrulhinho" e já está na Faculdade...

Sabem...vocês sabem todos! Fazem é de conta que não!,,,

e  nós rodeados de arcas cheias, mas que bem podiam estar vazias, porque "o disco rígido" não é lá que está!!...
Olhem com atenção e muitas vezes para as vossas mãos, elas são apenas o suporte que o velho foi enchendo, enchendo, pôs nas costas e percebeu, como diz a Lena, que aquilo foi a sua VIDA!!...

Anamar

sexta-feira, 2 de abril de 2010

"A CLAREZA DUMA FRASE"...


Sempre advoguei a eutanásia, nos humanos, nos animais...sempre que isso parecesse ser a última das últimas alternativas...e como sempre achei óbvio e fácil, determinar a fronteira entre o momento X e o momento Y, ou seja, o momento da vida e o momento da morte.!

Ontem, mercê duma frase que o meu médico me disse, percebi, quão difícil será determinar esse cliché em que se diz: "desliga a máquina"!...
A partir daqui, eu determino que este ser, deixou de existir "ad eternum", para mim...

Da conversa tida num consultório de psiquiatria, o médico, a certa altura disse-me: "deixe desligar a máquina! Esse luto tem que fazer-se...e para haver luto, tem que haver defunto...e para que haja defunto , tem que "desligar as máquinas"....
Desligue, ou deixe desligar as máquinas. Saia daquele quarto hospitalar, respire fundo e encare o sol cá fora, porque o seu breu, a sua chuva, o seu tempo pardo, dura há demasiado tempo...
Só há luto, se houver corpo, e só há corpo se a manutenção mais do que artificial duma vida, que se calhar nunca foi vida, foi invenção, foi criação sua, foi fantasia, cessar de durar, porque já existe há tempo demais...

E eu pensei : meu Deus, quantos dias, meses, anos, levará um pai a decidir, um marido a resolver, um simples caso dum animal (e eu tive recentemente essa experiência)...a mandar desligar as máquinas!!!...

Porque afinal, são aquelas máquinas que mantêm com valor ou sem, com interesse ou não, com finalidade ou não, aquele morto-vivo, vivo ou morto, no nosso espírito, no nosso coração, na nossa alma...ainda que no assunto em apreço, este "morto" esteja bem vivo, tenha querer, tenha desejos, tenha vontades, não esteja nun estado letárgico, de amiba feito homem...

Terei o direito de prender nas minhas mãos uma ave que sente os perfumes da Primavera lá fora?
Terei o poder de parar o mar livre a bater no rochedo, para todo o sempre?
Poderei manietar uma criança, num quarto, e deixá-la lá, esquecida?
Poderei prender correntes aos pés de quem já nasceu livre?...

Não devo ter...não posso ter...chega a ser criminoso...
É como queimar a seara que no pino do Verão, no meu Alentejo, aguarda para ser ceifada e dar pão!...
É como secar à míngua de água, aquela flor que já me iluminou os olhos de tanta beleza...
É como cortar as mãos que já me acariciaram e deram tanta paz...

Meu Deus!!...Tenho que desligar aquelas máquinas!!!!....

Anamar

segunda-feira, 29 de março de 2010

"QUE ALTAS, QUE BAIXAS...."



"Que altas, que baixas, em Abril calham as Páscoas...."

Sempre ouvi este ditado popular, da boca da minha mãe. Este ano, felizmente, ainda voltei a ouvi-lo, de viva voz...
Haverá tempo em que será a memória do coração que mo lembrará....a este e muitos outros. É assim que se cria a memória colectiva, que é um património de um povo, penso...

Estou há quatro meses em casa, com uma depressão, isto, para explicar da irregularidade da minha vinda aqui.
Passei a saturar-me das coisas que mais gostava, quando trabalhava...e o PC foi uma delas. O sono, a falta de disposição, a saturação, têm-me impedido até de respirar o oxigénio de que dependo...escrever!

Bom, entretanto a  Primavera está aí, meio encolhidita, sem a pujança que todos ansiamos.
A fazer jus ao companheiro, de má memória que nos deixou, deverá ser para valer, e breve breve, tudo quanto é borboto rebentará, tudo quanto é botão dará flores e flores, o tempo amainará e, dizem, o ser humano também começará a senti-la germinar dentro de si...

A minha gaivota é que, sem borrascas no mar, não recuará a terra, e duvido que venha por aqui ver a minha presença, trazer-me os seus sonhos longos de asas estendidas, porque não terá como planar, haverá muito peixe bem à beirinha da praia, e no próximo Inverno, logo virá por aqui, ver se eu ainda aqui moro...

Faz exactamente um ano, no dia de hoje, eu estava bem longe, no Gerês, numa daquelas fugazinhas que dificilmente repetirei....respirando aquele outro mundo, vivendo aqueles outros dias, aqueles cheiros, aquelas cores, aquela natureza "à borla"...e recordo que tudo estava já muito florido...inclusive a minha alma!!!

Este ano, por dentro e por fora, estou tal como a minha saúde, e este fim de tarde, chuvosa, desabrida, desconfortável!!!

Lembrei agora...será que o alecrim da minha infância com que se atapetava o tempo, naquela vilória do Alentejo, lá do fundo, já floresceu?
Será que a glicicínia e a flor da Páscoa, imaculada, que rodeava festivamente o andor da "Senhora de ao pé da Cruz" já floresceu?
E olhem que eu sou agnóstica....mas na minha tenra, muito tenra infância, fui, de asinhas, coroinha, descalça e com um cestinho de pétalas nas mãos, ao lado da "Senhora"....a quem eu se calhar, ainda atribuia todos os poderes de, pela vida fora, me vir a tornar, senão total, imensamente feliz!!!....

Anamar

terça-feira, 23 de março de 2010

"É-SE FELIZ SEM SABER!..."





E o Ray era rei do maior reinado que há....a Terra....Era rei do nada e do tudo, naquele rio Martha Brea....
Na sua jangada, orientada e movida com um longo bastão, tinha a Terra por sua conta....
Não se colhe nada que a Terra dê....a Terra quando quer, devolve ao homem o fruto maduro, a raiz pronta a comer...
O Homem tem água, tem aquelas águas mansas navegáveis, tem o trauteio da sua melopeia lenta, tem o marulhar do caudal que se deixa navegar para cima, para baixo, tem as sombras, tem os verdes, as cores dum matiz, que nenhum pincel ninguém nunca soube pintar...tem o canto, o pipilar, o grito que corta o espaço e o silêncio depois...

O Ray tem os seus trajes andrajosos que me me atreveria a dizer que são sempre os mesmos, tem o cabelo enrolado na cabeça como "rasta" que é, dizem os colegas "hierárquicos", que tem um cabelo que arrasta no chão....e fala muito pouco, quase nada....

Que inveja!.... a civilização "incivilizada" "faz" poucos seres tão livres, como o "rasta" Ray da Jamaica...



Vem ver! Como é possível, este por de sol, estes laranjas, esta brisa que convida a desbravar....e a floresta virgem com os cheiros doces e frutados, de tudo o que por lá exista...e não sabemos o que é!...
Os hibiscos, os coralillos mexicanos, as buganvílias, outros e os mesmos verdes....outra e a mesma Terra....o mar rebentando ténue, nos rochedos da beira....

Vê! Que espectáculo! O frescor da tarde a chamar-nos para fora, a curiosidade de tudo ver antes que se quebrasse o sortilégio, a apelar-nos para dentro, a Gros e a Petit Piton, indemovíveies....anos e anos, séculos e séculos....milénios e milénios....e gerações a passar, e a mata a fazer-se, a crescer, indiferentes, os gigantes a contemplar os pigmeus...aos seus pés...
E a água , turquesa, ágata, translúcida....e os peixes, ali, ao alcance duma mão....

Vem ver!.... Amanhã, jé é outro dia, outras cores, outros plúmbeos, laranjas, azuis....porque nós também já não somos os mesmos....

Eu juro, que cheiro aqui e agora, tudo...que vejo aqui e agora, tudo, que oiço aqui e agora, tudo....meu Deus, não parar o tempo é um crime....deixar que a ampulheta continue, grão a grão a correr, um desatino...um atentado...uma provocação!....
Deus me valha...Deus me acuda....mas eu parei lá atrás....no tempo em que era feliz e não sabia!......

Anamar

segunda-feira, 22 de março de 2010

"SE EU FOSSE CRIANÇA..."

Se eu neste momento fosse criança, no mínimo que estaria era assim...
Chegada da rua, depois de toda uma tarde num consultório médico, com uma dor de cabeça daquelas de amarinhar paredes, pedindo a Deus e às almas uma caminha, um gato, um saco de água quente e silêncio...constato à entrada da porta, um mar de água, que já encharcava o tapete.
Abro a porta do contador, e cai de lá uma enxurrada, levando a suspeitar numa verdadeira hecatombe.
Fechei de imediato a torneira de segurança, mas a água persistiu e persiste em cair, depois, a corrida à lista telefónica para localizar um número operacional a esta hora, da CMA, dos SMAS, do raio que os parta....telefone p'ro piquete (que não responde), telefone para os serviços de roturas na via pública....como se isto fosse via pública (eu já estava por tudo...)... depois tem que se  abrir um roço,  é necessário um canalisador...mas ao abrir o roço como o tubo é de chumbo, pode fissurar e então espicha água por todo o lado....enfim....não vos canso mais....
Juro que vou dormir de braçadeiras, e se amanhã eu ainda estiver viva...ponham no jornal, porque neste pobre país, roturas, avarias e quejandos, só a horas normais de expediente!!!!
Por vias das dúvidas, tenha sempre consigo, um kit de bombeiragem, canalização, abertura de portas, iluminação, tipo petromax...e o que mais se lembrarem.

E nas vossas orações nocturnas, peçam ao anjinho de serviço, que tenha em conta que o céu não paga horas extraordinárias...

Anamar

segunda-feira, 15 de março de 2010

"E A GENTE A ENVELHECER...."

E a gente a envelhecer...
Quando a droga do comprimido de 15 mg, que devia render até de manhã, à uma hora, já não faz efeito...e a "outra", armada em mãe diz, com ar sabedor: "tomas primeiro   uma cápsula de 15mg e depois, se for preciso, tomas outra para repor os trinta que o médico prescrevera antes"....

E a gente a envelhecer... quando jurava que tinha posto à cabeceira, a cápsula sobressalente, para, se fosse o caso, não espantar o sono...e quando gastas todas as hipóteses a cápsula levou "chá de sumiço"....vai-se à cozinha buscar outra, e o sono que devia discretamente manter-se, já tinha ido p'ro espaço....a maldita aparece no tapete!
No tapete ela, porque o sono emigrou!!!!

E a gente a envelhecer...quando a a Cláudia telefona e diz: "Mãe, o António tem umas dúvidas para te por; e eu....pronto, estou f..... (não se pode dizer) e sai o pirralho e diz : "Vó, o petróleo é uma rocha líquida....certo?? Constituída por o quê??....
Vá lá dizer àquela meia leca de gente de 8 anos... o que são hidrocarbonetos???!!!! E gesso??? Gesso então....é tabu!!
Que vontade de assobiar para o alto, e fazer de conta que não se ouviu nada!!
nesta mania das interactividades, com pais e avós!!! A gente engolia e calava!!!!!

E a gente a envelhecer, quando magistralmente, a outra acha que "o alemão" já tomou conta da família inteira, e a única que se safa é ela...claro!!
E diz... a avó com 89 já ultrapassou pais, irmãos....todos!
Tens que te ir mentalizando...... (mas aquilo sai tão pouco convincente, que se vê logo é que ela é que não quer pensar no assunto!!)

E morre o cão. E agora, mãe, é certo que a avó vai atrás! Nada disso...há que ocupá-la com naperons de cozinha linha 6...até p'ra empregada!!!

E a gente a envelhecer, quando a "desdentada" da família, acha a avó senil porque não articula um daqueles nomes horrorosos dos bonecos animados!!! Ainda se fosse a Branca de Neve, o Kalimero, o Tom e o Jerry....

E a gente a envelhecer quando vê aquele pinguço com cara de Robim dos Bosques...a repetir o que ouve e ninguém percebe nada....sempre a rir (do mal, o menos....)

E a gente a envelhecer quando injustamente dei em ter fome, são duas e meia da manhã....a Rita borrifa-se p'ra estas frescuras, quer lá saber que eu tenha outra insónia.......

Afinal, como se pode não envelhecer neste "esquema" maluco?????

Muito sã estou eu!!!

Anamar

domingo, 14 de março de 2010

"POR ESTAS E POR OUTRAS É QUE ADÃO COMEU ( OU MORDISCOU ?) A MAÇÃ...."

Fiz a maior burrice que se pode fazer: às 8 da noite pendia de sono sobre o teclado do PC e pensei..."não dá, não dou uma p'ra caixa...Que se lixe o jantar, mas como tenho medicamentos a tomar, uma fatia de bolo, um copo de leite substituem a refeição; a Rita, o saco de água quente e o mundo que desabe..."

Claro que nestas circunstâncias e com lençóis térmicos, em quaisquer 5 minutos e já estava do outro lado....
E assim foi, até que às famigeradas onze da noite, tinha a noite feita. Olho arregalado e vá de Morfex 30mg....quais 15 que o médico prescrevera!!!!
Aninhei-me, anichei-me o mais comodamente que pude, e dispus-me a contar carneiros, visto que nem vislumbre de sono. São estas lindas horas, (três e meia da manhã) já "encroquetei" na cama, dez vezes para a direita, outras dez p'ra esquerda e como....nada de sono.... pensei:"vou levantar-me e contar uma história" que estava mesmo aqui debaixo da língua...

Então é assim:
Pedro e Heloísa mantinham uma relação afectiva, com os seus altos e os seus baixos, como todas as relações afectivas. Durava há largos anos, mas tinha a pecularidade de Heloísa ser bem mais velha que Pedro. Ela já se habituara aos olhos gulosos dele, que do seu quintal, catrapiscava sempre a fruta do quintal alheio, naquela de "a galinha da minha vizinha..."

Tudo corria aparentemente duma forma calma, quando Pedro achou que já perdera muito tempo na vida, que já estava na gare daquela estação sempre a ver os comboios passar, passar, e não apanhar nenhum...enfim, os desígnios insondáveis da natureza humana.
Reencontra uma ex, temporária...qualquer coisa, amiga, lá de trás, a Alexandra e desencava-a para uma nova vida a dois.

Claro que Heloísa foi às urtigas e Pedro iniciou o maior "love" com Alexandra.
Apenas, os anos não trazem só rugas e cabelos brancos, e Heloísa arquitectou uma frente de combate.Vestiu-se "p'ra matar", de acordo com as circunstâncias, claro (que era um "departamento" a que Pedro sempre fora vulnerável, uma mulher discreta, bem vestida, com presença...)

E dirigiu-se a uma sala de espectáculos, para ver um filme estreante, com um, senão o melhor actor que Pedro apreciava. Era altamente provável o encontro a três.
E assim foi.
Heloísa pôs um ar distraído e distante, de quem vê montras num Centro Comercial, e de repente, como quem não quer a coisa, olha p'ro lado e diz: Olha que giro, há quanto tempo, Pedro! É a tua nova namorada?
Pedro apanhado de surpresa diz: "Sim, é a Alexandra e esta é"..... "a Isabel", respondeu rapidamente Heloísa. "Muito gosto"!
"Bem me tinha alguém dito, que acabaras aquela relação longa, com uma pessoa bem mais velha que tu.....Agora, para contrabalançar, arranjaste uma namorada que podia ser tua aluna....rsrsrs"
Vim ver este filme que estreou com aquele actor imperdível!... Vocês se calhar, também!"
Bem, tive muito gosto, não vos roubo mais tempo.
Eu, também terminei recentemente uma relação....que coincidência!...Então, namorem muito, e boa sorte! Eu costumo sempre dizer (dirigindo-se com um largo sorriso à Alexandra), que é preciso ter sorte com os homens...com uns, mais que com outros...rsrsrs"

E com o Pedro? -  perguntou a franganota. - o que me diz, Isabel, você que já o conhece bem???

Heloísa/Isabel fixou  Pedro bem nos olhos, intencionalmente, e dirigiu-se à Alexandra....."O Pedro? (como quem pára para se concentrar...)....o Pedro, será a sua sagacidade (duvido que soubesse o que era...), inteligência (outro calcanhar de Aquiles), e perspicácia, que lhe responderão a isso ao longo dos tempos!!...."

Pedro que já "os" estava a sentir entalados disse: "Então e com as mulheres, não é preciso ter sorte?... - perguntou com ar de quem diz : pago p'ra ver....

Heloísa/Isabel fez uma pausa estudada, e respondeu: "Com as mulheres.....é sobretudo preciso é... saber escolhê-las!!..."

O sorriso de Pedro ficou amarelo...e cá p'ra mim o pastelinho de feijão comido pouco antes, começava a entruviscar-se-lhe no estômago

E afastaram-se.
Heloísa não aguentaria muito mais tempo aquele skecht teatral....as lágrimas estavam já a rebentar....
A franganota sentia que havia ali qualquer coisa que não jogava....mas não percebia o quê, e limitou-se a dizer , só p'ra não ficar calada: "Simpática esta tua amiga!"....
Pedro estava calado, fechado, não podia "dar bandeira", mas só dizia p'ra dentro de si: "Filha da p.... ; agora é que eu percebo por que não se deve minimizar a inteligência das mulheres maduras!!..."

Não sei, mas acho que o filme não lhe assentou muito bem!....
E acho também que as mulheres são umas "cascavéis"!!!!!......  rsrsrs

Nota: Qualquer semelhança com a realidade é pura coincidência

Anamar

sexta-feira, 12 de março de 2010

"E DE REPENTE...A PAZ..."


"A tradição já não é o que era"....impingem-nos num anúncio televisivo....sim, não, talvez....
Como não há regra sem excepção, e como desde os meus seis aninhos me ensinaram....a Primavera está aí a despontar (oficialmente a 21 deste mês), e para 21 já falta tão pouco, que o sol veio só lembrar os desmemoriados e fazer acreditar os cépticos, que quer o homem acredite ou não...aí temos a renovação a operar-se bem frente aos nossos olhos, aos nossos narizes....às nossas mãos....

O sol irrompeu, não muito forte, como convinha, num céu todo ele azul límpido, a luz tornou as cores menos esbatidas, os olhos analisam a primeira promessa de borbotos em explosão.... e até os braços se preparam para carregar os primeiros ramos de giestas, de alecrim, de alfazema, de junquilhos, narcisos, ou mesmo de singela macela salpicada de onde em onde de papoilas envergonhadas...
Nos campos já se ouve o cuco, o melro de bico amarelo e a pôpa já carrega gravetos para o futuro ninho...

Ainda ontem houve cataclismos horrorosos cujo ónus muitos choram até hoje, e assim, como que num milagre, tudo acalmou, em tudo se fez paz, e a promessa de que sempre será assim, aí está...feita pela Natureza....que desta forma mostra a insignificância do ser humano face à sua pujança, face à sua real determinação...

Estou a escrever inundada deste sol meio envergonhado da tarde, a minha gaivota emigrou para o seu habitat natural, as areias que recebem o rendilhado da espuma mansa.
Imagino que o mar estará igualmente em paz consigo próprio, imagino os areais pejados de gaivotas recepcionando os barcos recém chegados da faina, e uma espécie de acalmia no coração vai tomando conta, de mansinho, de todo o nosso universo, e se calhar promessas nunca feitas, flutuam pelos ares fora, como dizendo ao ser humano que se pacifique porque inevitavelmente, cada dia é simplesmente uma conta do rosário que nos cabe desfiar até ao fim....

Não posso dizer que estou feliz, esperançada, ansiosa....Não espero nada em particular na minha vida, em mais uma Primavera que se avizinha....mas não posso negar que estes raios serenos de um sol que experimenta descer mansamente no infinito, de alguma forma apaziguaram o meu coração tão encapelado, a minha mente tão conturbada, o meu espírito que está exangue de sangrar...

Há uma espécie de promessa latente, não sei bem do quê....
O ser humano não a sabe ler...só a adivinha...
Os cheiros adocicados de tudo o que vai por aí "estourar", também se anunciam....e sempre irão fazer ver ao homem, que aproxima a sua paleta de cores, daquela que jamais alcançará....
Uma espécie de quietude, de serenidade, de silêncio interior remete cada um de nós, ao estado embrionário do ventre materno...não esquecendo nunca, que a Mãe, é a Natureza, que nos prodigalizará sempre aquilo que ela entender...

Anamar

quarta-feira, 10 de março de 2010

"A MOCHILINHA..."


Posted by Picasa
Hoje eu ganhei uma mala nova....A bem dizer, aquilo lá não é uma mala, é uma mochilita que me assenta lindamente às costas, e não tem marca, porque o valor daquela mochilita, não vem do Louis Vuiton, Valentino, Ana Salazar, etc

Encontrei-a meio aberta, num daqueles jardins de outono, de folhas amarelecidas, castanhas e vermelhas, que a  brisa faz rodopiar pelo chão.
Olhei-a por dentro e por fora. Por fora já estava meio estragadita, mas de dentro, começaram a espreitar, um polichinelo, um cavalinho de balancé, um arlequim, uma bruxinha de vassoura um "sempre em pé"....e eu perguntei-me a quem pertenceriam aqueles tesouros....

E pensei que aquela mochila, sem ser de "griffe " era mais valiosa que todas as que eu já usara....

Experimentei meter a mão e sabem o que de lá saíu? Um boneco de neve com nariz de cenoura, que o arrebitou ainda mais e disse : "Não queres brincar comigo??"
Eu fiquei baralhada de surpresa, e disse-lhe : "Mas não vês que eu já sou muito velha p'ra brincar com vocês?"
E ele, rápido na resposta, logo retorquiu : "Isso é que tu te enganas, porque nesta mochila não há idade limite p'ros sonhos....e tu podes sempre sonhar que és uma menina que vais a uma festa com estes amigos!!" Aqui há muita luz, muita paz, farandolas, músicas de roda....aí fora é que deve ser chato!"
"Mas vou contar-te um segredo : aqui, a gente todos os dias sonha um sonho novo; ao fim de semana ou em ocasiões especiais que é o caso de hoje, vestimo-nos de gente grande e vamos explorar tudo p'ra lá da mochilita....
Também podes ter os teus sonhos por aí.....tens é que saber fazer deles "sonhos de gente grande, a que se chama realidade" ....
Tens é que saber viver com o que carregas nas costas e com o que vês neste parque de folhas esmaecidas....
Tudo tem o seu tempo...é impossível ser criança outra vez....apenas não fiques eternamente criança!
Tens muito mais com que brincares, fora do escuro da nossa mochilinha, do que quando a carregavas nas costas, lembras??

"E agora, que sabes que entre o mundo do polichinelo e esse que está à espera que seja outra vez Primavera, vai apenas a distância desta mochila e da tua capacidade de crescer...agarra os dois e vive-os em paz.....ambos têm a cor dos nenúfares no lago....ambos têm a cor do arco-íris do céu e ambos te esperam, com o cheiro dos narcisos que qualquer dia vão desabrochar...

Anamar

segunda-feira, 8 de março de 2010

"ESTE COLOMBO É UM TRATADO..."


  Entrei no Colombo e pensei: aqui temos nós o itinerário privilegiado para pelo menos os próximos trinta anos, atendendo a que o meu pai faleceu aos noventa e a minha mãe, beira os oitenta e nove...

E então qual o maravilhoso, quanto emocionante programa de domingo ?

Após um pequeno almoço super tardio, nunca antes das 3h, graças ao sono e por sua vez graças à medicação, arranjei-me e passarei ainda a produzir-me melhor, assim  como quem vai de passeio importante, como quem vai a um encontro com amigos, assim como quem espera o príncipe encantado  ao virar da esquina, (porque nestas coisas nunca se sabe) e não como quem vai informalmente às compras...

Cheguei a Colombo, dia de jogo na Luz (portanto imaginem a frequência(?), dirigi-me às bilheteiras dos cinemas, e embora já tivesse jurado não voltar a ver filmes entre pipocas. coca-colas, gomas ou catinga, lá comprei um bilhete para um filme que me interessava, e como faltavam duas horas e meia para o dito, fui tomar assento na sala de visitas do Colombo.

De facto, este centro é um "tratado"...

Tive que esperar que ficasse livre uma "fauteil", o que não é nada fácil, muito menos hoje, e acomodei-me.
Troquei os óculos escuros que conseguiam tornar mais escura a claridade razoável ainda do dia, lá fora, e comecei a analisar quem dividia aquele espaço comigo...

Ao meu lado, uma senhora aí de setenta anos, sem revista, sem jornal nem nada, (porque há muito esse uso), de casaco comprido tipo rainha de Inglaterra, "camel", chapéu de abinhas reviradas, com o cabelo enrolado atrás, acompanhando-o, gola de pele, mala de mão em ouro velho, maquilhada cuidadosamente, via-se que era passante, mas figurante também..
Esteve todo o tempo que eu também estive, com um rosto fechado, que não demonstrava emoções... sem um sorriso, sem um esgar de nada. Não alterou a "pose", nem quando um "aluado" decidiu fotografar-se deitado no chão, ao comprido, situação, pelo menos inusitada!!

Há depois os "habitués" que dormem a sono solto, sem receio sequer de serem roubados. Babam-se, roncam, deixam descair as cabeças....enfim, eu sou muito mázinha!!...
Há aqueles de cuja turma eu passarei a fazer parte, que são os "voyeuristas"....gostam de olhar, mas também de ver...e hás os que se se despedem, como tendo certa a companhia semanal, quiçá diária ...

No Colombo tiram-se muitas fotografias. Os bandos de chinocas adoram por fundo, aquelas palmeiras imensas, e também há os papás babados com as criancinhas, para  quem serve qualquer fundo, desde que elas estejam lá...
Só falta ser servido um chazinho com bolos, como corolário daqueles auspiciosos fins de tarde....

Chegou a hora do filme, fui vê-lo, claro, depois jantei num dos muitos restaurantes que por lá grassam, paguei e vim para casa...

As lágrimas caíam-me em tal profusão cara abaixo, que nem vi uma cancela que existe agora na entrada da garagem onde guardo o carro.
O vigilante, que já me conhece há muitos anos, dizia-me:"tenha calma, não aconteceu felizmente nada aqui....mas já vinha a chorar, por isso não viu....foi alguma coisa grave, que lhe aconteceu?...."

Eu, agradeci e entrecortadamente disse-lhe; "sim....de facto muito grave!"....Não adiantava dizer-lhe mais nada, óbvio! E enquanto os soluços engolidos, daquela solidão que eu lá adivinhei,e carreguei comigo, faziam-me dizer :"eu não quero isto p'ra minha vida!...Isto, para mim, não dá!....

Tenhamos esperança,,,pode ser que eu não tenha a longevidade dos meus progenitores....

Anamar

quarta-feira, 3 de março de 2010

" A FORÇA DO ACREDITAR...."

Vi há escassos dias, um filme que tem à cabeça nomes insuspeitos e que são cartões de visita, para que eu aqui, humildemente, pouco tenha a acrescentar; Clint Eastood como realizador, Morgan Freeman e Matt Damon, como artistas principais.

O nome da película "Invictus", que eu teria trocado, na boa, pela "Força do acreditar" ....que me pareceria mais consentâneo pelo enredo....

O filme roda em torno do fim do Apartheid na África do Sul, indiciando a política seguida por Nelson Mandela, depois do vergonhoso cativeiro ,até 1990, e da sua consequente libertação depois de 27 anos de um regime racista levado às últimas consequências.

"Eu sou dono do meu destino, capitão da minha alma" frases ditas por Mandela sobre si mesmo, são slogans bem mais latos e abrangentes...
Clint Eastood nos seus quase oitenta anos, não perde a oportunidade para transmitir, que para qualquer causa, é a força do querer sobre um crer genuíno e unificador, que impulsionará o homem para metas quase impossíveis de atingir...

Alguém que parte, para o que quer que seja, com o estigma da derrota, da incredulidade, com uma auto-estima e valorização em dúvida....não chegará efectivamente lá!!...

Acreditar-se na força do timoneiro, criar uma vontade inabalável em torno de uma causa quase impossível, será seguramente o esteio, o farol, a tocha olímpica, que arregimentará à sua volta a força inquebrável, de um tsunami atingindo a praia!!!
A força do querer, unificadora de uma causa comum, move montanhas, estimula a confiança, é o real motor de arranque, em qualquer domínio da vida....

Isso é o que me falta a mim....e isso é o que torna esta película como uma mensagem invulnerável!!!....."Uma boa cabeça e um bom coração, fazem uma excelente combinação!...." - Nelson Mandela

Não deixem de ver....e depois, digam-me....Simplesmente EMPOLGANTE!....

Anamar
 

terça-feira, 2 de março de 2010

"ISTO DO SER E NÃO SER...."


Não sei muito bem explicar, estou triste como as nuvens carregadas com que o céu por aqui fechou....
A minha cabeça está muito entruviscada, que acho que foi uma palavra que eu inventei e que se calhar só na minha cabeça faz sentido....
Quando eu digo "entruviscada", é porque a coisa está preta....Explicando melhor...preciso urgentemente de escrever.... (tenho a água pelo gargalo) e nada de parir nada de nada...
Estou naquelas circunstâncias de que já vos tenho falado, de mais uma letra e entorna o caldo....

Antevejo muitas tardes como hoje, em que estou repleta, mas entupida....
A minha cabeça está p'ra montanha russa, tudo confuso, tudo "almareado" (esta não é invenção)....e pergunto-me: sobre que porra de assunto eu vou falar????

Dos antidepressivos, salto para os ansiolíticos, e volto aos antidepressivos....hoje estou tonta, azamboada (difícil esclarecer à minha filha mais velha, se menos tonta, se igualmente tonta....quantas vacilações no andar p'ra direita, contra quantas p'ra esquerda)....como se isto se medisse assim....

Dei a terceira queda, acho, apesar de tudo, felizmente cá em casa, senão o estrago seria seguramente maior, parece que estou sempre debaixo do efeito de uns "birinights"e lá me vou equilibrando no salto alto (sim porque não me presto a grandes interrogatórios)...O pior é quando tenho que me amparar a uma ombreira, a um corrimão....sei lá! E é aí que eu vejo, que mesmo dormindo muito, sobram horas e horas nestes dias que por acaso estão a ser "compinchas  à brava", com o que nos dão cá p'ra baixo!!!!

Isto é assim, eu incontestavelmente não estou lá muito sã.....mas depois vejo o mundo dos "mortais normais" e só encontro gente à beira dos Morfex, dos Bromalexes, dos Prozacs.....cada qual arrastando um alforge pior que o outro....e estou extenuada, desta oscilação entre o vazio de alma, quando aquela profusão de cápsulas, comprimidos, bolinhas de todas as cores, e outros que tais,  estão a actuar, e a dor que chega a ser física, da subida da ansiedade e da angústia....

E pronto, isto é uma pescadinha de rabo na boca, entre um mundo de lá (que não está tão longe como isso), e um mundo de cá, para o qual não estão "despertos" , mas caminham a passos largos rumo a um qualquer Inferno, aqui mesmo, pela Terra....É tudo uma questão de tempo e de resistência...

Perdoem esta visão apocalíptica ....mas a minha vida é exactamente assim...não inventei nada...juro!

Anamar

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

"O MUNDO DOS LOUCOS"


Hoje estou num aquário vazio.
Imagino uma jaula de paredes de vidro, assim como os aquários de peixes de água quente. Não estou presa, mas estou...o meu cérebro parece parado.
As paredes são de vidro porque vejo tudo e oiço tudo à minha volta, mas é como se não pudesse comunicar...

Estou efectivamente parada, inerte, incapaz; o cérebro lembra uma daquelas gavetas que não arrumamos há séculos, tal o caos e o desalinho que a preenchem. Tem tudo...só nós é que não achamos nada...

Faço e esqueço no instante seguinte...."pus creme? "Não pus creme?""dei os medicamentos à Rita ou isso foi ontem?'"
Na rua, ando como imagino que um ébrio ande. Fazer movimentos bruscos, não devo, porque todo o corpo tomba nessa direcção. À conta disso já dei três quedas que poderiam ter sido graves.

Desculpem trazer isto aqui, mas só me sinto bem , neste quarto, frente a esta frincha que se abre ao mundo, o PC, com o radiador e a Rita aos meus pés, o casario da cidade a desfilar à minha frente ...e assim como que a dormir acordada.

Felizmente o dia está cinzento e modorrenho.... Odiaria que hoje houvesse  sol...Parece que o cinzento uniforme que está sobre a minha cabeça, tem o poder de me aconchegar, de me envolver.
Se houvesse sol, penalizar-me-ia de ter saído da cama, ou melhor, ter sido acordada pelo telemóvel, ás 2 e tal da tarde...teria perdido um dos meus motores de arranque....o dourado cólo da mãe, que sempre é uma nesga de sol.

Estou a ficar preocupada (desculpem-me dividir isto convosco), mas, ou estou indiferente a tudo  ( se me sinto neste mundo), ou me isolo, porque não tenho paciência para "fazer sala" a ninguém; vejo o mundo inertemente de dentro para fora do tal aquário protector de vidro, fazendo e não fazendo parte desse mesmo mundo. Parece que neste momento, tudo o que bate em mim, faz ricochete, como se estivesse revestida de uma pele impermeável, onde as gotas de chuva não molham, menos ainda empapam...
Estou porque estou, vivo porque vivo, faço ou não faço e estou-me nas tintas seja qual for a escolha feita!

Parece que fui aqui largada de um outro planeta. Neste, tenho comigo a escrita, a música (alguma), e esta cabeça oca em cima dos ombros, sem qualquer préstimo...e eu, como que sentada numa falésia, de olhar perdido no mar, que vai e que vem....nenhuma perturbação, silêncio apenas, e uma indiferença total a que o Mundo caia e eu não dê por isso...

Este é o mundo dos loucos, não é? E pelos vistos não é difícil transpor o muro!...

Anamar

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

"Miau-miau"




Faz toda a diferença ter um amigo....

Ontem encontrei um, que de certeza era jardineiro....
Ele disse-me que tinha um malmequer, mas cá para mim, também havia de gostar de ter margaridas e girassóis...
Tinha uns olhos de menino traquina, arregalados, olhos puros e crentes...
Que engraçado, lembrei agora que ainda há olhos puros e crentes....

Era um amigo tão amigo, que até pediu para que eu não chorasse mais...eu, que estava tão triste;
conseguiu que por instantes eu esquecesse o que me havia feito correr aquele "caudal", pela cara abaixo...e passou a haver sol no meu quarto...

Ele não tinha, mas já o vejo com um macacão azul, um avental, um chapéu de palha e um regador, de joelhos em terra, a caçar às flores, sorrisos, como fez comigo....

Aquele meu amigo, tem o nome de "miau-miau" (ainda não apurei bem porquê...), e desatou a mimar-me desde então.... (ele deve ter percebido que eu continuo a ser o tal saco roto de afecto, que ainda ninguém costurou), e deixa-me sonhos de arco íris, beijos recheados de sol, diz que eu sou uma fada linda do bosque encantado,  onde em sonhos nos conhecemos, manda-me beijos com chocolate quente e doce de ameixa....enfim....cá para mim ele só pode ser a simbiose de duas pessoas especiais, uma  real e outra não.

Ele é um sósia impressionante, do nosso Solnado, e como nunca falei com ele, a voz que oiço no meu espirito, é aquela que saía daquela cara de menino crescido e bem  "levadinho"...
Depois, tenho a certeza absoluta que ele é aquele príncipe que todos deveriam conhecer, e que viveu num asteróide, estão a ver??....

Não estou nada enganada, tenho a certeza.     

E se calhar, porque nada acontece por acaso, e eu estou a atravessar um daqueles "acasos" da vida, que nos matam aos pouquinhos e pouquinhos....o meu pequeno/grande príncipe, "miau-miau", parou por aqui, vindo nas asas duma borboleta, para me lembrar que "as coisas realmente importantes, não se vêem com os olhos, mas sim com o coração".... e que de cem mil pessoas iguais, apenas podemos chamar de "amigas" àquelas que cativámos....este o  caso do meu amigo "miau-miau"...

Anamar

domingo, 14 de fevereiro de 2010

"NEM UM SIMPLES MIOSÓTIS...."



Belas....
Sol, um sol quente de um Verão que parece que fez marcha atrás e voltou...
Um dia esplendoroso com as cores de uma paleta não regateada, desde o azul intenso de um céu completamente limpo, com os verdes do Inverno, nos alecrins, nas alfazemas, nas tuias e nos cedros, antes do verde viçoso dos borbotos da Primavera que chegará...

O Tejo em fundo, o verde da relva do golfe, as flores a dormir ainda, numa sonolência de quem começará a espreguiçar-se  qualquer dia...porque, caramba, já estamos a meio de um Fevereiro generoso...

Amanhã, 14 de Fevereiro, mais um S. Valentim...mais uma data determinada pelo calendário e não pelo coração das pessoas.

Há namorados que o são, às vezes sem saberem, a vida inteira...
Pode vir um homem, depois outro, e mais tarde um outro...mas de todos, houve o eleito, que ficou a tomar conta do lugar e não arreda pé...vá-se lá saber porquê??!!
Haja cataclismos, haja tsunamis afectivos, haja tornados avassaladores....e mistério dos mistérios...o eterno namoradinho nem vacila.!Grudou por razões às vezes inexplicáveis...

E às vezes fica, já não sabe que o é (porque para ele já passaram cinquenta catorze de Fevereiros), e por isso, já comprou a rosa vermelha para a "actual", e ela, a que o elegeu o namoradinho de toda a vida, chora que se desunha, não tem a quem comprar nem um miosótis, quanto mais a rosa... mas escreve-lhe na mesma, meia dúzia de palavras num cartão  condicente, nem que seja para guardar religiosamente numa arca da vida...

Esta foi uma história diferente de S. Valentim....
Fui escrevendo, e foi correndo....fui escrevendo, o sol de que estamos sequiosos foi indo, e a sombra foi subindo...
Um catorze de Fevereiro diferente, um S. Valentim mascarado de sábado de Carnaval...

Anamar

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

"A PEDRADA NO CHARCO..."


Em 1919 logicamente eu ainda não tinha nascido.
Nasci no Baixo Alentejo e vim com cerca de dois anos para a cidade de Florbela Espanca, Évora. onde viveu embora fosse oriunda de uma vila bem próxima, de que já aqui falei muito.
Lembro-me de em menina vir do colégio com a minha mãe, e ser percurso obrigatório, atravessarmos diariamente o jardim da cidade, e de, portanto, ver numa placa  ajardinada o busto de homenagem à poetisa. Vem daí o meu primeiro contacto com a personalidade e posteriormente com a sua história de vida e os seus poemas.
Descobri na biblioteca do meu pai o seu livro de sonetos, que depois de a conhecer um pouco mais como mulher, para mim, passou a ser uma bandeira ou estandarte, naquele Alentejo redutor e profundo, e a ser  o meu livro de cabeceira, lamentando que ainda hoje publicamente, não se tenha feito no país, justiça à mulher e à poesia, no nosso universo literário...

A minha inspiração está escassa e resolvi hoje, em jeito de uma pobre homenagem, deixar aqui um poema meu, sobreposto à "ALMA PERDIDA", soneto do seu  "Livro das Mágoas" de 1919:

Alma perdida
 
Florbela Espanca





Toda esta noite o rouxinol chorou,
Gemeu, rezou, gritou perdidamente!
Alma de rouxinol, alma da gente,
Tu és, talvez, alguém que se finou!

Tu és, talvez, um sonho que passou,
Que se fundiu na Dor, suavemente...
Talvez sejas a alma, a alma doente
Dalguém que quis amar e nunca amou!

Toda a noite choraste... e eu chorei
Talvez porque, ao ouvir-te, adivinhei
Que ninguém é mais triste do que nós!

Contaste tanta coisa à noite calma,
Que eu pensei que tu eras a minh'alma
       Que chorasse perdida em tua voz!...   
 
1913
         
 
 
(sem título)
 
Eu sinto que em mim ela encarnou 
Embora dela apenas seja a dor,
o regalo,o vazio, a mágoa, o despudor
que ela deixou por cá,a flutuar...
a charneca foi seu berço e seu embalo
as papoilas que a tingiram, o regalo 
de um coração sangrante , a sossobrar...

Era força de mulher em desespero
Era míngua de luar trazendo paz,
a voz do rouxinol e do seu canto,
nada mais foi, que a sua voz
exangue, inerte... morta, incapaz....




Mulher que em vida  não vivias,



por ti o amor só esvoaçou ...
a urze e a murta que colhias 
nem p'ra aquecer teu pobre coração enfim chegou!...
 
2010
 





Anamar 

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

"AFINAL QUEM SOU EU?"


Eu sou a que procura, sem querer achar...
Sou a que busca, mas não quer alcançar...
Aquela em que os espinhos é que dão sentido ao paraíso a que se chegou, embora o ter-se chegado seja irrelevante!
É a que sonha, embora a cor dos sonhos se esbata por já não valer a pena...
Sou a que constrói a ferro e fogo com a mão direita,
para desconstruir com a esquerda, porque tudo não passava de uma quimera!
É a que saboreia a estrada de ida e odeia a mesma estrada no regresso...porque já foi!
É aquela que ao criar, põe a fasquia intencionalmente exigente, sabendo já, que sempre o atingível fica aquém..
É para a que o que vale a pena é a presunção, porque nunca o real atinge um presumido, exactamente por isso...porque foi meramente um presumido...
É aquela para que se esmera numa construção de areia, que só lhe interessa até que a maré suba....porque depois é um monte indefinido de areia amontoada....
É a que quer e não quer, faz e desmancha, sonha e vira pesadelo, sente-se gente e não deste mundo...
Só é feliz, no durante, porque o antes é um sofrimento e o depois uma desilusão sem tamanho!..
Sou a que gosta da viagem...mas nunca do destino...
É alguém que deambula erroneamente, porque não tem uma meta, um trilho, um GPS, sequer uma vereda...
Não tem coordenadas de cabeça nem de coração!.... 
Isto é alguém real?
É alguém com distúrbio de personalidade?
E se o for, quer dizer o quê?...

Anamar