quarta-feira, 30 de outubro de 2019

" EM OUTONO DE ALMA "




A hora mudou seguindo esta determinação peregrina que obriga ao reajuste biológico de cada um.  Simultaneamente o tempo atmosférico aproveitou p'ra virar, e assim, cinco da tarde a escuridão aproxima-se a passos largos.
Tem chovido alguma coisa ... migalhas para o que as nossas reservas carecem ... e a abóboda cinzenta e espessa vista aqui do meu "posto observatório" de sempre, é desconfortante e triste.
É uma verdadeira tarde de Outono, aquela com que o dia escolheu para encerrar.
Entretanto, à tangente, fiz a minha caminhada sem que me molhasse.  Umas borrifadelas ainda ameaçaram chegar a vias de facto, mas depois retrocederam.
A mata estava estranhamente silenciosa.  Ausência de utentes e ausência de sinais de vida.  Parecia que por ali reinava um sono reconfortante.  As tonalidades que a pintam neste momento, têm predominantemente a doçura quente das cores da época.  Cores de recolhimento, introspecção e paz.
Os vermelhos, os laranjas e os amarelos  no meio de verdes algo desbotados, proliferam pelas veredas solitárias.  As  árvores despem-se ao sabor da aragem que perpassa, enquanto que os musgos já lhes trepam os troncos.

Eu estou em modo de hibernação ... batimentos lentos e suaves, emoções controladas, entusiasmos e motivações em banho-maria, deslumbramentos ... já eram, correrias e afobações ... não estou nessa !
Olho à volta e, sinceramente, pouca coisa me acelera as pulsações, pouca coisa me acelera o passo e motiva, pouca coisa me espevita a alma ...
Hibernação no seu todo !  Só não durmo como o urso pardo, os esquilos, os morcegos e as marmotas, entre muitos mais.  E há momentos em que verdadeiramente o lamento.
Estou numa espécie de ressaca de vida.  Isolo-me muito, disponho de pouca paciência e também não encontro no dia a dia, nada que justifique eu precisar despender mais.
Até mesmo acontecimentos que me projectavam o humor e a boa disposição aos píncaros, têm neste momento pouco efeito, como uma droga terapêutica a que o organismo já se tivesse habituado faz tempo ...
A vida que se foi fazendo com uma estabilidade precisa até há anos atrás, com certezas e concretizações nos limites espectáveis e previsíveis, de repente ( a mim parece-me mesmo de repente ), deu uma cambalhota insuspeita e inimaginável.
Muitos amigos em situações débeis em termos de saúde e de qualidade de vida, vivem realidades escuras, esgotantes e desinteressantes.
Grandes inseguranças e incertezas assombram e atormentam os dias.  Parece que só se ouve falar em desgraças, em dificuldades, em desencantos e em cansaços arrastados, sem soluções à vista.
Parece que espreito para um mar de náufragos ... cada um esbracejando e esfalfando-se para alcançar uma bóia salvadora ...

Sei que não sou uma optimista por excelência.  Bem ao contrário, sou aquela que quase sempre vê o copo meio vazio ... mas a análise que supra-citei, pouco tem do meu negativismo genético ou inato.
É simplesmente uma observação bem real e concreta.
E por isso, como claras que desandaram do ponto, assim sinto a vida escorregadia, pouco tranquila e fiável. Cinzenta e cansativa.
A incerteza de um amanhã que não se garante, é uma desestabilização interior.
Esbarra-se contínua e sistematicamente em dificuldades, tropeços e inacessibilidades.  A resiliência de cada um, atravessa provas de fogo e testa-se por cada dia.
Sendo que, porque os anos passam, e com eles a condição humana se deteriora, tudo o que enfrentamos carece de um esforço e de uma frescura acrescidos, que já não detemos na sua plenitude ...
E os "sempre em pé" são cada vez mais figuras míticas nesta nossa realidade ... espécies cada vez mais em vias de extinção !...

Enfim ... vive-se por cada dia, ainda que cada dia se envolva nas "nieblas" de que algumas vezes falo, sem visualização de grandes horizontes ou amanhãs auspiciosos ...

E pronto ... não consigo escrever nada melhorzinho.  Se o fizesse, estaria a falsear as minhas emoções, a trair os meus estados de espírito ... quiçá as minhas convicções.
Talvez esta saturação languinhenta do tempo escorrente, melhore daqui a alguns dias ...
Afinal a intensidade de uma dor sempre amaina milagrosamente, no efeito de um Ben-u-ron ... ainda que se saiba ser ele apenas analgésico e não um curativo da causa ...






Anamar

segunda-feira, 21 de outubro de 2019

" CADERNO DIÁRIO "



Chove e faz sol ...  Um sol fraquito, uma chuva a fazer de conta, mas de pingos grossos, contudo espaçados, pingava na vidraça.
Comecei a ouvir um tic-tac aqui pertinho, sentada que estou frente à janela, sem perceber muito bem do que se tratava.  Completamente distraída, com o computador banhado por este reflexo dourado de um sol outonal, não percebi logo o que ocorria lá fora ...
O meu gato, plantado por detrás do PC, usufruindo também ele, do morno aconchego desta luminosidade doce, dormita ronceiramente, como os gatos costumam fazer, simulando um aparente desinteresse por tudo o que os rodeia.  Não é à toa que se define este estado letárgico, como sendo de "dormir a caçar ratos" ...

Entretanto ... a "chover e a fazer sol ... as bruxas estarão a comer pão mole", seguramente ... 😄😄😄
Estou muito versada hoje em adágios populares, parece ...

Dentro de alguns dias vou procurar "arrimo" para bem longe.  Dentro de alguns dias aniversario, também.  É sempre um evento malquisto por mim.  A impotência de parar esta torrente incontrolável do tempo, esta escorrência "non stop" cada vez mais vertiginosa, deixa-me angustiada.
Neste momento as semanas não andam ... correm.  Os meses não correm ... voam.  Os dias, mal começam e já delapidaram as devidas vinte e quatro horas por cada um.  Os anos ... bom ... esses, desafiam-me com ar de escárnio, sadicamente, mostrando-me constantemente quem mais ordena !!!
Falo com pessoas amigas.  Todas são unânimes em dizer-me que há por aí uma batota qualquer, que não descortinamos ...  2019 entrou ao sprint em Janeiro ( ontem mesmo ... ), e ainda não desistiu de alcançar a meta de 31 de Dezembro com a celeridade que mais parece a da luz nos seus caminhos ...

Assim, se estiver longe, num local mais impessoal, afastada de telefonemas, felicitações e quejandos, até parece que o tempo se vai esquecer de mim ...
Por aqui, o tempo tem a cara do tempo de sempre.  As rotinas são globalmente as mesmas.  "Tudo como dantes, no quartel de Abrantes" ...
Anoitece cedo, o céu cobre-se de nuvens encasteladas.  Não sabemos o que vestir, para não pecarmos por excesso nem por defeito.  A roupa da cama já fica ligeira, madrugada adiante.
Não ando apetrechada de vontade ou paciência p'ra ver gente.  Aliás, esta tem sido a tónica dos meus últimos posts, como se tem visto.  Mas reconheço não ser seguramente boa política, este isolamento.
Este encapsular teimoso conduz a um estado emocional negativo.  Cada dia mais nos confinamos ao nosso espaço, cada dia convivemos menos, menos aferimos a nossa sanidade mental, menos escrutinamos a nossa forma de pensar, a nossa capacidade de análise, as nossas conclusões.  Cada dia caminhamos mais e mais para um autismo formal, para um desinteresse pela realidade circundante que cada vez nos diz menos, numa espécie de busca de uma eremitagem salvadora ... num afastamento escolhido da realidade da vida.  Parece querermos defender-nos não sei bem do quê ...
E nada disto é, contudo, saudável !

Mas lá fora as pessoas correm.  Correm muito de manhã à noite.
Das minhas relações, a maioria já não está no activo.  Mas isso, ao contrário do expectável, parece ainda complicar mais a presunção de disponibilidade.  Fazem-se planos, "cadernos" de intenções ... "havemos de ..."  E depois, não havemos nada !  Sempre assim.
Não sei se em nome do comodismo, da preguiça, do imobilismo epidémico ... eu sei lá ... estamos e continuamos ( lamentando-o, ironicamente ), empacados !

E mal amanhece, já anoitece, o que é o caso ...
Ainda há pouco o sol fraquito me banhava ... Já é noite cerrada ... e mais um dia prepara o encerrar de portas !
"Mais um dia", dizia em tempos uma aluna minha, com ar sapiente, à meia noite, no encerramento de mais uma noite de aulas.
"Ou menos um "... retorqui.
Matutou por breves instantes e medindo-me de alto a baixo, afirmou, com ar sabedor, vitorioso e de alguma comiseração : " Para a senhora, talvez menos um, para mim, seguramente mais um !"...

Sorri para dentro, argumentei para dentro, e tive pena que ela, já adulta, ainda não se tivesse dado conta que para todos ( desde que pusemos o pezinho por aqui ), cada dia é sempre menos uma folha a escrever-se, no caderno diário que nos coube em destino...

Enfim ... Coisas da vida real ... simplesmente !

Anamar

quinta-feira, 17 de outubro de 2019

" A MÃE QUE NUNCA NOS DEFRAUDA "




Estou com tiques de velha.  Mas velha bem velha, porque recuso que para lá caminhe ... Pelo menos por ora. Não, agora !!  ( rsrsrs )
Grosso modo, os meus serões terminam já, no quentinho do meu édredon - porque as noites arrefeceram à custa de uma viragem meteorológica acentuada - espapaçada na paz da minha cama, no silêncio do meu quarto, quando tudo já é sossego em casa e os gatos acomodados.
A televisão raramente transmite alguma coisa de jeito, porque simplesmente nada de jeito ocorre neste país e no mundo.
Não sou adepta de séries, porque não é garantido que tenha tempo para as acompanhar com continuidade.  Mais ainda, quando saio em períodos mais prolongados.  Tentar retomá-las à chegada, é um "drama", e sempre os momentos mais emocionantes são perdidos.  O que me irrita ... não nego.

Assim, na preparação de um sono calmo e retemperador, e para que a cabeça não me fuja para o que não deve ( às vezes verdadeiras "coligações explosivas" de pensamentos ), refugio-me no canal transmitido pela National Geographic, pelo qual pago uma mensalidade extra-pacote.
Mas sempre o que vejo, me justifica plenamente esse acréscimo.

A National Geographic é um canal inteiramente vocacionado para a Natureza.  Exibe programas fascinantes, de qualidade indiscutível, maravilhosamente filmados e legendados. Transporta-nos a lugares na terra, no mar ou mesmo no ar, que de outra forma nos estariam vedados.
A National Geographic Society é uma das maiores instituições não lucrativas do Mundo, no domínio da Ciência e da Educação, vocacionada para explorar, conhecer e proteger / preservar o nosso planeta.
Foi fundada em 1888 em Washington, Estados Unidos.  Abarca áreas como a Geografia, a Arqueologia, a História Natural, Aventura e Viagens, entre outras.
Os seus trabalhos envolvem fotógrafos, jornalistas, operadores de câmara, biólogos, naturalistas e exploradores intrépidos.
As filmagens com os riscos inerentes, são de um pormenor, de um preciosismo, de uma exigência e concretização, extraordinários.  O apoio e rigor científicos associados, são absolutamente insuspeitos, mantendo a bitola de excelência a que nos foi  habituando ao longo dos tempos, sendo que com o avanço das tecnologias de ponta, a realização dos trabalhos, beneficia hoje, de uma qualidade insofismável.
As equipas, deslocadas para os lugares mais inóspitos do mundo, em condições quase sempre severas  em termos logísticos e ambientais, são constituídas, como disse,  por técnicos de craveira superior, que na aventura das suas expedições, nos transportam a paisagens majestosas, a meandros incríveis da vida selvagem, ao  conhecimento  profundo dos hábitos das  espécies ( da  sua  adaptação,  resistência  e  mesmo  formas  de  sobrevivência ),  dos  habitats  de  plantas, animais  e  povos, de fenómenos  geológicos  e  climáticos  existentes  no  nosso planeta, que repito, assistimos  no conforto  do  nosso  lar, como  se  os  assistíssemos  em  presença ... e  que  de  outra  forma  nos seriam  inalcançáveis !...

E eu, que ando numa de misantropia ( versão light ... tranquilizem-se ) ( rsrsrs ), coroo as minhas noites, num emaravilhamento incansável e sem limites, com bichinhos, plantas, mares, pores-de-sol, neves perpétuas, tufões e furacões, Invernos, Verões, Outonos e Primaveras, ( com a magia com que nos surpreendem ), rios pressurosos desenhando caminhos no meio de rochas sem idade, auroras boreais, ilhas desertas, parques naturais fantásticos, peixes que sobem os caudais turbulentos para a desova, na obediência de uma lei biológica surpreendente, animais hibernantes, aves multicolores em rituais espantosos de acasalamento, águas que sobem, águas que descem ... terras que se irão extinguir um dia ... florestas que não desistem, desertos silenciosos e abrasadores, ainda assim com uma riqueza de vida inexpectável ...

Porque apesar da selecção natural ( com a lei do mais forte a prevalecer, obviamente ), da luta das espécies ( em que as mais adaptáveis, são as que resistem ) e da condenação torpe, inconsciente e assassina a que o Homem vota outras até à sua extinção ... a condição de se ser vivo e a luta por continuar a sê-lo, vence os designios, as eras, e a eternidade !...

Isto é a Natureza, mãe universal que nunca, mas mesmo nunca, nos defrauda !!!...

Anamar


quarta-feira, 16 de outubro de 2019

" NADA DE COISA NENHUMA - Reflexões "





Nascer e morrer são os dois momentos da vida em que estamos inevitavelmente sós. São instantes, quer queiramos quer não, que só a nós verdadeiramente respeitam.
Eu diria, que são os únicos que atravessamos inapelavelmente entregues a nós mesmos.
Depois, toda a travessia é feita com outrém, ou sob a influência de outrém.

Chegamos e entramos numa célula familiar e numa estrutura social pré-desenhadas, com regras, princípios e valores que logicamente nos pré-existem e para os quais não fomos obviamente consultados.  Realidades formatadas, em que previsivelmente teremos ou deveremos então, encaixar.
Por mais autónomos, assumidos e livres que sejamos, por mais independentes na mente e no coração que nos julguemos, sempre vamos estar inseridos num azulejo pré-concebido ou num figurino previamente estabelecido.
Sofremos todo o tipo de influências, sujeitamo-nos a todos os padrões já definidos, com os quais concordamos ou não, e a nossa margem de manobra sempre é, na realidade, restrita ou limitada.

Podemos levar uma existência "quieta", pacífica, sem grandes contundências e consequentemente, sem grandes atribulações.  Se tivermos uma maneira de ser amena, pouco questionante e polémica, pouco recalcitrante e com uma carrada de bonomia, não seremos dados a "bater de frente", a por em causa, a questionar ... menos ainda a discordar ...
Teremos uma vida meio amorfa, meio pacatona ... talvez mais pacífica.  Mas, será "vida" esse caminho ?

Se por outro lado tomarmos consciência do que nos rodeia sem abdicarmos de podermos / devermos  sentir-nos críticos, observadores e mesmo julgadores, se formos reivindicativos, exigentes, coerentes com princípios e convicções, não abdicaremos de nos situarmos, de denunciarmos e de pugnarmos em conformidade com essas mesmas convicções.
Mas esse trilho de honestidade, alimentado por sonhos, esperança e luta, dá uma mão de obra dos infernos !!!
Ganhamos inimizades, desgastamo-nos, sofremos provavelmente injustiças, descriminações, boicotes, perseguições quantas vezes, ciladas por inescrupulosos, outras tantas ...

E frequentemente, cansados e à beira de desistir, quase a depor armas, sonhamos voltar costas, sumir, partir para outra ... viver numa ilha isolada ... ( rsrsrs ) ... ou seja, alcançar a paz e o sossego da solidão ... outra vez ...
O avanço da idade tira-nos o fôlego, o empenho e a coragem. O cansaço, o desgaste da vida, desilusões, frustrações e o desacreditar muitas vezes no valer a pena, tolhem-nos a vontade e as ilusões.  Tornamo-nos amargos, saturados e impacientes.
"Sumir ... vontade de sumir ... " ouvimos frequentemente dizer.  "Hoje estou em baixo ... não tenho pachorra para ver e ouvir as mesmas coisas de todos os dias, outra vez !"

E isolamo-nos.  E começamos a sentir-nos melhor  sós, com as nossas rotinas, os nossos lugares, as nossas escritas, as nossas memórias, as nossas músicas, as nossas coisas ... quiçá, as nossas manias... Porquê não ?
Também a nossa solidão, como colo de repouso, segurança  e pacificação !...
E os nossos refúgios começam a ser os momentos de escape, os momentos de silêncios, os momentos de contemplação, de introspecção, de verdade ... As nossas verdades !!!

Este texto foi escrito sem grande construção prévia.  Foi sendo escrito ... digamos assim.  Tenho-o nas mãos há alguns dias já.  A corrente ideária não se definia.  Como um braço de água, buscou simplesmente, várias escapatórias ... e foi correndo.
Ele representa uma espécie de catarse.  Uma espécie de rebentamento de dique.  Uma espécie de mergulho na profundidade da alma.   Ou simplesmente o vómito de quem está assim ... como o tempo, meio corpuscular, meio entediante, meio sonolento de Outono morno, em ocres e vermelhos, das árvores que se vão despindo dia a dia.

Ele representa, na verdade, nada de coisa nenhuma em particular ... Talvez simplesmente, uma insatisfação e um vazio que constato na minha vida, sem se calhar o saber sequer descrever ...

Anamar

domingo, 6 de outubro de 2019

" VOLTA SALAZAR ... ESTÁS PERDOADO ! "




O 25 de Abril encontrou-me já com filhos nascidos.
Trazia atrás de mim, portanto, alguns anos vividos.  Nasci, cresci e fiz-me gente na vigência do Estado Novo, que vivenciei durante tempo suficiente, para lhe perceber e sentir os mecanismos e as manhas.
Sou alentejana.  Nasci num chão de miséria, de injustiça e de infâmia.  Tenho no sangue a coragem, a luta e a determinação, e no coração, a esperança, a convicção e a altivez que nunca permitiu que vergássemos e baixássemos a cabeça.
Sou de uma raça que quebra, mas não dobra.  Mas pura de alma, honesta e trabalhadora.  Resiliente e corajosa.  Gente que enfrenta e não foge ... leva adiante, se acreditar !

Lembro o tempo do pão dormido, da açorda temperada com um fio minguado de azeite, na janta, quando os senhores da terra se compadeciam dos assalariados que nos Invernos rigorosos não podiam trabalhar os campos, e não ganhavam.
Lembro o tempo da fome, do analfabetismo, da ignorância e do obscurantismo.
Das injustiças sociais e suas assimetrias carrascas, das desigualdades, das arbitrariedades, da exploração ... do domínio dos poderosos, e da servidão do povo.
E do que não lembrasse, os meus pais se encarregaram de mo contar.

Sou oriunda de uma classe social  média baixa, da chamada gente remediada.
Sou filha de pessoas humildes, que viveram sem outros proventos que não o seu trabalho.  O meu pai foi um comerciante no ramo das ferragens, a minha mãe, uma simples doméstica que concluíu a instrução primária apenas já adulta.  Gente honrada e trabalhadora.  Não mais !

Estudei, contudo.  Cursei uma Faculdade no tempo da ditadura.
Lembro as perseguições políticas, lembro os medos e os silêncios.
Lembro as invasões da Faculdade pela polícia a cavalo e a brutalidade usada indistintamente, os jactos de tinta lançados sobre os manifestantes, que o ousavam.
Lembro a Pide, e os "desaparecimentos" súbitos deste ou daquele colega.
Lembro a Guerra do Ultramar, onde milhares de jovens perderam a vida, ou a estropiaram.
"Para Angola, rapidamente e em força!" - dizia sem respeito, Salazar, em Abril de 1961 ...
Lembro os auto-expatriados, como saída única de fuga à mobilização.
Lá fora, sem opção, longe da família e o coração em sangue, viam o seu país sem esperança, a fenecer, a morrer aos poucos ...

E Abril de 74 chegou, e com ele, sementes de esperança, de fé e de liberdade desceram sobre todos nós.  Bençãos em que acreditámos.  Sonhos que voltámos a sonhar.  Causas que voltaram a valer a pena.  E fé ... de que então era a hora ...
Portugal acordou renascido naquela madrugada !
Demo-nos as mãos, derrubámos as diferenças, levantámos pontes e caminhámos juntos, porque era tão grande a felicidade, que não cabia num coração único !

E a democracia chegou, como presente de Natal, com laço e fita.  Foi o nosso bem maior !
Foi difícil, foi suada, foi experimentada, foi aprendida, dia a dia, passo a passo.
Caímos muitas vezes, levantámo-nos outras tantas.  Fomos mantendo a esperança no acreditar em ideais que nos guiavam.
Os valores de Abril foram perseguidos, doídos e paridos com muito sofrimento ao longo dos tempos e das vicissitudes de cada tropeço.
Porque os aprendi na pele, tentei transferi-los adiante.
Desde logo, o uso da verdade, a isenção, a coerência, a honestidade.
Desde logo, o esforço e a aposta nas convicções, com seriedade e responsabilidade, com verticalidade e carácter ... sem desistência ou abdicação, doendo a quem doer, custando o que custar, com frontalidade e sem medos ... em todas as circunstâncias da vida de cada um.

Chegámos ao hoje.  Hoje é um dia duplamente carismático na História do meu país.
Hoje é o dia em que se comemoram os 109 anos da implantação da República em 1910, marco histórico na História de Portugal, e hoje é também o dia de reflexão às vésperas das eleições legislativas para a Assembleia da República, que se realizam amanhã.

E a que se assiste, neste momento ?

Reflectindo sobre os anos andados em jogos políticos oportunistas, em jogos de bastidores pouco saudáveis e claros, olhando os escândalos sucessivos em governações sucessivas ( na justiça, na saúde, na banca, no ensino ... entre muitos mais ),  constato tristemente que nos tempos actuais se atingiu um clima generalizado de suspeição sobre tudo e todos.
Suspeição sobre a seriedade de pessoas, suspeição sobre a informação difundida pela comunicação social (onde as fugas de informação sobre casos mediáticos, justificam a proliferação da mediocridade e do sensacionalismo informativo ).  Suspeição sobre as instituições, sobre os órgãos de soberania, sobre as classes e estruturas políticas e sociais, totalmente descredibilizadas.
Neste momento, os compadrios são descaradamente visíveis.  Os negócios suspeitos e pouco transparentes, grassam.  O hermetismo de instituições acobertando apenas troca de favores e ganhos ilícitos, proliferam encapotadamente.
A mentira alastra e os órgãos que deveriam ser livres e independentes na investigação e defesa do esclarecimento e transparência de factos criminalmente censuráveis, são pressionados, silenciados e coagidos.
A corrupção, a falta de isenção e a fuga à verdade, driblam uma justiça manifestamente doente, limitada e ineficaz.
Parece termos voltado aos tempos tenebrosos do silêncio, da conivência, do favor, do jeitinho e do privilégio de alguns que se mantêm impunes, em permanente "estado de graça", intocáveis e acima da lei !... Aqueles que têm o poder de mexer a seu modo, as pedras do xadrês político e económico.
E os tempos vindouros, infelizmente,  não são sequer promissores, à luz de toda a conjuntura europeia e mesmo mundial !
Sinto-me profundamente triste, desconfortável, defraudada, estranha e revoltada, num país que devia ser o "meu", e começa a ser-me desconhecido.  Não sei viver a duvidar da minha própria sombra, com "fantasmas" ( outra vez ), a conviverem com a minha realidade !

Não foi seguramente para nada disto que os capitães de Abril saíram à rua !
Não foi seguramente para nada disto que pugnei para instituir e alicerçar valores sérios e puros, no seio da minha própria família !
Democracia será isto ?!   Ou, simplesmente fomo-la deteriorando na sua essência, com toda a mediocridade humana ?!...

Ouve-se por aí, perigosamente com demasiada frequência, mas talvez com algum entendimento, a frase : " Volta Salazar ... estás perdoado !..."
Ainda assim, e apesar dos pesares, prefiro a mensagem deixada na balada "Trova do vento que passa", saudosamente cantada por Adriano Correia de Oliveira nos idos de sessenta, do século passado :

" Mesmo na noite mais escura, em tempos de servidão, há sempre alguém que resiste ... há sempre alguém que diz não ! "

Teremos que acreditar !  Resta-nos acreditar !...

Anamar

quarta-feira, 2 de outubro de 2019

" INSATISFAÇÃO "




Estou aqui em voltas e mais voltas, sem que jorre sequer um assunto, um tema, algo interessante para escrever.
Dispensei uma amiga com quem iria tomar café, na expectativa reconfortante de que, aqui no meu canto, seria seguramente bafejada com alguma ideia medianamente aceitável.  Qual quê ... sinto-me vazia por dentro, ou melhor, sinto-me esvaziada de conteúdo.
Crise de criatividade, consciencialização da desimportância objectiva do que escrevo, ou desinteresse  mesmo ?
E no entanto precisaria escrever, já que, fazê-lo, é uma catarse que me é vital.

Parece que já escrevi tudo o que tinha a escrever, nos tempos em que só me restava o espaço sufocante de permeio a estas quatro paredes, que por vezes se agigantavam.  Aqui, no sossego e na solidão do meu quarto.
Nos tempos em que os meus gatos eram as figuras importantemente silenciosas na minha vida, em que a minha gaivota esvoaçava por aqui, pousava perto, e piscando os olhinhos, me trazia notícias lá de longe, da orla costeira onde as águas batiam nos rochedos na maré baixa, e em que o seu vai-vem embalava e adormecia a alma ... nos tempos em que cada por-de-sol, com toda a sua singularidade, me fazia sonhar, na nostalgia da partida ...
Nos tempos em que a música, doce e lenta, escorria incessantemente e me aconchegava ...

Parece  que essa  "eu",  não  existe  mais.  Parece  que  essas  memórias  estão  a  ser  engolidas pelo tempo,  parece  que  o  mundo  à  minha  volta  se  descaracterizou  inapelável e doídamente ...
Chego a ter saudades desse tempo que foi.  E no entanto, não era um tempo fácil ... não era sequer um tempo feliz !
Estranho tudo isto !  Estranho, o ser humano ... ou se calhar, simplesmente estranha apenas eu, nesta insatisfação magoante que me tortura e despeja por dentro.
Parece que então, havia um norte que eu perseguia, um objectivo que me motivava, um foco que me justificava a caminhada.
Nada disso percebo, neste momento.  Nada disso percepciono neste timing da minha existência.  Parece que não há muita coisa que me valha a pena, ou me preencha.  Parece não existir de facto muita coisa que me dê asas, ou me sirva de bordão ...
É um marasmo que me inunda.  É uma angústia que não explico, que me toma.  É uma melancolia morna que me envolve ... São as cores outonais que me pintam o coração ...

Talvez nada importante.  Não sei.  Talvez nada que me "autorize" a sentir assim, nesta espécie de ingratidão com a vida.  Afinal, continuo viva por aqui, continuo com saúde e com os problemas que eventualmente as pessoas encaram, sem excessiva preocupação, felizmente.
Olhando à minha volta, sei exactamente que poderei chamar-me e sentir-me privilegiada !

Mas, fazer o quê ?...

Não consigo, por mais que racionalize, fazer valer a pena a vida que detenho.  Excesso de burrice, seguramente, utopia para a qual já não tenho idade, miopia formal face ao desenrolar dos dias ...
E sei-os a passar vertiginosamente.  Sei que cada minuto desperdiçado e não valorizado, é um minuto inglória e irreversivelmente delapidado.
Há quase ano e meio que a minha mãe partiu.  Incrível !  Parece ter sido ontem ...
Há quase dois anos e meio que a Teresa nasceu.  Igualmente incrível !  E de tudo fala, e tudo conversa e interage de uma forma rica e desinibida.
Ainda ontem o António usava fraldas e dançava ao som da "Joana come a papa ", e já entrou para a Faculdade.
E daqui a pouco, aniversario.  Um ano mais que não me interessa nada, e que vou procurar ignorar, longe daqui ...
E assim por diante !...

Como folha tombada num riacho serpenteante por entre as pedras, que vai encalhando pelo caminho ... como fiapo de algodão largado no vento que sopra ... como nuvem perdida no firmamento, que se faz e desfaz ... ou barco sem vela ou remo, longe do cais ... assim me sinto eu, sem rumo, bússola, norte ou motivo ... amodorrada que estou, numa onda pardacenta que não coa a luz !...

Anamar

domingo, 29 de setembro de 2019

" DE UM TUDO ... AO FIM DA TARDE ..."




Anoiteceu com um céu laranja.  Doce e pálido.  Não intenso e afogueado. Isso foi antes, quando o sol ainda se assomava, já por detrás das chaminés, lá ao fundo.
Não tenho nada especial para dizer. Mas tenho quilos de palavras entupidas na garganta.
Não tenho nada especial para aqui deixar.  Mas tenho toneladas de sentimentos contraditórios a sufocarem-me o coração.
Fui à janela da frente. Onde poucas vezes vou. Abro, fecho, subo persianas, desço persianas, corro cortinas, abro cortinas ... ao sabor do sol, do vento e da chuva, se cai e os vidros por acaso, foram esquecidos...
Pouco mais.  A vida desenrola-se-me aqui, para as traseiras da casa.  Aquele lado, privilegiado, que me leva a reboque por sobre os telhados, no voo da brisa, para horizontes bem mais distantes e mais meus ...

É uma hora lixada, esta. Esta, em que o sol se vai, numa estação de lusco-fusco.  Esta, em que a sua luz é doce ... duma doçura de despedida e nostalgia.
Não brilha como antes.  Não aquece como antes.  Temos a certeza que a esquina do ano já se dobrou.  Daqui em diante, o silêncio da Natureza abate-se sobre a Terra, aqui neste nosso canto.
E é como se houvesse um chamamento que não se descreve e só se sente ... ao sono, à quietude, à hibernação ...
São dias de dourados, ocres e amarelos esmaecidos ... São dias de castanhos e vermelhos, nas folhas acumuladas nas alamedas dos parques.  E de árvores despenteadas que começam a despir-se, para a noite que se avizinha ...

Da janela da frente, eu adivinho, mais que vejo, a avenida, o telhado, a casa ...
Era aquela hora em que eu sabia a minha mãe, nos preparativos para se aquietar.  Sim, porque ela dormia cedo.  Depois da torrada, do chá e do telejornal, era a hora de sossegar.  Ela e o Gaspar ... o cão que um dia lhe chegou da desdita do abandono, companheiro de todas as horas e a quem "só faltava falar" ...
Se fechar os olhos ( e há pouco fechei-os por instantes ), estou lá, naquela sala iluminada pela luz do candeeiro de marfinite, com um querubim segurando um archote, na credência entre os dois sofás, frente  à  estante,  com  a  televisão  ainda  com  as  últimas  notícias  no écran ...
Vejo no chão a carpete verde, vejo a cesta do Gaspar dormir as sestas, e consigo ver também cada bibelot, por pequeno que seja, em cada prateleira ...
Vejo exactamente tudo ... até os sorrisos das fotografias sobre a camilha, e o vaso com a avenca sempre verde, no centro ...
Estou lá ... vejo claramente a tonalidade aconchegante da única luz acesa.  Vejo a entrada às escuras, vejo a cozinha com a luz clara da lâmpada do tecto ... Vejo, e oiço ...
É uma imagem obtida na minha mente, por reconstrução depois da desconstrução que foi a vida !...
É como se fizesse um rewind em câmara lenta, e o projectasse à frente dos meus olhos ...
Impressiono-me como é isso possível ... mas é !  Ela está ali ... eu, estou ali ... O tempo não é mais o hoje  ... O tempo é o ontem ... como se o arreganhasse lá atrás e o re-estendesse à minha frente, qual passadeira que se desenrola e desvenda ...
O tempo é o preâmbulo da minha vida, é o prefácio da minha história ...

Hoje, na caminhada não encontrei vivalma.  Como sabem, falo muito da caminhada. Mas não é pela caminhada, porque essa, é um esforço que me imponho.  É pela mata.  A mata é o meu quinhão de Natureza com que me presenteio.
Ainda bem que não encontrei vivalma ... Vivalma, gente ... porque cada vez gosto menos de gente !
Encontrei gatos vadios.  Gatos da mata que são genuínos, livres, soltos, e que só aparecem quando querem e para quem querem ...
Encontrei pombos, rolas, pegas rabudas, melros, pardais ... Andorinhas não vejo por lá.  As flores também já partiram quase todas, e com elas, o som das abelhas, dos besouros, e mesmo das cigarras do pino do Verão.  E as borboletas foram buscar outras Primaveras por aí ...
Lá, o ouro manso dos raios solares que atravessam as clareiras em adormecimento, guarda o silêncio das penumbras que se prometem ...
E é uma paz incontida e sem dimensões !...

Ando numa de desencanto, de corte empático com o ser humano. De cansaço.  De desaposta ... de decepção ... mesmo de indiferença ...
"Este país não é para velhos", um thriller realizado pelos irmãos Coen, tendo como intérpretes, os icónicos Javier Bardem, Tommy Lee Jones e Josh Brolin, que arrecadou o Óscar de melhor filme de 2008 e que recordo agora,  quadra-se bem com o meu estado de espírito actual, em que pareço necessitar defender-me emocionalmente, com um afastamento, uma rejeição e consequentemente uma recusa dos valores que me cercam, num país e num mundo que não entendo, não aceito e me enoja ...
Estou farta de uma sociedade movida por marionetas, submetida a interesses obscuros, pouco transparentes e claros, em que apenas os valores materiais, do sucesso e da ascensão a qualquer preço, o compadrio, o favorecimento e o poder, norteiam os alpinistas inescrupulosos e nojentos que pululam nessa mesma sociedade.
Estou farta de que me tirem a ingenuidade, me arranquem a esperança e a fé em futuros que vejo tenebrosos para os meus, e para todos aqueles que estão a crescer, acreditando ...
Estou farta de que me escureçam o horizonte e o carreguem com as nuvens da incerteza, da angústia e da dúvida no amanhã ...
Estou farta de que me arranquem o sonho ...

Em suma ... estou farta de gente !!!...

Anamar

quinta-feira, 26 de setembro de 2019

“ O PIGALLE AINDA MEXE ..




Em 2013 ( Agosto ) postei neste espaço, um texto sobre o Café Pigalle, café que faz parte do meu quotidiano, aqui na minha cidade.
Como lá refiro, trata-se de um espaço com mais de cinquenta anos, atravessado por isso, por muitas gerações, entre elas, a minha.   É pois, um "ex-libris" da Amadora.
A história do Pigalle de 2013 até à actualidade, é a história triste de um gigante que se acaba aos poucos, mercê das crises, da má gestão, do descaso, da não aposta ... do desinteresse ... ou da velhice, quiçá !...

Publiquei entretanto o texto no Facebook, num espaço de que sou "amiga", "Amadora - Passado, Presente e Futuro ", e com ele desencadeei na altura, diálogos muito interessantes entre os leitores, amadorenses com histórias cruzadas e vividas em passados próximos, exactamente no Pigalle.  Pessoas que haviam deixado de se ver, de se encontrar, pessoas cujos nomes lhes faziam sentido, mas não tinham certezas de quem eram ao certo ... Enfim, reaproximei amigos de uma vida, companheiros de bilhar, tertulianos de horas mortas, em juventudes idas ...
E isso, foi-me profundamente gratificante ...

Passaram seis anos entretanto.
Hoje ( e este é o prodígio que as redes sociais às vezes têm, quase sempre mais negativas que positivas nos relacionamentos ), o meu texto foi "repescado" como memória, por alguém que obviamente não conheço, mas que lendo-o, o comentou .
O texto "saltou" portanto, de novo, para a página do referido Grupo de Amigos.

Entendi por isso, reatar o contacto com as pessoas que tenham curiosidade e interesse em saber do percurso de vida, do Pigalle, seis anos transcorridos ... eu, que o frequento incontornavelmente, todos os dias ...
E escrevi o texto que aqui igualmente posto :


"Surpreendeu-me o  regresso do meu texto, tão carinhosamente aceite na comunidade Amadora- Passado, Presente e Futuro, aquando da sua publicação, em 2013.
Se os amigos repararem, a maioria dos comentários datam exactamente desse ano.
Pois bem, volvidos seis anos após a minha publicação, cabe-me reportar que o Pigalle, o tal “dinossauro” da nossa cidade, resistiu e resiste à intempérie do tempo, e ainda mexe !
Mexe mal, trôpego das pernas, sem força anímica para se erguer e padecente de reumático,  idêntico ao dos seus frequentadores ...
Penso que o FB recuperou este meu escrito e repô-lo como memória, creio.  Daí que tenha sido retomado por alguns amigos, e me tenha caído à frente, de novo esta manhã, exactamente quando eu tomava o pequeno almoço ... no Pigalle !
A precariedade e o envelhecimento do café, mantêm-se, ou melhor, agravaram-se nestes seis anos, como é lógico esperar de alguma coisa sem manutenção qualitativa significante.
O espaço físico, eu diria estar  exactamente igual, com uma “lavadela de cara” agora nas férias, em que encerrou.
Portanto, sem ponto ou vírgula de acréscimo.
Os empregados reduzem-se a uma única funcionária que, por ser multi-funcional e não parar um minuto, tem conseguido resistir à “sanha” de despedimentos sucessivos, de pessoas que passam períodos temporais escassos e mínimos, ao serviço do estabelecimento.
É um rodopio de empregabilidade de funcionários que ( e alguns revelaram qualidade na prestação de serviços ), mal entram e já partem ...
Explicaram-me ser uma política defensiva por parte dos patrões, a quem não interessará assumir contratos mais definitivos, com tudo o que eles envolvem de responsabilidades, como empregadores.
Ao cliente, em termos de géneros, e por comparação com todos os outros espaços idênticos de restauração, existentes na mesma zona da cidade ( afinal, o seu centro ), pode falar-se em “mínimos absolutos” ...
Não chega a ser um espaço prazeiroso em termos logísticos.  É um café servido por luz artificial, como se sabe, em que não há vontade expressa de o tornar confortável e aconchegante para o cliente.  Todo o Verão se “suam as estopinhas” com os ares condicionados desligados ( avariados ... diz-se ), e no Inverno o aquecimento também poucas vezes nos ameniza o ambiente ...
A clientela  continua a privilegiar a classe “sénior”, digamos, já que o café não é  obviamente, minimamente  atractivo para os jovens.  Talvez por isso, fruto de tudo isto e da pouca simpatia e alguma conflitualidade do dono, que por ali perambula, muitos grupos de amigos que à mesma hora, diariamente, ali confraternizavam, desapareceram, buscando outros espaços  certamente mais aliciantes, do nosso burgo.
Quando, depois de férias reabriu, percebi que mais e mais o Pigalle se descaracteriza.  As “baixas” acentuam-se.  Por insatisfação dos clientes, fundamentalmente, mas também  por “deserção” forçada e triste de outros ...                                                
Acredito que apenas a detenção da venda de jogo seja a sustentação económica do café ... e não mais.
Perguntarão então os amigos, depois desta minha longa e exaustiva dissertação, por que, masoquistamente   ou  talvez  não ... insisto  em  frequentar  aquele  espaço ?!   
Serão recaídas saudosistas ?!                                                                                                                             
Pois não sei exactamente o porquê desta questão !
Alguns amigos perguntam-me, meio a brincar meio a sério :  “então, amanhã  vais  ao  Centro  de Dia ?”  E não entendem ... também eles.                                           
Sei que sou fiel nas escolhas.  Sei que sou saudosista das memórias.  Sei que me prendo e miscigeno com os locais, os hábitos e as histórias ... e eles se me colam debaixo da pele ...
Será isso ?  Será essa a razão por que, “desgraçadamente” os sapatos, sem racionalmente  me obedecerem, por cada manhã, ao sair de casa, para lá me encaminham ???!!!

Um abração, esperando não vos ter roubado demasiado tempo com esta minha crónica ... Afinal ... o Pigalle ainda mexe !!!... "

                                                                                      1964



Anamar

segunda-feira, 23 de setembro de 2019

" BEM CEDINHO, ELE CHEGOU !... "



Chegou o Outono.
Entrou às 8,50 h desta segunda-feira meio enfarruscada, exactamente com "cara de Outono" ...
O sábado foi um dia em que o cinzento do céu, escurecido por uma abóboda uniforme e totalmente fechada, desabou em chuva copiosa que não deu tréguas por todo o dia, como uma espécie de cartão de visita da estação que se anunciava.
Afinal, o Verão despediu-se com a chuva que não caía praticamente há largos meses.

Não há estação, que ao chegar, mais me mexa, que esta.  Talvez por ter nascido nela, talvez por ela ter uma envolvência que muito me fascina.  Ela traz consigo cores de recolhimento, cores de introspecção, cores de concha e de útero ...
Talvez por eu ser um pouco de tudo isto, talvez por eu ser mulher !

A chegada do equinócio de Outono fecha as portas à energia trepidante da estação que partiu.  Ele transmite-nos uma doçura e uma paz de aconchego, neste tempo sereno e silencioso.  É um período de balanço, queiramos ou não, que nos remete forçosamente às etapas da Vida.
É um período de reposição, de faxina, de adormecimento.  Toda a Natureza se prepara, atravessando-o, para os rigores do Inverno que virá.
Período de recolecção de tudo o que nos será imprescindível adiante, é época de armazenamento de energias, de pacificação do corpo e do espírito, e conciliação com o nosso eu interior.
Mas também é época de nostalgia, de melancolia ... é um estado de alma ... um tempo em declive suave ... cálido e gostoso ...

Deveremos saboreá-lo, tanto quanto a doçura das compotas que nos saltam das matas para as mãos sabedoras de quem lhes conhece os segredos.
É tempo de mães, avós e tias velhas ... de doceiras que sempre nos povoarão as memórias ... mesmo que já tenham partido ... mesmo que já dividam, do outro lado, um repasto lambareiro e apetecível ...
Sempre vamos recordar saudosamente, os cheiros lá de casa, o fervilhar da marmelada em confecção, os bagos das romãs, as cores flamejantes dos diospiros maduros ... o insubstituível aroma espalhado, das castanhas assadas, nas ruas e pracinhas ... embora a criança que fomos também não exista mais ...

As folhas derrubadas, atapetam os caminhos e pintam, como Van Gogh, toda a Natureza, em paletas quentes, de ocres, laranjas, vermelhos e castanhos ...  As aves migratórias também já foram, e esperamos voltar a ver as andorinhas, na próxima Primavera ...
A mansidão dos dias convida aos percursos cúmplices e sem pressas, pelos bosques, pelo arvoredo, pelo topo das arribas, com o mar em fundo.  Mar que breve  breve, se tornará alteroso e imperativo ...

E percebemos que já passou um ano mais, outra vez ...

E deixo-me inundar por uma paz silente e aconchegante.  Por todas as razões.  Pela lembrança, pela saudade, pela felicidade também ... pela partilha vivida, quando as famílias ainda eram o que eram, e quando ainda o eram ... sem ausências ou desistências ...
Nada esquece nas nossas vidas.  As memórias, boas ou más, são o repositório feliz, o património inestimável das nossas histórias.

Mas o Outono, estação em que nasci, não é o fim dessa história ...
Terá sempre, de facto, muito a ver comigo ... talvez demasiado !
É sonhador como eu,  silencioso como eu, intimista como eu ... com uma magia particular, embaladora e doce, apenas sua, e que mais nenhuma estação, ao longo do ano, é capaz de nos oferecer !...


Anamar

sexta-feira, 20 de setembro de 2019

" OS MORTOS - VIVOS "




Acho que ninguém apreciará este meu post.
O que é facto é que não posso só escrever coisas doces, soft, daquelas que eu sei que toda a gente gosta de ler.  Afinal, para chatice já basta a vida, dirão ... E o sonho deverá ser um imperativo, neste "vale de lágrimas"  ( como a Igreja Católica denominava esta nossa existência ... )
Apenas, dentro de mim, conflitos anunciam-se, turbilhões vivenciam-se, insatisfações impõem-se ... dúvidas também ... incertezas mais ainda ...
Sempre a minha vida se situa numa espécie de olho do furacão, sempre rodopia num vórtice imparável, sempre se coloca num limbo maioritariamente incómodo, por inseguro.
Em consequência, eu que já sou introspectiva, reflexiva e meditativa, com a "ajuda" da época do ano que atravessamos, questiono, se possível mais ainda, tudo quanto me passa pela cabeça.

Estou outonal ... estou entre os amarelos, laranjas e vermelhos do matiz da Natureza.  Contudo mais empalidecida, menos esfuziante ... mais "mate" ... mais "pastel" ...
Mais cansada  talvez, mais desmotivada seguramente.
Tenho uma vida um pouco rotinada, se calhar  demasiado rotinada.  Não sou de todo pro-activa em nenhuma vertente.  Sou mais de assumir uma postura  passiva, talvez pouco sonhadora já, e hoje em dia excessivamente pragmática mesmo.
Os tempos do mergulho no escuro, da inconsequência, do rumar sempre adiante desse por onde desse, do risco  ( cuja adrenalina não podemos ignorar que fascina ), parecem ter esmorecido um pouco ...
Hoje, "peso", "sopeso", penso e repenso ... Como diz um amigo, coloco as minhas dúvidas existenciais, de "um tomate para o outro" ... se os tivesse.  😄😄😄
Ou seja ... os cinzentos parecem estar a baixar ao meu pedaço !

À minha volta, as vidas que se vão fazendo, também nada têm de brilhante.  Pessoas atulhadas de problemas, de impasses, de cansaços e desencantos, como alguém que por acaso nada, não a favor, mas contra a corrente.
Saúdes débeis de muitos, sucessos ou realizações, que seriam gratificantes ... nada !  Apesar de determinações, esforços e trabalho exaustivo e metódico, de alguns.
Ou então, sou eu que tenho um "galo" desgraçado e só me movo em ambientes e entre personalidades pouco bafejadas pela sorte ... que também faz falta, claro.

O café que frequento no pequeno almoço, está chato e sem graça.  Foi, diariamente,  local de encontro de amigos, de tertúlia nuns dias, de sossego que me permitia ler e escrever, noutros.
Havia grupos certos, ponteando as diferentes mesas, e as pessoas saudavam-se, trocavam-se as "últimas", perguntava-se pelos ausentes ... sabia-se dos presentes ...
Hoje, as "baixas" são absolutamente notórias.  Os frequentadores, são maioritariamente idosos.  Aliás, trata-se de um espaço que é ex-libris da minha cidade, com mais de cinquenta anos de existência.
Hoje, falta um, falta outro ... doenças e mortes, têm ido levando a população ainda resistente.

E fica um clima assim  triste e meio desconchavado...
Animo-me se o horizonte me acena com uma fuga a este panorama.  Mas, esse "estado de graça", em qualquer situação, sempre é obviamente pontual.  Se depressa parto, parece que mais depressa chego ... e tudo recomeça ...

Hoje em dia percebo que as pessoas sem obrigações profissionais, ou com trabalhos auto-geridos que lhes deixam espaço de manobra nas vidas, vivem incompreensivelmente do meu ponto de vista, entupidas, afobadas com hobbies, com interesses exageradamente exigentes, com preocupações e iniciativas que se percebem excessivas, por tudo e alguma coisa que lhes ocupe o tempo e preencha as rotinas e os vazios. 
É um "non stop" de actividades ... é um exagero de ocupações pouco saudável, que me cheira a artifício montado !

E se possível, acabam correndo hoje, mais do que quando trabalhavam em "full time".
Ele são exposições, ele são museus, passeios temáticos, tertúlias de toda a ordem, clubes de vocações variadas, leituras exaustivas e enfiadas "goela abaixo" indistintamente ... Como se, e é o que por vezes se me afigura, andassem numa espécie de serviço ocupacional rodopiante, que lhes represente um significado de "vida", desde que não lhes deixe nenhum tempo livre, sobretudo para pensarem, ou equacionarem uma profunda e real solidão.
Como se, talvez inconscientemente ou não, estejam em permanente fuga para a frente, de qualquer coisa que na realidade lhes perturba a vida ... enquanto se acham e dizem bem.
Parece-me do que analiso, que o ser humano que usufrui de tempos mortos, com excessiva frequência ( em vez de eles serem uma mais valia na sua existência ), foge deles a sete pés e pretende atordoar-se de alguma forma. 
Talvez para não consciencializar o vazio das existências, a inconsistência dos sentimentos experienciados, para não questionar a relevância do existir ... ou para não se confrontar com o cinzentismo das vidas.

Não sei.
Sei que hoje estou cáustica e profundamente amarga, como comecei por dizer.  Mas, ainda assim, em lugar de sentir que estou perto de gente viva, percebo estar mais perto de mortos-vivos convictos de que existem, quando talvez já tenham morrido sem que o hajam percebido !...

Anamar

terça-feira, 17 de setembro de 2019

" FIM DE DIA "






Vermelho, o céu lá longe está em paz   
A quietude desce e encerra o dia
E a natureza  doce e calma, silencia
Sonolenta, na noite que se faz

O sol já se foi, o mar deitou ...
As algas e as areias já dormiram
E as gaivotas que pelo céu fora partiram,
Foram na brisa que o fim da tarde anunciou

E a eternidade que respira este sossego
de almas tristes e cansadas, aconchego,
é alívio, é remédio de uma dor ...

Quando o fim do dia vem chegando,
nele o coração se vai deitando
e com ele adormece o meu amor !

Anamar

sábado, 14 de setembro de 2019

" VÁ-SE LÁ SABER !... "





Já aqui referi algumas vezes, ser uma pessoa que vive aqui, com a cabeça algures por aí, em qualquer lugar do mundo.
Costumo dizer que se pudesse, levava a vida de malas feitas, e bem tinha chegado, já estaria de partida, não importa sequer para onde.
Também costumo dizer que isto só pode ser herança ou karma familiar, já que o meu pai, viajante de profissão, não parava de " por o pé em ramo verde" ... e parar, para ele, era mesmo morrer um pouco !

Tenho pavor de voar.
Sou daquelas pessoas que jamais durmo, sequer dormito num avião, ainda que as viagens sejam extenuantes e demasiado longas.  Que mal se acende o sinal luminoso de cintos apertados e aviso de turbulência próxima, se agarra, com unhas e dentes aos braços do assento.
Perco a fome, mal engulo algum alimento e sempre me sinto ansiosa, angustiada e amedrontada, já antecipadamente, sobretudo na descolagem e aterragem daqueles "monstrinhos" ...
Enceto uma luta titânica comigo mesma, de mentalização para desmistificar este estado de coisas, dizendo-me que se trata de um dos transportes, se não mesmo o transporte mais seguro ... que até à porta de casa se pode ser atropelado ... que cada um só vai onde estiver destinado ... que se me entrego a este estado de espírito, não arredo de onde estou ... e patati e patata ... A tranquilidade, mesmo assim, não chega !

Seria portanto, talvez razão suficiente para ficar sossegadinha no meu canto e aquietar "o pito" !
Qual quê !!!   Lá vêm as "cócegas" nos miolos, a saturação da quietude, a vontade de ir ... e as "asas" a crescerem-me ...
E pronto, começo às voltas com os programas das agências, consulto, leio e releio as propostas oferecidas ... porque mexer nas revistas, nos mapas, nos itinerários e olhar as fotografias e descrições dos lugares, já são meio caminho andado para "descolar" !!! 😁😁😁😁

Li há dias um artigo num jornal da actualidade, que finalmente acaba descodificando o "mal" de que padeço : esta vontade incontida de viajar, esta compulsão meio doida de me pirolitar para lugares que não conheço, para civilizações diversas, para formas de viver, de estar e de sentir distintas ... para cheiros, cores e rostos que me falem de outros mundos !...
Trata-se da síndrome PPP ( Permanent Passport in Pocket ).

Segundo alguns estudos, parece haver um comportamento genético por detrás da vontade incontrolável de algumas pessoas, por viajarem.  Sobretudo quando esta apetência parece ser um estado de espírito "non stop", nunca saciável.
Em 2016 foi identificado o gene da "sede de viagens" ... o DRD4-7R.
Um blogue de psicologia sugeria que o 7R, uma variante do gene DRD4 que actua nos níveis da dopamina no cérebro, motiva o comportamento de 20% dos humanos.
A variante 7R, segundo os pesquisadores, traduz-se em "inquietação e curiosidade".  Essa inquietação pode impulsionar as pessoas a assumirem riscos maiores, na busca contínua de novos lugares e experiências.
A dopamina funciona no cérebro como se exigisse em permanência, algo "novo".

Uma bióloga americana, da Universidade de Kaplan, acredita que há uma relação directa entre este gene e o número de carimbos no passaporte de alguém ...
"A dopamina é o gene do gostar, e quando se quer mais, não se fica saciado ... acaba-se viciado !..." afirmou.
Ao contrário dos estudos que apresentam a teoria do gene DRD4-7R, uma outra investigadora do Hospital Richmond em Vancouver, e especializada na ciência de procura de emoção, é mais cautelosa nas conclusões que tira.  Acredita ela que a decisão racional de correr riscos, é mais alargada.
É característica da genética humana, desde a era dos caçadores-recolectores, quando os mais ousados em explorar novos territórios e fontes de alimento, tinham maior probabilidade de sobreviver.

Mas não se deve atribuir este impulso, apenas ao ADN, já que a personalidade de um indivíduo é poligénica, isto é, é uma imensidade de genes que contribui para a formar, além da influência do meio ambiente na química cerebral.

Também há quem defenda que esta vontade pode ser potenciada por contágio nas relações interpessoais a que uma pessoa está exposta.  Se convivemos estreitamente com alguém que adora viajar, é fácil que passemos a partilhar e a apreciar este gosto.

Seja como for, e quaisquer que sejam as origens deste impulso viajeiro - sejam genes presentes no ADN, uma tendência psicológica desencadeada por certas condições, ou uma simples maluqueira minha - algo é incontestável : a melhor maneira de tratar esta vontade louca de viajar, é render-se a ela !...

É isso, em última análise, que eu faço !!!...

Anamar

sexta-feira, 13 de setembro de 2019

" AO SABOR DO SONHO ..."

     


Os dias já fazem diferença.  São agora sete e meia de uma tarde ensolarada de sol a pino e calor infernal, e o lusco-fusco já se anuncia.
Lá longe, o horizonte totalmente vermelho de fogo, prometendo a continuação de uma canícula fora de prazo, já escondeu o sol ... há algum tempo.
É bem verdade que daqui a dez dias o Outono está aí.  Mais um, de mais um ano que caminha em passo estugado para o seu fim.
Não tarda é Outubro, não tarda é Dezembro ... não tarda é Natal !  Bolas ... e foi-o ainda ontem !...

As aulas já começaram, as escolas já estão na azáfama habitual, dos miúdos, dos professores e claro, dos pais da criançada que inevitavelmente anda a reboque.
As férias, mesmo para os que as gozaram tardiamente, não têm já muito tempo útil para serem usufruídas.  De um momento para o outro, o tempo atmosférico vira inesperadamente.  Nunca se sabe quando nem porquê.
Em Portugal estamos com temperaturas bem acima dos 30º C, tradicionalmente impróprias para um Setembro a beirar o equinócio de Outono, e na vizinha Espanha, a zona de Valência foi surpreendida por chuvas torrenciais que já provocaram inclusive, perda de vidas humanas ...
Isto não se entende, cada vez mais somos surpreendidos com uma meteorologia louca, com manifestações inesperadas e assustadoras por incontroláveis, obviamente.
E o "outro" garante que alterações climáticas, são sonhos de mentes atontadas ... quando, atontado, alucinado, cretino e criminoso é o próprio !...

Os gelos derretem, as águas sobem, os furacões varrem os continentes, com intensidades inimagináveis, as espécies naturais entram em ruptura e posterior falência, por alteração dos seus habitats.  Há já muitas que se extinguiram do planeta que era a sua casa.
Há países de cota ao nível do mar que desaparecerão, bem antes do previsto, não há tanto tempo assim ...
O Homem maltrata e maltrata-se ...

E eu ... bom, eu  quero ir  ver as auroras boreais no Ártico ... Antes que se acabem ... nunca o sabemos ! Quero ir rever a vida dos samis, na sua terra.  Quero ir olhar, sentir, cheirar e nunca mais esquecer, o branco da Lapónia, o frio dos gelos que um dia, a breve prazo tudo leva a crer, deixarão de ser perpétuos.
Quero viajar puxada pelos huskies nos trenós, encosta abaixo, quero cheirar as coníferas, dos pinheiros aos abetos, os líquenes e os musgos, e ver as renas ruminantes à espera do Pai Natal !...
Quero por um cesto no braço e apanhar as bagas na floresta ... os mirtilos, os arandos, os morangos e as framboesas silvestres, os lingonberries e os cogumelos ...
E quero imaginar que para trás do que o horizonte me deixa, e onde a floresta se adensa e cerra, no negrume da noite e no silêncio absoluto, o uivo do lobo se fará ouvir ...
Quero mergulhar as mãos no gelo e senti-lo com o respeito que se tem por uma Natureza genuinamente simples e selvagem ...
Quero olhar o céu estrelado, escurecido de lua nova e extasiar-me com as "luzes do norte", que tenho esperança, se acendam para mim, inesquecivelmente !...

Se tiver saúde, vontade, e continuar a ser capaz de sonhar ... breve, breve, lá estarei !
Há sonhos, na vida, que devem mesmo ser realizados !  Afinal ... só temos uma ... não é ?...




Anamar

terça-feira, 10 de setembro de 2019

" QUANDO O DIA SE FEZ NOITE ... "




Há cinquenta e três anos, no dia 9 de Setembro, a primeira página do "Diário de Lisbôa" , obviamente de 1966, abria com uma notícia devastadora para todo o país, particularmente para o povo de Sintra : a sua Serra estava a arder !

O "Diário de Notícias" colocava em manchete :  " Sintra : uma vila ocupada " ou " 1966 - Quando a Serra de Sintra ardeu toda "...

As chamas irromperam na Quinta da Penha Longa, alastrando à Quinta de Vale Flor, Lagoa Azul e Capuchos e, segundo um relato publicado no site do jornal "Bombeiros de Portugal", vários pontos de referência da vila de Sintra estiveram sob risco elevado, como foi o caso do Palácio de Seteais, Palácio de Monserrate e Parque da Pena.
A própria localidade de S. Pedro de Sintra chegou a correr perigo, e as projecções incandescentes, originaram focos de incêndio noutros pontos do concelho — Albarraque, Cacém, Colares, Gouveia, Magoito, Mucifal, Pinhal da Nazaré, Praia Grande e Praia das Maçãs — obrigando à dispersão dos meios de combate.
O vento forte foi responsável pelo alastramento das chamas, que só a chuva verdadeiramente acabou por extinguir.

O sinistro lavrou, descontrolado e incontrolável, ferindo de morte o coração do Monte da Lua ... três dias em que o sol, entristecido e impotente, escureceu e se apagou ...
Todas as corporações de bombeiros de Lisboa foram mobilizadas.  Mais de 4000 operacionais estiveram  no terreno.
Só que, nessa altura não existiam meios aéreos de combate, nem carros de tracção às quatro rodas, nem depósitos de grande capacidade ou bombas de grande débito ...
A combater o incêndio haviam sido também chamadas Forças Militares, como reforço dos operacionais no terreno.  O  aquartelamento  de Artilharia  Anti-Aérea  Fixa  de Queluz  ( RAAF ), pertencente ao Concelho de Sintra, fez-se presente.  Integrava militares jovens, naturalmente sem nenhuma experiência para o efeito.
Coragem e denodo não lhes faltaram, só que, o fogo, traiçoeiro, cercou-os e encurralou-os ...
Ironicamente, o Alto do Monge, terceiro ponto mais elevado da Serra, o mais importante, se não o único túmulo da Serra, vestígio arqueológico constituído por pedras que formam uma cripta funerária com cerca de 50 séculos, foi o túmulo para 25 jovens que aí caíram carbonizados, no cumprimento da missão que lhes fora atribuída.
Houve quem os tivesse ouvido ainda clamar por água, sem nenhuma possibilidade de os socorrer.
Os seus corpos só foram encontrados no dia seguinte, e por eles e pela sua postura, se pôde adivinhar o horror por que terão passado ...

Sintra imortalizou-os num memorial em pedra, no local onde heroicamente tombaram ...

Eu era então adolescente. Encontrava-me a passar férias no Alentejo em casa dos meus avós.
As notícias da catástrofe, contudo, varriam o país, e a estupefacção e penalização eram gerais.

Hoje, já não conseguia situar no tempo, com exactidão, essa calamidade.  Já estive no local há alguns anos, e no alto desse pico, numa Serra que amo, cujo horizonte se perde muito além do olhar e onde apenas as aves se escutam e a brisa perpassa,  prestei silenciosamente uma homenagem simbólica a esses bravos jovens, que um dia, lá muito atrás, tiveram com a morte um encontro marcado para esse lugar !...

Um amigo, sintrense de naturalidade e de coração, publicou contudo, um texto tocante que, com a sua autorização, e a minha gratidão, agora aqui transcrevo.
Ele, que foi e é, testemunha viva de uma ferida sangrante que dilacerou para todo o sempre, a sua terra !...

" AINDA  FOI  ONTEM "


"  Para mim, sim foi ontem e também para todos aqueles que incrédulos, assistiram a três dias que mais eram noites com labaredas e fumo intenso, que parecia mais o inferno de Dante, que a tranquilidade e bonança do clima daquela Serra, que hoje é património da humanidade : o Monte da Lua, a Cynthia, a Serra de Sintra, com o seu arvoredo, as suas paisagens idílicas e palácios  tão imortalizados na literatura,  e que atraem milhares de pessoas.

Passaram cinquenta e três longos anos, no combate a esse grande flagelo. Lá, morreram então,  vinte e cinco jovens soldados, sediados em Queluz no aquartelamento de  Artilharia Anti-Aérea Fixa, que  em desespero, rodeados pelas chamas,  se refugiaram numa mina de água, nos Capuchos.
Ironia dramática do destino !  Inexperientes, sem meios ou preparação para o combate a  um flagelo daquelas dimensões, lá viriam a sucumbir ...

A sua memória está hoje preservada em vinte e cinco cedros plantados no local, e os seus nomes  estão inscritos  num memorial rochoso,  no alto da Serra que lhes deu morada eterna ...
Mas principalmente, está na mente e no coração das pessoas que não esquecem o seu sacrifício.
Sintra aprendeu a dura lição ...  

Eu tinha treze anos, assisti na base da Serra, na quinta dos meus pais, ao drama, escutei as pessoas e vi  a sua impotência...
Sou uma das muitas memórias vivas, que acompanhou  e transmite o que se viveu.
E porque  sigo de perto  a  política local, assinalo,  por ser verdade, a existência de uma grande preocupação em prol  desse legado  que é a Serra de Sintra. 
Como era dito numa antiga  propaganda aos relógios Breitling, nós nunca somos proprietários das coisas, somos simplesmente os cuidadores, para que as transmitemos  nas melhores condições aos nossos vindouros.

Nesse incêndio as pessoas sentiram a necessidade de, fosse qual fosse a sua ideologia, maneira de pensar, raça ou género  ( como agora fica bonito dizer-se )  preservar este património, que o era também, da Humanidade ! 
Foi no tempo do Estado Novo, veio depois a Democracia,  passaram diversos partidos pela gestão da Câmara de Sintra,  mas  toda esta gente, sem excepções conhecidas,  se preocupou em melhorar, em investir, em prevenir e em combater  as causas, ou as origens deste pavoroso flagelo.
Ao longo dos anos  investiu-se nas novas tecnologias, principalmente na prevenção. E por isso, hoje, a Serra devidamente monitorizada, oferece condições de uma segurança contra qualquer foco de incêndio, que  não  existiam  nesse  lamentável  dia  de um  Setembro a “arder” !... 
Pois é...... o AMOR de um povo à sua terra, faz milagres como este.

Neste momento, estamos todos confrontados e mobilizados  com o problema da Amazónia. Está na hora de toda a opinião pública mundial exigir a mudança de paradigma... creio.
A Amazónia não é de ninguém ...  é património da Humanidade !
Que seja então gestão das Nações Unidas,  e não de governos inescrupulosos  como os existentes actualmente. 

As sementes das ideias  fazem caminho lento... mas para germinarem têm que ser semeadas !... " 

   Aníbal  Rodrigues





Anamar

quinta-feira, 5 de setembro de 2019

" LAVADOUROS PÚBLICOS "



O Facebook irrita-me, as redes sociais irritam-me ...

Podem sempre argumentar-me : "ninguém te obriga a frequentar esses espaços ... "
E até é verdade, pese embora hoje em dia, perca  muitíssimo menos do meu tempo com eles.
Pretendem ser espaços de lazer, lúdicos, de entretenimento e por que não ... de alguma aprendizagem.
Neles se acede a informação que de outra forma talvez não se tivesse ( sobretudo quem cultiva pouco a assiduidade nas estações televisivas, também por muito desencanto, cansaço e por senti-las igualmente, uma perda de tempo ). Por eles se chega a lugares que nos seriam inalcançáveis de outra forma, neles nos cruzamos com gente ( virtuais uns, conhecidos outros, amigos ... alguns ) e com eles nos iludimos às vezes, pensando minorar a solidão de que muitos objectivamente se queixam.
Deveriam propiciar um convívio salutar, uma dialéctica saudável, uma partilha de opiniões construtiva.  Afinal, são muitas cabeças a pensar diversamente, são formas de estar e sentir diferentes, são múltiplas sensibilidades e capacidades de análise. Portanto, visariam um enriquecimento pessoal.

Mas não. Nada disto.  Afinal esta não é mais do que uma visão idílica da coisa, uma expectativa construtiva, ou ... e isso é mesmo o mais certo, uma ingenuidade do tamanho de um "bonde", como diriam os nossos "irmãos" além Atlântico.

Tristemente tem que concluir-se que o espectáculo degradante que por aqui se vive, não é mais do que a fotografia triste e desalentadora ... porém real, do país real em que vivemos !

Em primeiro lugar, tem e deve questionar-se a autenticidade, a correcção e a verdade sobre tudo o que é postado.  Será prudente ...
Cada vez menos, as fontes são fidedignas, e visam simplesmente a manipulação e a exploração intencional dos mais desinformados, incautos, crédulos ou mesmo ignorantes.
Aliás, é o que na generalidade, os media, hoje em dia fazem.  Actuam por deturpação, desonestidade, falta de fiabilidade, intencionalidade dirigida e ausência de transparência e verdade.
Este é o caminho seguido ( até por órgãos com responsabilidade social e informativa objectiva, que deveriam pugnar por isenção ), para vender, alarmar, desestabilizar e desconstruir ... Vale tudo !

Depois, assiste-se no Facebook a um ringue de pugilato.
Uma discordância de opinião, ainda que expressa com educação, é um desaforo, é um insulto, é um desafio.  E a liça está instalada.  Ninguém leva "desaforo" para casa ...
E ninguém se coíbe de afrontar ostensivamente, destratar, injuriar e ofender quem "ousou" defender outra opinião ou outro ponto de vista, que não o seu.
E o vocabulário usado entre quem, capacitado ou não, salta indistintamente para a "luta", ainda que não se conheça ou sequer faça ideia de quem está do outro lado ... é triste, aviltante e lamentável ... pelo menos.
Os termos usados, as palavras proferidas, os epítetos e "mimos" largados, falam bem de um atrevimento inqualificável de um "bas-fond" cultural e social, arrepiante.
E as pessoas perdem totalmente a noção de educação, decoro e mesmo dos limites até onde as suas capacidades ( notoriamente insignificantes) lhes permitiriam ir, sem fazerem  uma figura absolutamente lamentável, uma imagem tristemente reprovável .  Uma verdadeira e vernácula "figura de urso" !...
Os erros de ortografia são useiros e vezeiros na "decoração" das exposições apresentadas. O que atesta aquilo que afirmo.  O ridículo das mesmas não é sequer percepcionado por quem as apresenta, e tudo é despropositado, dispensável e arrepiante !!!
A ileteracia, a ignorância, quase o analfabetismo da grande maioria das "sumidades" que se colocam em bicos de pés, debitando discursos de oratória assustadores e avassaladores, de puro convencimento e narcisismo quase sempre ... alastram.
Não há triagem, não há filtragem, não há sequer bom senso.
Guerras políticas ou futebolísticas então, são com frequência, lamentavelmente,  razão de insultos, ofensas gratuitas ou mesmo cortes de relações e amizades entre pessoas que até se queriam bem ...

Depois, o Facebook é com demasiada frequência uma feira de vaidades, de cinismos e de exibicionismos.   E como se percebe isso mesmo, claramente !...
É o "lavadouro público " da actualidade ...
É o local da troca de novidades, é o espaço da exibição de fúteis e imaginários status, é o "diz que diz", é o sonho de uma amostragem sub reptícia, como quem não quer a coisa,  de vidas famosas, sempre espectaculares, felizes e invejáveis ...
Tudo se coloca no Face, tudo se confessa no Face, tudo se exibe no Face, ainda que tantas vezes se perceba quão sombrias são as intenções ... quão subliminares são as mensagens ...

E por tudo isto ... mais do que entrar, passar e sair rapidamente nestes espaços, é pura perda de tempo.  É um desafio à paciência, nada se aprende e com um bocadinho de "sorte", apanhamos uma irritação daquelas !...

E pronto ... Agora podem bater à vontade, que eu fui ali e já venho .... 😄😄😄😄😄



Anamar

segunda-feira, 2 de setembro de 2019

" O QUE SERÁ, QUE SERÁ ?... "




Ando a ficar um pouco interrogativa perante certas coisas da vida.
Pergunto-me se estou a ficar velha, ultrapassada ou com a intolerância típica de quem já não tem muita paciência, nem se obriga a fazer fretes.

Pertenço a um Clube de Leitura a que aderi há alguns anos, quando procurava entupir-me de iniciativas para ocupar um tempo que me sobrava e uma solidão que me sufocava.
Já há alguns anos portanto, que me incluo nessa tertúlia de um grupo de pessoas que têm em comum ( apesar de em alguns casos já pré-existir alguma amizade antiga, ou mesmo familiaridade entre elas ), o gosto pelos livros e pela leitura.
É uma forma de nos "obrigarmos" a ler, a conhecer estilos e autores diferentes, e depois mensalmente, a pretexto de discutirmos os conteúdos, comentarmos e sobre eles dialogarmos e trocarmos opiniões e sensibilidades de análise, convivermos à volta de uma mesa, onde, claro, à boa maneira portuguesa, não faltam as vitualhas  com que cada um comparticipa para um lanchinho aconchegante.
Isto ocorre mensalmente, como disse, e sempre que possível, contactado o autor ou a autora do livro em discussão, o mesmo honra-nos com a sua presença e simpatia.
Temos abordado variados autores, mais ou menos actuais, muitos portugueses, com obras referenciadas, premiadas algumas, na ribalta muitos deles, no panorama intelectual do nosso país.

Até aqui nada de especial, ou que tenha justificado a razão deste meu post.
Acontece que ando preocupada e desiludida comigo mesma.  Estarei a perder qualidades ... ou ... ?

Verifico que há tempo de mais, não tropeço numa obra que me preencha o espírito, que me encha as medidas ...  um daqueles livros inesquecíveis, que pelo conteúdo e pela forma, nos empolga, nos deixa plenos ... Uma espécie de livro de "uma vida", como costumamos dizer.
Acontece-me o mesmo em relação a filmes, embora nos últimos anos eu  ande um pouco arredia das salas de cinema, e em casa, pela televisão, o glamour da sétima arte nunca é igual.

Acho que hoje em dia toda a gente escreve, toda a gente canta, toda a gente é "capaz" de fazer qualquer coisa, em qualquer área ...
Não parece ser exigível a vocação que antigamente entendíamos como determinante para o efeito.
Não parece ser imprescindível haver aquela "queda", aquela coisa nata, que dantes achávamos ser dom de uns e não de outros ...
Nada disso.  Hoje as pessoas parecem ser totalmente ambivalentes, mesmo polivalentes, ou pelo menos, "acham-se" ... como dizem os brasileiros.

E talvez por isso, ou só por isso, dou por mim a esbarrar com frequência de mais, com experiências negativas, sobretudo na área da literatura.  O que, claro, me traz à cabeça quase sempre a escrita dos clássicos da nossa língua.  Mas não só, evidentemente.
Não sou de ler qualquer coisa.  Ler por ler ... compulsivamente.  Engolir tudo ...

Mas ...

Como era delicioso ler um Eça, um Aquilino, Jorge Amado, Redol, Virgílio Ferreira, Namora, Manuel da Fonseca, Florbela, Eugénio de Andrade ... mas também, Rodrigues dos Santos, Isabel Allende, Elena Ferrante, Miguel Sousa Tavares, Maria Dueñas, Beauvoir, Garcia Márquez, Somerset Maugham, Erico Veríssimo, Machado de Assis, Mia Couto, Drummond de Andrade, Cecília Meireles, Clarice Lispector, Hemingway ... e tantos, tantos outros, nacionais ou não ( aliás, é altamente redutor referir simplesmente nomes que de rompante me vieram à cabeça ) !...
Não precisarei obviamente falar de um Pessoa, de um Lobo Antunes, Saramago ou Agustina ...

Sempre houve escritores com uma escrita hermética, mais difícil, mais confusa e intrincada  ... mais "chata" mesmo.
Sempre se comentou haver autores quase intragáveis, em cujas obras se pegava e muitas vezes nunca se lhes atingia o fim.  E no entanto, "monstros" da escrita, que dispensam apresentações ou sequer galardões.  São insuspeitos !

Sempre houve.

Mas hoje em dia ... ( e volto ao princípio ), começo a preocupar-me comigo mesma, porque seguramente sou eu que já não reúno aptidões valorativas, capacidades intelectuais de análise e crítica... Com um bocadinho de jeito, até de entendimento.
E daí eu falar em senilidade, quiçá burrice instalada.
É que, neste momento, tenho andado no degredo de ler obras ( escolhidas no Clube, como disse ), que "corto um dobrado" para conseguir atingir os respectivos epílogos.
É um esforço titânico ler páginas atrás de páginas que não se entendem, não fazem sentido, não são escorreitas, claras, simples, com nexo ... perceptíveis ao menos ...
Parece que quanto mais rebuscada é a escrita, mais intrincada a mensagem, mais confusa a linguagem, mais desconexa a pontuação das frases que parecem amontoar-se simplesmente ... maior é a " obra prima" !
Será que quem escreve tem a presunção de se colocar num patamar intelectualmente superior ao leitor  comum, articulando histórias sem história, frases que têm que ler-se duas e três vezes, páginas que têm que se voltar duas e três vezes ... livros até, em que as pessoas saltam episódios, vão à frente, voltam atrás na esperança de encontrar um fio à meada ??!!  E que isso seja sinónimo de qualidade ??!!...

Bom ... não deve ser nada disto !  Devo ser eu que estou a ficar limitadita ... burra, seguramente ... ou ultrapassada !
Vão ver que os padrões de escrita, de boa escrita para a qual fui treinada, ensinada e incentivada desde a primária ... estão completamente ultrapassados, fora de moda, caíram em desuso ... são coisa do passado, mesmo !
Vão ver que a correcção linguística, gramatical e até formal, da articulação de ideias com princípio, meio e fim ... também já não interessam nada !

As pessoas não se expõem.  Os leitores defendem-se para evitarem rótulos.  E são mesmo capazes de aplaudir, louvar, demonstrar fascínio ... Eu silencio a minha perplexidade ... "Onde ? " - questiono-me ...

Pergunto-me o que teriam a dizer sobre tudo isto ( nem preciso chegar ao Camões ou sequer ao Pessoa ) ... fico-me só pelo Eça ... sempre actual, sempre contemporâneo ??!!...

Anamar