terça-feira, 13 de outubro de 2020

" AÇORES EM ANO DE PANDEMIA " - ILHA DE S. JORGE

 



                                                       Igreja de Santa Bárbara das Manadas


Alguém  lhe  chamou " um gigantesco navio de pedra eternamente ancorado no meio do Atlântico".


A " Ilha Lagarto " desce a pique para as profundezas do oceano desde o alto das suas falésias escarpadas, às fajãs adormentadas em espreguiçamento de intimidade com a Natureza pura.

S.Jorge integra o Grupo Central açoriano, tem 53 km de comprimento por um máximo de 8 de largura, e emergiu das profundezas do mar, pela actividade sísmica e vulcânica .  É um dos vértices das chamadas "ilhas do triângulo", em conjunto com o Faial e o Pico, do qual a separa um estreito canal de cerca de 15 km - o canal de S.Jorge.
O seu ponto mais alto é o Pico da Esperança, com mais de mil metros de altitude.
Foi achada e descoberta logo depois da Ilha Terceira, e sabe-se que o seu povoamento se terá iniciado por volta de 1460, com o primeiro núcleo populacional nas Velas e posteriormente um segundo núcleo situado na Calheta.

A Ilha, muito embora o seu relevo seja agreste e inacessível, foi vítima, no decorrer da sua história, de ataques de piratas e corsários.  
Só no século XX o seu isolamento foi sanado com a construção dos seus principais portos, de Velas e Calheta, bem como a construção do aeródromo de S. Jorge.
Desde o início do povoamento o desenvolvimento económico passou pelo cultivo do trigo e do milho, da urzela e do pastel, os quais eram, ao tempo,  exportados para o reino e para os territórios portugueses de África.
Hoje em dia, vive-se do aproveitamento dos recursos naturais, da expansão da pecuária e pesca, do fabrico e comercialização do famoso Queijo da Ilha ... e ainda do turismo.
A videira foi um dos grandes produtos agrícolas de S.Jorge desde o século XVI, perdurando por três séculos.  As vinhas ocupavam os chamados "currais", existentes até hoje e feitos com muros de pedra basáltica, que serviam de locais de abrigo climatérico, para as plantas.
O "ciclo da laranja" também foi muito importante, com exportação para a Inglaterra e América.  O inhame, plantado em qualquer palmo de terra, foi fonte de subsistência para as populações mais desfavorecidas.  Também a caça à baleia, durante a última década do século XIX até meados do século XX, foi importante fonte de rendimento.
Das vigias instaladas em pontos estratégicos da ilha, com vista privilegiada para o mar, era dado o alarme do avistamento, por forma a que a população acorresse ao cais mais próximo, para se fazer à caçada.

Hoje a actividade mais produtiva prende-se com a exploração agro-pecuária, com a criação de bovinos para produção de carne e leite entregue nas Cooperativas, onde é transformado no famosíssimo queijo, mais ou menos curado, e detentor de "Denominação de Origem Protegida ".
Existe mesmo a Confraria do Queijo de S.Jorge.
Na Fajã dos Vimes, sul da ilha, na Freguesia da Ribeira Seca, pudemos ainda apreciar os trabalhos feitos em lã, representativos do artesanato local.

A cobertura vegetal da ilha sofreu alterações ao longo dos séculos.  Extinguiram-se espécies, e foram introduzidas espécies novas, como a batata, o inhame, o pastel, a batata-doce, a laranja, a conteira que aqui recebe o nome de "roca da velha" como referi no meu post anterior e que se tornou totalmente invasiva em território açoriano ... a criptoméria, o trigo, o milho, a vinha e as hortênsias entre outras.
Em altitude predominam as pastagens, enquanto que as fajãs são verdadeiros eco-sistemas onde as diferentes espécies vegetais convivem amplamente em harmonia, podendo encontrar-se centenas de diferentes plantas em escassos hectares.
Lógica e consequentemente, a fauna também aí é abundante.  As aves, desde a gaivota, a cagarra, o milhafre, o canário e o melro entre outros, têm como mais recente parceiro o pardal, que curiosamente povoa estas paragens apenas desde 1970 !...
No mar o peixe abunda, é variado e excelente.  Os crustáceos e moluscos imperam, as lapas, as famosas cracas e as amêijoas são petiscos incontornáveis !!!

A arte sacra está permanentemente presente em todos os lugares açorianos.  Trata-se de um povo devoto, intrinsecamente crente, temente a Deus e cultuando a imagem do Santo Cristo, acima de tudo.
Essa fé evidencia-se exacerbada, direi, porque sendo uma gente mártir e sacrificada, permanentemente assolada por cataclismos e fenómenos naturais incontroláveis, no seu isolamento e parcos recursos, sempre buscam protecção e amparo, nas entidades divinas.
Aqui, em S.Jorge, a Igreja de Santa Bárbara das Manadas ficou particularmente na minha memória.

Em suma, e porque a história vai longa, poderei dizer que a Ilha Lagarto é um mix de emoções, uma mescla de diversidade natural entre arribas altas e escarpadas na costa norte e declives menos acentuados e suaves, descendo para um oceano profundamente azul, na costa sul, onde as fajãs ( fenómeno morfológico único da orografia dos Açores ), habitadas quase todas, mas com um acesso difícil, lembram uma donzela espreguiçada placidamente à beira-mar, contemplativa, silenciosa e orgulhosa de tanta beleza esbanjada a rodos !...

S.Jorge e as suas fajãs, os seus miradouros, as vistas esmagadoras sempre prontas a surpreenderem-nos em cada volta de estrada, as suas paisagens que dos cumes das arribas nos retiram o fôlego e convidam à introspecção e à contemplação ... remetem-nos à pequenez e à insignificância do ser humano, face a uma Natureza selvagem, genuína, onde o Homem aceita, agradece e não perturba ...

                                                                      Fajã dos Cubres

Anamar

segunda-feira, 12 de outubro de 2020

" AÇORES EM ANO DE PANDEMIA "- ILHA DE SANTA MARIA


                                                              " Meninas vão p'ra escola "

" Conteiras "

" Criptoméria Japónica "

Está ali, a sul de S.Miguel no meio do Oceano Atlântico, fazendo parte do grupo oriental dos Açores, a primeira ilha deste arquipélago a ser achada - Santa Maria.

É a ilha mais próxima do Continente, exibe uma forma rectangular e existe há 6 milhões de anos, depois de afundamentos e elevações motivados por fenómenos geológicos que se foram sucedendo ao longo das eras.

Com um dia a começar nublado, com alguma chuva leve intermitente, mas temperaturas  na ordem dos 22º C, iniciámos o percurso pela ilha, começando pela freguesia da Vila do Porto na costa sul, e progredindo para o norte, até à Baía dos Anjos, lugar balnear por excelência devido às suas piscinas naturais tão apreciadas pelos autóctones.

Santa Maria está dividida em cinco freguesias.  Vila do Porto que é uma vila da freguesia com o mesmo nome, é simultaneamente a sede do Concelho, e a mais antiga vila açoriana.
Não tendo sofrido actividade sísmica desde o povoamento, causadora de outras catástrofes nas demais ilhas dos Açores, Sta.Maria sempre sofreu do isolamento e inacessibilidade que lhe limitavam o poder defensivo, face aos ataques de piratas e corsários.
O Forte de S.Brás que ainda detém peças de artilharia pesada direccionadas para o mar, é um baluarte vivo da sua defesa.

As cinco freguesias apresentam uma singularidade ímpar :  cada uma emoldura as suas janelas e portas com bordaduras de cor distinta, à semelhança das casas do nosso Alentejo.  
S.Pedro, Sta. Bárbara, Sto. Espírito e Almagreira usam quase religiosamente,  as cores amarelo, azul, verde e almagre respectivamente. 
As casas exibem telhados de quatro águas e as chaminés apresentam duas tipologias particulares.  Ou são "chaminés de vapor", ou são " chaminés de mãos postas", buscando origem exactamente nos povos algarvios e alentejanos que povoaram predominantemente a ilha.

Orograficamente Sta.Maria é "dividida" de norte a sul, por uma zona montanhosa, o "Pico Alto", com cerca de 572 m de altitude, separando a sua zona ocidental, mais plana, da oriental, recortada, com escarpas e muitas reentrâncias, proporcionando cenários magníficos !   
Respeitam a épocas geológicas diferentes.
A Baía de S.Lourenço, na freguesia de Sta.Bárbara, zona de praia procurada pelos habitantes da ilha, é duma beleza inesquecível !  Olhámo-la do alto de um miradouro que permite uma perspectiva fantástica dessa beleza natural ...
No sul, a Praia Formosa, magnífica praia de areia branca, ao contrário das areias basálticas da ilha, também mereceu especial atenção.
Na Vila do Porto, o Centro Interpretativo Ambiental Dalberto Pombo, onde a neta do próprio e continuadora da obra do avô, nos levou ao conhecimento do património natural da ilha, e nos falou das espécies e fósseis marinhos de importância internacional e únicos no contexto açoriano, justificou largamente a visita. 
Do Pico Alto, em condições atmosféricas favoráveis ( o que não foi o caso ), poderia observar-se toda a ilha, numa panorâmica de 360º.
Não esqueçamos que "soi dizer-se"  poderem sentir-se nos Açores, as quatro estações climatéricas num só dia.  Por isso, é sempre uma "caixinha de surpresas" a imprevisibilidade do que nos espera em cada volta de estrada ou em cada subida de montanha ...

Gastronomicamente, deverei referir um produto exclusivamente mariense e artesanal, de origem certificada ... os "Biscoitos de Orelha", de presença certa em todas as festividades da ilha, com formato genuíno e moldagem manual.
Obrigatório provar ... Obrigatório comprar !...  😜😜😜

São verdes, muito verdes as elevações e os campos dos Açores.  Sta.Maria é chamada a ilha do sol e é muita e variada, toda a flora que a reveste.  Pelas encostas, a criptoméria japónica, uma conífera  oriunda do Japão e da China e introduzida na ilha no século XIX para aproveitamento da sua madeira para a construção e indústria naval, trepa, cerra e sombreia.  Tem um porte que pode atingir até 70 m de altura e mais de 4 m de diâmetro do tronco, em condições favoráveis, e cobre cerca de um terço da floresta insular. 

Por debaixo,  a "conteira", espécie endémica dos Himalaias, é uma planta invasiva que compromete as espécies endémicas da ilha. Têm-se mostrado ineficazes todos os esforços químicos ou biológicos para domar a sua proliferação.  As suas folhas utilizam-se contudo, quer para enrolar o queijo fresco quer como base na cozedura do pão.  As crianças chupam as flores amarelas com estiletes vermelhos em inflorescências chamativas, por serem doces.
Um grupo de investigadores da Universidade dos Açores, está contudo neste momento a desenvolver um projecto que utiliza os componentes desta espécie, para criação de materiais substituintes do plástico descartável. Desta forma, combate-se a praga e direcciona-se a sua potencialidade para um aproveitamento valioso.
Estas "conteiras" assim conhecidas no Grupo oriental do arquipélago, extremamente ornamentais, são conhecidas por "roca da velha" no Grupo Central e "cana roca" nas ilhas mais ocidentais.
Haveria de vê-las por lá ...

Por toda a ilha, ladeando os caminhos, no meio dos pastos, crescendo a esmo, surgem os maravilhosos tufos de "meninas vão p'ra escola", coloridas e diáfanas. 
São as flores que saúdam a chegada do Outono e florescem em plena época de início escolar.  Daí o nome atribuído a esta planta bolbosa ou "amaryllis belladonna", que atapeta em tons de rosa os lugares mais recônditos, campos fora. É uma planta nativa da África do Sul. 
Existe em todo o arquipélago excepto na Ilha do Corvo.

E para finalizar esta súmula explicativa da minha digressão por Sta. Maria, resta-me apenas e sempre, referir como é gratificante e regenerador da alma, deixar simplesmente a vista espraiar-se pelos patamares verdes a perder de vista, onde as vacas em pastoreio, empoleiradas nos socalcos mais insuspeitos, nos lembram e confirmam que na Terra, por vezes também há Paraísos !!!...


                                                                     Baía de S.Lourenço


Anamar

quinta-feira, 8 de outubro de 2020

" ATRÁS DE UM SONHO " - AÇORES EM ANO DE PANDEMIA - Dia 1

 


Não haveria seguramente melhor introdução à minha demanda do paraíso habitado por estes "estranhos e simpáticos loucos", do que ler este pequeno texto encontrado num "postal free" no Peter's Bar na cidade da Horta - Ilha do Faial, uma das que compõem o arquipélago dos Açores !

Dele, cheguei há dois dias, após uma digressão pelas ilhas menos conhecidas, de um conjunto fantástico, diverso e incomparavelmente belo, constituído por nove, todas particulares, todas com especificidades distintas ... mas todas igualmente românticas e sonhadoras !

Achava eu que desta feita, faria finalmente uma "reportagem adequada" ao evento.  E p'ra isso, levei comigo um caderninho apropriado e enchi-me de boas intenções.
E comecei. Comecei direitinho com os registos, os apontamentos, enfim, a informação que ia colhendo e que os guias locais sábia e profusamente iam debitando aos quilos !  😁😁
Só que "o Homem põe e Deus dispõe" e a exigência da viagem, a falta de tempo livre entre todos os inúmeros acontecimentos, as infinitas paragens e as milhentas fotos inesgotavelmente colhidas, acrescidos aos horários proibitivos de despertares madrugadores, obrigando a recolhimentos em conformidade, goraram todas as minhas prévias convicções, por cansaço e impossibilidade a rigor, como eu gostaria.

Por isso, vou escrevinhar por aqui qualquer coisa, do tanto "bebido", "sorvido" e infelizmente quase impossivelmente arquivado ... enquanto me lembro ...

Tudo começou no dia 27 do extinto mês de Setembro do famigerado e pouco recomendável ano de 2020 ...

" As gaivotas adejavam aqui por cima.
Era um bando bem razoável.  Pareciam perdidas no vento ... ou talvez apenas brincassem na aragem já meio desabrida, deste domingo 27 de Setembro do traiçoeiro ano de 2020 !
O Outono, se dúvidas houvesse, mostra bem que se instalou, apesar do sol, que já não convence ninguém !

Hoje vou para os Açores na busca de uma semana que me tire deste sufoco diário.
Acredito que lá, no silêncio daquela natureza pródiga e autêntica, eu até me esqueça, pelo menos por uns dias, do que ficou por aqui !
O céu tem nuvens brancas, de "carneirinhos" ... floquinhos de algodão semeados no firmamento, até onde a vista alcança.  A temperatura é generosa, o sol aconchega quando a brisa se não sente.

São quase seis da tarde.  O avião da SATA ultrapassou as nuvens, fez-se às alturas, deixando que o atapetado branco nos ficasse por debaixo, como claras em castelo iluminadas pela luz do fim de dia.
O azul lá fora é já ténue, esbatido, diáfano !
E aí vou eu, rumando à Ilha de Sta.Maria, início de um périplo por muitas outras ilhas que não conheço, onde nunca vim ... S.Jorge, Faial, Terceira, Graciosa, Flores e Corvo, excluindo S.Miguel onde já estive em 2018, faz exactamente nesta altura dois anos portanto, e que conheço bem.

Neste momento, com a vivência sinistra da Covid 19, devastadora e impiedosa, que nos limitou as vidas, as rotinas e os horizontes, nos amputou a esperança e nos cortou os sonhos, os Açores é uma das poucas viagens possíveis, um dos poucos destinos passíveis de o serem de férias, para os portugueses deste extremo da Europa continental.
É considerado pelas autoridades sanitárias um destino "Covid Free", como aprendemos a dizer agora, e a agência de viagens com que viajo, é paradigma e exemplo de uma gestão super- segura, cuidadosa e tranquila para os seus clientes.
Tudo está a ser calculado ao pormenor, tudo está a ser monitorizado ao milímetro ...
Até agora, neste contexto sinto-me totalmente protegida.
Foi feito um teste de despiste da doença, exigido e custeado pelo Governo Regional dos Açores 72 horas antes do embarque, o qual teria obviamente que ser negativo para que pudéssemos voar.  No arquipélago será realizado outro com a mesma antecedência, antes do dia do regresso ao continente.

O programa a cumprir é exigente em termos de deslocações.  Prevêem-se oito voos inter-ilhas, e essa é francamente a parte negativa da viagem para quem, como eu tem pavor de avião ... 😁😁
Mas não há solução ... afinal não há tempo a perder, e se adoro conhecer destinos, pessoas, costumes e lugares, há que "domesticar" esta minha fobia e fazer-me à estrada, que é como quem diz, racionalizar esta paranóia absurda, descontrair o espírito, e de coração ao largo, perseguir os meus sonhos e desejos ... enquanto dá, enquanto posso, enquanto tenho vontade !...

E pronto.  Este é o meu primeiro escrito sobre o que aguardo ansiosa, e que acredito piamente poderá vir a cumprir a realização de mais um projecto, que ironicamente na minha mente, havia reservado para bem mais tarde, para quando "andasse de bengala" ( era assim que costumava dizer  😀😀 ) ... e que a Covid me impôs por ausência de alternativas possíveis e / ou seguras.
Talvez seja também essa a razão por que o grupo de viajantes seja maioritariamente constituído por pessoas de determinada faixa etária.
Continuarei a registar, com o pormenor possível neste momento, mais esta minha aventura, em condições e num ano tão particular como este, também para que um dia mais tarde, quem leia estes meus textos, possa talvez perceber como se viveu, como se ultrapassou, contornou e suportou das melhores formas possíveis, a tragédia que se abate sobre o ser humano, por todo este mundo !...

Até amanhã ...

Anamar

quinta-feira, 24 de setembro de 2020

" AQUI DA MINHA JANELA " - HISTÓRIA DE UM PESADELO - ainda sinal dos tempos ...

 


Iniciar o dia ao som desta Ave Maria, só por si uma melodia celestial, recheada de imagens esmagadoramente belas, foi um privilégio concedido hoje, por uma amiga.  Uma espécie de miminho ou afago no coração ...

Invariavelmente, antes mesmo de emergir das cobertas, começo os meus dias tentando situar-me no que entretanto chegado ao telemóvel  ( até então com o wifi desligado ), me relaciona com o mundo lá fora, me situa no borbulhar da vida que nunca pára, e que sempre se vai fazendo à revelia do sono dos mortais ...
Se em tempos atrás as pessoas se comunicavam quando necessário, quando um ou outro acontecimento exigia comemoração especial, ou havia que actualizar notícias sobre um ou outro amigo do qual não se sabia ... neste momento e desde que a pandemia da Covid nos caíu em cima, as pessoas comunicam-se por tudo e por nada, pela simples razão de nos sabermos vivos, nos sabermos bem, nos sabermos amados, queridos ... e consequentemente preocupados uns com os outros, na solidariedade expressa, quase único rosto visível de afecto possível, em período de confinamentos, distância social e outras restrições.
Em tempos de angústias, medos, incertezas, mas também de silêncios, solidão, saudades e tristezas ... o "pingue-pingue" das notificações no telemóvel, a chegada de correio reconfortante, amparador ou potenciador de boa disposição, vindo de amigos, conhecidos ou simples contactos virtuais, é uma bênção que pela manhã de cada dia, nos mostra que os afectos, a amizade e o amor, são cordões invisíveis que vencem barreiras, distâncias, ausências, dificuldades e todas as atribulações inimagináveis, e estreitam no mesmo abraço único, aqueles que se querem bem ...
São sinais inequívocos de presença, de humanidade, de solidariedade, cumplicidade e partilha que nos aquecem a alma !
São desejos de bons dias, boas noites, boas tardes, dias felizes, que atravessam o éter e nos mostram que algures por aí, mais perto ou mais longe, alguém pensou em nós, nem que por escassos momentos, alguém dedicou um pouco do seu tempo a conseguir estampar-nos um sorriso no rosto, soltar-nos uma gargalhada no ar,  ou às vezes uma lágrima de emoção e carinho !

Hoje, as imagens deste vídeo e a sonoridade dos acordes da Avé Maria, remeteram-me por esse mundo fora no deslumbramento de arquitecturas sem adjectivos que as qualifiquem, inebriaram-me no silêncio dos claustros, ressoaram-me nos passos que fiz pelas naves das catedrais, maravilharam-me pela luz coada de vitrais, que não são mais do que um rendilhado entretecido de vidro, de cor e de mistério ...
Transportaram-me por instantes à pequenez daquilo que sou, à dimensão irrelevante da efemeridade do ser-se humano !
Levaram-me através dos tempos, das eras e da Vida, aos artesãos da pedra, aos construtores dos sonhos e aos realizadores da Obra ... que fica e ficará para todo o sempre !
Carregaram-me a nostalgia da infinitude, o distanciamento do inalcançável, a puerilidade do grão de poeira que todos somos por aqui !...
E inevitavelmente pensei :  tanto mundo a conhecer ... e tão curta e breve a Vida !!!...

Até amanhã !  Fiquem bem, por favor !

Anamar

domingo, 20 de setembro de 2020

" DIVAGANDO ... "

 


O Outono está a chegar ...

De mansinho bate-nos à janela, e entrará pela porta principal dentro de três dias.  O equinócio de Outono, ao virar da esquina, fez-se já manifestamente presente  nestes últimos dias ...  A chuva chegou com ameaça de borrasca considerável, as temperaturas desceram, o céu cobriu-se de nuvens e o sol amarelou na tonalidade, amansou e tornou-se doce e envolvente, como só este sol de fim de estação o sabe ser ...

Apesar de já nos despedirmos de um Verão fugidio e distante, vivido pela estranheza de tempos que não entendemos, fica-nos no coração o sentimento de uma injusta despedida, de uma sentida partida, de alguma coisa que não chegámos a experimentar ... de iguaria a que nos subtraíram, antes mesmo de podermos saboreá-la ...
Alcançámos claramente o ponto de não retorno, que tudo tem, na existência humana ... 
Na Natureza também !
Breve a hora mudará, os dias ficarão mais curtos e a noite descerá mais cedo.  De novo as nossas vidas se remeterão ainda mais ao confinamento entre paredes, onde os silêncios, a solidão  e os momentos de intimismo nos confrontarão mais e mais connosco mesmos, numa introspecção, num solilóquio e numa imersão emocional equilibrante e gratificante, neste vórtice enlouquecido e esgotante, que experimentamos por cada dia que vivemos ...

O Outono é um período de pausas, de avaliações, de sonolências.  É um período de adocicadas sensações, como se, tal como a Natureza, abrandássemos a marcha, desacelerássemos todo o nosso metabolismo emocional, corrêssemos as cortinas p'ra deixarmos o coração pairar numa luz apenas coada e ténue, numa luz difusa e aconchegante, de toca que se prepara para a hibernação reparadora.
Tudo à nossa volta se pinta em cores de quentura boa, em sons de sesta anunciada, em embalo de colo materno ...
É a Vida a preparar-nos para o que vem.

O Outono é a melancolia duma tela de Monet, a envolvência duma partitura de Vivaldi, ou simplesmente o sabor generoso dos arandos, dos diospiros, das romãs, dos mirtilos e framboesas , das amoras silvestres ... dos marmelos e de todas as compotas que hão-de tornar mais doces e vívidas,  as memórias das avós e tias doceiras da nossa meninice ...
O Outono é o laranja, o ocre, o vermelho, os castanhos e os dourados esmaecidos, da folhagem que já atapeta praças, alamedas e jardins ... com a chegada dos primeiros ventos mais castigadores ...
É o aroma que trepa no ar, quando as castanhas desejadas, estralejarem no assador ...
E é também os musgos e os líquenes que amarinham os troncos na mata, e a caruma que resmalha quando os nossos pés se perdem pelos caminhos da serra ... 

... a lembrarem que é Outono outra vez !...

Anamar

sexta-feira, 18 de setembro de 2020

" AQUI DA MINHA JANELA " - HISTÓRIA DE UM PESADELO - " levemos a carta a Garcia ..."

 


Escrevi há dois dias um texto relacionado com o início do ano escolar, no contexto pandémico que vivemos.

Era um texto que procurava fazer um ponto da situação do país face à Covid19, perante publicação, uma vez mais,  do  Estado de Contingência decretado pelo Governo.

Seguia-se uma análise ... a minha ... exactamente sobre essa imensa preocupação genericamente vivida pelos cidadãos deste país, no concernente à reabertura das escolas para mais um ano lectivo, sabido por todos que se trata de um período profundamente particular e preocupante, e um momento de muita apreensão, ansiedade e até receio.
Era contudo um texto esperançoso, um texto dirigido a todos os principais intervenientes nesse exigente processo, com uma saudação de apreço, de gratidão, com votos de coragem e de confiança.  
Mas também de esperança e fé, em que com todas as dificuldades do mundo, num ensaio de proveta nunca antes testado, se pudesse alcançar o mínimo necessário para pormos em marcha um comboio de toneladas de responsabilidade, toneladas de exigência e mais toneladas ainda, de dificuldades a vencer !...

Trata-se de uma empresa ciclópica, exigindo uma articulação perfeita entre todas as estruturas envolvidas, um trabalho no terreno, gigantesco, um trabalho de coordenação oleado e funcional, sem precedentes, uma visão abrangente e esclarecida em equipas convergentes nos objectivos e nos interesses a contemplar.
Depois, há toda uma massa humana diversa, que forçosamente terá que remar convergentemente, numa maré alterosa de  mar encapelado, em que qualquer desajuste, desistência, falta de empenhamento, descompromisso, pode representar um prejuízo inestimável e imprevisível, potenciador de um insucesso e de um falhanço sem precedentes neste arranque histórico !

E os números da Covid, não param de aumentar diariamente ... assustando mais e mais !

Ontem atravessei o centro da cidade que habito.  Percebia-se claramente que as escolas haviam iniciado...
Os grupos de jovens pelas ruas, em bandos de sete, oito ou mais, muitos deles totalmente desprotegidos, sem máscaras no rosto,  permitindo-se comportamentos de risco, por desrespeito da distância social de segurança,  com contactos físicos ... íntimos mesmo ... manifestavam uma displicência, uma inconsequência inaceitável, uma irresponsabilidade ou até um desafio ostensivo, face á realidade que se vive ... que verdadeiramente me assustou.
Todos sabemos que parecia estarmos de saída de um período de reclusão excessivamente duro, em que, obviamente os mais jovens, fruto exactamente da pouca idade, da imaturidade, das hormonas açaimadas há tempo de mais, e da sua normal necessidade de contestação e irreverência ... mais dificuldade terão tido no enquadramento de uma "normalidade" totalmente anormal.
Contudo, todos pertencemos a uma sociedade que terá de se entreajudar,  terá de se consciencializar que a segurança colectiva passa pela segurança individual, e que o respeito que todos nos merecem, passa por comportamentos cívicos, de partilha, compreensão e responsabilidade inalienáveis e independentes das classes, das faixas etárias e das vontades !...
Isto terá que ser assimilado por todos, sob pena de um brutal insucesso, de um rotundo falhanço e de uma consequente catástrofe nos submergir colectivamente !!!

O sacrifício é de todos, o objectivo é comum ... o sonho também !
Não queremos / não podemos retroceder ... não podemos vir a morrer na praia !

Apelo à inteligência, ao espírito de solidariedade social, ao empenho e à generosidade !
Não deitemos tudo a perder.  Não tornemos vão, todo o sacrifício dos que dia a dia, com infinitas dificuldades, estão a dar tudo por tudo, estão a dar o melhor de si para que o futuro destas crianças e destes jovens possa assegurar-se com o mínimo de danos possíveis, rumo ao futuro !

Que saibamos pois, aqui e agora, levar a  "carta a Garcia" !...

Até amanhã !  Fiquem bem, por favor !





Anamar

terça-feira, 15 de setembro de 2020

" AQUI DA MINHA JANELA " - HISTÓRIA DE UM PESADELO - outra página que se abre ...





" A verdadeira esperança sabe que não tem certeza.  É a esperança não no melhor dos mundos, mas num mundo melhor " 
                                     Edgar Morin


Bom, li esta reflexão do filósofo Edgar Morin, ontem, algures por aí nos media, e ela aplica-se direitinho ao momento que vivemos.
De facto, se há momento da nossa vida recente, onde ela melhor encaixa, é exactamente este, em que a esperança que forçosamente tem que nos penetrar os espíritos, é uma esperança ténue, titubeante, medrosa, cautelosa, tímida de mais ... Meio pintura desbotada sem força para se colorir em plenitude ...

Integramos mais um período excepcional das nossas vidas, face à pandemia, que não só não arreda pé, como parece ter-se reforçado na força e na agressividade.
Os números diários por essa Europa fora e em Portugal também, ombreiam com os mais violentos do início deste flagelo.
E se na altura, as ordens dadas foram de encerramento, confinamento e regresso às tocas fazendo-nos de mortos ... agora, haja o que houver, estamos aí em campo aberto, dando o peito às balas.
Não existe de nenhuma forma, qualquer hipótese de conter a calamidade com medidas idênticas às que drasticamente foram tomadas em Março, Abril ... por aí.  Em termos económicos, o país já derrocou o que havia a derrocar, e é inexequível que iguais medidas, no sentido de tamponizar sanitariamente a progressão dos contágios e o avanço da doença, possam vir a ser tomadas de novo !!!

Como paliativo, diria eu, decretou-se novamente um chamado Estado de Contingência que abarca em si um aperto nas restrições, que afinal nunca deixaram de existir.
Legislou-se de novo sobre os ajuntamentos, estrangularam-se mais as determinações sobre o funcionamento dos estabelecimentos comerciais, deliberou-se outra vez sobre as regras trabalhistas ( tipologia de prestação, horários, formas de convivência entre os trabalhadores no sentido de desfasamentos, quer de entradas, saídas, pausas, refeições ), mantiveram-se na restauração as medidas respeitantes ao distanciamento social, ao uso das máscaras, à lotação dos estabelecimentos ...
Nos transportes públicos e em espaços fechados, a protecção do rosto continua a ser obrigatória, podendo até, pontualmente em casos que o justifiquem de acordo com a sua situação epidemiológica, que algumas autarquias igualmente o determinem na via pública .
Álcool continua a não poder ser vendido nos espaços comerciais depois das vinte horas, e o seu consumo nos espaços públicos não permitido.
As actividades desportivas permanecem condicionadas ;  os espaços de lazer que varavam as noites, como os bares e as discotecas  com o figurino que lhes conhecemos, têm igualmente limitações rigorosas de horário, podendo, se aceitarem reconverter-se a pastelarias e bares simplesmente, laborar atá às vinte horas.
Pistas de dança, DJs e copos à discrição pela madrugada fora, nem pensar !....

Estas, são apenas algumas das medidas mantidas, alteradas e reconfiguradas.
E referi tudo isto, que pode afinal consultar-se nas determinações emanadas da Assembleia da República e que estão em exercício desde hoje 15 de Setembro pelo menos até ao fim do mês,  para pegar no que verdadeiramente me trouxe à escrita desta crónica, por ser o que prioritariamente mais me preocupa, mais me deixa interrogativa e ansiosa :  a reabertura do ano escolar.
Daí que a frase de Edgar Morin continue a martelar-me os parcos neurónios, já em "período de contingência prolongada" ...😎😎😎 : a busca desenfreada de uma esperança que me permita acreditar que apesar de sem certezas, alcançaremos neste arranque tão particular, não o melhor dos mundos ... mas um mundo melhor ...

As crianças, os adolescentes, os já menos jovens, os professores que encaixam numa outra faixa etária ... todo o pessoal de apoio logístico à abertura das escolas, iniciaram agora um caminho mais cerrado e tenebroso, mais duvidoso e incerto, do que o que nos devolveria o nosso D.Sebastião, na cerração daquela manhã de má memória ...
Ainda assim, os responsáveis puxaram de novo das forças, da criatividade, da entrega e da abnegação, da coragem p'ra voltarem a dar o tudo por tudo, em mais uma época escolar, juntando os cacos de uma outra que terminou coxa, incompleta, cheia de lesões e maleitas ...
Voltaram a reinventar o possível e o impossível, numa tentativa de "normalizarem" o rosto do que é tudo, menos normal.
Voltaram e têm em si a responsabilidade de nortearem, de adaptarem, de coordenarem e conduzirem uma massa humana muito particular, muito frágil e muito importante : os jovens deste país, uma outra vez entregues nas suas mãos ...
Pouco se sabe ? Inventa-se, improvisa-se, dentro da sensatez, do bom senso ... da boa vontade.
As dificuldades são inimagináveis e incontabilizáveis ? Tenta-se, tacteia-se na base do erro / acerto ... e progride-se, lentamente, em passos cautelosos ... o melhor que se saiba ... o melhor de que formos capazes !

"A verdadeira esperança sabe que não tem certeza ... " 
Todos nós sabemos como a estrada é pedregosa, cheia de escolhos, de percalços, de armadilhas até !...

Mas não buscamos o melhor dos mundos.  Já ficaremos felizes e tranquilos, se no balanço tivermos descoberto e alcançado um Mundo Melhor !!!...

Neste dia de hoje, saúdo e abraço com este meu texto, todos os meus colegas, que na nau das tormentas procuram um trilho de luz, nos oceanos !!!
Saúdo todos os encarregados de educação ... todos os pais, em que o coração se aperta e espreme no peito, por cada dia de dúvida, medo e apreensão ...
Saúdo e beijo todos os jovens que aí estão, respondendo presente, à chamada do futuro, do sonho e da VIDA !!!
Entre eles, envio um beijo muito particular, do tamanho do mundo ( perdoem a vacilação ) aos meus António, Vitória, Kiko e Teresa ...
Meus queridos ... a VIDA é de quem se atreve , não esqueçam nunca !!!...

Anamar

sexta-feira, 11 de setembro de 2020

"AQUI DA MINHA JANELA " - HISTÓRIA DE UM PESADELO - segunda vaga





Conheço três figueiras na mata ... de figos "pingo mel", que são "aquela coisa" que todos sabemos ...
Ao longo do ano passo por elas dia sim dia não, nos dias da caminhada.
Assim, insuspeita, vou-as namorando da Primavera ao Outono, acompanhando os seus ciclos biológicos, observando o despontar dos primeiros figos, o seu crescimento, a sua promessa generosa de produção abundante, ganhando a expectativa de algum dia ser dia de "colheita" ... 😁😁
Só que, os figos da mata, por direito, deverão ser pertença dos pássaros da mata !
E é exactamente isso que acontece.  Os "malvados" sempre me tomam a dianteira, e os figos, coitados, nem tempo têm de chegar à idade adulta !
Menos mal, que dessa forma, a consciência sempre me fica mais leve !...

Hoje lá passei de novo, e de novo verifiquei a "rapinagem" que por ali vai ... Com silvas à volta, e figos visíveis já só nas ramagens fora de mão, "corta-se um dobrado" para os alcançar ...

E porque as ideias nos ultrapassam e os pensamentos voam mais longe e mais soltos que a passarada das ramagens, lembrei a já só saudosa e úbere figueira pingo mel daquela casa que me ficou longe, na Beira das minhas memórias, onde os frutos eram tantos e tão bons, que não havia refeição que os não integrasse na sobremesa ...
E lembrei o ritual da chegada, em fim de férias de Verão, quando, antes mesmo de criada a logística da família para a estadia de alguns dias antecedentes à época escolar que se anunciava, entrando no jardim, sorríamos agradados e lançávamo-nos todos, adultos e crianças, saudosos e sequiosos, sobre os figos maduros, verde esmeralda, que se ofereciam dos ramos engalanados...
E era comê-los "à fartazana" !
A avó, sem qualquer sucesso, bem avisava : "meninas, os figos quentes vão dar uma dor de barriga !..."

Uma vez, a gulodice era tal que nem percebemos que o Óscar, o gato da família que por direito também ia de férias, se escapulira da transportadora e, também ele se interessara vivamente pela figueira.
Não que quisesse os figos ( gato que se preza não come fruta, que eu saiba ), mas porque a figueira com todo aquele manancial generoso, era poleiro de infinita passarada e local de dormitório dos ladrõezitos de meia tigela, que dessa forma, tinham o pequeno almoço sempre servido à cabeceira da cama !...
Foi um "Deus nos acuda" no resgate do Óscar, que amarinhara aos galhos mais improváveis da árvore, e jurava que de lá não sairia.
Desde os apelos mais ou menos pacíficos (com toda a família de nariz no ar ao redor da figueira ) ... ao aliciamento da "fera" com comida no prato, de tudo se fez, e em limite, lá tive que trepar eu própria, a uma escada buscada em improviso.
E periclitantemente, e em vias de despencar a qualquer momento, enfrentei o esgar de assanhamento da criatura e arranquei finalmente os oito quilos de gato a um dos ramos mais inacessíveis !...

Lembro como se fosse hoje !...  😍😍😍

As saudades apertam mais ainda, nestes tempos de aflição que nos atormentam, e por isso, o pensamento parece buscar refúgio no que foi, nas histórias que vivemos, nas memórias que guardamos carinhosamente ...  E tudo parece, contudo, tão longe, e ao mesmo tempo tão perto dos nossos corações !

Hoje, neste pesadelo que nos atormenta, as notícias que nos vão chegando ainda nos confundem mais as mentes, toldadas outra vez por um medo latente a instalar-se.
Os números da pandemia, alastram por essa Europa fora num descomando sem tréguas.
A tal segunda vaga ameaçadoramente prevista desde o início ... a tal segunda onda, que feita um tsunami mortal, varreria sem piedade e mais destrutivamente  ainda, de uma forma cirúrgica, país a país, nos trilhos já martirizados e por ela percorridos, parece estar aí !!!

O Outono a chegar à nossa terra, o desbloqueio inevitável e urgente do imobilismo e confinamento a que fomos votados no início do flagelo, o retomar da tentativa de alguma normalidade, com o recomeço escolar e com a reactivação de serviços e actividades, muitas delas passando outra vez de tele trabalho a prestação presencial ... uma necessária e expectável maior utilização dos transportes públicos em inerência, entre outros aspectos, tornam preocupante, a evolução do contágio em todo o país.
Os números actuais já deixam apreensivos todos os cidadãos, e colocam o Governo e as autoridades de saúde, num espartilho sem tamanho, entre a responsabilidade sanitária sobre toda a população e a gravidade da situação de um país cuja economia em ruptura não pode de nenhuma forma, voltar a fechar.
A situação brutalmente adversa do turismo, da restauração, das empresas sem capacidade de garantirem já os postos de trabalho, com o consequente aumento do índice de desemprego ... as exportações que caíram a pique e demoram para se reerguer ... estão a lançar para a miséria, muitos e muitos agregados familiares !
Ou seja, vive-se neste momento uma verdadeira prova de fogo, a que o Governo respondeu, em tentativa de embolizar a situação, com o decreto de um novo Estado de Contingência, já a partir do próximo dia 15 !
As restrições acentuar-se-ão, as medidas impostas à protecção individual e colectiva serão mais rigorosas e apertadas, os cuidados a observar ainda mais exaustivos. 
Em suma, voltaremos a sentir o peso de um  novo isolamento mais exigente, de um maior afastamento e solidão outra vez ... de uma vivência excepcional e mais desgastante ainda ... nós, os que já nos sentimos tão fragilizados e cansados e que psicologicamente ( sobretudo as pessoas de faixas etárias mais avançadas ) percebemos claramente, uma resiliência a esfrangalhar-se dia após dia !...

Bom ... aonde os figos me trouxeram !!! 😄😄😄

Até amanhã !  Fiquem bem, por favor !

Anamar

terça-feira, 8 de setembro de 2020

" AQUI DA MINHA JANELA " - HISTÓRIA DE UM PESADELO - hoje ...




Acabei de chegar de Amsterdão.
Vincent Van Gogh recepcionou-me no seu museu, abrindo-me a luz clara e límpida dos seus girassóis  amarelos, adormecidos em jarras translúcidas ...
Transportou-me entre meio às suas amendoeiras em flor, aos seus lírios azuis e às suas  papoulas vermelhas,  rumo  aos  pôres  de  sol  que  haviam  de  anteceder  as  noites  estreladas ...

E essa viagem no imaginário virtual que nos leva aos cinco cantos do mundo, que nos passeia nos lugares que inventarmos ... que nos transporta em directo à magia de um concerto, que nos leva ao cimo da Torre Eiffel a espreitar Paris, que percorre connosco a Grande muralha da China ou os doces canais de Veneza ... tudo à distância de um clique ... lembra-me de novo ( se o houvesse esquecido ), a vida excepcional que detemos, neste Agosto em vias de encerrar portas em direcção ao nono mês do ano, numa absurdidade sem tamanho ou explicação !

Essas viagens saborosas mas doídas, lembram-me as outras ... aquelas que só sonho e que não me saem dos olhos e do coração, por mais esforço que faça.  Lembram-me os sóis que invento sobre outros tantos mares igualmente inventados.  Lembram-me os cheiros, as cores e os sons  que me povoam  distantes,  a  mente e a alma.  Lembram-me o que foi, o que já foi e que talvez não volte a ser ...
Lembram-me, e despertam-me uma sensação estranha e intranquila, de fim e de despedida.
Instalam-me um desconforto aqui bem no meio do peito, que não consigo descrever. Mas que sinto ... claramente.  E que é palpável !
Um aperto de coisa suspensa e interminada ... coisa interrompida,
 sem suspeição.  Atropelo imprevisto, explosão não controlada ... de que se foge, de qualquer forma e modo. Desgosto !

E para trás fica o tudo que foi e que quando se busca, já lá não está.
Os lugares já lá não estão, os sentimentos já lá não estão, as pessoas também não ... nós já lá não estamos !  Fundamentalmente, NÓS já lá não estamos ... NÓS nunca mais lá estaremos, pela razão simples de que aquele que éramos se perdeu na curva do tempo !
Não conheço nenhuma outra faixa temporal que tenha tido uma capacidade tão grande de mudança e transformação nas nossas mentes, nos nossos corações, nas nossas vidas ... na nossa história !
Uma  eficácia  tão  grande  e  rápida  em  reescrever  e  redesenhar  os  destinos  da  Humanidade !
Na nossa terra, no nosso país e no mundo que habitamos.
Todas estas horas, dias e meses a descontar num ano injusta e ingloriamente consumido, são horas, dias e meses duma agressividade, desgaste e destruição sem tamanho, são  tempo delapidado, irrecuperável, demolidor ... tempo não vivido !

Foi um tempo modelador de novas personalidades, já que da noite para o dia, a adaptação severa que nos foi imposta a um figurino que desconhecíamos e que urgia cumprirmos, nos colocou face a uma realidade desconfortável, face a uma vivência ansiosa e assustada de passos titubeantes num arame sem rede, num caminho escuro sem luz e sem fim que se aviste !
Forjaram-nos um coração novo, mais duro e triste sem afectos e carinhos,  uma alma nova escurecida pela distância e pela solidão, testaram-nos a capacidade resiliente, a capacidade de sobrevivência  face à dúvida, à angústia e ao medo, tornaram-nos seres estranhos, desajustados e mais desumanizados ...

Chegámos ao hoje.
O cansaço invade-me, azeda-me o espírito, indiferentiza-me e vai-me anestesiando ... não adaptando !
Hoje parece só que estou à espera.  À espera de nem sei o que esperar ... mas espera.
Hoje amarguro-me e sufoco-me com esta ausência de horizontes, com esta distância que virou infinita, com  esta  desesperança  que  retirou  o  verde  à  minha  estrada  e  azul  ao  meu  céu ...
Hoje,  sonho  com  os  sonhos  que  sonhei  e  com  todos  aqueles  que  não  tive  tempo  de  sonhar ...
Hoje tenho saudades mil do tanto que foi ficando pelo caminho !...

Anamar

quarta-feira, 26 de agosto de 2020

" DESTINO ... "







" O  HOMEM  DOS  OLHOS  LINDOS "

O homem dos olhos lindos
é lindo por dentro e fora
porque não há fora sem dentro
e não há dentro sem fora ...
O homem dos olhos lindos
tem doçura no olhar
tem um coração imenso
tão profundo quanto o mar ...
Tão imenso quanto o céu
sem horizonte a fechar ...
pois não há dentro sem fora
nem fora sem adentrar ...
O homem dos olhos lindos
é uma criança a sorrir ...
Tem ternura no olhar
e um coração a partir
com vontade de ficar ...
Tem uma alma gigante
e uns braços de albergar
os amigos e os amores ,
os afectos e o sonhar
Um ninho dentro do peito
que é berço-maré de jeito,
sempre embala em qualquer hora ...
É lindo por fora e dentro ...
Pois não há fora sem dentro
e não há dentro sem fora !...


E o Pedro partiu ...

O Pedro, a quem dediquei este escrito em Março de 2017, era, como na dedicatória lhe disse, "amigão de tertúlias vadias" !
Era Março do ano em que, menos de dois meses depois, eu publicaria o meu único livro ... de poesia.  Comigo, desde a primeira hora, estiveram o Pedro e a Lena, num trio apostado na entreajuda, na dialéctica, na partilha de ideias, no incentivo, no entusiasmo e na aposta, e que foi vital para o não esmorecimento ou desistência que, de quando em vez me assaltavam ...
A sua alegria era a minha alegria, a sua confiança era a minha confiança !
Conversámos muito, rimos muito, cumpliciámos também, entre meio a algumas confidencialidades trocadas.
O " Leão da Gago Coutinho"  ( a rua onde nascera e vivera desde sempre, aqui na cidade da Amadora ) torcia pelo seu Sporting até debaixo de água !
Era um desportista nato.  Foi um praticante de várias modalidades, e um orientador de camadas jovens.  Foi seguramente um apaixonado pela vida, que viveu intensamente, numa espiral de emoções e de experiências, nas múltiplas histórias que "escreveu" ...

Agora, o Pedro cansou.  Cansou desta vida que na verdade não era mais vida.  Cansou de uma realidade da qual já se excluíra faz tempo.  Cansou do cinzentismo de dias que o jogaram entre quatro paredes, na solidão mais absoluta e no silêncio mais devastador.  A sua realidade nada já tinha  que ver com a realidade que o confrontava no mundo cá fora !

A sua mente apagou-se.  O seu caminho tornou-se num túnel sem saída  e sem luz... a sua estrada, numa estrada sem rumo ou escapatória. O destino traçado, demasiado duro e pedregoso !

O Pedro não quis mais !

E foi embora, de mansinho, sorrateiramente, sem avisos ou sinais ...
Ou não lhos souberam ler ... não sei !

Estará noutra dimensão, olhando de lá a pequenez do ser humano que lhe negou um espaço de vida e de afecto, um espaço de amor, de conforto e de carinho ! Um espaço na família que o ignorou e não teve capacidade para o acolher, sobretudo quando a demência que o tomou, lhe retirou todas as capacidades de autonomia e defesa.
O Pedro morreu só e anónimo, como sós e anónimos foram os últimos tempos da sua conturbada existência !

Que possa agora ter paz !!!

Anamar

sexta-feira, 21 de agosto de 2020

" AQUI DA MINHA JANELA " - HISTÓRIA DE UM PESADELO - não faço ideia ...

 


Subi agora da rua.
Levei tempo a decidir se sim se não, num dia que, mesmo que quisesse, não o conseguiria já contabilizar neste labirinto interminável de horas, de caminhos, de sensações, de emoções, de indecisões, pensamentos positivos e outros atrozmente destruidores, num faz de conta de vida real que o não é ...

Amanheci com uma angústia mais cerrada e pesada que o nevoeiro com que o dia de ontem nos brindou.  Uma angústia sem brecha ou horizonte, de que não se entende, se justifica ou descortina o porquê de vir, hoje mais que ontem, talvez menos que amanhã, atazanar-me a alma ...
Não a compreendo, ou se calhar compreendo bem de mais ...  
Sei apenas da sua esfinge tão assustadora, sei apenas do seu peso tão avassalador, sei apenas da dor corrosiva com que me ataca o coração, a mente e as forças e de como avança desrespeitosa, feito um tractor atropelando, trucidando, destruindo ...

Aliviei um pouco quando as lágrimas descomandadas desceram.
Aliviei como uma panela de pressão em fervura-limite alivia, se a válvula lhe dá fuga ao vapor acumulado internamente.
E comecei a fazer coisas por aqui.  A  justificar talvez o facto de estar viva, simplesmente.  Intentando inventar, neste cansaço sem tamanho, neste desinteresse sem mitigação, nesta apatia doentia e cansada.
O ar parecia ser pouco para respirar, aqui em casa.  
As janelas apenas me mostram casas empoleiradas e constrangidas, umas sobre as outras.  Nas ruas, o movimento é o de sempre, nem menos nem mais ... as compras, as filas para os locais habituais, a corrida para os comboios aqui por trás, o despejo de autocarros onde gente e gente se apinha e acotovela, com máscaras que rapidamente retiram, ainda nas plataformas ... o deambular de grupos de jovens em desocupação escolar, a esplanada no meio de uma praceta incaracterística e desconvidativa ...

E a inércia, a indiferença e uma incapacidade reactiva sem tamanho, conferiam-me uma ausência de força anímica, paralisante.  "Vou à rua, não vou à rua ?  Vou à rua onde ?  Fazer o quê ?  Sentar-me  numa esplanada sozinha frente a um café ... e cumprido o ritual voltar para casa ?  Fazer de conta que me sinto bem e que era isso que eu buscava ?...  Mas continuar neste "gheto" não é suportável ... "

E desci. Vesti a primeira roupa que vai jazendo sobre a cama dia após dia, deitei mão a qualquer coisa para calçar, colocar adereços não vale a pena ... retocar o rosto ainda menos, pois afinal, metade dele se esconde atrás da máscara ... e inventei de ir fazer uma compra ... para nada ... só porque sim ...
E regressei.  
Não é a Covid que me adoece.  Não é o medo que me paralisa.  Não é o risco que me desmobiliza.
É o sentir-me perdida no encontro de um mundo que não é mais o meu.  É o perceber que, como numa hecatombe, as referências que tínhamos, não existem mais, os lugares como eram também não ... as pessoas deixaram de os frequentar ... as nossas rotinas foram totalmente descontinuadas,  o desábito tomou totalmente conta das nossas vidas !  
Cada um está nas suas casas, vendo o mundo desde as janelas, com vidas totalmente individualizadas, em que ninguém sabe de ninguém, em que apenas a comunicação virtual finge aproximar e unir as pessoas ... em que o silêncio impera e a solidão dita as regras !
Um mundo triste, cinzento, apático e total e indiferentemente absurdo !!!

O tempo passa.  Dentro de um mês é Outono outra vez.  As notícias que trago não melhoram, a realidade não se altera favoravelmente ... continuamos suspensos de uma esperança a consumir-se, de uma força a delapidar-se e de um ânimo em regressão !!!
Até quando ???!!!

Até amanhã !  Fiquem bem, por favor !

Anamar

quinta-feira, 20 de agosto de 2020

" PORQUE É DIA DE FESTEJAR ... "

 


O Kiko faz hoje anos.  13 ... ele que parece ter nascido ontem !
Já foi o benjamim da  família, quando se pensava que o iria ser para sempre.  Aí, surgiu a prima, a Teresa agora com três anos, que na altura não estava verdadeiramente programada.
É o terceiro de uma "escadinha" de três, espaçados também de três anos e é também o mais "meloso" dos irmãos !
É ele que me espera na porta, é ele que me dá daqueles abracinhos de encher a alma, ou que me diz "olá avó", quando a mãe me fala do carro e mais ninguém dá um "ai" do outro lado ...

Já contei algumas vezes, em anos transactos, quanto o auto-denominado  Kiko ( ele, que sendo Frederico de nome, sugeria vir a ser p'ra todo o sempre, Fred ), tem sido um puto quase autónomo desde que nasceu.  Sempre a rir, sempre descontraído e bem disposto, não é uma criança de stresses, angústias ou preocupações.
É, como já lhe chamei, verdadeiramente um "menino light ", fácil de criar, um facilitador das relações, extrovertido e amado por todos.  Desde os adultos, aos miúdos da sua faixa etária, o Kiko semeou um verdadeiro clube de fãs, no colégio, no desporto ou nas relações sociais.
Desde sempre de bem com a vida, tudo se simplifica na sua óptica.  Ele não pára, ele inventa, ele resolve, ele sempre faz parte da solução e nunca do problema.

Inaugurou a senda dos "teen" ... e isso poderia conferir-lhe um estatuto de maior seriedade e circunspeção ... 😄😄 Isso pensamos nós, porque o Kiko com a sua bonomia de encarar o mundo, por nada nesta vida fecha o sorriso que sempre lhe emoldura o rosto, ou apaga a luz dos seus dias que sempre são uma festa  !!!

Embora longe, estou junto de ti em coração, Kiko,  e auguro-te um dia supimpa, cheio de boa disposição, brincadeiras  e muita alegria, esperando que a vida, que muitas vezes é mais madrasta que mãe, te poupe e te providencie uma estrada atapetada e mansa, por onde persigas os teus sonhos e aspirações e possas alcançar a sua realização !!

PARABÉNS  meu amor !!!

Anamar

terça-feira, 18 de agosto de 2020

" AQUI DA MINHA JANELA " - HISTÓRIA DE UM PESADELO - tempo sem fim ...

 


Retomo hoje, algo que a bem dizer, nunca findou ... esta saga que são as nossas vidas, neste cinzentismo rotineiro e saturante de dias sem definição.

Nada de novo, de especial ou de interessante tenho para contar.  O tempo flui aparentemente igual, sem que o seja, esgotando-nos descaradamente a ampulheta que carregamos desde que aqui pisámos.   

A vida busca uma tentativa de normalização, com os números da pandemia rodando com uma certa generosidade, no nosso torrão.  Pingam alguns / poucos óbitos ; os infectados, embora sempre em crescendo, não têm comparação com os valores que países vizinhos  novamente apresentam ... A coisa parece ter abrandado !

Entretanto Agosto já vai a meio e Setembro já se colora com tons de um Outono ao virar da esquina.

O tempo passou ... aliás, o tempo está a passar num ano de total desperdício, num mundo artificial e compulsivamente parado, em vidas suspensas de um amanhã que se desconhece, que não se visualiza e que se receia, globalmente. 

Faz-se de conta que já se respira, que já se vive de novo ( a inventarem-se simulacros de férias, acreditando viver a felicidade e o bem estar que normalmente elas transportam ), faz-se de conta que o pior já passou.  As pessoas já se frequentam com uma maior descontracção, é verdade, apenas com os cuidados inerentes ... distanciamento e nada de exuberância nos afectos !  Vai-se comer fora se for o caso, sem reticências ... faz-se a vida social de compromissos diários, beirando o trivial.      Retomam-se as actividades profissionais, os lay-off  decretados pelo estado no apoio económico às empresas, estão cessantes ;  com todas as violentíssimas dificuldades e restrições, os sectores da sociedade que podem, repegam, a ver se ainda se salva alguma coisa nesta hecatombe económica sem tamanho ... A vida escolar  das nossas crianças também regularizará dentro de sensivelmente um mês, o que fará disparar em sobressalto de novo, o coração dos pais ... 
Enfim ... será que a pandemia, assimilada por rotina, cansaço, ou porque a vida é assim mesmo ... está a começar a fazer parte de uma "normalidade anormal" ( como diz um amigo meu ) do nosso dia a dia, convivendo e coabitando connosco no nosso quotidiano, já por alguma inércia ?!

A máscara faz parte da indumentária diária, e é raro esquecermo-la em casa.  O frasquinho do álcool-gel, quase garanto sem erro, habitar todas as carteiras das senhoras.  A exigência das marcações prévias necessárias para todos os serviços que necessitamos, está-nos interiorizada nos hábitos.  Não se entra no supermercardo sem automaticamente percebermos a aquiescência do segurança, que dantes nem parecia estar por ali ... O desvio de percursos é vulgar se se nos avizinha gente demais.   Na praia estima-se um perímetro considerado seguro, em relação a vizinhos de chapéu ... Normal, naturalmente ... pacificamente !  
Cumprimentamo-nos de cotovelo, e ainda esboçamos um sorriso amarelo ... Qualquer dia, já nem isso !  Evitamo-nos, isolamo-nos, assumimos comportamentos anti-sociais  com a maior normalidade possível ... quase indiferentes !  Como se tivesse sido sempre assim ...                                                  
Estranhamente estamos vestidos de uma camuflagem pandémica própria.  Estranhamente estamos imbuídos de uma sensibilidade em adequação perfeita ao "modus vivendi" que nos é exigido.  Estranhamente estamos a assimilar hábitos, a interiorizar costumes e posturas que já nem questionamos,  o que significa que a "doença" se está a tornar crónica ...

O rosto da nossa sociedade hoje, já é totalmente distinto do que era.  E o desespero, a raiva e a fúria contra a violência de todo este desajuste a que fomos sujeitos, da noite para o dia, e que nos torturavam inicialmente, parecem ter-se desvanecido, diluído ... estarem a sumir-se por detrás da conformação, da angústia, e da mágoa da impotência de alterarmos o que quer que seja ...

Entretanto, lá fora, mesmo na Europa ( não falo do terror de países como os Estados Unidos ou o Brasil ), os números da pandemia parecem recrudescer, e fala-se na "bendita" nova onda ... 
Aqui mesmo, olha-se o Outono e o Inverno com desconfiança, temor e ansiedade.

Entretanto li que o Atlântico pode, neste momento, ser receptáculo de mais de dez vezes a quantidade de resíduo plástico que se supunha nele existir.  Há micro e nano-resíduos plásticos nos tecidos humanos, cujas consequências invasivas se desconhecem, em termos de saúde pública ...

Em Portugal, a crise social inevitavelmente se acentua.  Os sinais estão aí. Milhões de apólices de seguros obrigatórios por pagar, a busca de ajudas sociais em instituições que apoiam a comunidade no fornecimento de géneros básicos, aumentou significativamente ... Acredito que já haja fome entre os portugueses !...
Continua o flagelo dos focos infecciosos nos lares e um fim ainda mais injusto e aterrador a espreitar os mais fracos, impotentes e ... silenciosos !!!

Só "boas" notícias !!!

Até amanhã !  Fiquem bem, por favor !


Anamar                                                                                                             

domingo, 16 de agosto de 2020

" SENSAÇÕES, EMOÇÕES E REFLEXÕES ... "


 

Estive frente ao mar.  Aquele mar imenso, limite da costa ocidental da Europa, aquela imensidão de água que vai e que vem, numa melopeia dormente e doce, que nos lembra que adiante, sempre adiante, algures muito muito longe, tropeçaríamos num novo continente ... do outro lado ... a América !
O Atlântico com toda a sua magnificente autoridade, banha, beija ou açoita as rochas imemorialmente esquecidas nas areias sonolentas ... Nós, que vivemos paredes meias com ele e dividimos a nossa vida a cada esquina, com aquele misterioso e infindável azul !...

As falésias da Aguda são para mim, por todas as razões, quase um local de culto !
De meditação, de introspecção e reflexão ... são-no seguramente, há demasiado tempo na minha vida. 
Há um promontório erguido, desenhando uma costa recortada estendido desde o Cabo da Roca em direcção a norte, tendo aos seus pés, algumas das mais belas praias portuguesas - as praias sintrenses da Ursa, a Adraga, a Grande, a Pequena, as Maçãs, a Aguda, o Magoito, a Samarra, dando continuidade às praias ditas do Oeste.
Frente ao Santuário do Sol e da Lua que encabeça o areal das Maçãs,  a encosta norte da Aguda trepa em direcção aos céus e queda-se na interioridade e no intimismo dos silêncios, onde só o marulhar cá em baixo, o sopro ora ameno ora agreste da brisa ou da ventania, ou o grasnido largado pelas gaivotas e outras aves marinhas que se espraiam nos céus ... se atrevem  a deixar-se escutar !
O resto é aquela ausência de ruído.  O resto é aquela paz que se contagia.  O resto é a presença clara da imortalidade, reinante !
Os zimbros, o cravo romano, as camarinhas, o canavial, os carrasquinhos e toda a vegetação endémica desta orla marítima trepa com ela, bravia e indomada, ornando-se de flores no auge da primavera, ou amodorrando quando o sol impiedoso do Verão e o vento das arribas, assim o determina !

A espiritualidade que se sente, se respira e nos invade o peito, que nos toma conta das veias e nos sobe ao coração, coloca-nos a nu perante os desígnios da existência, perante a justificação do ser, perante o princípio e o fim ... perante a vida e a morte ...
Despoja-nos e desarma-nos face à pequenez das coisas terrenas, face às razões que nos impulsionam por cada dia de vida, face à real importância do que nos move, nos toca e nos motiva ... face ao que nos indiferentiza, face ao capaz de nos acelerar o coração ... face ao que nos sufoca em cada minuto, ao capaz de nos envolver e mobilizar ... ao que nos abre os olhos e ao que nos cega a alma !... 
Remete-nos para a aleatoriedade do viver, para a puerilidade das urgências do ser humano, para o tudo e para o nada ... para o efémero da nossa passagem por aqui, nós que somos não mais que um grão de poeira neste Universo onde chegámos, onde estamos apenas de passagem, onde nunca nos perguntaram nem perguntarão o porquê de termos vindo ... qual o momento de partirmos ...
Neste lugar esquecido de um planeta ... afinal apenas um "pálido ponto azul" perdido no Cosmos, empoleirado num raio de sol ...

Nas arribas da Aguda, deitei os meus pais em repouso, na sombra de uma camarinha  protectora, junto àquele pórtico rochoso que me simboliza o antes e o depois ... que me desvenda a eternidade ... que me fala da passagem ...
frente àquele mar sem horizontes, sem princípio ou fim, sem limites que o detenham, onde cada onda jamais se repete, onde cada momento é único  e singular ... onde o céu parece tocar as águas profundas bem longe, lá ... onde o sol adormece, por cada dia que finda ... 
Aquele mar que é berço de embalo, e que pelas eras jamais silenciará a sua canção de "ninar" !...

Ali  estarei eu também, um dia ... quando tiver que ser !...

Anamar

quinta-feira, 13 de agosto de 2020

" HOJE É DIA "...

 



NÃO  PODIA  DEIXAR  DE  VOS  DIZER ...


Já escrevi um livro, já plantei uma árvore ... já fiz um filho !...

Posso então morrer - diz a frase sábia !

Há 47 anos, num 13 de Agosto ensolarado e quente, pus uma filha no mundo.

28 anos depois, num 13 de Agosto igualmente ensolarado e quente, ela pôs um filho no mundo.  Ou seja, há 19 anos, eu tornei-me mãe duas vezes !

Quando alguém nasce de nós, fica-nos assim no peito, um misto de sentimentos e emoções, que não entendemos direito, que não sabemos direito, que nem imaginamos sequer ...

Quando uma extensão de nós desponta, é um deslumbramento ímpar que nos adoça a alma, como um milagre a operar-se nos nossos braços ...   É um enlevo que nem acreditamos merecido.                                Mas é também um susto e uma ânsia, porque sabemos que nunca as nossas asas serão suficientemente grandes, para lhe dar a protecção, o amparo e o ninho, que a vida tantas vezes experimentará roubar-lhe ...

Quando alguém nos procede, é a reinvenção de nós mesmos, que a existência nos deita no cólo.  É o garante de estrada continuada.  E sempre esperamos que ela seja mais luminosa, generosa e feliz, que a nossa própria ...  São os nossos valores, as nossas convicções, aquilo em que acreditamos e por que lutámos, que caminham ... que queremos passar adiante !...Mas são também os nossos sonhos, as nossas esperanças e as nossas apostas, reeditados nesse filho ...

Por isso hoje, noutro 13 de Agosto ainda ensolarado e quente, eu deixo aqui o meu beijo do tamanho do mundo, à Cláudia e ao António, grata que sou, por eles serem quem são, na minha vida !...

PARABÉNS  Cláudia !!!   PARABÉNS António !!!




As mais recentes que consegui !  ( cerca de um ano atrás )

Anamar

domingo, 9 de agosto de 2020

" QUANDO O SONO NÃO NOS ACOLHE ..."

 

Pouco passa das 6 horas de mais uma madrugada de domingo, de um Agosto quente e pardacento.

Desde as quatro que rebolo na cama, desde as quatro que vagueio pelo Google em busca de informação.  Talvez compreenda melhor agora, quem, perante uma situação concreta, uma dúvida ou muitas dúvidas importantes, angústias instaladas, busca de respostas para miríades de perguntas que nos assaltam, tenta, com os meios de que felizmente dispomos, obter explicações, informações ... orientações objectivas que possam trazer tranquilidade ao espírito, algum sossego ao coração.

Lá fora começa a clarear. Não é bem azul, não é bem laranja, não é bem neblina, a faixa que se desenha lá ao fundo, para os lados de Sintra ... para os lados do mar ... tão longe daqui !  O sol ainda não acordou !...

Sempre condenei quem procura caminhos ou soluções nos artigos avulsos, descontextualizados, que proliferam naquele poço sem fundo que é a internet.  Sempre me insurgi e entendi ser absurdo, disparatado e asnático fazê-lo.  E é-o de facto, primordialmente se se buscam esclarecimentos, caminhos, respostas, soluções para problemas relacionados com a nossa saúde, leigos que somos no que a ela concerne.   E ainda que não sejamos iletrados ou totalmente desconhecedores até mesmo de alguma linguagem e terminologia científica ... não queira "o sapateiro tocar rabecão!"...

A paz não nos chega por ali.  O coração não se aquieta por lá.  A cabeça não pára, nem o sufoco nos afoga menos depois disso !

A pequenez humana, a desprotecção, a vulnerabilidade em que nos sentimos largados ( quando objectivamente consciencializamos que a única coisa que realmente importa é a saúde, nossa e dos nossos ), tornam-se claras, e reduzem a poeira insignificante todos os tormentos existenciais, todos os "imensos" problemas de ordem prática "insuperáveis", "insanáveis" e "inultrapassáveis" que nos massacravam, todas as dúvidas sem cujas respostas não sabíamos aparentemente viver, todos os medos e fantasmas imaginários que nos assaltavam e todas as insatisfações "dramáticas" que nos consumiam ... Tudo isso fica, de facto, incrivelmente ridículo !

E tudo isso parece ficar infinitamente pequeno, face ao infinitamente grande que é o ter que enfrentar o balanço de maré batida repentino nas nossas vidas, que vogavam em águas conhecidas,  que se faziam  entre parâmetros expectáveis, com variáveis controladas ... e ter que encarar de repente, inesperadamente, do nada e na tocaia da emboscada, a dúvida, a angústia do desconhecido que espreita e ameaça, a ansiedade que a escuridão da noite avoluma em travesseiros que não se tornam os melhores conselheiros ... o medo do que virá, do que nos espera na próxima esquina ... o medo real ... muito além de nós.  Pelos nossos !

De facto, quando o chão nos foge debaixo dos pés, quando não depende do nosso querer, do nosso empenho ou esforço a resolução das questões que oscilam entre a saúde e a doença, entre a vida e a morte ... quando de gigantes nos tornamos pigmeus na aleatoriedade da existência, é que percebemos como não passamos de meros peões neste jogo de xadrês que é a Vida !

Faz-me tanta falta aqui a força da minha mãe, a coragem face à adversidade, aquela sensação de asa protectora que aninhava, que cobria, que defendia ... aquela sabedoria de mulher simples, mas velha, experiente e doce !...

E depois há o silêncio ... a força torturante do silêncio ...

Há quantos meses eu vivo em silêncio ?  Há quantos dias eu falo comigo mesma, olho os gatos que, esses sim, apreciam pairar quase só ... e não desmancho de nenhuma forma o nó sufocante que me aperta por dentro ?!

E depois o silêncio que gera silêncios, no desábito de falarmos ... na habituação à ausência de sons e de sinais de vida entre estas quatro paredes ... Solidão ...

Estou totalmente desestruturada, desmantelada emocionalmente.  Estou sem armas, sem resistências, sem nós e sem âncoras ... e isso assusta-me, isso inquieta-me, isso tira-me o equilíbrio que me importa para continuar à tona ... isso, apavora-me ... Esse auto-controle que me escapou por entre os dedos, gera-me exactamente esse sentimento inquietante ... pavor !

Cansaço ... um cansaço atroz que já só desperta lágrimas desobedientes e inoportunas, por tudo e por nada.  Um sentimento assumido de nada valer a pena.  Uma inércia que me tolhe, me paralisa e não me deixa dar um passo ... nem que seja em busca de ajuda ... nem que seja em busca de palavras ... nem que seja em busca de gente ...

Não sei.  Não sei mais nada ! Só sei que estou morta por dentro ... isso sim !


Anamar

quinta-feira, 6 de agosto de 2020

" AQUI DA MINHA JANELA " - HISTÓRIA DE UM PESADELO - e hoje foi assim ...






Setenta e cinco anos se cumprem hoje sobre o pesadelo de Hiroshima !  Setenta e cinco anos sobre uma das maiores máculas e das maiores vergonhas com que se escreve a História da humanidade !

O amanhecer  daquele dia mostrou do pior que o ser humano é capaz.  O vivido naquele e em todos os outros dias com que o Homem teve de confrontar-se daí para a frente, retratou também, a sua capacidade resiliente, a sua capacidade regenerativa, de coragem, sobrevivência, superação e solidariedade ... face à estupefacção, à revolta e ao ódio perante a ignomínia ali acontecida ...

Porque, espantosamente, a raça humana tem uma capacidade de se reerguer,  de se amparar e de se reinventar, absolutamente incomparáveis !
Depois do choque, do abalo, da dor e da angústia pela incompreensão, pelo absurdo das coisas ... quando pode pensar-se que o estado cataléptico subsequente, inviabiliza a capacidade de raciocínio, de resposta, de coragem e abnegação ... quando pode pensar-se que o golpe sofrido tem uma dimensão inenarrável e sem tamanho, que sucumbe e narcotiza mortalmente todos, pelo facto de serem gente ... o Homem pára por instantes, chora os mortos, trata os feridos, coloca pedra sobre pedra outra vez, apaga as marcas e encara, de peito feito, um futuro que lhe fora interrompido, arbitrária e brutalmente, pelo destino !
E cambaleante primeiro, reforçado depois ... titubeantemente repega a estrada e recomeça a caminhar !

É sempre assim !
Nos piores momentos, nas piores catástrofes, nas maiores desgraças, venham elas de onde vierem, o Homem agarra de novo o amanhã !!!...

Neste momento, como sabemos, atravessamos mais uma catástrofe mundial.  A pandemia devastadora varre o planeta sem dó nem piedade, zurzindo, destruindo, aniquilando vidas aos montes, rápida ou paulatinamente, de uma forma avassaladora e sem tréguas.
Amputam-se vidas, mas também se amputam sonhos, projectos, famílias, afectos ... como um vendaval que sopra sem rumo ou direcção, sadicamente, enrolando-nos em redemoinhos vorazes, em espirais mortíferas ... num atentado à resistência e ao equilíbrio dos que por aqui vamos estando a enfrentar a borrasca.
Ora num pé, ora noutro ... porque já não dá muito bem para ter os dois no chão ... vamos lutando por um equilíbrio precário, esgaravatando no fundo do nosso reservatório emocional, um resquiciozinho sobrante, de esperança, de confiança e de coragem ...  Até que der ... enquanto der !...

Beirute sangra mortalmente a céu aberto, sem contenção, estancamento, ou garrote que lhe valha.
Um tsunami de pedras, de vidros, de fogo, de dor, de carne dilacerada, de sangue bordejando as ruas ... uma onda nascida sem quê nem para quê, fez sucumbir no estrépito de duas explosões incompreensíveis e injustas, o que antes já fora uma cidade e um país flagelado pela guerra e pela incompreensão do Homem.
Uma devastação e uma razia que nos trazem de novo à mente as imagens de Hiroshima e Nagasáqui, chegaram-nos pelas câmaras dos foto-jornalistas, pelas descrições dilaceradas e realistas dos repórteres, pelo cansaço e desmantelo dos corações de quem, coberto de sangue, aguarda socorro ou vagueia apático pelas ruas, buscando qualquer coisa, ou alguém ... Talvez simplesmente uma explicação para o que a não tem !...
Valha-nos uma outra vez a resposta humana solidária, do ser que tantas vezes parece não sê-lo.  A mobilização pronta e rápida em meios, em recursos materiais e humanitários, com amparo imediato vindo mesmo de povos cuja ajuda política seria menos provável ... mostra que afinal, talvez nem tudo esteja perdido nesta raça a que pertencemos !...

Entretanto, por aqui, nestes dias de temperaturas passando em muito os trinta graus, as notícias remetem-nos uma outra vez para as brutais, visíveis e sentidas alterações climáticas a nível planetário, para nos dizerem que os pólos estão a sucumbir ... também eles.
Os termómetros sobem a valores nunca antes registados, a fauna e a flora, sofrem impiedosamente.
Os ursos brancos, perdidos do seu habitat natural, vagueiam em busca de alimentos.  
Os gelos e as neves que eram perpétuos, fundindo, descobrem vestígios geológicos de eras insuspeitas.  Cadáveres de espécies não decompostas que haviam ficado soterrados sob o manto branco teoricamente eterno, contêm em si micro-organismos, vírus e bactérias, constituindo-se potenciadores de novas transmissões epidemiológicas futuras ...

E por cá, ainda, a crise sanitária abrandou.  Ou dormiu p'ra sesta ... pelo menos por ora.
A crise económica recrudesce, contudo.  As notícias do desemprego, as notícias calamitosas que nos deixam destruídos e impotentes, veiculadas pelas vozes de desânimo e cansaço, pelo olhar meio perdido dos que lutam para se manterem à tona, contudo com a onda  a  galgar-lhes  a  garganta ... são devastadoras,  aflitivas  e  profundamente  angustiantes !!!
A subsistência é cada vez mais uma luta sem tréguas.  Apenas, milagres não existem !...

Bom ... e este é o balanço do dia de hoje.  O que me ocorreu sobre o tanto que nos atormenta ...

Até amanhã !  Fiquem bem por favor !

Anamar