domingo, 11 de julho de 2010

""APRISIONAR SONHOS..."


Ontem fui ao monte...
Com uma temperatura tórrida, fui encontrar o meu Alentejo, com outro rosto diferente daquele que ostentava da última vez que lá estive.
Com o Verão a pino, os amarelos, os ocres, os castanhos, dominavam, o silêncio era só audível pelo resfolegar do restolho bem seco, com a brisa que perpassava.
Até ao fim da tarde e a paz de alguma frescura  se instalar, reinou aquele silêncio que eu tão bem conheço. O calor não deixa as almas vivas darem qualquer sinal, mas sobre o fim do dia, quando a paz do abatimento da canícula impera, o Alentejo ganha vida...acorda da sesta...

Os abelharucos (em bandos), as garças reais, as rolas, as pôpas, as cegonhas, reiniciam o seu ciclo vital, procurando insectos na terra revolvida pela charrua.

Não me faz bem ir ao monte.
A angústia que me domina e que trago comigo na alma, ao regressar a Lisboa, justifica o silêncio que se me instalou em todo o percurso de volta....A solidão daquela casa, a solidão que aquela mulher deve carregar de volta, sem que o transpareça, para não incomodar, parece que sou eu que estou a senti-la; É um desalento e um abandono compungido que me aperta, muito apertadinho, o coração, e pesa "arrobas"....

Sinto isso em espaços que tiveram vida e deixaram de a ter. Sinto isso também, embora mais atenuadamente, ao ir à casa, fechada há seis anos, da minha mãe ;  sinto isso também um pouco na minha casa, que mesmo estando lá eu e a Rita, já foi uma casa de gente....e já penso, como será, quando também a Rita "desertar"...

Esta tarde, tenho destinado, fazer algo que precisa efectivamente ser feito, e que tenho sistematicamente (por defesa pessoal), adiado de dia para dia.
Já comprei fita de cetim azul, para atar as arquinhas que estão cheias  até à borda, de algo que não tem tamanho, peso, ou medida...Vou "aprisionar sonhos" ....

As minhas noites, que agora se dividem entre o "antes da insónia" e o "depois da insónia", dão-me exactamente por isso, períodos vazios, de reflexão e meditação.
A insónia tanto pode ser às três, às quatro...às cinco.
Levanto-me por necessidade, e de imediato sinto que o sono já era...; Depois, é uma prova de força -  rebolo, rebolo na cama até não dar mais, e já verifiquei que só consigo conciliar de novo o sono, tomando algum leite morno.

Pois foi na insónia desta noite, que pensei que teria que enfrentar mais uma "provação" na minha vida, ter a coragem que me tem faltado, para arquivar definitivamente sonhos que povoam essas tais arquinhas, a esmo, antes que eles me fujam...

É assim: há pessoas que "coleccionam" pensamentos, outras, memórias,  outras, palavras, outras, sonhos... sem receio que o vento os leve.
Eu, como sei que a mente é traiçoeira, colecciono, já vos tenho dito, pedacinhos felizes de vida...e assim, pedacinho aqui, pedacinho ali, uma folha, um galho, uma rosa seca, um poema, um guardanapo de papel com uma data escrita, uma esferográfica, um sabonete pequenino, um bilhete de cinema...tudo está nas minhas arcas e tem que ser definitivamente arrumado, antes  que os anos ( que têm subterfúgios dolorosos na vida ), me traiam e aquelas arcas fiquem "imprestáveis"...

Escolhi a fita azul, cor do céu, cor do mar que tanto amo...vai "selá-las", e acho que não voltarão a ser abertas nunca mais, porque os sonhos que têm lá dentro, já não têm força para entreabrir as tampas...

Por isso, hoje, vou "aprisionar sonhos"!...

Aliás, ou porque é esse o meu trabalho desta tarde, ou porque o trabalho desta tarde é que me deixa assim, sinto uma solidão tão doída dentro de mim, uma tristeza de morte anunciada, uma mágoa de desesperança, que não vos consigo traduzir...

Hoje, eu sou aquele barquinho de papel, que aquele menino de seis anos pôs a flutuar na água, que sobe, que desce e que se vai afastando com a maré, até se perder definitivamente, até se afundar...
Hoje, eu sinto que me afundarei...é uma questão de tempo...
E sinto que não vale a pena fazer de conta que vivo, que luto cada dia ( o que me dá um cansaço atroz ), porque as pessoas não percebem que eu faço teatro o tempo todo...até para mim mesma...e começo a ficar realmente cansada, porque sei que o que está estruturado, dificilmente é alterável!
Só tenho uma mágoa enorme, de envolver mesmo sem querer, pessoas que eu amo, numa preocupação acrescida às suas já complicadas vidas...

Meu Deus, por que terei eu que ser assim??!! Que raio de pena estou a cumprir em vida, por um mal que terei cometido sem saber??!!...

Peço desculpa pelo texto de hoje...não se angustiem por mim.
Apenas, eu tinha que por no papel ( o tal buraco na areia ), tudo o que, como as minhas arcas, me vai enchendo, enchendo, e que acaba por me saltar do coração...

Afinal, eu não tenho fita azul a selar a minha alma!!...

Anamar

Nota: Foto retirada da Net (o autor está identificado)

3 comentários:

Anónimo disse...

Atando os teus sonhos e as tuas recordações com uma fitinha azul é guardá-los muito bem pertinho de ti, é sinal de que continuas bem viva porque não te desfazes deles. A reforma apenas te dá mais tempo para "arrumares a casa", não te dá o direito de enterrares seja o que for, nem a ti própria.

anamar disse...

A "reforma", de facto não me aposentou....Isso coube mais à vida, mesmo....
Ainda assim, obrigada pelas palavras.
Anamar

anamar disse...
Este comentário foi removido pelo autor.