segunda-feira, 5 de julho de 2010

"TARDE DEMAIS...."

A minha vida, hoje, é um pouco esperar que um dia acabe e comece outro.
São iguais os meus dias...sem cor (ou eu tornei-me daltónica, que é o mais provável). A mente pede-me casa, refúgio, toca, buraco...o corpo está ocioso, não dá um empurrão.
Acho que recomeço a atravessar outro deserto...e para mim, deserto, é sempre ausência de afectos.

Há pouco pensava, enquanto tomava duche (e não sei se se passará o mesmo com mais pessoas, ou se sou simplesmente um ser execravelmente único nesta matéria), que há já tanto tempo que não manifesto ou sou alvo do afecto de alguém. Afecto, refiro-me àquele afecto do toque, do colo, do abraço, do beijo, da pele, do calor...

Passei a tarde de ontem com a minha filha mais velha, o António, a Vitória, o Frederico e a minha  mãe.
Essa minha filha é profundamente pragmática. Extremamente sensível, mas daquelas pessoas que não conseguem traduzir por gestos, o que lhes vai no coração.
O pai dela, foi e será ( ? ) exactamente assim.
É extremamente, demasiado até, preocupada comigo, que eu sei, excessivamente...mas ninguém lhe "arranca" uma palavra de amor.

Pensava eu, dizia...há quanto tempo não sento as minhas filhas no colo e lhes dou um beijo, um abraço bem apertado, ou digo que, no meu jeito enviesado de ser, as amo e são ainda, junto com a minha "velhota", a única herança com que a vida me presenteou?
E tive vontade de o fazer...mas parece que a partir duma certa idade, se levanta uma barreira de uma espécie de "vergonha" ou timidez, um receio de "pieguice" inexplicáveis...que nos tolhem os movimentos...
Damos um beijo de cumprimento e de despedida...mas isso, também fazemos aos de fora, àqueles que não carregámos nove messes na barriga...

O mesmo em relação à minha filha mais nova, e com essa até tenho uma certa empatia de ideias, falamos de tudo  (porque ela se aproxima mais da minha maneira de ser), sem pudores ou tabus, de mulher para mulher, como se fôssemos colegas ou irmãs...talvez...(ela é menos formal que a irmã).
Mas damos um beijo à chegada e outro à partida também, e o resto parece que está "atado" dentro de nós e não sai cá para fora.
Eu bem sei que ambas estão na casa dos trinta anos, mas de qualquer forma, estranho fenómeno este, que nos tolhe o mais genuíno que o ser humano pode ter: a felicidade da manifestação do afecto, do mostrar quanto o outro nos é importante, nos faz falta, que nunca seríamos mais os mesmos sem ele...

Mas eu, também sou da mesma forma com a minha "velhota", de tal forma que, se por qualquer estranha razão lhe dou um abraço mais apertado ou a beijo mais, ela deixa as lágrimas escorrerem pela face, porque ela, eu acho, ainda era capaz de me propor que eu me sentasse nas suas pernas descarnadas de noventa anos...mas também não o faz...

Será assim com as outras pessoas?
Quando, porquê, a partir de que idade, se levanta esse muro impiedoso que nos algema o coração,  e nos faz sofrer, afinal???
E como seria importante sentirmo-nos de novo crianças, recebendo as meiguices, as manifestações reais de afecto, que só temos até uma certa altura da vida!!!

As crianças, essas são extremamente generosas. Estes problemas existenciais obviamente ainda não se lhes colocam.
Passei, como disse, parte da tarde de ontem com os meus pequeninos...
Sou omissa com eles, já aqui disse noutros posts. Não fui "talhada" para avó...tristemente...e carrego as "toneladas" dessa culpa.
Por isso, talvez a presença deles me obrigue a confrontar-me comigo mesma, como um dedo acusador e me faça sentir pior ainda do que eu já sou.
No entanto, as crianças são regeneradoras; elas aceitam-me como sou, acho...
Falam-me sem ressentimentos ou estranheza, sem recriminações, correm para mim para me abraçar, querem brincar e conversam comigo, sem ofensa ou rejeição...
Parecem entender o meu jeito desajeitado de ser, a minha incapacidade de "peixe fora de água"...Contudo, como gosto deles!...

É sempre assim...
Depois, um dia, lamentamos as palavras que deveriam ter sido ditas, não foram...e já não as podemos dizer...
Sofremos por as termos amordaçado nas gargantas, por os braços terem ficado tolhidos nos movimentos, os olhos terem sido inexpressivos quantas vezes, as mãos inertes, o coração sem força para bombar o calor que guardava e não deu...e já é tarde!!!

Por isso, é que, totalmente "rasgada", lembro até hoje, como disse ao ouvido do meu pai, minutos antes dele partir, bem baixinho, enquanto lhe acariciava o rosto e lhe pegava na mão : " Pai, gosto e sempre gostei muito de si...toda a minha vida"...
E ele, mesmo com olhos que não abriram mais, deixou escorrer uma lágrima pela face e foi......Já era "tarde demais"!!                              
                                                                                                
Anamar                       

2 comentários:

Anónimo disse...

Como tenho saudades de pegar nas minhas filhas, de dar e receber miminhos...sabe também um carinho de um filho...mas a vida é assim...ou melhor o ciclo da vida.

Beijinhos

Maria Romã

anamar disse...

"Ciclo" da vida....
Tristeza de vida, isso sim...
E depois há os que aceitam, e os que não!
Um beijo
Anamar