domingo, 3 de abril de 2011

"ESTA COISA QUE CHAMAM DE VIDA !..."


"Há-de vir um dia e será o primeiro
em que terei de novo o Nada a sós comigo"
 
(Adaptação de Ladainha dos Póstumos Natais -
David Mourão Ferreira)

O Norberto foi-se embora. Foi com as águas de Março, nem esperou que a Primavera, acabada de chegar, lhe mostrasse o ouro das mimosas, o branco das margaridas, o roxo das violetas e dos lírios, o amarelo das macelas em mistura com o fogo das papoilas dos campos...Logo o Norberto, que tinha um nariz "de cheirar", uns olhos "de ver", umas mãos "de sentir", que arrancavam àquela viola sons que só ele sabia arrancar.

Foi-se embora, mas eu acho que não fechou a porta, deixou-a entreaberta para não fazer barulho.
Foi pé ante-pé, sem fazer estrilho, a uma hora em que nos apanhou distraídos e o deixámos ir.
Também, ele não quereria incomodar ninguém!

Era assim o Norberto, uma muralha de aço, um HOMEM erguido do chão, enquanto deu, uma força da Natureza.
Imagino-o timoneiro de um navio, na eminência de naufrágio, à popa, a querer agarrar o mar de frente, fustigado por ele, mais e mais. Inabalável...na determinação, na força de coração, na fé da luta...
Apenas, as ondas daquele mar eram demasiado alterosas, o vento demasiado forte, a borrasca demasiado traiçoeira e num "golpe de mar" o Norberto foi espreitar como era o "lado de lá"...
"Estou curioso, sabe? Aquilo lá deve ser bom"... tinha-me dito em voz quase apagada, menos de quarenta e oito horas antes.

Tenho para mim que ele não foi zangado com o Mundo.
Ele não era pessoa de se zangar com as injustiças da vida (e teve muitas), e também não se zangaria com a maior, a mais gritante, a mais sacana que ela guardara para si...

Se calhar partiu ao som daquele CD que não conseguiu terminar ; se calhar veio um anjo (se é que há anjos), pegou-lhe na mão para o levar para uma qualquer encruzilhada de luz em que ele acreditava...
E ao longe ecoavam os acordes da sua viola, da sua voz, nos temas que realizariam a sua vida...naquele sonho sonhado!

Partiu sem reclamar...estará por certo melhor, mais em paz, menos cansado, sem aquela maldita máscara de oxigénio (sem a qual já não vivia), sem aquela maldita vista de um mundo indiferente cá fora, de uma Lisboa igual , que parecia zombar da sua própria prisão que o amarrava àquela cama de hospital...

O Norberto foi-se embora...
Mas tinha-me prometido aqui há tempos atrás, entre uma bica e meia dúzia de larachas, que se fosse, vinha cá contar-me como é que era...e ria...

Por isso, pelas madrugadas, vou estar atenta, porque numa qualquer delas, talvez naquelas em que a insónia me traz ao coração todas as mágoas de vida, tenho a certeza que vou ouvi-lo com as palavras de ânimo, de carinho e de fé, com que sempre tentou levantar-me do chão...e vou pedir-lhe desculpa por, apesar das "fileiras cerradas" que erguemos, a nossa força o não ter impedido de nos deixar!!...

""  Há-de vir um dia e será o primeiro
em que terei de novo o Nada a sós comigo"

(Adaptação de Ladainha dos Póstumos Natais -
David Mourão Ferreira)

(Homenagem póstuma e humilde a um ex-aluno, companheiro de jornada, Homem de corpo inteiro, alma sã....um grande AMIGO!)

Anamar

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