segunda-feira, 30 de julho de 2012

" A HERANÇA "




Ainda estamos em Julho ... para mim, cada vez mais, um mês muito marcado.

Hoje faz vinte anos que o meu pai partiu, três que o Óscar me deixou ... mês de partidas, e as partidas são sempre demolidoras.
As partidas nunca nos deixam incólumes. O tempo abate-lhes a destruição, mas nunca, nunca as apaga ... sejam que partidas forem.

Todas correspondem a ausências, voluntárias ou não, de seres que fizeram parte integrante das nossas vidas, e se o fizeram, é porque foram importantes para nós e determinantes no nosso percurso.

E se o fizeram e deixaram de o fazer, subtrairam parte de nós, que sempre carregam com eles.
E sem um pedaço, por pequeno que seja, não estaremos nunca mais, inteiros !

Detesto que este meu espaço seja um lugar de correio ou aferição.
O que é facto, é que sendo um canto intimista onde fundamental e inevitavelmente veiculo emoções, estados de alma, sentimentos, acaba por o ser, digamos que à minha revelia.
Isso advém obviamente também, da transparência do que escrevo, do que digo, de como sempre me posiciono, da frontalidade, verdade e pouca inteligência que acabo por usar na exposição que faço da minha pessoa ( imprudentemente, reconheço às vezes ), defendendo-me pouco, e talvez perdendo, por isso.

O povo diz que "o mal e o bem, à cara vem" ...
A escrita é uma forma aproximada de "dar a cara", e como tal, é fácil que a minha, seja um barómetro do muito que se passa dentro de mim.
Às vezes arrependo-me e reflicto sobre isso ... outras, "borrifo-me" simplesmente, e "pairo" sobre essa sensação desconfortável, é verdade.
Contudo, escrever só por escrever, sobre temas avulsos, como que "por encomenda", como que "a metro", não é seguramente a "minha praia".
Por essa razão, nunca aceitei nenhum furo jornalístico, em colunas de opinião ou outras, que já me propuseram, ou sequer publiquei o que quer que fosse.
Em boa verdade, as palavras que por aqui largo, são meras folhas largadas ao vento, que exactamente por isso, não têm uma direcção definida, não são obrigadas a ir por aqui ou por ali ;  são livres, não se encaminham para nenhum lado, e destinam-se a ser destruídas e  perdidas no remoinho dessa mesma aragem ...

Tocam aqui e ali ;  farão sorrir alguns desprevenidos ( como aquele golpe de vento que nos levanta a saia, quando menos esperamos ) ; talvez levem alguns a apanhá-las, e curiosos queiram ver o que aquela folhinha que lhes esbarrou nas pernas, ou que poisava na relva ou no banco daquele jardim, continha ...

Não são mais que aquela folha de jornal esmaecida, fora de dia e de mês ... que o "sem abrigo" lê, naquele tempo sem pressa, que é a sua vida ...

Não são mais que aquela revista serôdia, que as pessoas largam junto aos contentores, depois de lida e esmiuçada ...  Pode ser que alguém ainda aproveite ... felizmente as letras não se gastam !...

Todos conhecemos aquela imagem ou frase feita, de "abrir um buraco na areia e falar lá para dentro", como forma de extravasar o que nos "entope", e que ninguém tem obrigação de escutar, aturar, sequer entender ...
E também, poucos teriam tempo para isso, porque hoje já não há tempo para grandes coisas ...
E depois, a areia cobre rapidamente qualquer buraco que nela se escave.  É "volátil", escorregadia, macia, movediça, instável ... e o buraco aberto, rapidamente se encerra, encerrando consigo os desabafos de quem os fez ...
Outras vezes, dar um grito no escuro também resolve o sufoco no coração.
E porquê no escuro??
Porque no escuro, ninguém vê donde vem, para onde vai ...  Perde-se anonimamente pelo "éter", transportando em si, toda a carga que nos perturba ou atormenta ...

Eu, escrevo ...

Às vezes resolve, outras não ;  umas vezes é terapêutico, outras simplesmente profiláctico ... outras, nem uma coisa nem outra ...
Contudo, tenho uma veleidade ou  ambição, devo  confessar, embora nunca venha a saber se se concretizará ...

Uma vez que todos os meus conteúdos coexistem em suporte de papel também, constituindo uma espécie de "colecção" muito pessoal, deixá-los-ei depois de mim, para os meus netos, que talvez possam um dia, quando tiverem idade madura, ter curiosidade em conhecer a avó que tiveram ;
uma avó meio estranha, reconheço, fora dos arquétipos ou padrões tradicionais, meio ensandecida e pouco convencional ;  rebelde sempre, contra-corrente também ...
Sempre no pico da alegria ou no maior fosso de sofrimento, com uma insatisfação permanente de Vida, uma exigência e uma busca imparável de felicidade ;  uma ingenuidade de criança ou uma ânsia adolescente, num corpo e numa mente de mulher madura ...

Digamos que será mesmo a única "herança" que verdadeiramente lhes deixarei, por genuína, "despida", autêntica, sem preço ou valor material ...

Exactamente e só, EU mesma, a nu, como se em cada post estivesse frente a um espelho mágico, que tivesse em todos os momentos, a capacidade de me ler até à alma !!!...

Anamar

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