sexta-feira, 27 de julho de 2012

" A VITÓRIA "


   NOTA : Esta foto não é actual


A Vitória esteve comigo quase uma semana, estadia que por tão longa, foi de algum modo, inusitada.
Desta feita, colégios terminados, actividades de férias também, e o drama de muitos pais que ainda trabalham :  onde colocar os filhos?
No caso da minha filha, com três crianças, em que o mais velho tem onze anos e o mais novo, cinco, pior ainda.

Eu relaciono-me melhor com raparigas do que com rapazes, talvez por ter criado apenas filhas ;  como tal, amando os três por igual, sinto-me mais confortável no relacionamento com a miúda, que neste momento tem oito anos.

A Vitória, na sua pouca idade, é uma mulherzinha na postura, nas atitudes, mesmo nas conversas.
É cordata, pelo menos comigo não tem teimosias ou birras ( que talvez ainda fossem previsíveis e aceitáveis para os poucos anos que tem ), colabora se solicitada, conversa e também se entretém sem muitas exigências.
A minha casa é desprovida de grandes entretenimentos para crianças.
Existir, eles existem.  Foram guardados há muitos anos em arcas, estão na arrecadação, e nunca lhes mexi mais, a partir do momento em que deixaram de ter serventia, pela inexistência de crianças em casa ;
assim, existe apenas um armário com livros infantis, da mãe e da tia, lápis de cor, canetas de feltro, papéis para desenhar, claro e obviamente televisão, com aquelas séries intermináveis de que os miúdos se tornam dependentes.
Para além disso, arranjei um programa de cinema fora de casa, com as inevitáveis pipocas ( que compartilhámos a meias até que ambas ficámos "atafulhadas", e nos ríamos já do enjoo que sentíamos ), arranjei uma ida à piscina para uma tarde de brincadeira interminável ( só o frio nos correu de lá ), e também estava prevista a "minha" caminhada, coisa que a Vitória, desportista que é, teria adorado ... mas, deu-me uma famigerada preguiça, e acabei por a não encaixar no nosso "calendário de actividades" ...
Na sua próxima estadia comigo, proponho-me fazê-la !...

A Vitória é uma compincha ,  é desinibida, "enturma-se" facilmente, e interage extremamente bem, quer com crianças, quer com adultos.
O convívio com mais dois irmãos e respectivos amigos, a frequência do colégio, as actividades no Sporting, de todos eles também, e uma preocupação sistemática e atenta que os pais têm de os "despertar" para iniciativas culturais, e eventos interessantes que possam motivá-los, de acordo com as respectivas idades, juntando certamente, como é lógico, àquilo que de genético ela transporta, fazem dela uma criança extrovertida, faladora, obviamente simpática.

Tenho com ela, ou melhor, sinto dentro de mim uma ligação meio inexplicável e imperceptível, de empatia, que talvez não seja abusivo dizer, de "mulher para mulher" ou de "mulher para futura mulher", uma espécie de conivência de sentires, de cumplicidades, que até pode não vir a verificar-se ( porque sem dúvida é prematuro afirmá-lo, e futurologia não faço ), mas que objectivamente percepciono.

Não sendo a mãe, e ocupando portanto na "hierarquia familiar e afectiva", um lugar privilegiado, sinto uma disponibilidade de mente e de coração, mais descomprometida, menos cerceada, que é propiciadora sem dúvida, de uma aproximação bem real ao adulto que vai desabrochando dentro dela.

Percebo perfeitamente agora, como é diferente o estatuto de pais e de avós, e percebo perfeitamente a razão por que na Vida, e de uma forma geral, quase todos sempre estamos indelevelmente marcados por estes ...
O relacionamento é de facto específico, especial, bem diverso do que foi enquanto pais, e é real aquela afirmação meio complacente e humorística, de que o papel dos pais é educar ... o dos avós, "estragar" !...

Claro que este "estragar", refere-se à adição de "melaço" que os "pais com açúcar" ( como alguém com brilhantismo definiu os avós ) conferem a uma ligação, que mercê das circunstâncias inerentes à Vida, é mais liberta, mais descomprometida, mais indulgente, mais tolerante, de maior entrega, menos espartilhada e possuidora da experiência, da sabedoria, da dádiva, do desejo de deixar em boas mãos e passar adiante, tudo o que de bom e mau, a Vida nos ensinou.

É uma relação que beneficia de algo extraordinário, que enquanto pais, logicamente não pudémos deter ... que é Tempo.
Efectivamente, Tempo é o que não faltará aos avós ... Tempo é o que os avós terão de sobra, e o facto de o serem numa fase da Vida em que há "espaço" em demasia, por vezes, nas respectivas Vidas, os netos são também por isso, um factor equilibrante de que ambos, avós e netos, usufruirão !

Bom ... sei que a Vitória, ao que parece, gostou muito da estadia em casa desta avó que começará a conhecer melhor, espero, com todas as suas incoerências, incompletudes, defeitos e virtudes, senso e loucura, com preocupações logicamente pedagógicas e de formação, mas também permissiva e aberta aos pequenos disparates, que não são mais que prevaricações saudáveis ...

E isso, deixou-me profundamente feliz.

Vou tentar cultivar ao meu jeito, esta ponte de afecto entre nós, porque sinto que não estou a enganar-me ao expectar depositar nas suas mãos, a corporização daquele futuro que não tive, daquela Vida que não fui capaz de viver, daquela desejada "vingança" de existência ... em suma ... daquela "VITÓRIA" nos sonhos que eu só sonhei !!!...

Anamar

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