quarta-feira, 18 de março de 2020

" AQUI DA MINHA JANELA "- HISTÓRIA DE UM PESADELO - Dia 7




"Aqui da minha janela" pretende ser a compilação de folhas de um caderno que vou tentar escrever diariamente, neste período tão especial, tão particular e tão difícil das nossas vidas ... para que se algum dia pudéssemos esquecê-lo, o não esqueçamos !

Hoje, 18 de Março de 2020, às portas da Primavera, foi decretado o estado de emergência no meu país.  Procura assim conter-se esta escorrência assassina, de um vírus desembestado que atropela, trucida, aterroriza e mata ... indiferente, indiferente ao céu azul e ao sol dourado que nos ilumina ... indiferente aos sonhos e às vidas, que estão agora suspensos e esperam ... apenas esperam ...

A história vem mais detrás ... Hoje é o sétimo dia do meu isolamento social voluntário.
Mas ela vem ainda mais detrás ...
Chegou num dia em que as notícias davam conta de que em Wuhan, lá no outro lado do mundo, numa China tão distante que nos parecia inalcançável,  um vírus estranho, desconhecido e inesperado, desatara a matar gente.
As sinetas tocaram e a China armou-se até aos dentes. A China reinventou-se, cerrou fileiras, não abriu guardas.
Um país que consciencializou à força da dor, que aquela era a hora e que não havia lugar a hesitações, vacilações ou descaso, reorganizou toda a sua sociedade, em torno da luta que teria de travar-se.
Os médicos, os enfermeiros, todo o pessoal de saúde iniciaram  uma luta sem tréguas, dia e noite. A cidade de Wuhan foi  "encerrada" dentro de um perímetro sanitário de total isolamento.
As pessoas confinaram-se às suas casas, acataram e respeitaram integralmente todas as indicações das autoridades, disciplinaram os seus dias, sem cedências ou facilitismos, com ordem e responsabilidade.
A solidariedade social intensificou-se, a entreajuda instalou-se, a coragem e a transcendência emergiu ... e sobre Wuhan continuaram a voar pegas azuis ...

Morreu muita gente, morreu gente demais, num desafio que parecia não ter fim.  Mas hoje, reabilitada aos poucos a realidade em Wuhan, a China avança agora rumo à Europa fustigada a seguir, com altruísmo, partilha e ajuda.
De lá vieram médicos, de lá veio a voz da experiência mártir, de lá chegam ventiladores para mitigar quem já tem pouco ar a respirar ...

Porque, depois da China, Carnaval passado,  num continente que parecia suficientemente distante para estar tranquilo,  na Europa  os alicerces cederam.  A Itália iniciou uma escalada assustadora de casos de contágio, seguida da Espanha, da França, da Alemanha, do Irão, da Coreia ... e de um número interminável de países.  Portugal também não foi poupado.
A epidemia do Coronavírus, transformou-se em poucos dias, numa pandemia, no seu alastramento à escala do planeta.
Todos os organismos mundiais, nacionais e regionais na área da saúde e em todas as esferas sociais e políticas desenvolveram medidas concertadas, estratégias de acompanhamento, monitorização e combate ao flagelo.
190 mil infectados e mais de 8 mil mortos estremecem o globo. De leste a oeste, de norte a sul, sem respeitar fronteiras, credos, cores, ou línguas.

Portugal enfrenta neste momento, a subida exponencial da curva de infectados. Hoje, caminhamos para setecentos doentes.
Todos os especialistas na área da saúde e em todas as áreas complementares a esta, todas as estruturas sanitárias, todos os organismos sociais na pirâmide do poder e da responsabilidade se uniram, acreditando que haveremos de vencer esta calamidade atroz.
As escolas fechadas, as pessoas confinadas a casa, as ruas desertas, o país parado, as protecções pessoais usadas sem negligência ou esquecimento, uma reorganização activa implementada nas famílias, agora com vivências diárias obviamente mais complicadas de gerir, fronteiras encerradas, controle total de entradas e saídas do país, da mobilidade dos cidadãos, quarentenas voluntárias ou profilácticas  e consciencialização das populações, são medidas visíveis e obrigatórias.

Depois de um estado de alerta, e depois da Reunião do Conselho de Estado ocorrida hoje, o Presidente da República decretou o estado de emergência por um período de duas semanas, passível, se necessário, de ser alargado.

Continuarei a minha história amanhã, e amanhã e amanhã ...
Irei contando o que vejo, o que sei e o que sinto, aqui da minha janela ...

No móvel da entrada da minha casa, repousa a caixa das luvas descartáveis, juntamente com a máscara diária a usar, se necessitar em absoluto, de descer ...
Contar-vos-ei,  do olhar de relance que lhes deito ao passar, sonhando com o dia em que ali já não estejam, por desnecessárias ...
E contar-vos-ei também, como as vidas das pessoas se entrecruzam diariamente, com a proximidade que os nossos dispositivos electrónicos nos permitem ...
E farei as reflexões que me ocorrerem, na expectativa de pelo menos, eu, uma vez na vida, me esforçar para ver o "copo meio cheio" ...
Falarei da solidariedade, da angústia, da solidão, do sofrimento ... mas também das saudades, do medo ... da esperança e da certeza da vitória ...
Falarei do cansaço que às vezes me toma, e também dos afectos, que onde quer que estejam, têm braços compridos e sempre nos afagam ...
Falarei de como passo os meus dias.  De como engano o tempo.  De como tento manter a minha sanidade mental ...
Até porque, como diz este vídeo fascinante que escolhi para ilustrar este meu texto ... " A Primavera não o sabia" ... e sempre virá para nos restabelecer a confiança, a esperança, o sonho ... a VIDA !!!

Até amanhã !

Anamar

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