sexta-feira, 20 de março de 2020

" AQUI DA MINHA JANELA " - HISTÓRIA DE UM PESADELO - Dia 9








"  A  GENTE  FICA ... "


Hoje amanheceu cinzento, com chuva copiosa fazendo jus às nuvens encasteladas aqui por cima.
A Natureza parecia prantear a desgraça que assola a raça humana.
Ainda na cama, como vos contei, passo a limpo a programação do dia.  Mais um, o nono do meu isolamento, ainda totalmente bem de saúde  assim como todos os meus.
Hoje seria dia da caminhada pela mata, que neste momento me é imprescindível para a manutenção de um equilíbrio físico, mas sobretudo psicológico.  A possibilidade de poder continuar a realizá-la no Estado de Emergência que se vive, foi para mim, uma medida absolutamente gratificante.
Depois, seria dia de algumas compras, visando um período dilatado de tempo em que as provisões me asseguram a não necessidade de descer ao super mercado.

No caminho até à mata, que faço com  ritmo estugado, ninguém comigo se cruzou. Parecia mais uma manhã de domingo, do que um dia útil.  A mata estava deserta como seria expectável, até porque chovia.  Era uma chuva mansa e doce, que tornava mais  vívidos todos os verdes da policromia que me rodeava.  As árvores e arbustos agora em rebentação franca, com uma pujança e uma beleza, que só a Primavera que amanhã chegará  garante, emocionam-me, renovam-me, dão-me esperança e coragem.  A Natureza que nunca nos falta, aí está cumprindo o ritual da VIDA !
Os pássaros  todos, saltam, pipilam, esvoaçam e empoleiram-se de ramo em ramo.  No chão, placidamente, um habitante do bosque catava o que comer.  Nem deu por mim.  Estaria feliz !

Durante o caminho, dobrando os recantos, percorrendo os atalhos, respirando aquele ar leve e puro que nos enche os pulmões e acaricia a alma, pensei e conversei longamente com a minha mãe, de quem particularmente agora, o seu cólo me faz tanta falta !
Sei exactamente qual o diálogo que travaríamos.  Sei exactamente tudo o que me diria, o carinho com que me reconfortaria, as palavras com que me tranquilizaria ... se estivesse por aqui ...
E sei-o porque as pessoas partem ... mas ficam.  
Ficam no que disseram ao longo dos anos, no que fizeram ao longo das vidas, no que partilharam ... no que deram ! Ficam na forma como deixaram o seu "sinal" impregnado no nosso ser.
Porque o amor é uma corrente de fios invisíveis que não se destrói. Atravessa os tempos e as vidas ...

E depois continuei, pensando na gratidão que sinto para com a humanidade, que  neste  momento   está  mais  presente,  é  mais  solidária,  mais  desperta,  mais  próxima ... mais  " gente " !
Quando ligo o telemóvel pela manhã, os sinais de alerta de vária ordem inundam o meu acordar, às vezes ainda meio entorpecido.  E são as mensagens, as comunicações via whatsapp, as palavras enviadas por messenger, os mails, o tlim-tlim do Facebook ... os telefonemas mais de perto ou mais de longe, trazem-me os amigos, trazem-me as vozes familiares, os afectos dos que não se tocam mas se sentem ... e sempre nos dizem : " estou aqui deste lado, para o que der e vier " ...
Trazem-me os rostos de quem as saudades apertam.  Trazem-me o sentir de quem, mesmo de longe se faz presente, numa palavra, num conselho, numa gargalhada, num apoio.
E mesmo os que não conhecemos, organizam-se, juntam-se para informar, para nos actualizar as notícias, para nos dar sugestões ... para nos mostrar que não estamos sós neste mar encapelado ... se mais não for, para nos dizerem : "ergue-te, aguenta com força, com coragem e sem medo.  Haveremos de vencer a dor, haveremos de vencer a batalha ! "

Desculpem ... hoje não estou muito inspirada.  Sinto-me cansada, assustada ... doída na alma e no coração ao ver quão galopante avança este vírus destruidor.  A impotência assola-me, exponencialmente com ele ! ...

Ousei pegar numa postagem de uma amiga lá da minha terra, do meu chão, do meu Alentejo ... e vou colocá-la aqui, porque sei que gostará até, que eu o faça.  Obrigada Lucinha ! 

"Nenhum homem é uma ilha isolada, cada homem é uma partícula de um continente, uma parte da Terra.  Se um torrão é arrastado para o mar, a Europa fica diminuída, como se fosse um promontório, como se fosse a casa dos teus amigos ou a tua própria casa.  A morte de qualquer homem diminui-me porque sou parte do género humano.  E por isso não perguntes por quem os sinos dobram ... eles dobram por ti ! "     
                                                                     John Donne

Até amanhã.  Façam o favor de ficarem bem !

Anamar

2 comentários:

YellowMcGregor disse...

Ontem, uma Primavera que (re)nasceu por entre medos e incertezas. Hoje, dia da poesia, que aqui encontro, numa prosa poética, também ela com alguns receios e incertezas. São tempos que correm, na esperança que desaguem num berço de vida renovada, num colo que todos e tudo anseiam, uma palavra de consolo…

… até lá, que haja poesia.


Com um ramo de :-) (sorrisos)

P.S. Muitos parabéns pelo blogue. Também eu encontrei o paraíso, um dia, na década de 90, ali para os lado do equador. Ah! Chama-se S Tomé e Príncipe.

anamar disse...

Amigo

Que bem me souberam as suas palavras ! Que afago no coração e que carícia na alma ! Desejo-lhe , sem que nos conheçamos, tudo o que desejo para mim ... muita coragem, confiança, esperança e uma Primavera renovada em cada dia da sua estrada ! Bem haja e ... que nos encontremos por aqui ...SEMPRE !

Todas as flores renascidas num bouquet com o meu OBRIGADA !

Anamar

Ah ... e S.Tomé ... um sonho e um paraíso na Terra ! As duas vezes que aí me desloquei, são certamente para repetir.