quinta-feira, 19 de março de 2020

" AQUI DA MINHA JANELA " - HISTÓRIA DE UM PESADELO - Dia 8

" A  CANSEIRA  DAS  NÃO - ROTINAS "

Dou em acordar angustiada.  Burrice minha, porque ninguém me manda devorar notícias até às duas da manhã ...  Depois, obviamente o sono fica prejudicado.
Assim, naquele período em que estamos mas não estamos exactamente bem acordados, muita coisa revolve os meus neurónios.
Em primeiro lugar tentei situar-me no tempo, já que o período que vivemos nos deixa um pouco "off" em relação ao calendário. 
Aí pensei, pois, hoje é quinta-feira, quase já fim de outra semana, que agora demoram a passar ... e hoje é dia 19, dia de receber a pensão mensal ... Pois é ... e logo de seguida ... é verdade, hoje é Dia do Pai !
O meu, partiu há quase vinte e oito anos, e ainda assim continua bem presente na minha vida e no meu coração.  Onde estiver, para onde estiver lhe envio um enorme beijo com todo o meu amor e infinita saudade, e como sempre faço, lembrei-lhe quão preciso, mais do que nunca, da sua protecção e ajuda, que sei não me faltarão ...
Depois continuei a cogitar e voltei a sentir o peso sufocante dos dias que atravessamos.  Hoje é o meu oitavo dia de isolamento voluntário.
Expectei ser um dia algo diferente.  Afinal  hoje acordei no meio do Estado de Emergência em Portugal, decretado ontem pelo Presidente da República, o qual inclui e define as medidas restritivas comportamentais em relação à sociedade, no sentido desesperado de estancar o avanço do vírus mortal.
Pois bem, ao dirigir-me à janela, poderia dizer-se "grosso modo" que a manhã de sol que se fazia, repetia as rotinas do dia a dia, com pessoas circulando nas ruas, parando para darem dois dedos de conversa, sentando-se na esplanada do café que existe no meu largo, ou mesmo sentando-se nos bancos a apanhar sol, como no dia mais normal deste mundo !...

Entretanto Itália contabiliza quase 3500 mortos ... e pelos vistos, as pessoas ainda não entenderam a coisa ...

Debaixo de édredon,  esquematizo diariamente, o que vai ser o meu dia, este, o oitavo do isolamento voluntário a que me propus, como disse.
E aí, começa o filme ... tomar banho e vestir... pacífico ... Hoje não faria a caminhada profiláctica, por isso a roupa a usar seria a normal.
Iria ao pão, porque se acabara o último, comprado.  Teria que ir ao talho e adquirir ainda mais algumas coisas que estavam em falta. Dessa forma ficaria aprovisionada para cerca de mais uma semana.
A máscara e um par de luvas esperavam-me antes da saída.
Pôr o quê, primeiro ?  Ato a máscara à cabeça, calço as luvas e julgo-me apta a sair ... só que, penso, será que tenho dinheiro na carteira ?  Vou para abrir o porta-moedas mas lembro ... bolas, o dinheiro está infectado ... e faço o quê ? Volto a tirar as luvas, porque assim como assim, as mãos estarão desinfectadas ( acabei de as lavar e passar por álcool ). Pelo menos preservo para já as luvas ...  Conto o dinheiro, fecho a carteira.  Volto à casa de banho ... nova lavagem criteriosa, novamente álcool a desinfectar.  Regresso, calço de novo as luvas e ... agora sim, estou apta a seguir ....
Oh não !... O telemóvel repousa bem à minha frente, só que nem o vi ... Vou ter que o levar, pois podem querer comunicar comigo, e não respondendo, instalo a preocupação do outro lado ... A última vez que o desinfectei com álcool foi ontem. Já não deve dar ... Bolas ... e agora ?  Volto a tirar as luvas para lhe pegar, verificar o monitor e meter na mala ... Casa de banho de novo.  Nova lavagem e desinfecção das mãos ...
Bolas !!!...  ( não é bem isso que vocifero ... mas adiante !...)

Eis-me finalmente na escada.  Fecho a porta à chave ... tranquila, tranquila ... Nestas chaves sou só eu que mexo, não há crise !...  Enquanto faço este raciocínio laborioso, desvio o foco de atenção, claro, e apesar de ter na mão uma folha de papel com que tencionava carregar no botão para chamar o elevador ... népia ... já o tinha chamado com a mão desprotegida, obviamente !
Fula, fula , chamei-me uns quantos nomes e tentei aliviar o espírito ... afinal aqui no meu patamar vem pouca gente, pois é o último do prédio ... só eu e o senhor Lourenço, vizinho do lado ... ah, mas esse não está infectado !....
Mal assim concluí, disse-me : burra ... como se as pessoas tivessem cara de infectadas ou rótulo na testa !!!.... Olha ... que se lixe ! ( também não foi bem isso que eu disse ... mas adiante ! )
E segui para a rua.

Regressei, e hoje era dia de faxina ( assim o decidira ... sim, porque eu programo-me ... 😄😄😄 )
Lavei, cozinhei, reguei as plantas que parecem estar mais satisfeitas comigo em casa, tratei da logística dos gatos, tratei das casa de banho, da cozinha ... e consegui almoçar às quatro da tarde !... 😌😌
Sentei-me agora ... esfalfada.  Pensei queixar-me ao sindicato.  Mas como estou a laborar no regime de "Olívia patroa - Olívia costureira " ( lembram por certo a nossa saudosa Ivone Silva ... 😃), percebi que não valia a pena.  De resto, estou a fazer teletrabalho ... envio as instruções do computador do quarto para a cozinha, e policio-me sobre o desempenho !!!...

Bom, e tinha como sabem, encontro convosco hoje, para vos dar conta do que foi mais um dia por aqui, da minha janela, onde vivencio, em  comunhão com todos vocês, as dificuldades, as canseiras, as tristezas, o medo e a angústia que afinal todos experimentamos, neste pesadelo que nos assola.
Hoje procurei que os meus escritos  desanuviassem um pouco  tudo o que se vive, esperando que de alguma forma se tenham divertido com todo o meu desnorte, na ausência das minhas rotinas de sempre !
Afinal,  há momentos em que me sinto mais tonta do que um polícia bêbedo !!!... ihihih

Até amanhã e fiquem bem, se fazem favor !

Anamar   

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