quarta-feira, 25 de março de 2020

" AQUI DA MINHA JANELA " - HISTÓRIA DE UM PESADELO - Dia 14

" VAMOS ... "




Já não olho o relógio .
Sei que o dia começa quando os primeiros alvores da madrugada me penetram a penumbra do quarto.  E sei que a noite começa quando o sol adormece, lá longe no meu horizonte.
E o dia começa quando entende começar ... e a noite cai quando entende ser a hora ...
Nada depende de mim, ou é como eu quero ...

Sei que os segundos parecem minutos e estes parecem horas.  Sei que as horas duram dias e as semanas não passam, apesar do meu desejo.
Tudo corre ao ritmo que tem que correr, e o Homem é uma mera partícula na engrenagem da vida ...

Sei das absurdas estatísticas dos números que nos assombram as noites, e sei da força de palavras como solidariedade, partilha, afecto, coragem, generosidade ... entrega ...
Mas também sei o poder destrutivo do medo, da angústia, da incerteza, da dor ... do cansaço ...
E também pouco depende de mim, ou da minha ânsia de repor tudo  o que era aparentemente normal ou conhecido ...

Vi hoje que as glicínias  floriram ...
e a Primavera que não fora avisada, continuou carregando as braçadas de flores frescas, os pássaros e as mariposas que volteiam pela mata ... como sempre ...
E eu olho-os e percebo da indiferença da Natureza face à pequenez do Homem ...
Tudo é perfeição fora do caos que nos atormenta.  O sol continua a brilhar, e o riso das crianças sempre será o bálsamo com que o Universo nos apazigua os corações ...

Hoje, as ruas estão ainda mais desertas, as cidades mais vazias e indiferentes ao frio gélido que nos atormenta a alma.
Hoje é o décimo quarto dia do pesadelo que atropelou as nossas vidas.
O silêncio que se escuta e que torna a noite um fantasma aterrador, é pesado, estranho e incompreensível ... e sofre-se esse silêncio por detrás de cada vidraça iluminada !
A distância e a ausência atormentam e matam aos poucos ...

Mas se tudo parece ser porque tem que ser, talvez não tenha que ser o que não quisermos que seja ...
Vamos mudar as regras deste louco tabuleiro de xadrês !... Vamos subverter as cartas viciadas desta tômbola maquiavélica !... Vamos acreditar que podemos, e que a saudade da ausência se transforma na força da presença de todos os que amamos !... Presença de todos os que ansiamos voltar a abraçar, vontade do sonho que desejamos em breve voltar a sonhar ... desejo da vida adiada que acreditamos poder reinventar ... coragem para erguer do chão o peso da desistência ... esperança em dias azuis de Marços que hão-de vir ...

Vamos ...

Eu, continuo em casa !...

Até amanhã !   Fiquem bem, por favor !

Anamar

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