sexta-feira, 27 de março de 2020

" AQUI DA MINHA JANELA " - HISTÓRIA DE UM PESADELO - Dia 16


CU-CU ...

Cheguei ...

Já me tinham estranhado ???

No meu décimo sexto dia de reclusão, pouco tenho para vos contar.
Hoje foi dia de caminhada, e só esse facto acende um sol na minha vida !...  Como eu, havia mais quem aproveitasse as potencialidades daquele espaço, para fazer desporto, ou simplesmente passear ao ar livre, só, ou com os seus animais de companhia.
Isso só é possível porque ninguém se cruza com ninguém, e as pessoas vêem-se de bem longe, em veredas diversas.
Usufrui-se da Natureza pujante nesta altura do ano, da forte oxigenação do ar, do silêncio,  dos sons únicos dos pássaros que livremente voejam por ali ... e da paz, que nos impregna a alma !
Parece que até o medo, a angústia e o peso da preocupação ( porque a preocupação pesa mesmo horrores, no nosso coração ), ficam lá fora, além dos portões.
Os melros de bico amarelo, residentes na mata, trinam em melodia afinada, as borboletas de cores vistosas perpassam de flor em flor,  e ... vi hoje ... as andorinhas já cá estão !!!   Sempre sorrio enternecida, quando as olho !...

A minha programação definira para hoje, uma tarde de teletrabalho.  Melhor dizendo, uma tarde para cumprir uma lista exaustiva, previamente elaborada, de chamadas telefónicas.
Família de longe, amigos de longe e de perto ... enfim ... a tentativa de, do longe se fazer perto ...
Cada telefonema foi um esvaziar do coração, de quem estava do outro lado.  Percebe-se claramente que todos estão sequiosos de falar, de exteriorizar as emoções, contar das aflições, narrar os episódios da vida anormal que se vive, numa realidade que foi atropelada pelo destino ...
E como é bom, sabermo-nos queridos por todos e tantos !...
Os afectos são, neste momento, mais vitais ainda, à sobrevivência física e psíquica de cada um de nós.  São um elixir doce, de vitaminas encorajadoras, de força  e ânimo ... que com frequência começam a faltar-nos !

E hoje fico por aqui.
Aqui da minha janela ... literalmente ... vejo a estas horas já, as ruas totalmente desertas.  Os carros passam avulsos.  Faz-se silêncio à medida que a noite cai.  As luzes por detrás das vidraças  são o único testemunho de vidas.
É estranho  ... mas fico feliz por isso !

Mesmo sem querer, o meu pensamento voa até aos hospitais ... percorro os corredores, adentro as enfermarias, vejo a luz difusa ... oiço os toques sincopados e ininterruptos das máquinas ... Olho os corpos silenciosos estendidos nas camas ... e vejo-os a eles ... anjos sem asas, de rostos marcados, olhos macerados pelo cansaço ... medo também, estampado nos rostos ...
E ergo, daqui, do conforto da minha casa, uma só palavra, em surdina ... OBRIGADA !...

Até amanhã !  Fiquem bem, por favor !

Anamar

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