SOLIDÃO
Não, não estou em solidão ! Estou apenas só, num isolamento voluntário, de que hoje cumpro o décimo segundo dia. E isso são coisas absolutamente diferentes !
O dia iniciou-se com a calma e a normalidade de quem tem todo o tempo do mundo para tudo o que inventar fazer. Tomei o pequeno almoço e segui para a caminhada habitual.
Neste momento, é o único período do dia em que me sinto verdadeiramente liberta. E saboreio-o até me esbaldar de sensações de paz e harmonia com tudo o que me cerca. É uma espécie de clímax vivido no meio da Natureza, como não canso de repetir.
O sol, embora não excessivamente forte, acaricia-nos por dentro, e tudo quanto tem cor, tem mais cor ainda, com a sua luminosidade clara, de início de Primavera.
Como sempre, aquela hora e meia que me concedo, afastada de tudo e todos ( em que os sons são apenas a orquestra da passarada, os cheiros são os que emanam das árvores e arbustos em plena floração, o silêncio, que é audível, é o perpassar leve da brisa na ramagem, e a felicidade é o que experimento por poder desfrutar de tudo isto, numa comunhão mais que perfeita ) ... é um espaço mental que me reservo, p'ra me articular, p'ra ordenar ideias, expandir emoções, falar-me em surdina sobre todas as minhas interrogações, angústias e incertezas ... e desta forma alcançar um estado de alma equilibrante, absolutamente vital nos dias que vivemos. Em suma, é o meu momento zen do dia que encaro ...
E pensava eu então, na palavra solidão ...
Houve alguns períodos da minha vida em que talvez a tenha efectivamente experienciado no corpo e na alma. Períodos obscurecidos de ausência de esperança, de desânimo, de abandono ... Períodos em que as paredes deste quarto se alteavam na proporção da minha desistência ... Períodos em que, virada para dentro de mim apenas, num confinamento doentio e triste, não enxergava muito além do horizonte curto que conseguia ver ... horizonte toldado por uma neblina cerrada de manhã de Inverno ...
Hoje, olho à distância esses dias mais conturbados e cinzentos da minha vida. Hoje, com mais maturidade, distanciamento e objectividade, relativizo todo esse pretérito, e sinto-me abençoada e grata por ter chegado até aqui, e por ter hoje esta alegria de viver.
E de repente, uma entidade estranha com uma dimensão entre 50 e 200 nanometros de diâmetro, tomou lugar nas nossas vidas, sem pedir licença, entrando de intruso e destruidor. E tudo se põe de imediato em causa, e tudo se repensa, se sopesa, se valoriza.
E de repente, o que não era importante, passou a ser. E tudo o que o era desmedidamente, talvez não tivesse justificação para o ser.
E de repente, o tempo atrás do qual corríamos de manhã à noite, ficou sobrante nas nossas vidas.
E percebemos como a solidão que achávamos que vivíamos, era uma mentira, face à riqueza das nossas existências.
E aprendemos o valor da palavra solidariedade. E reaprendemos o significado das palavras amor, amizade e esperança ...
E reolhámos os nossos, e passámos a falar-lhes com outra paz e outra bonomia. E relembrámos como era rir com eles, nos tempos em que os nossos filhos ainda nos sentavam o colo ... e que a vida, sem sabermos porquê, distanciou ...
E no verde da mata ... que também é verde da esperança ... despi o susto, apaziguei a alma e sorri.
E percebi que estou mais acompanhada do que nunca, como se, constantemente infinitas janelas se abrissem ( como em Itália se cantava para espantar o medo ), e delas todos os rostos de todos os que me amam, aparecessem e dissessem : VAI FICAR TUDO BEM !!!...
Até amanhã e fiquem vocês, também bem !
Anamar
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