sábado, 30 de maio de 2020

" AQUI DA MINHA JANELA " - HISTÓRIA DE UM PESADELO - Dia 80




Um sábado estranho, doentio, com um rosto desanimador.  Está pardacento, "trovoado", com um sol que se escondeu envergonhado.
O dia até amanheceu bonito e assim se manteve.  Quente, com um céu limpo, convidativo a tudo aquilo que não conseguimos fazer em tranquilidade ... uma incursão na praia, um passeio descontraído junto ao mar ... porque neste momento, com a abertura das regras do desconfinamento que contemplam liberdades mais amplas, as pessoas saltaram das colmeias numa ânsia de se esbaldarem na recuperação do tempo perdido até aqui.
Voltam a ver-se magotes de gente nas ruas, nas esplanadas, sem máscaras, sem distâncias de segurança respeitadas ... enfim, displicentemente, descuidadamente, inconscientemente ... perigando a sua saúde e pior que isso, pondo em causa a integridade física dos outros !...

Fui levar um presentinho a um amigo que aniversaria hoje.  Está numa depressão profundíssima, vive totalmente só, e neste momento já não tem nenhuma autonomia pessoal, nem sequer para orientar a medicação que deve tomar.
Já não controla as necessidades básicas, as rotinas mais elementares não domina ... Passa os dias e as horas entre um sofá e a cama, num quadro mental de total confusão e incapacidade. 
"Perdido !  Estou perdido! " é o que verbaliza ...
Não tem família capaz de o integrar em nenhum ambiente familiar que o acolhesse ... recusa ir para uma instituição que será o destino inevitável que o espera ...
Enfim ... um quadro humano deplorável, uma realidade muito triste ... um fim de vida ainda mais dramático !

Adormeci no sofá, há pouco.  Detesto dormir durante o dia.  Nunca o faço, a menos que esteja mal.  É o caso de hoje.  Quando a impotência nos domina, quando esbracejamos em rebentação de mar traiçoeiro sem o conseguirmos aquietar, quando nos confrontamos com os percursos injustos de algumas vidas, sobretudo se dizem respeito a pessoas a quem queremos bem ... sem que consigamos reverter as situações ... sem que isso esteja objectivamente ao nosso alcance ... a sensação de vazio, de um vazio atroz e doído, atazana-nos o espírito e confronta-nos com a nossa insignificância frente ao determinismo da existência !
É assim ...
Mais uma gota de água nesta sensação de desconforto que me invade ... mais uma adenda a esta história que vai sendo escrita com letras de angústia, de mágoa e de cansaço ... dia após dia ... há demasiados dias já !!!

Até amanhã !  Fiquem bem, por favor !

Anamar

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