terça-feira, 21 de abril de 2020

" AQUI DA MINHA JANELA " - HISTÓRIA DE UM PESADELO - Dia 41





RADIOGRAFIA  DE  UMA  CRISE

Quarentena, na verdadeira acepção da palavra foi completada por mim ontem, com quarenta dias exactos do isolamento social voluntário, que me auto-determinei.
Têm sido dias de altos e baixos, dias mais positivos, mais negativos, dias de entusiasmo inicial, de um sentimento poderoso de que nada nos poderia ultrapassar ou escapar.  Bastaria que quiséssemos.

Estávamos então no início de todo este percurso, cheios de uma curiosidade pelo inusitado do que estávamos a viver, com a convicção de que era apenas um período mau, um período tenebroso das nossas vidas ... e que, como dizem os arco-íris desenhados pelas crianças ... tudo vai ficar bem !

Foram os tempos em que as pessoas  todas, conhecidas, amigas, vizinhas, companheiras, se comunicavam, se escreviam, se falavam, se apoiavam por palavras, por mensagens, por vídeos, por música, por filmes, por partilha de informação e entre-ajuda.
Eram os dias em que, ao ligar-me à Internet ao acordar, pingavam no telemóvel, clique a clique, os sinais de vida lá fora, as vozes sem rosto, os afagos sem mãos, o embalo sem colo, o ombro, os braços e os corações dos que de longe se faziam perto ...
Apesar dos pesares, apesar do que nos lamentávamos, havia uma "união" e uma cumplicidade que se sentiam latentes, e que nos uniam a todos, nos uniam ao Mundo !
Era o tempo das canções nas janelas, das palmas que se batiam, da solidariedade visível ... cá, e lá fora, numa busca de ânimo e renovação das forças de cada um, e de todos.
Eram sinais de esperança e de gratidão.  Eram sinais de apoio, de presença ... mas também, formas indirectas de afecto e de conforto, para com todos os que permaneciam presentes, no aperto.

Nas casas, sós ou acompanhados, inventava-se, reinventavam-se formas possíveis e quase impossíveis de ocuparmos o tempo que sobrava, quando os minutos duram horas e estas duram intermináveis dias ...
Lia-se muito, escrevia-se, desenhava-se, pintava-se, jardinava-se, faziam-se bolos e doces, ou pão ... Tudo servia para que continuássemos a sentir-nos úteis, para que fôssemos contando as nossas histórias ... para que nos mimássemos ... para que nos sentíssemos vivos !
A rua era o destino escasso e curto para aquisição dos bens essenciais, ou para que os músculos não parassem totalmente de mexer ... já que o exercício físico é determinante para a manutenção de alguma sanidade mental.
Quem trabalha a partir de casa, tem tarefa dupla a cumprir.  Quem tem crianças ou jovens em casa, experimenta uma jornada múltipla, complicadíssima ... acredito.  Uma tarefa a recriar-se continuamente, sem que sequer alguma vez tivéssemos congeminado ter que vir a fazê-lo na vida, algum dia ...

Entretanto acompanhamos as notícias.  As nossas ( as que nos dizem mais directamente respeito ), e as internacionais, coleccionando sustos em cima de sustos, interrogações em cima de interrogações, angústias em cima de angústias ...
O medo, o pavor pelo desconhecido imprevisível  face ao panorama devastador de países próximos, as leituras, as interpretações mais ou menos dramáticas, as previsões mais ou menos catastróficas, de acordo com as fontes, com a honestidade e a credibilidade de quem veicula a informação, as determinações mais ou menos rígidas por parte das entidades responsáveis, bombardeiam-nos vinte e quatro sobre vinte e quatro horas.
Sempre anseio estar actualizada - não se pode dormir no ponto - sempre me interesso por acompanhar as diferentes posições científicas e correntes de opinião, desde que devidamente fundamentadas, as informações que em permanência nos chegam ... os avanços e os recuos, não só a nível sanitário, mas também económico e político, neste desvario que assola o planeta ...
Dessa forma, creio que a angústia capitula um pouco, já que sempre receamos mais, o que desconhecemos.

Bom, e chegamos ao dia de hoje, a menos de duas semanas para o levantamento do Estado de Emergência.
Portugal continua, em dados estatísticos, a viver um planalto rebaixado nas curvas epidemiológicas quer dos infectados, quer dos óbitos.  Há, por assim dizer, a manutenção de um equilíbrio diário. Morrem menos de trinta pessoas por dia, e o crescimento das infecções também tem sido paulatino, o que permite uma resposta com alguma calma e sem rupturas, quer em termos humanos, dos profissionais de saúde, quer em termos do equipamento imprescindível aos casos mais graves, como sejam os ventiladores.

Este, é por assim dizer, um período de confirmação e reforço do que está feito.  Um período de certificação mas também de respaldo para o que há-de vir.
Resta-nos aguardar ... ir aguardando, com a tranquilidade possível e com a confiança que conseguirmos reunir dentro de nós, certos de que continuaremos a pautar-nos com razoabilidade e prudência.
O futuro que desejamos, tem que ser ganho no presente que vivermos !...

Até amanhã !  Fiquem bem, por favor !

Anamar

segunda-feira, 20 de abril de 2020

" AQUI DA MINHA JANELA " - HISTÓRIA DE UM PESADELO - Dia 40



Cada dia me levanto mais tarde.  Saio da cama sempre em protesto, e perguntando-me qual a urgência de o fazer, se a cadeira do computador está a três metros da cama, se o sofá onde não leio, está a meio metro, se tudo está mesmo ali ao lado ?!  Tudo o que é praticamente a minha realidade neste momento !...
Porquê a pressa ???
Hoje seria dia de caminhar.  A mata lá estará, com os trinados da passarada, com o seu saltitar de galho em galho ... com o silêncio expurgante dos meus fantasmas diários ...
Só que a meteorologia não percebe nada destas coisas, destas necessidades de quem vai ficando mais e mais esgotado, anestesiado e indiferente quase, já a tudo.  Sem paciência, vontade ou com o nível de entusiasmo e foco, nos limites mínimos ...
Chovia torrencialmente, como num verdadeiro dia de Inverno.  Até granizo despencou de um céu plúmbeo, sem promessa ou brecha ...
Fiquei, olhando desalentada para os vidros da janela.  Amanhã, talvez !

Neste momento, se fizer um rastreio sério àquilo que no meu interior perpassa, uma única palavra me define : desânimo !  Um desânimo atroz, um cansaço sem limites, uma fragilidade de me sentir simplesmente "pedaços" ...
Pedaços de qualquer coisa que fui, pedaços de qualquer vida que vivi, pedaços de qualquer sonho que me abandonou ...
E choro.  Choro com toda a incontenção do mundo ... Eu, que até quando a minha mãe partiu, no que foi o maior desgosto dos meus últimos anos de vida, pouco consegui chorar ...

Busco diariamente os números das nossas estatísticas, já nem me dou conta do que vai pelo planeta ... Encolho os ombros e silencio.
Não consigo estar receptiva à dureza da realidade sanitária, económica e humana que envolve o Homem, neste momento.
Dificilmente convivo com a incerteza daquilo a que chamam futuro, e sinto, com revolta, que se ele ainda existir, nos está a ser rudemente extorquido ...
Leio, vou lendo artigos, depoimentos, informações, gráficos e mais mapas com abrangências diferentes, que circulam nos media, e que têm o dom de me deixar os miolos em fervura lenta.
Leio um, bem esgalhado, bem fundamentado, de fonte credível e penso : " pois ... é isto! É lógico, faz sentido, deve ser correcto ".
Leio outro, bem esgalhado, bem fundamentado, de fonte credível ... e de novo penso : " isto vem ao encontro daquilo que me inquieta.  Explica-se bem a situação, parece correcto ".
E mais outro e outro e outro ... e o "ruído" na minha cabeça, entontece-me e alucina-me.
Defendo ou alinho com o quê ?
"Não sabemos ... não sabemos ... não sabemos " ... diz outro.

Mas um destes dias "abrem-me" a porta da gaiola.  Um destes dias "jogam-me" na rua, outra vez, fazem-me acreditar que o amanhã voltou, "tudo vai passar, ou tudo está a passar ... ou tudo já passou" ... e eu vou ter que viver outra vez ao sol, lá fora.  E nem sequer sei se aprendi alguma coisa.  E nem sequer tenho a certeza que se quiser voltar a abraçar, a beijar, a olhar ... simplesmente ... aquele que divide a calçada, o transporte, o ar , comigo ... se o possa ... se o deva fazer...
Voltar ao normal - não é sequer a questão de estar confinada - é voltar ao "normal" ...
E o que é o "normal" ?
Se nós já não somos os mesmos ! Se nunca mais o seremos ! Se as nossas vidas foram enrodilhadas, como se faz a um papel imprestável que se vai jogar no lixo ?!
Com prudência, devagar, com cuidado ... dizem as pessoas ... dizem as autoridades de saúde.
Mas nem sei sequer o que isso é ! Poderei ir ao café e reunir na mesa amigos do "antes" ?  Sem me sentir inquieta, desconfortável, a pisar sobre brasas ?!...
Posso conviver desarmada, ir ao cinema, olhar aquele Centro Comercial fantasma, escuro e silencioso  com a desenvoltura de outros dias ?!  E ver montras e experimentar modelitos, com a displicência de jogar tempo fora ?!
Conviver com o vírus que vai ficar por aí ... Conviver, como com todos os outros vírus, que já nos invadiram as vidas  - diz-se ...
Apenas não, com esta proximidade ... Apenas, não, com esta intrusão violenta ... Apenas não, com este terror semeado ...

Como podemos seguir em frente, com a mesma inocência de antes, se os camiões de mortos circularam em Bérgamo ?!
Se os nossos entes queridos desceram ao sepulcro, no abandono de uma não despedida ?!
Se no mundo correm rios de sangue de corações e almas despedaçadas ?!
Se os cantares esvoaçaram das janelas e das varandas iluminadas, para que o medo não passasse ?!
E as palmas se eternizaram em homenagem e em honra dos que lutam na linha da frente, em dádiva, em entrega, com denodo e coragem ?!  Na expressão singela da nossa infinita gratidão ...
Como podemos seguir em frente ... se as nossas crianças e os nossos jovens vivem um atropelo que jamais esquecerão nas suas vidas e que também a eles, coartou o sonho e a liberdade de asas ?!
E os nossos velhos, muitos, demasiados,  não tiveram mais fôlego para respirar, para ter esperança e esperar verem os seus outra vez, à cabeceira, nos lares de solidão ... e partiram ?!...

Como posso seguir em frente se aquele mar, aquela serra, aqueles cheiros, aquele sol quente que me aquece a alma estão longe, longe ... e são irresgatáveis, porque nem eu resgato a pessoa que já fui ...

Enfim ... como o dia, assim estou eu, tentando olhar uma nesga de azul perdida no meio da tempestade, lá fora ...

Anexo três artigos de opinião, que ilustram tudo aquilo de que falo.  Três artigos que deixo à vossa reflexão.  A informação será a arma do nosso esclarecimento, sempre !
Talvez amanhã seja um novo dia ...

Até amanhã !  Fiquem bem, por favor !


ENTREVISTA  COM  ANDRÉ DIAS - Doutorado em Modelação de Doenças Pulmonares pela Universidade de Tromso, na Noruega






" Eu não aguento muito mais "

É imperioso um equilíbrio.  Não podemos ficar fechados em casa muito mais tempo.  Precisamos de viver.  Precisamos de conviver.  Precisamos de nos mexer.  E precisamos de cuidar de todas as outras doenças.


19 Abril, 2020,  00:02   - VANDA GUERRA-  Revista "O Observador"


"Pior que morrer, é morrer sem viver". -  André Pengorin


Decorridas cinco semanas de confinamento, sinto-me no limite.  E confesso que me estou a borrifar para os números do Covid-19, sigo-os muito por alto.  Pareceu-me importante no momento inicial ficarmos o mais resguardados possível, quer para proteger os mais frágeis quer para "testar" a nossa capacidade de resposta, em recursos materiais e humanos.  Dar tempo aos profissionais de saúde de se prepararem e identificarem a melhor forma de gerir o que aí vinha.


Uns chamam-nos milagre, outros dizem que estamos piores que os outros.  Na realidade, independentemente dos números, vários são os cientistas que consideram este vírus tão perigoso ou mortal como qualquer outro.  Ainda esta semana, Maria Manuel Mota, directora do Instituto de Medicina Molecular, disso ao Expresso que, " este é um vírus que "quer viver " e vai-se adaptando a viver connosco.  E nós vamos ter de adaptar-nos a viver com ele ".

Uma coisa é certa : "não é o primeiro, não será o último, temos constantemente vírus nas nossas vidas.  Este é mais problemático do que uns e menos do que outros".  Acrescenta ainda que " na sua opinião pessoal, é necessário proteger os mais idosos mas não se pode "estagnar" a vida dos mais jovens".  Se ela o diz que é cientista, quem sou eu para discordar ?  Mas nem chego a desacordo, antes pelo contrário, concordo em absoluto.

O confinamento aconteceu uma semana antes de ter sido decretado pelas autoridades.  Nós, portugueses, temos mostrado mais sabedoria e maior maturidade que as autoridades todas juntas.  Fomos nós que avaliámos e percebemos o timing certo para o início deste confinamento e agimos de imediato.  Decorridas cinco semanas, parece-me ser o momento de, com algum afastamento e a protecção possível, recuperarmos a vida normal.  Não é só a economia que não aguenta.  Eu também não.  Sinto a minha saúde- para já física mas em breve, mental - a deteriorar-se por estar em casa.  E sim, eu sou uma privilegiada, que tenho casa e acesso ao que é essencial.


No Uganda uma mulher morreu enquanto tentava percorrer 3 Kms a pé para dar à luz no hospital mais próximo porque os taxistas recusaram levá-la.  São realidades incomparáveis, com um ponto único em comum - qual é o limite para o afastamento social?


É imperioso encontrar um equilíbrio.  Não podemos ficar fechados em casa muito mais tempo.  Precisamos de viver.  Precisamos de conviver.  Precisamos de nos mexer.


E precisamos de cuidar de todas as outras doenças.  Para quem gosta de números, também há números de mortes não Covid-19 - e comparativamente com os anos anteriores, aumentaram.  Porque as pessoas têm receio de ir ao hospital e porque os hospitais cancelaram todos os exames "não urgentes".  Como é que sabem se são urgentes ou não?  Eu por exemplo, tenho uma dor nas costas e dormência há meses.  Como não sou de me apressar a ir ao médico, só fui passados uns 4 meses.  Marquei os exames recomendados para daí a mais uns 2 meses.  Foi tudo cancelado.  Não estou preocupada com o meu caso particular que, seguramente, pode esperar.  Mas eu interrogo-me sobre outras situações.  Quantos exames cancelados poderiam denunciar situações que requerem tratamento urgente?


Não podemos passear ao ar livre mas podemos estar horas numa fila de supermercado?  Não podemos passear sozinhos na praia mas podemos passear o cão no jardim?  Não podemos ir a um restaurante mas podemos comprar comida online ou take-away e ver grupinhos de "Uber eats" junto ao McDonalds à espera de pedidos ?  Não nos podemos deslocar de carro sozinhos ou família mas os polícias que nos controlam os passos podem estar em amena cavaqueira, sem qualquer cuidado com distâncias ou protecção pessoal ?


Os meus pais, na casa dos 80 anos , reclamam por não verem os netos.  Dizem eles que preferem ficar doentes do que não verem os netos.  E eu, apesar de os contrariar, percebo e concordo.  Qual é o ponto de prolongar a vida de qualquer um de nós se não a pudermos viver ?  Se temos de ficar longe de quem mais gostamos ?  Se não podemos fazer o que mais prazer nos dá ?  E na realidade, se isto é verdade para todos, não será mais ainda para eles ?


O ponto está no equilíbrio e esse tem de estar no bom senso e responsabilidade de cada um de nós.  Obrigar a este confinamento muito mais tempo não mata só a economia.  Mata-nos a todos.




"Eu  explico"


JOSÉ MATOS -   Bastonário da Ordem dos Biólogos


18 Abril 2020,  1,01 h



Vamos parar de adivinhar o comportamento de um vírus que não conhecemos, apenas com base em modelos matemáticos de utilidade incontestada, mas que não conseguem incluir na equação os múltiplos parâmetros que afastam a Biologia das ciências exactas.



Atribuem-se muitas histórias e citações a grandes nomes da ciência.  Uma das minhas preferidas, independentemente de ser verdadeira ou lenda, é a de que um jornal Norte Americano terá encomendado ao cosmólogo Carl Sagan um artigo de cinco mil caracteres sobre se haverá vida noutros planetas, ao qual o cientista enviou como resposta uma página inteira com a mesma frase :

 " Não sabemos !  Não sabemos !  Não sabemos !"

Como eu gostaria que muitas pessoas actualmente seguissem este exemplo e se inibissem de publicar palpites, diagnósticos , prognósticos, gráficos sobre a Covid-19, quando a resposta deveria ser : 

" Ninguém sabe !"

Vamos então responder correctamente a algumas questões :


- Quando vamos atingir o pico.  Em que dia / semana ?   - Não sabemos !


- Quando será seguro sairmos todos à rua / os estudantes voltarem às aulas presenciais ?  - Não sabemos !


- Quem já apanhou Covid-19 ficará imune e não pode voltar a ser infectado ? - Não sabemos !


- Quando teremos uma vacina ?  Uma única vacina será suficiente para toda a população mundial ?  -   Não sabemos !


Na realidade, o " Não sabemos" é a resposta curta.  A resposta mais completa é : " Ainda não sabemos.  Podemos fazer uma previsão, mas ela será tão falível que não constitui um exercício interessante nem muito útil !"


E porque não sabemos ? Por duas razões principais : 


I) porque estamos a enfrentar um vírus até à data ainda desconhecido ( chamemos-lhe "novo" para facilitar    e 


II) porque estamos a assistir a uma interacção entre vírus e humanos influenciada por inúmeros factores que não controlamos.


Estamos perante várias áreas das ciências biológicas ( virologia, imunologia, fisiologia, epidemiologia, ecologia, etc ) e temos que entender que o objecto de estudo da biologia - a Vida - é muito complexo e distinto.  O valor de "pi" é igual aqui e na China.  Um átomo de hidrogénio é igual aqui e na Austrália.  Mas nenhum rato é idêntico a outro, em Portugal e em qualquer desses países.  Porque ainda que fossem geneticamente muito iguais, o ambiente que os rodeia é distinto e dezenas ou centenas de factores irão influenciar o seu comportamento.


E por isso, podemos criar cenários e fazer projecções, por comparação com outros coronavírus conhecidos ; podemos comparar esta com outras epidemias, mas a realidade é que não sabemos se este vírus irá ter um comportamento semelhante ao de outras situações já conhecidas.  Sabemos desde já, por comparação do material genético deste novo vírus isolado a partir de milhares de pessoas infectadas em todo o mundo, que os vírus que circulam em Portugal já não são geneticamente iguais aos que circulam na China e não são todos geneticamente iguais entre si.  Serão essas diferenças significativas ?  Mais uma vez : Ainda não sabemos !


Mas então nunca vamos saber ?


Sim, iremos ter respostas a todas essas perguntas.  Iremos ter vacinas eficazes, muito provavelmente iremos ter medicamentos anti-virais mais eficazes e específicos.  Mas para que isso aconteça são necessárias duas coisas fundamentais e interligadas : Tempo e Ciência.


É necessário tempo para perceber não só como se comporta o vírus em função da imunidade crescente da população, em função da temperatura, da humidade e de muitos outros factores ambientais, mas também tempo para percebermos qual o grau de eficácia das medidas implementadas pelos governantes nos diferentes países, e acima de tudo qual a capacidade dos cidadãos para cumprirem essas medidas.  Basta que uma centena de pessoas potencialmente infectadas ignorem olimpicamente as medidas de distanciamento social, e todas as projecções puramente matemáticas caem por terra, como temos assistido quase diariamente.


E é preciso Ciência porque tem sido ela que nos últimos séculos nos tem permitido vencer estes desafios ( e chamo-lhes desafios para não aborrecer aqueles que, por qualquer razão, encaram de forma demasiadamente literal e repudiam a palavra "guerra", embora depois utilizem calmamente expressões como "luta contra a epidemia" e "enfrentar esta batalha" ).

Foram as vacinas, os antibióticos, o diagnóstico molecular e tantos outros avanços que nos têm permitido e irão permitir encontrar as respostas para todas as nossas perguntas, que nos trarão a prevenção, o diagnóstico e o tratamento.  Não serão as curas milagreiras das redes sociais, divulgadas por alguém que sem qualquer evidência científica reclama saber mais do que todos os cientistas do mundo.

Por isso, vamos parar de adivinhar o comportamento de um vírus que não conhecemos, apenas com base em modelos matemáticos de utilidade incontestada, mas que não conseguem incluir na equação os múltiplos parâmetros que afastam a Biologia das ciências exactas.  Vamos ser ( muito ) solidários com quem tem a difícil responsabilidade de tomar todas as decisões indispensáveis e vamos dar o tempo e os recursos necessários aos cientistas para que possam ajudar a chegar mais rapidamente ás soluções desejadas.  Concentremo-nos nisso e não em ficar felizes porque ao contrário de ontem e de amanhã, a nossa previsão do número de infectados hoje acertou.



Anamar

domingo, 19 de abril de 2020

" AQUI DA MINHA JANELA " - HISTÓRIA DE UM PESADELO - Dia 39



Sinceramente hoje estou tão pardacenta quanto esta atípica tarde, em que nuvens caminheiras vão circulando num céu igualmente pardo.
Estou com uma neura daquelas !
Ontem sábado, com um sol primaveril que nos privilegiou, de novo o desrespeito pelas normas de confinamento se verificou, provocadora e descaradamente.
Os carros, em veraneio, fizeram-se à margem sul em busca de mais sol, praias e liberdade.  No paredão da linha de Cascais, a tarde parecia a de um ameno dia de normal fim de semana, em matéria de lazer.  Famílias passeavam calmamente, gente caminhava com cães, ou simplesmente fazendo jogging igualmente com toda a normalidade do mundo.
A televisão mostrou ... e eu sinto-me "vendida" !
Aqui estou, a bater com a cabeça nas paredes, a limitar à exaustão todos os movimentos passíveis de ferir as regras da emergência ... privando-me do convívio próximo de quem gosto, limitando-me a escutar as vozes de longe, a ver os rostos numa dimensão de 10 por 5, a respirar o ar e o vento pela nesga da janela aberta ... a sentir a vida lá fora, à distância do medo, do cansaço e do desânimo ...

E penso ... se isto é agora, em que pelo facto das estatísticas portuguesas para a pandemia, serem favoráveis por ora ... se isto é agora em que o sol ainda não veio, convincente, fazer-nos negaças lá de fora, e o apelo do mar preguiçoso ainda não nos atormenta a alma ... em que as temperaturas ainda não impõem o biquini e as saudades das viagens e dos passeios para lugares que sempre sonhámos, ainda não nos fazem cócegas na sola dos pés ... se isto é agora, dizia, o que virá a ser dentro de duas semanas, quando o isolamento e o distanciamento sociais  não parecerem tão imperiosos, e as regras de confinamento forem abrandadas pelas autoridades de saúde ?!
Sabemos sermos um país de brandos costumes.  Um país de gente imbuída de uma bonomia própria, e de uma lassidão que sempre encara com uma margem de optimismo o que é, e o que há-de ser ... e é exactamente esta nossa faceta enquanto povo, que me assusta.
Porque depois, quando a trovoada já for brava por cima das nossas cabeças, lembrar Santa Bárbara, de pouco adiantará ...

Estas manifestações de irresponsabilidade, de desrespeito e de total indiferença face a quem, a pé firme e a duras penas, continua sem vacilar na sua vida de restrições, de dificuldades, de solidão e de silêncios que pesam gradualmente mais e mais, incomodam-me e desconfortam-me, já que o interesse é de todos, porque o benefício também o será ...
Se pensarmos então nos profissionais de saúde, cuja vida corre riscos diários ao serviço da comunidade, este pouco caso, chega a ser insultuoso, direi mesmo, criminoso !

Não nos convençamos que alguma estrelinha nos protege lá de cima ... não acreditemos que apesar dos pesares, e de tudo o mais de que já falei e os media difundem, somos alguma estirpe de privilegiados a quem a tragédia poupa e o vírus esquece ...
Não nos convençamos ...

Fico-me por aqui, hoje.  Estou sem gás, sem chama e sem luz.  Tanto chão pela frente, tanto cansaço no coração ...
Tanta perda de tempo ... em que cada dia, é uma folha deixada em branco irreparável e irreversivelmente, na vida que nos calhará em sorte !!!
E isto, este hiato nas nossas existências, este intermezzo  na história que estamos a deixar de escrever ... é vida perdulariamente interrompida, é vida suspensa ... num destino que já é curto ... é vida adiada injustamente !!!...

Até amanhã !  Fiquem bem, por favor !

Anamar

sábado, 18 de abril de 2020

" AQUI DA MINHA JANELA "- HISTÓRIA DE UM PESADELO - Dia 38



ISOLAMENTO  SOCIAL "INVOLUNTÁRIO"

Passo para lá e olho.  Regresso e volto a olhar ...
Aquele simulacro de "residência" já ali existia bem antes da Covid 19.  Aliás, acho que existe ali, desde sempre !
Calha-me no caminho da mata.
Quem a habita, nunca vi ... mas eles, os dois cães companheiros de desdita, sempre por ali estão, com a típica fidelidade, na defesa do território do dono.
Há camas improvisadas bem debaixo da varanda do prédio, na tentativa de que a chuva, quando cai, os não atinja.  Também existe uma casota, para o caso de intempérie brava.  Comida e água, nunca me apercebi que tivessem.  Não sei se alguma alma caridosa se atravessa ...

Passo ... mas passo ventando.  Aliás, neste momento as pessoas correm, caminham pressurosas, como se fugissem, desviam a rota se cruzam outras.
O isolamento social prudente, a distância social de segurança e todas as medidas divulgadas insistentemente pelo SNS e por todos os órgãos de comunicação social, a isso nos remetem.
Há que respeitá-los sem vacilações, irresponsabilidade ou comodismo.

Pois ...
Como se cumprem aqui e em muitas realidades análogas, essas medidas ?!
Aperta-se-me profundamente o coração.  Afinal, cá, como na América, no Reino Unido, como em muitos outros países, sempre serão os mais desfavorecidos, os que neste contexto, engrossam as valas comuns ...

Estamos no terceiro, e à partida último período de vigência do estado de emergência decretado pelo Presidente da República, e não será de bom aviso deitar a perder todo o esforço desenvolvido até aqui, com incontestáveis bons resultados.
Se tudo correr como é desejável, se pouco nos fugir ao controle, depois de 2 de Maio o país abrirá, repito ( dentro de baias devidamente acauteladas ), as medidas ferozes da  contenção que temos vivido.

Esse período de transição, essa ponte de alcance de alguma normalidade, será, do meu ponto de vista, mais difícil ainda de atravessar, do que a nossa realidade diária.
No estado actual, conhecemos claramente as regras. Aliás, elas estão já tão assimiladas, que praticamente desenham alguma rotina nas nossas vidas.
Sabemos claramente o que podemos ou não, fazer, até onde devemos ou não, avançar. 
É fácil obedecer !
Mas como a criança ou o jovem que cumpre directivas paternas, reclamando, esticando, explorando uma brecha possível, e que de um dia para o outro fica entregue a si próprio, à sua responsabilidade, ao seu livre arbítrio, à sua desejável maturidade... que de um dia para o outro, sente em si as dores do crescimento e a seriedade do momento ... que de um dia para o outro, sente finalmente como é caminhar no arame sem rede ... assim me sinto eu, na eminência de uma porta aberta lá ao fundo, que hesito transpor ... no receio de me ofuscar com a luz que ilumina o fundo deste interminável túnel ...
E tenho medo ... muito medo !

Receio a solidão que nos deixa o esvaziar desta ânsia, que agora sentimos e desejamos.
Receio o vazio desta euforia que agora nos reergue, queda após queda.
Receio a escuridão de águas turvas que não nos deixam divisar o fundo ... que não conhecemos exactamente ...
Olho os meus gatos ... observo atentamente a reacção de qualquer felino se, de repente, se lhe abre a porta da jaula, se lhe libera o confinamento.
No desconhecido, caminha como se pisasse nuvens de algodão.  Testa, tacteia, analisa, cheira ... silenciosamente não arrisca, desconfiando para acreditar ...
Assim me sinto eu e certamente muitos de vós, desconhecendo o dia de amanhã ...

Lembrei Drumond de Andrade, no seu poema " José", de que seleccionei este pequeno excerto.
Sinto que ele traduz com muita fidelidade, aquilo que neste momento experimento e me assusta !...


 "José" 

E agora, José ?
A festa acabou,
a luz apagou,
o povo sumiu,
a noite esfriou,
e agora, José ?
E agora você ?
Você que é sem nome,
que zomba dos outros,
você que faz versos,
que ama, protesta ?
e agora, José ?


Até amanhã !  Fiquem bem, por favor !





Anamar

sexta-feira, 17 de abril de 2020

" AQUI DA MINHA JANELA " - HISTÓRIA DE UM PESADELO - Dia 37




Até as papoilas ...

O "milagre português" ... é título na media internacional, referindo a forma controlada, aparentemente milagrosa, como, de mansinho, de mansinho, temos conseguido avançar na evolução desta louca tragédia que afecta a Humanidade.
Infectados que ainda não atingiram vinte mil, óbitos que ainda não atingiram os setecentos, são números que parecem não fazer sentido, face à loucura crescente de um mundo à beira de uma sangria inenarrável.
Toda a Europa continua a ser devastada desaustinadamente por este vírus assassino.  Países que pareciam respirar já, uma acalmia face aos valores dos últimos dias, sugerindo uma estabilização das suas curvas epidemiológicas, voltam a disparar, num período de vinte e quatro horas.
É o caso da tão martirizada Itália, já não falando de outros totalmente fora de controle, como o caso do Reino Unido ou dos Estados Unidos da América ... ou mesmo da tão primeira-mundista Suécia !...

Na minha história de ontem, referi e louvei a forma como tem sido abordada e tratada a ameaça que nos assola.  A forma como o Governo e o Presidente da República têm conseguido mobilizar toda a sociedade civil, no sentido de a envolver e de a corresponsabilizar no ataque à mortífera pandemia.
Sabemos que temos a nosso favor, o facto de termos fronteiras apenas com um único estado, Espanha, mas sem dúvida a assertividade e a oportunidade da implementação das medidas preventivas são a chave para este cauteloso sucesso.
No decretamento do terceiro período de emergência até 2 de Maio próximo, jogam-se as últimas cartadas da prudência e da proporcionalidade, exigíveis para que a "reabertura" do país, no que será uma transição cautelosa e progressiva, ocorra sem sustos, com eficácia e segurança.
Por ora o confinamento em casa, mais do que pedido, continua a ser exigido, para que a gravosa situação da letalidade ocorrida nos lares possa ser controlada, para que o Serviço Nacional de Saúde não fuja ao equilíbrio conseguido até aqui, e para que o Governo tenha tempo útil para definir caminhos e metas, prudentemente, por forma a que a economia possa sair da situação de recobro em que tem estado, e possa começar a dar os primeiros passos, faseadamente, para voltar a reerguer-se.
Tudo isto está a ser feito com muita maturidade, muita ponderação e muita responsabilidade.
Quando há transparência, diálogo e foco, as pessoas deixam-se envolver como participantes activos e agentes de solução dos problemas.  Creio ser isto a que se tem assistido.  Creio advir de tudo isto, esta força mobilizadora e ferozmente controlada, com que se dão, titubeantemente, é lógico, os pequenos passinhos, rumo à vitória final !

Portanto, Portugal não é um país de milagre !  Não !  Portugal é um país de muitos milagres, isso sim !
Se não veja-se :
As fronteiras foram fechadas.  As terrestres, passaram a ser totalmente controladas.  Os aviões pousaram e quase não levantaram mais.  A TAP, nossa companhia aérea de bandeira, de 400 voos diários, opera agora 7, por semana !
As escolas, depois de surgidos os primeiros sinais de alarme de contágio, encerraram genericamente.
Os alunos recolheram a casa em quarentenas profilácticas.
Mas o segundo período lectivo estava a terminar, rumo às férias da Páscoa, seguindo-se-lhe um terceiro período escolar, totalmente indefinido em termos curriculares.  Havia que contornar esta situação.  As crianças e os jovens não poderiam ficar barrados no prosseguimento dos seus estudos.
Os professores, regressados também a casa, iniciaram actividades de tele-trabalho, à semelhança do que ocorreu em todas as actividades passíveis de se coadunarem com esta prática.
Reinventou-se uma forma de leccionar à distância, das aulas ocorrerem em regime de vídeo-conferência.  A velhinha tele-escola foi recuperada e ajustada aos currícula de cada ano.
Nem todos os alunos dispõem contudo, de meios informáticos em suas casas. As assimetrias sociais não permitem, como sabemos, a muitas famílias proverem as condições ideais de vida.
Pois bem, tentou contornar-se a situação com dádivas de computadores, da parte de várias entidades ou pessoas individuais, inclusive da parte de empresários com material obsoleto, mas suficiente para a situação, nas respectivas empresas.
No SNS havia naturalmente carências  não só do necessário à protecção individual dos profissionais, como de ventiladores, máscaras, testes de despiste, e outros ... Portugal foi aos mercados internacionais, adquiri-lo, numa corrida contra o tempo e em concorrência com todos os países contaminados, igualmente deficitários.  E tem conseguido suprir as faltas.
Reorganizaram-se os hospitais, vocacionaram-se e redefiniram-se as valências, para acorrer não só aos doentes pandémicos, mas a todas as outras morbilidades.
Criaram-se, com envolvimento da sociedade civil e das forças de segurança, entre elas o exército português, hospitais de campanha, em espaços de improviso.
Grande parte das empresas encerraram, por inviabilidade da sua habitual prestação de serviços. Pois bem, a maioria, reconverteu a sua actividade.  Por exemplo, no sector da restauração, não podendo haver funcionamento normal em restaurantes, hotéis e afins, partiu-se para o sistema de take-away.  É impressionante o número de motos da Uber-eats, da Glovo, da Telepiza e outros, que circulam na distribuição de alimentos.
Grande número de empresas que encerraram, entraram em regime de lay off, beneficiando da ajuda económica transitória, do Estado. Muitas delas reconverteram as suas actividades, no sentido de produzirem material necessário aos técnicos de saúde ...
Muitas, sobretudo na área têxtil, redimensionaram a sua actividade para a confecção de equipamentos, e fábricas de peças para o sector automóvel, produzem agora viseiras e óculos usados em meio hospitalar.
Não há gel alcoólico para protecção, nos hospitais e na sociedade ?  Fabrica-se !
Não há máscaras de protecção suficientes para os cidadãos ?  Confeccionam-se em casa, ou em empresas de têxteis que haviam deixado de laborar, por forma a deixar as cirúrgicas para os técnicos de saúde, a quem são imprescindíveis ...
O pessoal que trabalha nas residências séniores, extenuados uns e contaminados outros, não conseguem responder às necessidades ?  Surgem voluntários, jovens, alguns estudantes da área de saúde !...
Pais que têm a seu cargo crianças com idade inferior a 12 anos, com creches encerradas e que sem aulas presenciais permanecem em casa, têm justificação na ausência ao trabalho, auferindo uma percentagem dos seus rendimentos-base.

Em suma ... tudo isto e mais o que neste momento me escapa, mostra um país determinado, apostado, reinventado, lutador e abnegado.
Mostra uma gente que honra a força e a coragem dos seus ancestrais.
Mostra um povo criativo que não soçobra, não cruza os braços e se redefine de acordo com os tempos, as necessidades e os imperativos.
Mostra o verdadeiro rosto de todos aqueles que, depois de voltarem a alicerçar as conquistas de outro Abril na nossa História ... sempre Abril ... anseiam abrir as portas a um Maio, florido Maio, de mais certezas, de mais alegria, de abraços e beijos, de lágrimas também ... mas seguramente de uma infinita PAZ que todos merecemos !...

Hoje, ao voltar da caminhada, deparei-me, nascendo da calçada, com um tufo de papoilas singelas e despretensiosas.  Olhei, surpreendi-me e sorri ... até as papoilas parecem ter-se reinventado também ... nestes tempos duros de Covid 19 !...

Até amanhã ! Fiquem bem, por favor !

Anamar

quinta-feira, 16 de abril de 2020

" AQUI DA MINHA JANELA "- HISTÓRIA DE UM PESADELO - Dia 36





O Dr. Li Wenliang foi o médico oftalmologista, do quadro do Hospital Central de Wuhan. que pelas piores razões assumiu o rosto da Covid 19.
Li  tornou-se no herói que sem esperar qualquer protagonismo, denunciou já em Dezembro de 2019 a existência do Corona Vírus, numa atitude de coragem, num contexto ditatorial e ultra conservador, como é o regime político chinês.
Tentou alertar os seus ex-alunos e a comunidade científica, sem outro objectivo que não fosse desencadear mecanismos de defesa sanitários, perante a perigosidade do referido vírus.
Foi por isso penalizado, e obrigado a assumir um falso alarmismo, perante a sociedade.
Em Fevereiro de 2020 Li contraíu a doença, tendo sido vítima da mesma, falecendo, com 34 anos a 7 de Fevereiro deste mesmo ano.

O vírus Sars-Cov2, também assim chamado, uma afecção respiratória que pode atingir uma expressão destruidora para o ser humano, é como sabemos ao dia de hoje, responsável pela infecção de mais de 2 milhões de pessoas, em quase 200 países e territórios, de todos os continentes, tendo já provocado a morte a mais de cento e trinta mil pessoas, no que é um varrimento trágico, em todo o planeta.
Arrasta consigo uma destruição massiva do ponto de vista sanitário, mas igualmente uma destruição sem dimensões previsíveis, para a economia dos estados.
Está a ser ainda, causa fracturante entre potências mundiais, seus interesses e políticas, e bem assim, no seio dos seus organismos representativos, presumivelmente defensores de princípios e  valores,  no pressuposto da entreajuda e defesa dos interesses comuns, aos estados membros.
Pois neste momento, as clivagens surgidas entre  as potências com diferente poderio económico ( as que o têm e as que o não detêm ), são vergonhosas.
A União Europeia e a Nato não chegam a consensos.  Muito difícil e laboriosamente são aprovados, precários compromissos de ajuda aos países da União, mormente os do sul da Europa, por resistência das potências como a Alemanha  e a Holanda.
Assistiu-se a atitudes miseráveis como a que o Ministro holandês de má memória, teve para com a Espanha,  Macron e Merkel chegaram a impedir a exportação de máscaras e gel desinfectante, argumentando serem necessários para o consumo interno, Trump fechou fronteiras aos voos oriundos da Europa ... Tudo isto, quando alguns se achavam talvez, acima da pandemia ...
Os tempos, infelizmente vieram  mostrar que nesta tragédia, não há filhos e enteados.  Todos os países estão a ser fustigados fortemente.

Sendo que a emergência sanitária mundial arrasta uma imediata emergência económica, vislumbram-se tempos profundamente difíceis para todos.
O estado português tem encaminhado com prudência, eficácia e assertividade o combate ao flagelo, no nosso pais.
Advém daí, a incidência apesar de tudo mais benévola, traduzida pelo número de óbitos e de infectados até ao dia de hoje, comparativamente a outros países, como Espanha, Itália, Reino Unido, França, Bélgica,  Holanda ... sendo que a Espanha divide connosco, a Península Ibérica.
Portugal assinala mais de dezoito mil infecções, para pouco mais de seiscentas mortes.
É verdade que a nossa única fronteira terrestre é com a Espanha, é verdade que se fecharam as fronteiras relativamente cedo, se encerraram as escolas e se decretou o primeiro estado de emergência, talvez atempadamente.
É verdade que se utilizou uma inteligente medida sanitária, ao integrarem-se a partir do SEF, os cidadãos em situação precária de residência no país, permitindo assim, que os mesmos tivessem igualitariamente acesso ao SNS, protegendo-se e protegendo.
É verdade que se tem buscado uma política de informação, transparência e forte mobilização das pessoas, com a massiva adesão à quarentena profiláctica.
É verdade que o povo português, se reinventou de todas as formas, se uniu e está em todo o terreno, a operar verdadeiros milagres.  As empresas paradas redimensionaram tudo aquilo em que poderiam ser úteis, e reformularam-se formas de trabalhar.

Surge-nos assim, uma Europa razoavelmente esfarrapada, com regimes democráticos que não se entendem.  Surge-nos uma América, símbolo do poder e da liberdade,  com o pulso totalmente perdido,  à pandemia.
Do outro lado, observa-se que o governo ditatorial chinês mostra eficácia e assume um modelo positivo e ímpar na esfera global.  Não só parece ter controlado a infecção no seu território, como se apresenta solidariamente ao lado dos países mais flagelados, com envio de pessoal de saúde e bem assim da oferta e da disponibilidade enquanto mercado, de toda a panóplia de necessidades para o combate ao vírus.
Da China estão a vir equipamentos de protecção individual para os técnicos de saúde e não só, bem como ventiladores e outros material em falta, como testes para despiste e controlo das populações.

Há quem diga que, um micro-organismo com um décimo de milésimo de milímetro de diâmetro " , está a ser capaz de transformar as democracias ocidentais e a levar-nos para um mundo mais ruim, mais pobre e mais pequeno ... em que cada país sabe de si, e a China sabe de todos " ...
Eu diria, perigosamente !...

Evidencia-se genericamente um reforço do poder do Estado, chamado a ter o papel de agir decisivamente, no relançamento das economias.
Avista-se a forte possibilidade de nacionalizações, maior investimento em sectores como a saúde pública, aumento do grau de vigilância e controle das populações.
Mesmo em países como por exemplo a Coreia do Sul, em que vigora uma democracia consolidada, os cidadãos são obrigados a ceder às autoridades, dados dos seus cartões de multibanco e de telemóveis por exemplo, para que possam ser  determinados horas e locais onde estão e onde vão.
Dessa forma, pode haver um controle das suas movimentações, e se os mesmos cumprem, se for o caso, ordens de confinamento.
Na China a liberdade de movimentos é controlada por códigos de cores, registados nos telemóveis pessoais, bem como a leitura imediata de dados de temperatura corporal e pressão sanguínea, por exemplo.
Obviamente que a generalização destes preceitos e da utilização destes dispositivos com acesso a dados biométricos, implicam perigosamente, a restrição das liberdades individuais.

Já se observam, aqui mesmo no ocidente, atitudes discriminatórias face a pessoas passíveis de constituírem risco, para outrem.
Ontem mesmo, os telejornais denunciavam que o carro de uma médica fora pichado com ameaças, pelo facto de ser uma técnica de saúde, lidando de perto com a Covid 19, uma funcionária de um super-mercado foi ameaçada e um outro cidadão, convidado a mudar de casa, por vizinhos do seu apartamento, por ser considerado condómino potencialmente perigoso.
Poderemos começar a assistir, por exemplo,  a empresários disporem-se a remunerar melhor, contratos que comprovem documentalmente, que um dado indivíduo é imune ao corona vírus ...
A Alemanha fala já num "passaporte de imunidade" ... dá que pensar !...

Outros riscos podem ser consequência desta brutal crise económica, que já estamos a viver.
Além da subida alucinante da taxa de desemprego, devida à paralisação quase total de todos os sectores económicos, mormente no nosso país, o sector da restauração, do turismo e dos transportes - vitais à nossa sobrevivência, e porque esta pandemia vai arrastar-se temporalmente - medidas como a do tele-trabalho e do ensino à distância, podem mesmo institucionalizar-se, ditadas pelas regras de distanciamento social que vai sendo exigível continuar a manter-se.
Esta situação pode arrastar, claramente, assimetrias familiares entre quem reúne e quem não, condições para ter capacidade de resposta a estes novos modelos.
São desigualdades que podem originar perda de empregos, de rendimento ou até mesmo de habitação.
Em consequência é defendida já, a ideia de um "rendimento universal básico" como ajuda do estado aos mais carenciados.  Nos Estados Unidos, Trump envia cheques compensatórios a estes agregados familiares.  Como é lógico, este tipo de medidas, reforça os regimes políticos que as adoptem ... garante votos nas urnas ...

Bom, não gostaria de deixar como nota desta minha história, uma posição premonitoriamente catastrófica.
Não é esse, o meu objectivo.  Ela reflecte, simplesmente, tanta e tanta coisa que paira na minha cabeça, neste trigésimo sexto dia de confinamento voluntário.

E para amenizar a minha prestação, dou-vos conta de uma faceta sorridente e positiva, do estado que se vive :
Com o confinamento mundial das populações, no sentido da preservação da sua exposição ao vírus, a paz reinou entre os animais ...
Assim, na costa do Brasil, em paz e silêncio de praias não devassadas, as tartarugas marinhas desovam tranquilamente em muito maior número ...
Numa cidade a nordeste de Banguecoque na Tailândia, os macacos que proliferam nas florestas, desceram em busca de comida, e invadiram livremente a cidade ...
No Reino Unido, cabras de Caxemira desceram do promontório de Great Orme, e passearam pela povoação, sem medos ou restrições ...
Em Barcelona os javalis, em Nova Deli os búfalos, em Londres, corças e veados e no Kruger Park da África do Sul, o rei da selva também desceu ao asfalto, aproveitando a paz e o silêncio da ausência de turistas !...

Sempre os dois lados da moeda ... Afinal, nem tudo é mau na vigência deste "maldito" !!!...




Anamar

quarta-feira, 15 de abril de 2020

" AQUI DA MINHA JANELA " - HISTÓRIA DE UM PESADELO - Dia 35





Comecei o meu dia, mal ... quase tolhida nos movimentos, mercê do agravamento da famigerada lombalgia que me desafia há tempo de mais ...
A noite não foi famosa, como se imagina, na inocuidade de Benurons que se riem da caixa, e nada fazem.
A caminhada foi "pro galheiro", obviamente.  Depois, a merda do dente, partido ontem, como vos contei ... não me deixou saborear condignamente, a ansiada e muito apreciada torradinha do breakfast ... Aliás, quase não me deixa é saborear nada ... ( desculpem, mas o isolamento dito voluntário e cheio de boas intenções, está a começar a fazer-me estalar o verniz ... 😃😃😃 )
Em seguida levei uma ensaboadela daquelas tipo "descasca pessegueiro", da minha filha mais velha, hipocondríaca que só, quando lhe disse que ia descer para a farmácia, para adquirir terapêuticas mais fortezinhas ...
Que não ... que ando a brincar ... que atravesso as filas do Centro de Saúde que se formam à minha porta ( vizinha que sou, do dito ), onde as pessoas que se aglomeram estão todas infectadas ... que não tenho nada que ir à rua, por nenhuma ainda que nobre razão ...e que depois não me queixe ... e blablabla ...

Até me lembrei de uma história humorística, mas real, que em tempos remotos ouvia contar, pela ironia :  a  mesma, respeita a um, hoje honorável médico, com uma licenciatura que deve ter durado três vezes o tempo curricular normal ... 😃😃😃 ).
Reza a voz do povo que o doutor X, nunca deveu grande coisa à inteligência, mas deveu sempre um medo reverencial ao seu pai, que nunca desistiu de o fazer doutor !...
Assim, em miúdo e adolescente, lá na santa terrinha, pouco participava das brincadeiras, das maroscas, das tropelias do grupo dos amigos da mesma idade.  O pai não deixava, controlava, limitava ... e meio à socapa, é que o protagonista desta história, se atrevia.
Um dia, o hoje doutor X, alinhou numa paródia com os amigos, não certamente sem ter o coração aos pulos, pela prevaricação.
Teve azar, acidentou-se com a bicicleta, ficou razoavelmente ferido, parece ... mas no meio do susto, e das dores do descalabro, o doutor X só dizia ... "Ai que se eu morria, o meu pai matava-me !"...
Tadinho do Tonito Rabiça !!!.... 😊😊

A história ocorreu-me é claro, pelo risco acrescido de, se eu, no meio de todos os cuidados, tiver a má sorte de apanhar a Covid 19 ... a minha filha mata-me !!!  Ahahah ... 😃😃😃
Esta nota de humor advém do meu conhecimento prévio, dos seus habituais fundamentalismos protectores.

Bom ... mas depois pensei : ela está em tele-trabalho ( trabalho de grande responsabilidade, que exige um rigor absoluto ) ... tem em casa três filhos ... todos com escolaridade à distância.
Sem empregada neste momento e pouco dada a tarefas domésticas ... deve padecer de um stress danado!
18, 15 e 12 anos,  fazem  prever  naquela  casa,  uma  antecâmara  bem  aproximada  do  manicómio ...

Aliás, sobre a experiência escolar ora vivida, eu, cuja vida profissional, foi exactamente a leccionação de jovens até à sua entrada universitária, escreverei alguma coisa numa outra história futura.
Sim, porque há que rentabilizar os temas, já que a coisa promete, temporalmente falando ...

Isto para não vos enjoar com a monotonia que vai preenchendo os meus dias ...
Isto, para variar um pouco das habituais e já pouco eficientes frases de ânimo, ou então de pesar, de dúvida ou de cansaço ... frases esperançosas que buscam um incentivo a quem nos rodeia, e que como um medicamento tomado em situações crónicas, cria habituação e já rende pouco ...
O emaravilhamento dos primeiros tempos,  a novidade e o "gás" que então possuíamos, começaram a esvaziar ... Creio poder afirmá-lo, generalizando mesmo.
A nossa disponibilidade de alma, apesar de espicaçada por tudo o que ainda nos vai pingando nos dispositivos que nos ligam ao mundo ... começa, penso, a claudicar razoavelmente.
Começamos a remeter-nos a um silêncio interior, próximo do silêncio que se vive nos espaços a que nos confinamos ...

Aqui em casa, o meu "tele-trabalho" passa quase exclusivamente pela escrita das minhas histórias ... pouco mais.
Ler, não consigo, pois não me concentro.  Trabalho doméstico de manutenção, os mínimos exigíveis, também é cumprido a duras penas.  Música ... sim, oiço em permanência. Acompanha-me enquanto escrevo.  Exercício físico ... vamos ver como ficamos ...
Ah ... é verdade ... estou num tele-trabalho danado, aqui na monitorização da bicharada , no jardim zoológico caseiro : dois séniores imbuídos dos medos que a idade, a prudência e uma vida doméstica até à actualidade, totalmente em paz, com territórios, hábitos e expectativas absolutamente  controlados lhes conferem ... e uma "teenager" escandalosa e inconsciente , que por ser jovem, de sangue na guelra, chegou achando que o mundo é dela e aqui o "pedaço" também ... deixam qualquer um alucinado e a bater razoavelmente mal !...
Gestão complicada ... afianço-vos !!!

Depois ... preciso dos meus afectos como do pão para a boca, preciso de beijos reais, de abraços reais, conversas reais e não à distância de uma câmara vídeo ... preciso duma boa discussão ( pode mesmo ser daquelas de telefone desligado e tudo ... 😄 ), preciso de ver caras além das máscaras, preciso de gente de carne e osso e não apenas o eco das suas palavras ...
Hoje, preciso mesmo disso tudo !!!... 😢😢😢

E por agora, já têm com que se entreterem ...

Até amanhã !  Fiquem bem, por favor !

Anamar

terça-feira, 14 de abril de 2020

" AQUI DA MINHA JANELA " - HISTÓRIA DE UM PESADELO - Dia 34




E a minha vida é isto ...

Começou o dia com o rosto de um lindo dia primaveril ... céu praticamente limpo, sol claro e aconchegante.  Até lamentei não poder dele usufruir mais directamente, já que hoje não era dia da caminhada.
Hoje, era aquele dia da semana em que, querendo ou não, entro numa angústia e num stress dos diabos ... era o dia semanal das compras !
Vou empurrando adiante, no horário, tentando inventar a melhor hora para descer, em que fosse mais favorável a afluência de utentes.  Aí pensei ... duas da tarde, compras para o almoço já foram efectuadas,  o jantar ainda vem longe, e com sorte, o pessoal está com os pezinhos debaixo da mesa a esta hora ...
Equipei-me devidamente, respeitando rigorosamente a cegada das luvas, da máscara, cartão multibanco para não manusear o dinheiro, lista das compras previamente elaborada pela ordem da distribuição dos artigos nas prateleiras, tentando perder o mínimo tempo possível no interior do espaço ( pois os supermercados são, como sabemos, lugares perigosos de exposição e potencial contaminação ) ... mais o papel para empurrar portas, carregar botões e pegar nos sacos ... enfim ... e lá desci ...
A minha praceta, como já referi, além de ser uma zona de circulação permanente entre utentes dos autocarros ( ponto de interface de vários destinos ) e utentes dos comboios da linha de Sintra, possui lado a lado dois supermercados, um Continente e um Minipreço, um talho, uma loja de conveniência, uma farmácia e não bastando, o acesso ao Centro de Saúde ...

Ao abrir a porta do prédio, tive uma visão surreal e para mim, "apocalíptica".
Como uma imagem vale mais que mil palavras, basta que se olhe para estes dois instantâneos que colhi e que mostram fielmente, o panorama que me aguardava.
Perscrutei quanto tempo me seria exigido na fila, com o gotejar dos utentes a um e um, como se sabe ... balancei num pé e noutro, e pensei ... vou-me embora ...



Mas o adiamento não resolveria, pois ao contrário do que uma senhora que se encontrava na fila, convictamente  dizia ao filho ... "as pessoas que moram aqui, têm imensa sorte, pois podem espreitar das janelas e escolher o momento em que haja pouca gente, para fazerem as compras ..." NUNCA vislumbrei um momento desses, desde que dura este filme de terror ...
É que, sempre que me assomo lá do alto do meu sétimo andar ... cá em baixo, quais formigas andantes, são sempre mais que as mães !...
Acho que, pelo que vejo, e pelo ar sonâmbulo e deleitado ( parece ), com que se passeiam pelos corredores, olhando os produtos calmamente, como se fosse o último dia das suas vidas ... a vinda ao super, encerra a escolha preferencial do seu passeio higiénico diário ...
Perto do encerramento sim, a fila termina, mas grande parte dos géneros também ... por exemplo os frescos, legumes e frutas.

Assim sendo, fiquei na fila.
Tinha perto de trinta pessoas à frente, e atrás tinha os utentes do Centro de Saúde, na generalidade idosos ou pais com crianças, numa amálgama que só vendo.
No Centro de Saúde as pessoas eram chamadas à porta, por senhas, não sei se para consultas de urgência, ou outras ...
Rostos com máscara, alguns ( a mim pareciam menos que os desejáveis ) ;  distâncias de segurança não respeitadas, inevitavelmente. Apesar das tosses que teimavam em denunciar-se ...
Fui olhando as pessoas.  Falava-se calmamente nos telemóveis, afirmava-se que não estamos preparados para enfrentar esta nova situação ... as pessoas abusam da sorte, ou acreditam que sopram e o vírus foge ...
Uma criatura à minha frente, muito satisfeita, usava a máscara no queixo ... Outras senhoras, ao saírem a porta, regressadas das compras, usavam uma écharpe  com mais preocupação de estética na colocação, e menos de real e eficaz protecção ...
Enfim ... é o que temos ...

Quem assiste aos comportamentos humanos por aí, percebe que parece não se acreditar mesmo, da perigosidade do monstro que nos cerca.  Parece continuar-se a achar que ... nada de exageros ... também não é bem assim ...
E desta forma, o raio da curva não inverte a tendência, nem à lei da bala !...

Entretanto, hoje foi também dia de, além de carregar o famigerado saco das compras do Continente, fazer a mudança da roupa da cama.  Teria mesmo que ser, se pensarmos que com o malfadado problema da coluna que se me tem arrastado, essa mudança veio a adiar-se sistematicamente.
Mas, francamente ... três semanas com a mesma roupa, é um bocado mau demais, ainda que o banho diário seja de regra aqui em casa ... 😃😃😃
Lá carreguei com o colchão para efectuar as démarches necessárias ... e claro ... neste momento, uma vez que no contexto da Covid 19 desaconselham, por prevenção, a utilização do Voltaren ou outros anti-inflamatórios afins, já tive que tomar um Benuron, porque mal me mexo ...
Para colocar uma cereja em cima deste chantilly fantástico, ao pequeno almoço, deliciando-me com a minha torradinha de praxe, parti um dente que já não estava "de saúde", quase o reduzindo à raiz ...
Moral da história ... dentistas neste momento não trabalham, por razões óbvias, o que resta do dito incomoda-me brutalmente e impede-me de comer ... ( não é que eu tenha grande apetite, porque o incómodo que sinto, tira-me toda a disposição )...

E para terminar esta minha história de hoje, que mais parece uma macabra manta de retalhos, 😃😃😃sou a informar que um " dia que começou com o rosto de um lindo dia primaveril ... céu praticamente limpo, sol claro e aconchegante " se solidarizou com as minhas desgraças ... e numa cumplicidade absoluta, enegreceu o firmamento, que agora exibe um semblante plúmbeo uniforme, só rasgado pelo clarão dos relâmpagos  que o iluminam ... numa  trovoada  daquelas ... em  meio  da  chuva  forte  que  me  açoita  as  vidraças !!!

Oh gente ... tem dias em que não adianta sair da cama !!!
É verdade ... esqueci de relembrar que ainda "só" vou no trigésimo quarto dia de confinamento voluntário !!!....  😄😄😄

Até amanhã !   Fiquem bem, por favor !

Anamar

segunda-feira, 13 de abril de 2020

" AQUI DA MINHA JANELA " - HISTÓRIA DE UM PESADELO - Dia 33



Hoje no trigésimo terceiro dia de confinamento, o meu estado de espírito não é famoso !
Acordei, como se a minha luz interior que se mantém acesa e me guia pelas dificuldades destes trilhos de cansaço, se tivesse extinguido ...

Sinto-me desmotivada, esvaziada, sem ânimo !

A minha mensagem é por isso, silenciosa, muda de palavras minhas, usando apenas a linguagem universal da música, como portadora de uma esperança que deveremos manter : "Viver sonhando com um novo sol " cada dia ... todos os dias !...

Até amanhã !  Fiquem bem, por favor !

Anamar

domingo, 12 de abril de 2020

" AQUI DA MINHA JANELA " - HISTÓRIA DE UM PESADELO - Dia 32



PASSAGEM ... 

Páscoa é "passagem", renovação e vida ...
No calendário religioso, a vivência da Páscoa traduz a vitória da vida sobre a morte e as trevas.  É isso o que simboliza a ressurreição de Cristo, depois da Sua Paixão, sofrimento e morte.

Os tempos que continuamos a viver em todo o mundo, mais não são do que tempos de quaresma ...  igualmente tempos de paixão, de sofrimento e de morte.
A humanidade sofre uma dizimação sem precedentes, uma hecatombe imensurável, uma destruição avassaladora.  O Homem está a  ser posto à prova, como nunca aconteceu.  Está a ser testado e a serem testadas de uma forma brutal, todas as suas capacidades de reinvenção, de superação e de resiliência.
As suas capacidades de adaptabilidade, de aceitação, de organização, de espírito gregário e despojamento.
O Homem está a ser obrigado a sair do seu individualismo, do seu confinamento egoístico, do seu nicho de conforto e a cooperar numa causa única e universal : salvar, salvando-se !...

Aprendem-se novas linguagens, novos padrões comportamentais, definem-se novas metas, objectivos e prioridades.
Ensaiam-se novos esquemas de vida e de relacionação.  Sopesam-se valores, exigem-se novas respostas para novos desafios, traz-se à tona o que de melhor, intrinsecamente constitui cada ser humano, numa transcendência sem limite ...

São tempos novos. Tempos desconhecidos. Tempos de caminhos não sabidos.
Não caminhamos ... tacteamos.  Não sentimos ... apalpamos.  Avançamos cautelosamente, de bordão e lanterna, como numa cerração de névoas densas.
O que está à frente, não se vê.  Depois da esquina, o que virá ?  A todo o momento o fim do penhasco pode conduzir a um desfiladeiro mortal, não anunciado ...
Pé ante pé ... assim se desenrola o nosso percurso !...
O medo e a esperança são os dois vectores de orientação neste nosso desconhecido.  Não mais !
Com eles avançamos, dia após dia, escrevendo a nossa História.

Passagem ...
Passagem é caminho entre cá e lá. É ponte entre margens.  É vereda, é estrada ... é tempo de ligação ...
Pergunto-me : Como será a nossa passagem ?
Que seres seremos então, depois da travessia ?
Como será acordar de novo com o mundo antigo à cabeceira da cama ?
Como será o esvaziamento desta adrenalina que agora nos põe em pé por cada manhã ?
E quando o horror que nos une, nos gruda uns aos outros num sentimento único de protecção, já não existir ?
E quando esta sensação de fio de navalha em que sobrevivemos, já não nos assustar ?  Será que vamos continuar a mimar-nos ?  Será que nos vamos continuar a carregar  ao colo, quando do outro lado a fragilidade ainda persistir ?
E quando as ruas se encherem outra vez, o trânsito se atropelar, as buzinas soarem, o tempo urgir ... voltarmos a correr,  a não nos olharmos ... porque voltámos a não ter tempo ... será que recordaremos o que foi ?
E se as palavras não ditas,  que agora saltam das bocas, porque saltam dos corações  com a facilidade do amor redescoberto, voltarem a silenciar nas gargantas ... porque voltámos a deixá-las para depois, outra vez ?!
E quando as emoções que nos sufocam, e nos trazem dos olhos estes  rios de angústia que nos tornam seres de transcendência, já não modelarem mais a nossa alma ?... Coabitaremos ainda assim, pacificamente com as intenções que então formulámos ?!

Páscoa ... Passagem ...  tantas interrogações na minha cabeça !...

Até amanhã !  Fiquem bem, por favor !

Anamar

sábado, 11 de abril de 2020

" AQUI DA MINHA JANELA " - HISTÓRIA DE UM PESADELO - Dia 31

    11 de Abril 1921  -  11 de Abril  2018



Mãe

Hoje resolvi escrever-lhe uma carta, neste trigésimo primeiro dia do inferno que vivemos.
É Abril outra vez ... um Abril com sol, flores e pássaros.  Um Abril de brisas mansas e céu já bem azul ... Como a mãe gostava ...
Eu continuo em casa ...

Venho contar-lhe como é viver a angústia dos dias. Como é viver a dor das notícias que chegam de perto, de longe ... de mais longe ainda.
Dão conta do desespero  pelos que sofrem e partem silenciosamente. E são muitos, cada vez mais. Dão conta do desespero pelos que ficam e vêem este mundo a acabar-se ... impotentes, numa corrida contra o tempo, na busca da cura.
Dão conta da exaustão dos que dia e noite, sem tréguas ou descanso, ignorando-se a si mesmos,  lutam ao lado dos que padecem, nos hospitais atulhados, reinventando e reinventando-se para resistirem, na linha da frente ...
Dão conta dos velhinhos que morrem nos lares impessoais ... talvez sem carinho ... talvez sem palavras ... porque não há como ...
Dão conta do cansaço destes dias iguais, em que a angústia, a incerteza e o medo acordam connosco pelas manhãs, e deitam-se connosco ... sem desgrudar, como um visco pestilento que se nos agarrou ...
Dão conta das ruas desertas das cidades sem vozes, sem risos, sem crianças a brincar, sem velhos ao sol nos bancos dos jardins ...
Dão conta de como se vive, com a palavra amiga dos que de longe se tornam presentes, nas mensagens de ânimo  dos telemóveis, dos telefones, dos computadores ... E dessa forma, aliviam a nossa carga ...
E dão conta de como as palavras solidariedade, abnegação, partilha, dádiva, generosidade e afecto tomaram outras cores, nas nossas vidas !
Dão conta de como tentamos manter a esperança, na recriação de um novo amanhã ... quando o futuro até parece inexistir ...
Dão conta da mágoa do abraço que não damos, dos beijos que não trocamos ... dos filhos que só sabemos, e dos netos que imaginamos ... Lá, onde os braços não podem chegar, mas onde o coração e a alma estão ...

Mãe
O mundo parou por aqui.
De repente, o impensável aconteceu, mesmo parecendo não ser possível ...
Tudo o que era certeza e segurança nas nossas vidas  ruíu, e passámos a olhar e a olharmo-nos com outros olhos ... os do coração e dos sentimentos.
De repente, percebemos a vulnerabilidade do grão de poeira que somos todos nós.  Da pequenez da nossa estatura ...
De repente percebemos como afinal é tão importante sabermo-nos perto.  Como é importante sentir a força dos laços invisíveis que nos unem, apesar das diferenças ...
Como andámos a perder tanto tempo com tudo o que não tinha nenhuma importância, e não valorizámos o que de facto nos unia ... a força do sangue !  Essa, que é indestrutível, alicerce e escora nas horas difíceis de dor e incerteza ...
Como adiámos tanto, o que deveria ser inadiável...  Como deixámos para amanhã, isto e aquilo, porque sempre corríamos para alguma coisa mais urgente ... Como secámos na garganta palavras que não se soltaram ... acreditando que depois as diríamos ...  E já não houve depois !...

Mãe
Não pode sequer imaginar o vazio que sinto hoje, no meu peito !
Sei que se estivesse por aqui, sofreria mais ainda, se isso fosse possível, com a dor de todos ... dos seus, do seu país e do mundo ...
Sei ( eu que sou agnóstica ), que a mãe rezaria todas as noites, fervorosamente ... e pediria a Nossa Senhora de Ao Pé da Cruz, a santa lá da sua terra distante que a acompanhou até à morte, protecção e ajuda para todos nós.
E sei que choraria muito, porque a mãe tinha o coração demasiado perto dos olhos ...
Talvez por isso, decidiu partir ...

Olhe ... hoje, no dia dos seus 99 anos ( a mãe que me prometera chegar aos 100 ... ), já não posso lanchar consigo, com as suas netas e com os miúdos ...
Já não posso oferecer-lhe as flores que a mãe sempre adorava ... e hoje, porque é Páscoa, Sábado de Aleluia ... o pacotinho das amêndoas que a mãe "sugeria" não devermos esquecer ... Gulosa que só !!!...

Mãe
Onde quer que esteja ... passeando comigo pelas veredas da mata, catando as folhas secas da Verdizela, velando o sono-bebé da Teresa,  guiando os caminhos já difíceis do António, da Vitória e do "pulguinha" ( como dizia ) ... ou dando as mãos às suas netas, nos obstáculos da Vida ... no dia de hoje, eu sei que afinal continua por aqui ... Sempre está ao meu lado ...
Sei bem das conversas que mantemos em surdina !...

Parabéns mãe !  11 de Abril, sempre será o seu dia !!!

                         
                                 Aqui, completando 96 anos 


Até amanhã ! Relevem hoje este desabafo !  Afinal, isto hoje está muito difícil por aqui ...
Fiquem bem, por favor, nesta Páscoa tão dolorosa !

Anamar

sexta-feira, 10 de abril de 2020

" AQUI DA MINHA JANELA " - HISTÓRIA DE UM PESADELO - Dia 30


Dia 30 ... sabem o que isto quer dizer ?  Um mês ... sim, um mês de reclusão ! Sem precária pelo meio, sem saída condicional ... nada !
Do quarto para a cozinha, da cozinha para a casa de banho, desta, de novo para a sala circulando pelo corredor ... uma escapada à janela da frente, constatando que a fila para o Continente dá a volta à praceta, enquanto que a do Minipreço dobra a esquina ... regresso ao quarto, lembro que na cozinha dentro da latinha ainda há rebuçados do Dr. Bayard  à falta de qualquer coisa outra, mais docinha ...
enfim ... "quilómetros e quilómetros" calcorreados entre estas quatro paredes ...
Claro que há um dia de soltura para as compras, um único, e ainda assim, em passo o mais galopante possível, como se corresse a sete pés à frente do corona, e a dez pés à distância de toda a gente ...
No super, driblo, contorno, faço que vou mas não vou por aquele corredor, se ao fundo detectar outro utente interessado nos meus detergentes ... pulo da bancada dos frescos para a das frutas, enquanto a freguesa que também mira os agriões, por ali estiver ... Tudo isto com um único objectivo : despachar-me, reduzindo ao mínimo, os riscos ...
Em suma, uma verdadeira aventura !!!

Paz mesmo, só a que respiro na mata, que recomeça a estar transitável.
Aí, só tenho silêncio, trinados da passarada em orquestra afinada, flores das cores mais diversas, e paz ... muita paz, naquele outro mundo !
E isso, é-me concedido por três vezes, na semana.  Melhor que nada ! E talvez por isso, ainda não pirei de todo !

Ao longo de toda esta epopeia, somos felizmente bafejados pela presença constante da família e dos amigos.  De perto ou de longe, as tecnologias de que dispomos permitem que nunca nos sintamos verdadeiramente sós.
Os pi-pis do telemóvel ou do computador, anunciam as palavrinhas mágicas que nos deixam como novos, mesmo nos dias em que a nossa resposta começa invariavelmente por : "hoje estou completamente podre e sem forças ..."
Aí, chegam palavras de ânimo, vídeos humorísticos uns, informativos outros, solidários e de apoio, fotografias espectaculares que nos transportam a sítios incríveis, espectáculos a serem vistos sem sairmos do lugar ... museus, palácios, cujos corredores e salas percorremos ... deste e daquele lugar no mundo.
Tem sido produzida toda uma panóplia de verdadeiras "obras de arte", a maior parte das vezes de autor não identificado, com uma qualidade e criatividade fantásticas !
Muitos, guardo.  Não posso guardar todas, obviamente.  Mas um dia, quando tudo isto já for passado, e à distância de um susto ido ... uma recolha exaustiva, feita sobre toda a comunicação difundida, daria um espólio notável, constituíria um repositório inigualável, no retrato do que foi a primeira grande catástrofe deste milénio.
Toda esta produção será a pegada imortal, que permitirá a escrita deste terrível capítulo Histórico !...

Mas, infelizmente também há demasiada porcaria a circular ...
Chegou-me às mãos o artigo que a seguir, aqui registo.  E porque o mesmo consta de um blogue com que a criatura autora do texto, ocupa um espaço no Facebook, pergunto-me se já não existe censura de nenhuma espécie neste país ?!

"Comediante", assim se considera o autor, com evidente ofensa para os comediantes, emitiu este texto certamente com a convicção de ter produzido um best-seller do humor, ou sequer da "piadola" .
Lembrei-me de um outro fedelho de má memória, que se referia às pessoas de mais idade, como a "peste grisalha"... lembram ?
Pois ao ler o artigo, tendo acedido à página do dito, verifico, com espanto, preocupação e mesmo estupefacção, haver um coro interminável de atontados que o parabeniza pelo conteúdo, e se revê no mesmo.
E também percebo ( e isso sim, faz-me reflectir ), que existe mesmo na sociedade, demasiada gente que entende efectivamente que os idosos empatam, complicam e estorvam, como se retirassem "espaço" aos mais novos, esses sim, com direito a ele.
"Dar tempo a quem precisa" era um slogan da Prevenção Rodoviária Portuguesa, há alguns anos atrás, e visava a sensibilização da população, para o respeito e a igualdade social de direitos e deveres de cidadania, ao seu próprio ritmo, entre os mais novos e os mais velhos.

Acho que começo a ter, sobretudo agora, pouca paciência para doutas opiniões de "pitinhos" saídos das fraldas.  Começam a produzir-me brotoeja ou erisipela crónica !...
Que maturidade é reconhecível a quem não sabe nem sonha sequer, o que verdadeiramente é a vida ?
São os anos e a experiência que outorgam a quem ostenta cabelo branco e colecciona aniversários no registo de nascimento, autoridade para poder falar dela.
Exijo respeito pelos meus direitos, como respeito obviamente os direitos dos outros, independentemente da respectiva faixa etária.  Ensino e aprendo todos os dias, e espero aprender enquanto por cá andar.
Mas a tropeçar ou não, nos pés, desde que saiba respeitosamente ocupar o meu lugar face à sociedade onde me insiro, não aceito ser tratada desprezivelmente por ninguém !!!

Estou já a "ouvir" quem diga, talvez, que perdi todo o senso de humor, empolo a situação e dou demasiada importância à dita ...
Será ???
Afinal, só lê quem quer, e o rapazinho até está cheio de humor !!!
Mas, eu sim ... IRRITEI-ME ... até mais com a forma, do que com o conteúdo ... E pensei cá com os meus botões : o corona vagueia por aí ... quem sabe ele não chega a velho ... ( Ahahah ... a minha faceta de capeta a atacar-me ... 😃😃😃 )

Ao fim do dia, recebi uma chamada vídeo da minha neta que ainda não tendo 3 anos, no meio de muita conversa, macacada, saltos e risos, numa ligação permanente "à corrente" que a rapariga parece ter ... disse-me : "Avó, tenho uma coisa para te dizer : a Teresa gosta muito de ti e tem muitasssss ( e arrastava o s... ) saudades ! "....

Bom, aí, como se diz, "caíu-me tudo" ... 😍😍😍
Sempre seremos importantes para alguém !!!...
E recuperando instantaneamente a bonomia .... pronto ... até "fiz as pazes" com aquele gajo !!!...

Até amanhã !  Fiquem bem, por favor !



Finalmente. Consegui. Peguei-me com uma velha no supermercado. É tão bom estar vivo, sentir todo este pulsar de sensações e o sangue a fervilhar como nos bons velhos tempos.
Intervenientes: velha com dez gigas de laca no cabelo, óculos escuros e lenço ao pescoço. Espécie exótica na fauna da Buraca, mas é este o resultado da desflorestação. Eu, barba de náufrago e gorro de carteirista, a um contrato milionário de distância de um programa de sobrevivência no Discovery.
Situação: velha a acabar de pagar as compras, eu a colocar as minhas nos sacos, respeitando a distância de segurança (cerca de 1 metro e meio).
Problema: velha grita "o senhor AFASTE-SE!", mas com ênfase de nojo no "AFASTE-SE" que me fez uma ligeira impressão no fundo da nuca.
Resultado: dada a presente situação e mesmo não gostando do tom da velha, afastei-me.
Novo problema: reparei que a velha não tinha luvas (que o estabelecimento oferece à entrada, junto a um sinal gigante que diz em mandarim "OBRIGATÓRIO USAR LUVAS")
Novo resultado: começo a sentir aquela alegria interior de quem está prestes a meter ferro quente numa tina de água fria, aquele feeling de quem acabou de tirar triplo 7 numa máquina de slots e está a ver o prémio a acumular, aquele grito interior que Maximus sentiu antes de matar o imperador na arena e gritei "OLHE, OLHE, OLHE... e luvas? Aquilo que está ali à entrada? Não há? A tocar aí nas teclas do Multibanco, sujeita a matar-me!"
Novo-novo resultado: naquele momento, deve ter dado uma cena à velha, porque ela torceu o pescoço na direção oposta, ficou sem audição e não me respondeu. Não sei se foi do vírus, se foi dos chineses ou o c#ralho, mas a pobre senhora agarrou nos sacos e fugiu.
Recebo um sorriso maroto da senhora da caixa e isto devia ter ficado por aqui. Mas não, não podia ficar. Eu queria uma reacção e tive de ir atrás da velha para lhe mandar mais uma - salvo seja - e assim que a apanhei com o meu ritmo de marcha olímpica gritei "LUUUUVAS", a velha assustou-se e eu fugi de sacos na mão a rir.
É isto que um drogado sente depois de não dar fruta durante tanto tempo.
Resistência. Até ao fim.