domingo, 19 de abril de 2020

" AQUI DA MINHA JANELA " - HISTÓRIA DE UM PESADELO - Dia 39



Sinceramente hoje estou tão pardacenta quanto esta atípica tarde, em que nuvens caminheiras vão circulando num céu igualmente pardo.
Estou com uma neura daquelas !
Ontem sábado, com um sol primaveril que nos privilegiou, de novo o desrespeito pelas normas de confinamento se verificou, provocadora e descaradamente.
Os carros, em veraneio, fizeram-se à margem sul em busca de mais sol, praias e liberdade.  No paredão da linha de Cascais, a tarde parecia a de um ameno dia de normal fim de semana, em matéria de lazer.  Famílias passeavam calmamente, gente caminhava com cães, ou simplesmente fazendo jogging igualmente com toda a normalidade do mundo.
A televisão mostrou ... e eu sinto-me "vendida" !
Aqui estou, a bater com a cabeça nas paredes, a limitar à exaustão todos os movimentos passíveis de ferir as regras da emergência ... privando-me do convívio próximo de quem gosto, limitando-me a escutar as vozes de longe, a ver os rostos numa dimensão de 10 por 5, a respirar o ar e o vento pela nesga da janela aberta ... a sentir a vida lá fora, à distância do medo, do cansaço e do desânimo ...

E penso ... se isto é agora, em que pelo facto das estatísticas portuguesas para a pandemia, serem favoráveis por ora ... se isto é agora em que o sol ainda não veio, convincente, fazer-nos negaças lá de fora, e o apelo do mar preguiçoso ainda não nos atormenta a alma ... em que as temperaturas ainda não impõem o biquini e as saudades das viagens e dos passeios para lugares que sempre sonhámos, ainda não nos fazem cócegas na sola dos pés ... se isto é agora, dizia, o que virá a ser dentro de duas semanas, quando o isolamento e o distanciamento sociais  não parecerem tão imperiosos, e as regras de confinamento forem abrandadas pelas autoridades de saúde ?!
Sabemos sermos um país de brandos costumes.  Um país de gente imbuída de uma bonomia própria, e de uma lassidão que sempre encara com uma margem de optimismo o que é, e o que há-de ser ... e é exactamente esta nossa faceta enquanto povo, que me assusta.
Porque depois, quando a trovoada já for brava por cima das nossas cabeças, lembrar Santa Bárbara, de pouco adiantará ...

Estas manifestações de irresponsabilidade, de desrespeito e de total indiferença face a quem, a pé firme e a duras penas, continua sem vacilar na sua vida de restrições, de dificuldades, de solidão e de silêncios que pesam gradualmente mais e mais, incomodam-me e desconfortam-me, já que o interesse é de todos, porque o benefício também o será ...
Se pensarmos então nos profissionais de saúde, cuja vida corre riscos diários ao serviço da comunidade, este pouco caso, chega a ser insultuoso, direi mesmo, criminoso !

Não nos convençamos que alguma estrelinha nos protege lá de cima ... não acreditemos que apesar dos pesares, e de tudo o mais de que já falei e os media difundem, somos alguma estirpe de privilegiados a quem a tragédia poupa e o vírus esquece ...
Não nos convençamos ...

Fico-me por aqui, hoje.  Estou sem gás, sem chama e sem luz.  Tanto chão pela frente, tanto cansaço no coração ...
Tanta perda de tempo ... em que cada dia, é uma folha deixada em branco irreparável e irreversivelmente, na vida que nos calhará em sorte !!!
E isto, este hiato nas nossas existências, este intermezzo  na história que estamos a deixar de escrever ... é vida perdulariamente interrompida, é vida suspensa ... num destino que já é curto ... é vida adiada injustamente !!!...

Até amanhã !  Fiquem bem, por favor !

Anamar

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