terça-feira, 14 de abril de 2020

" AQUI DA MINHA JANELA " - HISTÓRIA DE UM PESADELO - Dia 34




E a minha vida é isto ...

Começou o dia com o rosto de um lindo dia primaveril ... céu praticamente limpo, sol claro e aconchegante.  Até lamentei não poder dele usufruir mais directamente, já que hoje não era dia da caminhada.
Hoje, era aquele dia da semana em que, querendo ou não, entro numa angústia e num stress dos diabos ... era o dia semanal das compras !
Vou empurrando adiante, no horário, tentando inventar a melhor hora para descer, em que fosse mais favorável a afluência de utentes.  Aí pensei ... duas da tarde, compras para o almoço já foram efectuadas,  o jantar ainda vem longe, e com sorte, o pessoal está com os pezinhos debaixo da mesa a esta hora ...
Equipei-me devidamente, respeitando rigorosamente a cegada das luvas, da máscara, cartão multibanco para não manusear o dinheiro, lista das compras previamente elaborada pela ordem da distribuição dos artigos nas prateleiras, tentando perder o mínimo tempo possível no interior do espaço ( pois os supermercados são, como sabemos, lugares perigosos de exposição e potencial contaminação ) ... mais o papel para empurrar portas, carregar botões e pegar nos sacos ... enfim ... e lá desci ...
A minha praceta, como já referi, além de ser uma zona de circulação permanente entre utentes dos autocarros ( ponto de interface de vários destinos ) e utentes dos comboios da linha de Sintra, possui lado a lado dois supermercados, um Continente e um Minipreço, um talho, uma loja de conveniência, uma farmácia e não bastando, o acesso ao Centro de Saúde ...

Ao abrir a porta do prédio, tive uma visão surreal e para mim, "apocalíptica".
Como uma imagem vale mais que mil palavras, basta que se olhe para estes dois instantâneos que colhi e que mostram fielmente, o panorama que me aguardava.
Perscrutei quanto tempo me seria exigido na fila, com o gotejar dos utentes a um e um, como se sabe ... balancei num pé e noutro, e pensei ... vou-me embora ...



Mas o adiamento não resolveria, pois ao contrário do que uma senhora que se encontrava na fila, convictamente  dizia ao filho ... "as pessoas que moram aqui, têm imensa sorte, pois podem espreitar das janelas e escolher o momento em que haja pouca gente, para fazerem as compras ..." NUNCA vislumbrei um momento desses, desde que dura este filme de terror ...
É que, sempre que me assomo lá do alto do meu sétimo andar ... cá em baixo, quais formigas andantes, são sempre mais que as mães !...
Acho que, pelo que vejo, e pelo ar sonâmbulo e deleitado ( parece ), com que se passeiam pelos corredores, olhando os produtos calmamente, como se fosse o último dia das suas vidas ... a vinda ao super, encerra a escolha preferencial do seu passeio higiénico diário ...
Perto do encerramento sim, a fila termina, mas grande parte dos géneros também ... por exemplo os frescos, legumes e frutas.

Assim sendo, fiquei na fila.
Tinha perto de trinta pessoas à frente, e atrás tinha os utentes do Centro de Saúde, na generalidade idosos ou pais com crianças, numa amálgama que só vendo.
No Centro de Saúde as pessoas eram chamadas à porta, por senhas, não sei se para consultas de urgência, ou outras ...
Rostos com máscara, alguns ( a mim pareciam menos que os desejáveis ) ;  distâncias de segurança não respeitadas, inevitavelmente. Apesar das tosses que teimavam em denunciar-se ...
Fui olhando as pessoas.  Falava-se calmamente nos telemóveis, afirmava-se que não estamos preparados para enfrentar esta nova situação ... as pessoas abusam da sorte, ou acreditam que sopram e o vírus foge ...
Uma criatura à minha frente, muito satisfeita, usava a máscara no queixo ... Outras senhoras, ao saírem a porta, regressadas das compras, usavam uma écharpe  com mais preocupação de estética na colocação, e menos de real e eficaz protecção ...
Enfim ... é o que temos ...

Quem assiste aos comportamentos humanos por aí, percebe que parece não se acreditar mesmo, da perigosidade do monstro que nos cerca.  Parece continuar-se a achar que ... nada de exageros ... também não é bem assim ...
E desta forma, o raio da curva não inverte a tendência, nem à lei da bala !...

Entretanto, hoje foi também dia de, além de carregar o famigerado saco das compras do Continente, fazer a mudança da roupa da cama.  Teria mesmo que ser, se pensarmos que com o malfadado problema da coluna que se me tem arrastado, essa mudança veio a adiar-se sistematicamente.
Mas, francamente ... três semanas com a mesma roupa, é um bocado mau demais, ainda que o banho diário seja de regra aqui em casa ... 😃😃😃
Lá carreguei com o colchão para efectuar as démarches necessárias ... e claro ... neste momento, uma vez que no contexto da Covid 19 desaconselham, por prevenção, a utilização do Voltaren ou outros anti-inflamatórios afins, já tive que tomar um Benuron, porque mal me mexo ...
Para colocar uma cereja em cima deste chantilly fantástico, ao pequeno almoço, deliciando-me com a minha torradinha de praxe, parti um dente que já não estava "de saúde", quase o reduzindo à raiz ...
Moral da história ... dentistas neste momento não trabalham, por razões óbvias, o que resta do dito incomoda-me brutalmente e impede-me de comer ... ( não é que eu tenha grande apetite, porque o incómodo que sinto, tira-me toda a disposição )...

E para terminar esta minha história de hoje, que mais parece uma macabra manta de retalhos, 😃😃😃sou a informar que um " dia que começou com o rosto de um lindo dia primaveril ... céu praticamente limpo, sol claro e aconchegante " se solidarizou com as minhas desgraças ... e numa cumplicidade absoluta, enegreceu o firmamento, que agora exibe um semblante plúmbeo uniforme, só rasgado pelo clarão dos relâmpagos  que o iluminam ... numa  trovoada  daquelas ... em  meio  da  chuva  forte  que  me  açoita  as  vidraças !!!

Oh gente ... tem dias em que não adianta sair da cama !!!
É verdade ... esqueci de relembrar que ainda "só" vou no trigésimo quarto dia de confinamento voluntário !!!....  😄😄😄

Até amanhã !   Fiquem bem, por favor !

Anamar

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