domingo, 12 de abril de 2020

" AQUI DA MINHA JANELA " - HISTÓRIA DE UM PESADELO - Dia 32



PASSAGEM ... 

Páscoa é "passagem", renovação e vida ...
No calendário religioso, a vivência da Páscoa traduz a vitória da vida sobre a morte e as trevas.  É isso o que simboliza a ressurreição de Cristo, depois da Sua Paixão, sofrimento e morte.

Os tempos que continuamos a viver em todo o mundo, mais não são do que tempos de quaresma ...  igualmente tempos de paixão, de sofrimento e de morte.
A humanidade sofre uma dizimação sem precedentes, uma hecatombe imensurável, uma destruição avassaladora.  O Homem está a  ser posto à prova, como nunca aconteceu.  Está a ser testado e a serem testadas de uma forma brutal, todas as suas capacidades de reinvenção, de superação e de resiliência.
As suas capacidades de adaptabilidade, de aceitação, de organização, de espírito gregário e despojamento.
O Homem está a ser obrigado a sair do seu individualismo, do seu confinamento egoístico, do seu nicho de conforto e a cooperar numa causa única e universal : salvar, salvando-se !...

Aprendem-se novas linguagens, novos padrões comportamentais, definem-se novas metas, objectivos e prioridades.
Ensaiam-se novos esquemas de vida e de relacionação.  Sopesam-se valores, exigem-se novas respostas para novos desafios, traz-se à tona o que de melhor, intrinsecamente constitui cada ser humano, numa transcendência sem limite ...

São tempos novos. Tempos desconhecidos. Tempos de caminhos não sabidos.
Não caminhamos ... tacteamos.  Não sentimos ... apalpamos.  Avançamos cautelosamente, de bordão e lanterna, como numa cerração de névoas densas.
O que está à frente, não se vê.  Depois da esquina, o que virá ?  A todo o momento o fim do penhasco pode conduzir a um desfiladeiro mortal, não anunciado ...
Pé ante pé ... assim se desenrola o nosso percurso !...
O medo e a esperança são os dois vectores de orientação neste nosso desconhecido.  Não mais !
Com eles avançamos, dia após dia, escrevendo a nossa História.

Passagem ...
Passagem é caminho entre cá e lá. É ponte entre margens.  É vereda, é estrada ... é tempo de ligação ...
Pergunto-me : Como será a nossa passagem ?
Que seres seremos então, depois da travessia ?
Como será acordar de novo com o mundo antigo à cabeceira da cama ?
Como será o esvaziamento desta adrenalina que agora nos põe em pé por cada manhã ?
E quando o horror que nos une, nos gruda uns aos outros num sentimento único de protecção, já não existir ?
E quando esta sensação de fio de navalha em que sobrevivemos, já não nos assustar ?  Será que vamos continuar a mimar-nos ?  Será que nos vamos continuar a carregar  ao colo, quando do outro lado a fragilidade ainda persistir ?
E quando as ruas se encherem outra vez, o trânsito se atropelar, as buzinas soarem, o tempo urgir ... voltarmos a correr,  a não nos olharmos ... porque voltámos a não ter tempo ... será que recordaremos o que foi ?
E se as palavras não ditas,  que agora saltam das bocas, porque saltam dos corações  com a facilidade do amor redescoberto, voltarem a silenciar nas gargantas ... porque voltámos a deixá-las para depois, outra vez ?!
E quando as emoções que nos sufocam, e nos trazem dos olhos estes  rios de angústia que nos tornam seres de transcendência, já não modelarem mais a nossa alma ?... Coabitaremos ainda assim, pacificamente com as intenções que então formulámos ?!

Páscoa ... Passagem ...  tantas interrogações na minha cabeça !...

Até amanhã !  Fiquem bem, por favor !

Anamar

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