terça-feira, 21 de abril de 2020

" AQUI DA MINHA JANELA " - HISTÓRIA DE UM PESADELO - Dia 41





RADIOGRAFIA  DE  UMA  CRISE

Quarentena, na verdadeira acepção da palavra foi completada por mim ontem, com quarenta dias exactos do isolamento social voluntário, que me auto-determinei.
Têm sido dias de altos e baixos, dias mais positivos, mais negativos, dias de entusiasmo inicial, de um sentimento poderoso de que nada nos poderia ultrapassar ou escapar.  Bastaria que quiséssemos.

Estávamos então no início de todo este percurso, cheios de uma curiosidade pelo inusitado do que estávamos a viver, com a convicção de que era apenas um período mau, um período tenebroso das nossas vidas ... e que, como dizem os arco-íris desenhados pelas crianças ... tudo vai ficar bem !

Foram os tempos em que as pessoas  todas, conhecidas, amigas, vizinhas, companheiras, se comunicavam, se escreviam, se falavam, se apoiavam por palavras, por mensagens, por vídeos, por música, por filmes, por partilha de informação e entre-ajuda.
Eram os dias em que, ao ligar-me à Internet ao acordar, pingavam no telemóvel, clique a clique, os sinais de vida lá fora, as vozes sem rosto, os afagos sem mãos, o embalo sem colo, o ombro, os braços e os corações dos que de longe se faziam perto ...
Apesar dos pesares, apesar do que nos lamentávamos, havia uma "união" e uma cumplicidade que se sentiam latentes, e que nos uniam a todos, nos uniam ao Mundo !
Era o tempo das canções nas janelas, das palmas que se batiam, da solidariedade visível ... cá, e lá fora, numa busca de ânimo e renovação das forças de cada um, e de todos.
Eram sinais de esperança e de gratidão.  Eram sinais de apoio, de presença ... mas também, formas indirectas de afecto e de conforto, para com todos os que permaneciam presentes, no aperto.

Nas casas, sós ou acompanhados, inventava-se, reinventavam-se formas possíveis e quase impossíveis de ocuparmos o tempo que sobrava, quando os minutos duram horas e estas duram intermináveis dias ...
Lia-se muito, escrevia-se, desenhava-se, pintava-se, jardinava-se, faziam-se bolos e doces, ou pão ... Tudo servia para que continuássemos a sentir-nos úteis, para que fôssemos contando as nossas histórias ... para que nos mimássemos ... para que nos sentíssemos vivos !
A rua era o destino escasso e curto para aquisição dos bens essenciais, ou para que os músculos não parassem totalmente de mexer ... já que o exercício físico é determinante para a manutenção de alguma sanidade mental.
Quem trabalha a partir de casa, tem tarefa dupla a cumprir.  Quem tem crianças ou jovens em casa, experimenta uma jornada múltipla, complicadíssima ... acredito.  Uma tarefa a recriar-se continuamente, sem que sequer alguma vez tivéssemos congeminado ter que vir a fazê-lo na vida, algum dia ...

Entretanto acompanhamos as notícias.  As nossas ( as que nos dizem mais directamente respeito ), e as internacionais, coleccionando sustos em cima de sustos, interrogações em cima de interrogações, angústias em cima de angústias ...
O medo, o pavor pelo desconhecido imprevisível  face ao panorama devastador de países próximos, as leituras, as interpretações mais ou menos dramáticas, as previsões mais ou menos catastróficas, de acordo com as fontes, com a honestidade e a credibilidade de quem veicula a informação, as determinações mais ou menos rígidas por parte das entidades responsáveis, bombardeiam-nos vinte e quatro sobre vinte e quatro horas.
Sempre anseio estar actualizada - não se pode dormir no ponto - sempre me interesso por acompanhar as diferentes posições científicas e correntes de opinião, desde que devidamente fundamentadas, as informações que em permanência nos chegam ... os avanços e os recuos, não só a nível sanitário, mas também económico e político, neste desvario que assola o planeta ...
Dessa forma, creio que a angústia capitula um pouco, já que sempre receamos mais, o que desconhecemos.

Bom, e chegamos ao dia de hoje, a menos de duas semanas para o levantamento do Estado de Emergência.
Portugal continua, em dados estatísticos, a viver um planalto rebaixado nas curvas epidemiológicas quer dos infectados, quer dos óbitos.  Há, por assim dizer, a manutenção de um equilíbrio diário. Morrem menos de trinta pessoas por dia, e o crescimento das infecções também tem sido paulatino, o que permite uma resposta com alguma calma e sem rupturas, quer em termos humanos, dos profissionais de saúde, quer em termos do equipamento imprescindível aos casos mais graves, como sejam os ventiladores.

Este, é por assim dizer, um período de confirmação e reforço do que está feito.  Um período de certificação mas também de respaldo para o que há-de vir.
Resta-nos aguardar ... ir aguardando, com a tranquilidade possível e com a confiança que conseguirmos reunir dentro de nós, certos de que continuaremos a pautar-nos com razoabilidade e prudência.
O futuro que desejamos, tem que ser ganho no presente que vivermos !...

Até amanhã !  Fiquem bem, por favor !

Anamar

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