domingo, 26 de setembro de 2010

"ESTÓRIAS DE UM DOMINGO SEM HISTÓRIA...."

O domingo hoje começou às avessas.
Pretendia ir ver a minha mãe à margem sul, e portanto iria levantar-me um pouquinho mais cedo.
Foi uma noite de insónias....às seis da manhã estava eu aqui no computador a completar um post que escrevera ontem no meu blogue, e no qual entendi que deveria acrescentar mais um parágrafo...
já tinha tido um bom tempo sem dormir por volta das duas e meia, e depois às seis foi o descalabro ; escrevi, fui beber leite à cozinha, e claro... o sono foi para o espaço.
Moral da história : acordei agora, mais de onze da manhã, em sobressalto (coisa que eu detesto, porque como sempre acordo mal humorada, tem de ser devagarinho, assim como quem não dá por isso), e... já não fui ver a minha mãe hoje. Teve que ficar para amanhã....

Estou agora a tomar o pequeno almoço, e já pensei : agora vou para a caminhada, de castigo..."toma lá que já almoçaste"!!!!!......

Depois, não sei, não prevejo grande coisa para este domingo, já descaradamente outonal, embora nos queira enganar com um sol bem luminoso ainda....Em última análise vou até ao Colombo, naquele programa "aliciante", de terceira idade, de emparvecer naqueles cómodos sofás da praça das palmeiras, a contemplar os passantes...
Mas eu gosto!....Gosto de ver as pessoas, as suas reacções, a sua correria mesmo ao domingo, ou então...torná-las "transparentes", virar-me para dentro, e entregar-me apenas à "película" que me vai passando pela cabeça e pelo coração.
Depois regresso...daí a pouco o domingo termina, amanhã é outra vez domingo, e depois e depois...sempre domingo!

Eu bem arranjei uma agenda (nas agendas, supostamente marcam-se actividades a cumprir); a minha também tem actividades marcadas : anos da Fátinha, café com a Bia, cabelo, Verdizela, Telheiras...como vêem, o cardápio é longo e variado...

Tudo estranho um pouco, isto, embora não afirme que AINDA me não sabe bem este "dolce farniente", este excesso de horas para ter horas para fazer coisas sérias.
Mas qualquer dia, como a D.Madalena, vou ficando por aqui mesmo à espera de fazer as "tais" horas à séria, que felizmente não sabemos quantas e como são!

E entretanto lá fui p'ra caminhada, e todo o caminho, com os bofes à boca vou dizendo p'ra mim mesma : "É por uma boa causa!..." "É por uma boa causa!..."
Fui de novo só, ou melhor, fui eu acompanhada de tudo aquilo que vai transcorrendo imparável pela minha mente.
O itinerário passa pelas traseiras de uma casa onde a minha filha mais nova viveu, e parte dele, era o percurso que algumas, poucas vezes eu fazia, quando ela me pedia para lhe passear o Nico, por não o poder fazer.

O Nico, engraçado, acho que nunca vos falei do Nico. O Nico é o cão mais rafeiroso que se possa imaginar, que tem tanto de vira-lata como de "melga" de doçura e afecto. O Nico parece nunca parar de querer agradecer o que por ele fizeram...
Veio da rua (todos os animais que a minha filha arranja são abandonados à sorte), e é conhecido por meio mundo aqui onde vivemos, tantos os anos em que sobreviveu...e não viveu.
Quando penso nele, a imagem que imediatamente me ocorre e ocorrerá sempre, um dia, é a do seu rabinho, porque dum rabinho se trata o coto que lhe deixaram por malvadez, a abanar loucamente de alegria.
O Nico também não tem as pontas das orelhas, porque igualmente lhas mutilaram, foi atropelado e abandonado duas vezes, e as pessoas jogavam-lhe água oxigenada sobre um corpo que era uma chaga quase total, pela sarna que contraíra...

Constato que não tenho fotos do Nico, talvez porque agora vivamos mais longe um do outro, mas jamais esquecerei os seus olhos doces e vítreos das cataratas que quase lhe tiram já a visão; é um animal sem idade, doente apesar de tratado e acarinhado o melhor possível, com insuficiências cardiacas e renais....mas é um "guerreiro" e um "resistente", na Vida!

Era um cão castanho ; e digo era, porque à semelhança dos velhinhos, a idade embranqueceu o Nico...e quando o olho com muita tristeza, custa-me pensar que mais cedo ou mais tarde, é um possível canditato a mais uma "deserção" no nosso núcleo familiar, já tão pequeno!!...

Anamar

sábado, 25 de setembro de 2010

"A PASSAGEM"



Os animais morrem com os olhos abertos.
Creio que os humanos também....Isso disse-me o veterinário quando eu me despedia do Óscar, há um ano, e tinha urgência em lhe fechar as pálpebras...

Com as pessoas é igual, ao que parece. Felizmente não fui ainda confrontada com essa realidade. Mas logo alguém, por perto, lhe coloca a mão nas pálpebras e lhe cerra os olhos, antes que passe tempo demais....

A Lena hoje não foi à caminhada. Tanto melhor para ela.
A meio do percurso, como quem dorme a sesta, estava entre  sol e sombra, um gatito todo preto, com a ponta das quatro patas brancas.

Estaquei....estaria mesmo a dormir, como tanto gostam? Baixei-me e os seus olhos estavam entreabertos.
No corpo o sinal do rodado dum carro, embora parecesse incólume.
Perscrutei-lhe os batimentos cardíacos...não tinha. Estava absolutamente exangue, e no entanto, ainda morno, constatei.
Olhei-lhe a expressão inerte....
Por que será que temos tanta pressa em fechar os olhos aos mortos? -pensei
Será porque nos culpabilizamos inexplicável e psicologicamente,  por eles partirem, e nós ainda por cá ficarmos?
Será para, sobretudo no caso dos animais, indefesos, fiéis, dedicados, não ficarmos com a sua expressão de doçura mesmo nessa hora, gravada nos nossos corações?
Será para que os seus olhos, que nos suplicam ajuda, não fiquem incrédulos de os não salvarmos....e isso, nós não aguentamos??
Será que uma vez mais, não conseguimos sair de nós, e por cobardia, defesa, comodidade, evitamos confrontar-nos com a maior e mais certa realidade da Vida....a Morte?

Deveríamos deixar morrer os nossos entes queridos (pessoas ou animais), morrerem podendo, se o quisessem, a olhar para nós, talvez dessa forma, lhes amenizássemos a "passagem"!....

Anamar

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

"EXCLUSÃO SOCIAL"

Para se ser gato, p'ra se ser cão, p'ra se ser pessoa...é preciso ter sorte...

Li há poucos dias no jornal, que de dia para dia, aumenta o número de casos de pessoas "largadas" nos hospitais, cujos familiares "desapareceram" e as deixam, entregues ao seu destino....destino??... se é que ainda o têm!!
Só no Amadora-Sintra, neste momento, vai p'ra mais de quarenta, essas pessoas.
As moradas dadas na inscrição são falsas, não se responde a solicitações da assistência social, não se visitam...não se aparece.
Deitam-se no "velhão", pura e simplesmente...
Isto já p'ra não falar nos reclusos das suas próprias casas, degradadas, águas-furtadas, inacessíveis....sujeitos à boa vontade de vizinhos e conhecidos. Normalmente rodeados de fotografias de "outros" tempos de maior auspício, de "outros" familiares " não desaparecidos, de "outra" alegria....

A crise social, económica e afectiva piora tudo...mas a exclusão instala-se sobre tudo aquilo que é "peso" e incomoda...
A vida actual é de perda de valores, é de "plástico", é descartável, é de sobrevalorização do material, do ter em detrimento do ser....

Mas ainda que se presuma que quem tem maior tendência a tomar essas atitudes sejam pessoas de estratos mais desfavorecidos em termos de classe social, económica, cultural e afectiva até, que raio de sociedade é esta que permite que se deite a cabeça na almofada, de coração desanuviado, e se deixe a mãe, o pai, velho e incapaz, indefeso e sem capacidade reivindicativa de nada (nem sequer do seu "espaço" no núcleo familiar  que criou, por vezes a duras penas), entregue à solidão, ao abandono, à exclusão mais total que se possa conceber, que é a do descaso, do esquecimento, da ingratidão e da ausência de afecto?

São pessoas como estas que abandonam os seus cães... ("familiares" e "briquedos" das criancinhas), nas auto-estradas, porque têm férias de que não prescindem, para serem obviamente atropelados de imediato, como sabemos, loucos que ficam de desespero, atrás do carro que os largou, não "acreditando" que os "seus", os tenham esquecido!...

São pessoas como estas que dormem o sono dos justos, à noite....sem necessitarem sequer de comprimidos!!!...

Anamar

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

"E O TEMPO QUE VOA...."


Acho que o Outono está a instalar-se mais cedo...
Breve, as árvores vão desemaranhar a folhagem porque a deixam tombar pelas calçadas, pelos parques e alamedas, breve, as folhas resistentes irão amarelecer e ganhar aquelas cores que nunca canso de referir.
Os amarelos, os ocres, os laranjas, os castanhos, até os vermelhos preparam os nossos espíritos para a falta de calor que a temperatura do ar nos sonega...

Sei que os dias estão ainda bem ensolarados, mas o sol que brilha, já é um sol "postiço", que não tem a luz nem o calor dos meses anteriores.
As criancinhas retomaram as mochilas e rumam às escolas, as estradas enchem-se de carros de pais afobados, que antes do emprego as têm que deixar nos colégios....há uma azáfama latente, que não se vê claramente, mas que paira....

A D. Julieta e as suas companheiras de "sala", apertam-se apertadinhas, para caberem quatro, por banco da praceta, antes que a torneirinha do céu comece a jorrar água cá para baixo, e a escorrace para o único poiso alternativo, no seu caso....o "café dos velhos" de que também já vos falei.

O cheirinho às castanhas assadas não demorará a chegar, o que nos leva a pensar que ainda "ontem" vimos este "filme" e já estamos numa nova "reprise"...ou melhor, que o tempo efectivamente voa!!!....

Qualquer um destes dias, tenho a certeza, vou atravessar o jardim, onde só haverá pombos masoquistas à chuva, porque, estar, ninguém está....e quem passa, passa apressado, pelo desabrido do tempo....e a beleza de um jardim de inverno (porque a tem, e muita), advém do tapete das folhas de plátano que rodopiam, revestindo as alamedas....e pela solidão que o atravessa e que eu gosto, por ser introspectiva, melancólica, um pouquinho triste que nem eu...

Anamar

domingo, 19 de setembro de 2010

"O ANTÓNIO"

Impressiona-me a maturidade do António...

O António tem nove anos, está inserido num espaço familiar preocupado, culto, atento, exigente...frequenta um bom colégio e nós sabemos muito bem quanto isso é determinante na formação de uma criança.

Gosta de ler, é curioso, vive rodeado de jogos didácticos, vai ao cinema, tem acesso à Net, com o controle dos pais.
Tudo isso faz a diferença, e eu sei disso.
Mas, para lá de tudo isso, é uma criança, como dizia, com uma curiosidade nata e uma informação que eu considero invulgar para a sua idade.

Desde bébé que viaja várias vezes por ano para a Suiça, onde vive o pai, sozinho, entregue às tripulações de voo. É quase da "família" destas. Por isso, o António viaja com frequência no cockpit do avião, onde é "amigo", presumo, dos comandantes; fará toda a gama de perguntas, calculo, o que o leva a ter já um interesse pela pilotagem, que o faz dizer querer ser piloto, quando crescer.

Noutro dia telefonou-me e confrontou-me com uma questão da minha área: O diálogo foi curioso....Ele começou assim : "Vóvó, o petróleo é uma rocha líquida, certo? Só que eu queria saber de que é feita, e já agora, o giz também me interessa...."

De outra feita foi a mãe que me ligou e me disse : "Mãe, o António quer fazer-te uma pergunta".
Passou-lhe o telefone, e diz-me ele : "Vó, eu sei que o Einstein, desenvolveu, na Suiça, uma teoria, da relatividade, E= m c2....essas coisas que relacionam o tempo e o espaço....mas eu queria saber mais sobre isso, porque não percebo muito bem!"

Fiquei literalmente "entalada", fulminada com aquela pergunta, largada de supetão e disse-lhe : "Olha, isso é muito complicado para a tua idade, mas a Vó vai ver se arranja qualquer coisa adequada aos anos que tu tens, que possa esclarecer-te melhor sobre esse assunto, ok?"

Pedi a ajuda de uma colega (preciosa, na altura)...e nos anos do António ofereci-lhe o livro "O tempo e o espaço do Tio Alberto", que sei que levou para férias para ler.
Por acaso estive com ele ontem, falámos de outras coisas, mas esqueci de lhe perguntar se já o tinha lido.

Mas ontem, uma vez mais me surpreendeu.
Eu estive de férias na Costa Rica, e o António já se tinha informado basicamente sobre algumas coisas do país.
Diz-me ele : " Vó, lá fala-se o espanhol, não é? Falavas espanhol? É um país muito pobre, verdade?"
E eu, lá lhe expliquei numa conversa que mais parecia de adultos, tudo o que auscultei da realidade do país. E disse-lhe: "Sabes que foi Cristóvão Colombo" que primeiro lá chegou....sabias?"
E diz-me ele : "Sim, , Cristóvão Colombo, ao serviço dos reis de Espanha. Sabes que pensam que ele era italiano?"

O António tem mais dois irmãos.
Frequentam já os três um óptimo colégio, como disse, e têm actividades extra-escolares. Inglês, Judo e Natação no caso dele, Ginástica, Inglês e Natação também, no caso da irmã do meio....
Os pais tentam, como podem, chegar economicamente a tudo isso...

Ele é o tal menino, que, quando lhe foi explicado que as despesas eram imensas, e não era oportuno na altura satisfazer-lhe uma dada solicitação, disse, com um ar sereno e sério : "Não faz mal ; Eu quando for grande e ganhar, posso ajudar nas despesas, está bem??""...

Posso, de facto, ser "suspeita", mas o António é já hoje, com nove anos, um menino lindo por dentro e por fora!!...

Anamar

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

"STEP BY STEP...."

Todos os dias faço uma caminhada de vários quilómetros, não só na remota esperança de recuperar ou manter alguma juventude que tende a ir-se, como para me convencer de que faço alguma coisa útil por dia.

O percurso delineado, feito umas vezes sozinha, outras com a Lena, é longo e variado : tem descidas, tem zonas mais planas, tem zonas de sombra (uma bênção nestes dias que voltaram a aquecer), tem zonas de exposição implacável de sol. e tem subidas, verdadeiras "montanhas" para quem já vem esfalfado, de regresso a casa, para quem se sente totalmente empapado do suor e este lhe escorre do pescoço sei lá até onde...

Para mal dos meus pecados, a subida, e ensolarada ainda por cima, é no regresso, quando algum cansaço já se acumula, e é algo acentuada. Lógico que a faço com dificuldade, como Cristo a caminho do Calvário, imagino...respiro ofegante, coloco o corpo a 120º, para, deslocando o centro de gravidade, facilitar a escalada, e lá vou eu.
Quando vou com a Lena, sempre conversamos, rimos, sei lá...
Quando vou sozinha, vou entregue a mim própria e ao que me povoa, e dei por mim, num destes dias, a constatar o seguinte : (o que não deixa de ser curioso, tem um total fundamento de verdade, e me fez reflectir)
Se, no sopé da subida e ao longo desta, sempre for olhando para a frente, para o que me falta, para o que tenho que "penar"...o esforço redobra, acho que não conseguirei, suponho não ter mais forças....
Se começar a amarinhar, passo por passo, sem olhar em frente, mas sim para o chão, cada passo é uma conquista, e quando dou por mim, atingi o ponto máximo...a partir daí, eu considero a caminhada "no papo"!....

Relacionei isto, com a Vida, assim, de repente...e pensei : "esta caminhada é a vida, de facto....feita passo a passo, conquista por conquista, momento por momento, um dia de cada vez....
Para quê olhar para as dificuldades implacáveis que me esperam, com antecipação?
Para quê, sofrer a dobrar, cada passada que dou, sabendo que me faltam ainda tantas??!!...

Cada vez mais, o meu registo emocional vai sendo este, motivado por muita coisa do que a vida me tem ensinado: sofrer por antecipação, nunca mais, apressar o que tem um um fim garantido, também não, dia após dia, sim, momento por momento sim, sorvendo-o tanto quanto puder por ser seguramente único (como se fosse o último...frase feita, mas eloquente...) viver o agora, porque o depois...jamais se saberá...

"Step by step"... Aprendendo com cada um, mesmo que a aprendizagem seja de sofrimento e dor, é de certeza, de aquisição de maturidade e crescimento interior, e valerá por certo, se mais não for, pelas memórias e conhecimento que nos deixa...

Anamar

domingo, 12 de setembro de 2010

"AUSÊNCIA PROLONGADA..."

Verifico que há uma semana aqui não venho....

Sinto que não tenho na realidade muito do que falar...nada de muito relevante ocorreu na minha vida, nestes dias que agora se assemelham, e que tenho que descodificar no calendário em qual estamos.
Ainda nada deliniei e nem sei como vou fazê-lo, para ganhar algum dinheiro extra, pois o meu móbil neste momento, é ter um mínimo de tranquilidade económica, face à redução do vencimento. e portanto estou um pouco numa de "standby" no rumo destes meus dias.

Tenho um grande objectivo, reforçado até pela viagem que fiz, e que é, conseguir juntar todas as economias possíveis que possa, e viajar...viajar o mais que puder....porque cada vez mais sinto que o património mundial, é algo inestimável, algo que é triste se não lhe pudermos aceder....

Não pensem que me motivam as grandes metrópoles...os lugares badalados de turismo massificado...
Não...motivam-me os locais em que se supõe estar num qualquer paraíso sonhado, motivam-me as pequenas e rústicas aldeias no interior duma Provença, duma Itália despretensiosa, de interior lindíssimo...motiva-me uma esplanada onde possa escrever ou ler na paz dum local quase ignorado!
Queria tornar o Mundo cada vez mais o meu "quintal"!....

Por outro lado sinto em mim já, capacidades que não sentia anteriormente, para poder estar só comigo mesma, capacidades de intimismo, de introspecção....
Não sei se este patamar corresponderá também a fruto de toda uma medicação que se arrasta há largos meses; o facto é que pareço "navegar" neste momento, num estranho mar "flat", estou um pouco "adormecida" em relação aos altos e baixos do dia a dia!

Ontem, fiz um programa que às vezes faço, e me faz sentir agradavelmente livre....
Levantei-me tarde, sem preocupação de horários, tomei o pequeno almoço, tarde e más horas, claro, fui até ao Colombo....almocei um gelado imenso....(a prevaricação dá-me gozo...)....e fui ao cinema ver um filme espectacular : "Entre irmãos"...

"Entre irmãos" é um filme sem nomes sonantes, mas duma profundidade atroz!
Aborda problemas reais e humanos, seguramente vividos por famílias, cujas vidas, de alguma forma, foram "atravessadas" pela guerra.
Foca os conflitos individuais e humanos de quem sofre sevícias, torturas, toda a espécie de barbárie animalesca que um conflito armado propicia, e depois foca os problemas psicológicos, pessoais e familiares, traumáticos de quem é vítima de tal experiência...

Fui, obviamente coagida a lembrar os nossos ex-combatentes do Ultramar, com tudo o que isso me traz à memória....

Brilhantemente o filme termina com uma frase absolutamente real e nos fará pensar :" Dizem que quem vê o fim da guerra, são os mortos....Eu não sei sequer se conseguirei continuar a viver!"....

Aconselho-vos vivamente a visionar a película....

E pronto....o meu fim de semana não teria muito mais a contar....mas valeu a pena!

Anamar

domingo, 5 de setembro de 2010

"MAIS ....OU MENOS....UM SÁBADO !"

Ontem fui ao cinema com uma amiga, que não encontrara ainda depois de férias.
Uma amiga daquelas que não são amigas, são irmãs ; faz parte do "baralho" das quatro que eu acho que muito mais que o epíteto de amigas, deveriam tê-lo de irmãs, de facto....irmãs de sangue, mesmo.

A nossa amizade remonta há mais de trinta anos, quando as nossas filhas ainda vestiam casaquinhos de Inverno azuis, quando eu, por necessidade tirei a carta de condução (porque a Escola de Alenquer, onde nos conhecemos, nos esperava diariamente).
Da nossa amizade, passou-se à amizade do "clã", dos maridos, dos filhos que foram crescendo em simultâneo, tendo as primeiras espinhas na cara ao mesmo tempo, os primeiro namorados também...
Muitas férias fizemos juntos, no Algarve, em casas alugadas em partilha, idas a Elvas, à matança do porco, e uns dias em Madrid também, para arejarmos, rirmos, brincarmos.
Acho que era um tempo mais ou menos "leve", mais ou menos despreocupado...hoje parece-me ter sido OUTRA vida.
A criançada ainda não dava muito que fazer, e éramos, realmente, cada vez mais cúmplices, e eram longas as caminhadas nos areais à beira-mar, nos "Três Irmãos", em Porto Covo, na "Luz", no "Alvor", onde eu fazia dela, o "padre" onde nunca fui ; e já então, objectiva, pragmática, de cabeça arrumada, ela me ajudava na clarificação de tanta coisa...

Depois, o destino foi carrasco, absolutamente carrasco.
O Zé "partiu"...sem avisar, num Fevereiro ensolarado, em vésperas de irmos de novo, os quatro, rumo a Espanha, numa fugazinha de fim de semana e férias de Carnaval.
Partiu e deixou-nos todos "órfãos"...não só a família...e tudo passou a ter outra "cara"....
Naquela casa, passou a faltar alguma coisa ; naquela casa, parte da "alma" desapareceu. Era duro, era violento frequentá-la, frequentar um sítio de tantas passagens de ano, de tantos aniversários, de tanta risada, de tanta comunhão...era duro!

Entretanto eu divorciei-me, os filhos cresceram e fizeram-se à vida, em caminhos não propriamente entrelaçados, espantosamente diversificados. Esses filhos já têm outros filhos, que não conhecem sequer os rostos uns dos outros!!!....

Ainda ontem, depois do cinema, entre duas tostas, umas bebidas a servir de jantar, e conversa que nunca se esgota, nós dizíamos : " Como a vida dá voltas sobre voltas, impensáveis, num lapso de tempo, que é infinitésimo afinal, comparado ao tempo universal!!
Se nos dissessem, se nos contassem lá atrás, se nos tivessem deixado espreitar por uma janelinha, que tudo isto, que tanta coisa, faria parte das nossas vidas...se calhar iríamos duvidar...."

E quando nos separámos, desejando sempre o próximo encontro (porque este sempre fica incompleto), no ar pairava uma nostalgia de qualquer coisa que não se explica, uma espécie de saudade de algo indefinido que ficou lá atrás...saudade, se calhar, daquilo que fomos, saudades da Vida...

Entretanto o filme que vimos, levezinho, ternurento, daqueles filmes que não nos acrescentam nada...apenas nos dispõem bem, não nos gastam os "neurónios" ainda saudáveis, são "cor de rosa" (como se a vida o fosse)....têm um "happy end", como conviria....

"Cartas para Julieta"...o amor reencontrado cinquenta anos depois....
Vanessa Redgrave, uma senhora distinta, como sempre...um amor guardado no coração e na alma (utopicamente, quase nos fazendo acreditar poder acontecer nos tempos que correm), e paisagens lindas duma Itália verde, de uma Verona, Siena, Livorno, absolutamente envolventes....e mais um sábado....ou menos um sábado na minha vida!!...

Anamar

sexta-feira, 3 de setembro de 2010

"PORQUÊ?...

Só queria ser igual à minha mãe...
Mas não, os genes dela não passaram seguramente para mim...

Como já aqui disse algumas vezes, é uma senhora de quase noventa anos, que vive sozinha, numa vivenda rodeada de relva, flores e árvores, com uma piscina...dantes, com o Gaspar.
Infelizmente o Gaspar, dia 10 de Janeiro deste ano, cometeu a "injustiça" de a deixar...e morreu antes dela, coisa que ela pediu que não viesse a acontecer nunca... Ficou, portanto, mais só.
Como a vivenda é na margem sul, e não exactamente à mão de semear, vou vê-la, não com a frequência, se calhar que podia e devia...mas é a vida...

Temos uma empregada comum, há largos anos, que serve de "pombo correio" entre as duas, e que tem por ela um carinho muito especial, porque a tem como a avó que a criou, lá na Ucrânia tão distante.
Tem de facto um desvelo e preocupação com a minha mãe, inexcedíveis, que não são os bens materiais que pagam. Felizmente não vive longe dela, e é duma solicitude comovente.
Telefonicamente, contactamo-nos, obviamente mais que uma vez por dia.

Dantes, a minha mãe falava o dia inteiro com o Gaspar, que a entendia lindamente e lhe respondia ao "jeito dele"...tinham uma linguagem de cão, perfeitamente perceptível. Dele, tinha carinho, dele tinha companhia, dele tinha compreensão.
Quando por vezes chorava e se fechava no quarto, o Gaspar deitava-se à porta e gemia até que a dona de lá saísse, e olhava-a com um ar compassivo, triste e cúmplice, como que a querer dizer-lhe: "Que é feito da garra da minha dona??!!...Deixa-te disso!!!" - e lambia-lhe até as lágrimas, se teimosas, elas rolavam...

A minha mãe é de amores únicos. Depois do Gaspar não quer, nem é capaz de ter substitutos...

Hoje, acho que fala com as flores, porque conhece cada borboto que abriu e floriu, cada buganvília que se "queixa" da falta de sol, conhece o vento que abana os pinheiros e desfolha as árvores, e ciranda por ali todo o santo dia, nos mais de mil metros quadrados de casa.
Ela varre, ela lava, ela estende, ela rega diariamente as plantas onde a rega automática não chega, como se fossem bocas sequiosas, porque... "coitadinhas", o calor é muito, ouve os programas de rádio desportivos, porque o seu Sporting é sagrado, e todo o futebol faz parte do seu quotidiano, os telejornais, uma só novela, e nada mais...porque "a televisão só dá porcarias e desgraças"!!!!

Pelo calor ou pela chuva no Inverno, faz renda...catadupas de naperons para cozinhas inexistentes, porque a família já foi toda contemplada, e não há mais cozinhas que os comportem, com linha grossa (porque os olhos já não permitem mais), com as fotografias do "seu Gaspar" sempre junto dela, no sofá...

Levanta-se mal o dia espreita. Agora no Verão, às 6h da manhã está a pé (resquícios da vida no seu Alentejo distante, em casa dos pais), e depois de quase não parar todo o dia, antes das 9 está na cama...

Levanta-se, vai para a piscina, onde faz uma hidroginástica que inventou, para a ajudar na manutenção dos movimentos ( a minha mãe fracturou há talvez 5 ou 6 anos as duas pernas, com três fracturas, o que me adivinhava o fim...).
Depois, faz ginástica, aos braços e ombros, toma o seu duche quente e pronto, está pronta para mais um dia "de trabalho"....

A minha mãe tem uma disciplina, uma persuasão, uma força de vontade e um objectivo utópico e quase infantil....poder acompanhar o crescimento dos bisnetos...
Não quer morrer de forma nenhuma...eu acho mesmo que só irá, se a apanharem distraída!!!

Uma destas noites em que estava com insónia, pelas 4 h da manhã, levantou-se, olhou pelos vidros e viu um luar lindíssimo, de uma lua cheia que iluminava todo o jardim, e segundo ela, pensou : "o que vou eu fazer para a cama, se não tenho sono, e a lua está tão linda???!!!".....

Nessa noite, iniciou os "trabalhos" mais cedo....
Foi para a piscina, fez a ginástica, varreu todas as folhas tombadas durante a noite, como sempre, tomou o seu duche, e então.....o sol começava finalmente a acordar!!!...

Por que é que que eu não sou igual à minha mãe????!!!!

Anamar

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

"SÓ PARA ESPAIRECEREM !"

Hoje a inspiração está falha....então, deixemo-nos simplesmente extasiar com estes "mimos" da mãe Natureza, sempre pródiga, generosa, gratuita!!!!..... Valha-nos isso!



       Oportunamente, trarei mais "maravilhas" para vocês...

Anamar

"E MAIS DECRETO....."

Começo a ficar preocupada com a preocupação ou efeito, que alguns dos meus posts causam a terceiros, nomeadamente a minha filha mais velha, que na sua boa intenção de me ver bem, começa a "bombardear-me" com tentativas de solução, pressionando-me e deixando-me ainda pior.
Eu sei que é tudo por uma boa causa, a de filhos ou amigos...sei que é na boa intenção de tentarem ajudar-me.
Mas o que é facto é que começo a sufocar-me aqui deste lado, em relação à escrita.

Este post, tenho-o escrito desde domingo...
Sei que nem aquece nem arrefece, é sempre a mesma merda...mas desculpem, por precisar de pôr cá fora o que me apetece pôr.
Essa, a função do meu blogue...não outra.
E se ele começa  a funcionar como "lápis azul"...então cerceia a minha liberdade de sentir e aliviar...
estive até hoje na dúvida se o colocava ou não no "ar", sopesando os "danos" colaterais. Mas bolas! Só queria que entendessem: será que eu sou tão anormal, que gosto de sofrer?
Pensem um pouco: quem mais que eu quereria ser feliz e estar bem? Quem mais que eu quereria encontrar um caminho de vida positivo, ver a vida de outra cor?
Não vêem que se o não faço, é porque não consigo? E não vêem o caudal de cansaço e tantas vezes de desistência que me assola?....
Eu sofro exactamente como aqui coloco....sinto exactamente como aqui escrevo, agarro-me a todas as bóias que me estendem, como um náufrago...mas sinto ser uma questão de resistência pessoal! Estou extenuada, bolas!!!!



Que inferno!

Ontem decretei que não fazia mais anos, e hoje decreto que não haja mais fins de semana!
Ontem foi sábado, hoje é domingo...entre um e outro, venha o diabo e escolha!!
Hoje é aquele dia famigerado, em que percorro a lista do TM e toda a gente está ocupada : a Manuela está na Escócia, o Manel foi para a Ericeira, o Pedro deve estar a banhos, a Bia nunca sei o que faz ao fim de semana, porque nunca se combinou nada, a Fatinha está no Algarve...a Lena, bem, a Lena tem a sua vida familiar que eu, de facto, não tenho o direito de devassar mais.
Aqui, a anormal sou mesmo eu...

Pensei que um sítio possível para estar em paz, fosse a esplanada que já tenho frequentado muito...o Belas Clube de Campo, com a vista a espraiar-se no horizonte até à ponte 25 de Abril, até aos campos de golfe, até aos lagos, ainda por cima com um ventinho super agradável a correr, na canícula deste domingo insuportável!...

Mas, azar dos azares; isto está cheio que nem um ovo...quer no interior, quer cá fora na esplanada. Claro que cada mesa tem três ou quatro pessoas, famílias que vieram aqui normalmente almoçar, criancinhas que naturalmente incomodam...ou incomodam-me a mim, que estou sem paciência e queria estar só.

Estou a apanhar com a conversa da mesa ao lado, em que se fala de decoração de casas XPTO, direito de partilhas pós-divórcios, de amor e ódio, da vida de terceiros....
Por aqui existem os Manéis, os Franciscos, os Zés Eduardos, as Marias, as Constanças....tudo muito "in", tudo muito "bem"....ou então, eu já estou tipo "avis rara" que não se enquadra em nada e me canso de tudo.
No fundo, se calhar, o que eu sinto é desdém ou inveja por não conseguir ser normal como os demais....
É a minha tradicional raiva da vida, é a acidez e mau estar a subir por mim acima...

Tenho que encarar que qualquer dia ninguém me atura, de tal modo estou acre, azeda, insuportável, provavelmente (como dizia ontem), absolutamente farta de mim própria, e sem conseguir sair disto...

O que é que posso fazer?? Não sei viver...não racionalizo...vivo vinte e quatro horas pendente de um emocional que está podre, e por isso estou a ficar "incuravelmente" ainda viva!...

Estou esgotada...hoje sinto-me absolutamente cansada, com uma angústia a amarinhar-me, e a puxar-me para casa...embora eu saiba que não é boa ideia.

Afinal, ainda nem 4 h são, e é domingo....

Anamar

sábado, 28 de agosto de 2010

"DECRETEI !..."

É mais um sábado.
Ando a dormir mal e estou agora a tomar o pequeno almoço. É meio dia e meia, estou no café "dos velhos", como eu costumo dizer, como se o Escudeiro, agora encerrado para férias, não estivesse ainda mais "tumba" que este!
Este, é mais um lugar de poiso de "aves de arribação", e depois, de "habitués", tipo D. Madalena, que é utente diariamente, quando as primeiras chuvas ou frios a desalojam da minha praceta.
Não faz realmente bem à cabeça este ambiente, eu acho...e dou por mim, que já não estou boa, a ouvir falar de desgraças, ao lado, por trás...na mesa da frente....
A Lena um destes dias dizia-me : " Tu, por amor de Deus, não me pares muito por aqui!!...."
As hipóteses diferentes são muitas, mas a vontade não ajuda; podia, por exemplo, ir até junto do rio e tomar por lá o pequeno almoço. Mas não, o imobilismo habitual e derrotista invade-me, e não me mexo....
Os fins de semana são terríficos....continuam a ser terríficos. É um vazio e um buraco assustador cá dentro.

Daqui a uns tempos, não muitos...faço anos.
E meditava eu, um destes dias, em como "voou" o tempo, do ano passado para este ano.
Este ano vou arranjar um esquema alternativo, para "saltar" o dia no calendário. Não há quem aguente os telefonemas, os parabéns, as palavras que me vão marcar a data....
Não, não quero fazer anos! Não quero mais dias e semanas e meses a escoarem-se por cima de mim e a arrastarem-me, violentando-me, numa espécie de vórtice ou tsunami...Chega!

Não tenho inimigos, ou pelo menos acho que os não tenho. Não considero ninguém como tal....mas tenho um, monstruoso e inultrapassável....o TEMPO...que é carrasco e que passa, passa e passa e é intolerante e insensível ao sentir de cada um...

Este ano não faço anos...aliás...não vou fazer nunca mais....DECRETEI!
Vou sumir do mapa nesse dia, para infantilmente o esquecer!...

E pensar que quando somos jovens adoramos fazer anos! É uma emoção a chegada do dia, é uma eternidade até que ele chegue e uma ilusão sobre o que será a vida, fazendo mais e mais aniversários, com tanta estrada a percorrer....
A entrada na adolescência, o sentir-se adulto, as conquistas, a liberdade e independência que pensamos sempre que se alcançam (quando afinal sempre somos escravizados por algo na vida), os sonhos que temos ( e parece que não há tempo que chegue para lhes dar vazão), as metas e as conquistas que vamos alcançando, as realizações obtidas....

E mesmo quando começam os primeiros "invernos" na vida, a força que sentimos em nós, para os atravessar, mais ou menos incólumes....
Ainda nada é tempestade, deserto, impossibilidade!
Olhamos em frente, e o caminho ainda é tão longo para percorrer, que estamos seguros que mais cedo ou mais tarde atingiremos o desiderato de ser felizes...
Não demos ainda as primeiras "cambalhotas" da vida, e acreditamos sermos eternos vencedores,  que  temos forças para sermos eternos lutadores, e não sucumbiremos nunca!...

Que ilusão, meu Deus!

Se nós pudéssemos espreitar por uma "frestazinha" lá atrás, o que realmente é a realidade??!!
Se nós pudéssemos aos vinte ou trinta anos não ter a ingenuidade que lhes é inerente, e perceber que é mesmo verdade, o que, os que estão "quilómetros" à frente, nos dizem e sempre achamos uma chatice e um pessimismo incomodativos??!!

Mas não...e de repente, um dia "acordamos"....; perdemos então a inocência!
Instalou-se a "invernia" à séria, nas nossas vidas. O caminho encolhe a esta velocidade assombrosa, e começa a "escurecer" muito mais cedo; o ar desabrido começa a invadir-nos, e é quando os olhos já capitulam, que afinal passamos ironicamente a "ver melhor", a "ver tudo"...a ver que o "tudo" é já tão "pouco"!....

Por isso , decidi : não faço mais anos!!! Queiram ou não!!!...

Anamar

sexta-feira, 27 de agosto de 2010

"MAIS DO MESMO..."


Começo a cair na realidade...
Chegada de férias, como sabem há poucos dias, não pelo facto de serem férias, porque "férias" tive eu, forçadas o ano inteiro, mas porque o "mundo" onde estive foi outro, me parecia que "tudo" tinha ficado da porta para fora, no "quintal"...

Esta sensação de liberdade, de libertação de peso no coração em quase todos os momentos, acompanhou-me de facto quase todos os dias, como vos contei, na Costa Rica.
Do rafting ao rappel, de cavalgada a floating, de cobra a macaco, de mar a céu, de calor irrespirável a chuva torrencial...de tudo experimentei, como quem procura como que "desintoxicar-se" à viva força, como quem precisa deixar pendurado num galho da mais alta árvore da selva, todas as perturbações que a preenchem e a destroem...

Mas acabou, claro, como tudo acaba....

Dirão: "olha-me esta...queria que o bem bom durasse o tempo todo!!"....
Não é o caso, juro-vos...só queria de facto voltar a ver o mundo com as cores que lhe são devidas, voltar a sentir-me um pouco solta, criança, inconsequente...sei lá,  mesmo por aqui, no meu "buraco", com a D. Madalena e o resto da comitiva no seu posto de todos os dias, nesta praceta descaracterizada ; reduzida às caras do costume, aos cafés do costume, confinada à casa, ao PC, às poucas compras no Super por baixo de mim, que faço diariamente (porque como não cozinho não preciso de grandes coisas...) ; confinada ao dormir, com a Rita aos pés, umas noites mais impaciente que outras (acho que não está bem e tem dores) e ao levantar a sacudir o "pó" do "sótão", a tomar o meu duche e a sentir-me gente (única fase do dia em que ainda sinto uma energia acrescida), como se ESTE, fosse o dia em que a minha vida iria mudar...; confinada a constatar que ando presa por "arames" e a fazer de conta que me aguento e que estou viva!

Lá irão dizer : "Puxa...lá voltamos ao mesmo...não há remédio para esta cabeça!" - e se calhar não há mesmo!

Poderia (e se calhar deveria?) não estar a escrever aqui nada disto, mas precisei aliviar um pouco a "tampa", e estou-me borrifando que daqui a pouco tenha a minha filha "à perna",  por causa deste texto!

É que, se também não escrevo, pouco sobra, fico sem o resto do ar que respiro, que já não vai sendo muito...portanto, como costumo dizer : "Pulem este post...quem sabe um dia destes a minha vida muda mesmo radicalmente, assim como se me saísse o euro-milhões na forma de brinde dos céus, embrulhado com laço de fita e tudo?!...

A coisa recomeça a ficar "preta", como "soi dizer-se"...o que significa que as coisas postiças nunca deram grande resultado; mais cedo ou mais tarde, o invólucro cai e lá ficam as misérias à mostra!
No meu caso, a força que parece que tinha, está a ir-se (certamente não era real), estou a sair da cena que montei, desasada, assim, sem palmas, com a sala vazia e a cortina a correr-se...

Desculpem...uma vez mais.
Começo, como diz a minha mãe (que tem quase 90 anos) de si própria, a ficar "farta de mim"!
Fazer o quê? Começo, ou recomeço a cansar-me de ser um foco de preocupações e mau estar para terceiros, e gostava de, repentinamente...."pufft"....sumir do mapa, desaparecer de circulação, esfumar-me no espaço!!...

Anamar

quarta-feira, 25 de agosto de 2010

""PURA VIDA..."

                                                                                                                 E cheguei.... 



















Se eu quisesse descrever a Costa Rica, faria um borrão verde num papel, pintava azul de um lado e outro e uma doçura nos rostos, que só conheci nestes países atravessados pelos trópicos.

Os homens, então, são particularmente amáveis e doces, de uma doçura e sensualidade quase irresistíveis!
A alegria, a leveza de vida, a inconsequência que paira é igual aos ritmos musicais que os acompanham quase vinte e quatro horas por dia. Começam o dia cantando e terminam-no cantando também...é realmente "pura vida"....o lema perfeito desta terra, saudação permanente entre as pessoas...os TICOS, assim chamados por ancestralmente, na sua linguagem, usarem os diminutivos sempre terminados em "tico".

Os cheiros adocicados, eu já os conheço, são os de sempre, os tropicais, inigualáveis em qualquer lugar do mundo, as cores, de todos os câmbios e tonalidades, os gritos, trinados, assobios, chilreios de todos os pássaros, começam mal o dia começa também, e este, começa muito cedo.
Antes das cinco da manhã já o dia se inicia, com sol ou com chuva.
Este ano tenho os gritos dos "monos" (macacos), bem perto do hotel, que pelas quatro da manhã já urram a anunciar um novo dia. Hoje, estavam particularmente barulhentos...dizem que anunciam a chuva que chega, e que de facto tem sido torrencial....

Não há "stress", não há afobação, não há esgotamento; as pessoas têm o que a terra dá e o mar carrega, não vivem em função dos bens de consumo, não se preocupam com

os bens materiais...têm  uma natureza pródiga à sua volta, e água, muita água por todo o lado; Caribe de um lado, Pacífico do outro, e muita, muita fauna e flora, inestimáveis (5% da biodiversidade mundial).
Este país, tão pequeno no mapa é um verdadeiro "pulmão" do Mundo, e penso que, felizmente, ainda não está muito divulgado....
É um país sem exército constituído, é um país cuja prioridade dos seus habitantes, todos eles, com ou sem formação, é o desenvolvimento, numa aposta de preservação total da generosidade do pedaço do planeta que habitam.
Há uma consciencialização comovente, de todas as pessoas, desde o motorista da "pick-up" que te transporta, ao biólogo que se mudou definitivamente para lá para estudar "in loco" a flora e a fauna existentes, pois todos têm uma noção muito clara, dos atropelos irreversíveis que estão sendo feitos ao planeta!

A Costa Rica não tem máquina fotográfica ou câmara de filmar que a enquadre...ela apenas pode ser transportada nos nossos corações e nas nossas mentes, para o resto da Vida!!....

Anamar

terça-feira, 3 de agosto de 2010

"TEARS IN LIFE"

 Hoje fui dar um beijo à minha mãe.

Vou-me ausentar por alguns dias, tentando carregar para longe do meu horizonte, toda a angústia e morte interior, que me assola há muito.
Como se levasse e pudesse deixar fardos ou cargas, pela simples ilusão de que não estou no mesmo sítio de sofrimento...
Como se o céu não fosse exactamente o mesmo, como se o sol também o não fosse, como se a lua, mesmo cheia, não "escutasse" lá, exactamente como cá, os meus murmúrios, não me embalasse e não me estendesse os braços para me secar lágrimas....
Quanta ilusão!....
O peso que transporto é tão grande, que nem sei se o avião vai chegar a bom porto!!

Bom, mas dizia eu que fui dar um beijo de despedida à minha mãe, porque, apesar de eu odiar todas as despedidas, sei que ela não pensa assim, e sempre diz a uma qualquer de nós : "Sim, porque isto, há viver e há morrer"!!....
Coitadinha da minha mãe que nem aos noventa anos conseguiu criar o seu próprio estatuto pessoal....e para ela, a vida....somos nós, do Frederico até mim...

Vinha a atravessar a ponte, e sempre me acompanho de música no carro, medianamente alta, o suficiente apenas para eu a ouvir, quando Eric Clapton lançou para o ar aquele maravilhoso, quanto arrepiante "Tears in Heaven".

Esse tema, por razões particulares, e por mais anos que vão passando, está ligado a um passado algo recente, está ligado a uma pessoa por quem tenho um carinho peculiar, mas que a vida se encarregou de desviar noutra rota, numa encruzilhada....

E porque os pensamentos, tal como as cerejas e tal como as conversas também são incontidos e indomáveis, fiquei a pensar como é frequente que na Vida, pelos mais variados motivos, as pessoas se "percam"....

A gente perde objectivamente pais, filhos quantas vezes, amigos, companheiros de jornadas tantas vezes longas, amores que se partilharam com a força duma chama que podíamos garantir jamais se extinguiria, vizinhos, pessoas de crcunstância no nosso relacionamento diário...

As pessoas "perdem-se"...perdem-se mesmo....e por vezes encontram-se em situações de doença, partida, dificuldade...
Quantas vezes sabemos de este ou aquele, que foi tão próximo nosso....e que partiu....partiu sem avisar (tinha que ter avisado todo o mundo que foi o seu...) !
E pior que isso, nesses momentos em que nos apoiamos uns nos outros, em que choramos juntos, em que atiramos a rosa branca sobre o esquife que desce, em que lembramos tudo o que já foi....prometemo-nos que dali para a frente irá ser diferente...tem que ser diferente...

E depois... a Vida, polvo de tentáculos gigantes...reduz todas as coisas ao que já eram...

"Tears in Heaven"  ou "Tears in Life"....não sei o que será mais real!!!

Um beijo para vocês todos.....espero voltar.....porque isto, como diria a minha mãe : "Há viver e morrer!"....

Fiquem bem!

Anamar

sábado, 31 de julho de 2010

"MISCELÂNIA DE IDEIAS"



Há momentos em que o silêncio é uma bênção....com o estado de espírito com que ando, então, procuro-o desesperadamente.
O barulho maça-me, as pessoas cansam-me...poder estar num local onde o silêncio impere, onde a natureza nos invada, onde sejamos gratificados apenas com o sol, o sussurro da brisa fresca e o verde que nos rodeia, é de facto algo privilegiante.

Procurei isso hoje, no Belas Clube de Campo, paraíso a um passo da cidade, que costuma ser uma zona de paz...
mas, infelizmente hoje, ou porque é sábado, ou porque o calor é insuportável e a praia intolerável, com as temperaturas que temos tido, as pessoas procuraram o oásis que é esta esplanada, perto dos campos de golfe e da frescura dos lagos, donde a ponte 25 de Abril se avista na linha do horizonte...
A "poluição" sonora típica dos grupos que sempre têm que impor aos outros os mais variados assuntos, os berros e birras das criancinhas que me martelam na cabeça, cansam-me e causam-me um verdadeiro mal estar físico.

Tive uma noite indescritível, às 4,30 h estava a enviar uma mensagem de telemóvel...precisava "sentir" gente, acordada ou a dormir, em qualquer lado, mas gente...
Estava pronta a levantar-me, e no entanto tinha dormido apenas três horas. Pensei vir para o computador, mas também não saberia o que fazer àquela hora...o resto da noite foi no deita, levanta, foi o carregar daquele peso que me aperta e me estrangula, foi o arrastar daquele cansaço que não tem fim à vista, foi o sentir a inutilidade de noites a seguir a dias que se repetem iguais...sem bússola ou rosa dos ventos que os norteie...

E o barulho por aqui continua a "deteriorar" a paz deste local, a minha paciência está a ficar "em franja"....ou isto melhora, ou deserto mesmo!

É preciso ter azar!!...

Entretanto morreu António Feio, 54 anos....sem comentários!
Nunca o apreciei particularmente, nem como actor e como pessoa, embora o não conhecesse pessoalmente, era o tipo de figura que não me cativava.
Isso não vem p'ro caso...morreu, morreu com uma expectativa de vida ainda provável para viver.
Não é por ele nos ter deixado que vou fazer aqui e agora a apologia do que quer que seja sobre ele. Normalmente há sempre uma altura em que as pessoas ganham todas um estatuto invejável...é quando morrem.
Não...apenas quero aqui deixar, nesta miscelânia de ideias que constitui este post, uma afirmação sua que li, proferida nos últimos dias de vida, a qual me fez ler, reler e meditar ;
é quase um lugar comum ou frase feita, mas pelo menos eu, deveria repeti-la cada vinte e quatro horas em cada dia, para mim própria :

        "Se há coisa que eu costumo dizer é : aproveitem a vida e ajudem-se uns aos  outros. apreciem   cada  momento e não deixem nada por dizer, nada por fazer..."      António Feio

Deveria ser a maior verdade que norteasse a vida do ser humano, mas eu faço ouvidos moucos ao que sei que é mesmo assim...logo eu, que sinto claramente cada dia irrepetível, logo eu, que acho que deveria recuperar no tempo que me faltar, a dívida que a vida já me não vai saldar, logo eu, que sinto no coração o efémero e a precariedade de tudo!!!...

Como diria a minha filha mais velha, no seu habitual pragmatismo, e também a mais nova (que sendo enfermeira lida diariamente de perto, com a vida e a morte....) : "O que é que falta acontecer-te para "acordares",  mãe??!!...

Anamar

quinta-feira, 29 de julho de 2010

"UM ANO...."

Faz amanhã dezoito anos que o meu pai partiu....faz amanhã um ano que o Óscar me deixou....

Resta-me a Rita...aliás, vão restando cada vez menos e menos coisas na vida das pessoas, à medida que se escoa o que nos foi destinado viver.
Não tenho escrito nada nos últimos dias, porque me tenho sentido vazia, sem energia, sem metas....
Se calhar como deve ser... As metas alcançáveis ou sonhadas, vão encurtando e aproximando-se cada vez mais de nós, na razão inversa da força do que sonhámos ou em que acreditámos....

Começa a haver uma espécie de encolher de ombros, uma espécie de indiferença instalada, um amorfismo, que se o consciencializarmos dói...dói mesmo!

Na vida, os restos que nos vão ficando, vão sendo uma espécie de sobras de coisas normalmente boas (porque das más, nem os restos queremos guardar), que vivemos.

São sobras de amores eternos, como os dos nossos pais ou filhos....aqueles cujo sangue é mais o nosso....nunca apagados, sempre doídos, apenas um pouco apaziguados.
No entanto, sempre carregaram consigo um pedaço de nós mesmos...

São sobras de paixões que nos deram seiva, nos tornaram flor florida, nos levaram a ver o sol brilhar todos os dias, verão ou inverno, fizeram das nossas noites paraísos....e das quais ficam as tais sobras, mais ou menos avassaladoras, que nos matam e consomem, e escurecem o nosso céu irrecuperavelmente...
As consequências dessas sobras nunca serão apaziguadas, antes, sangram e sangram e sangram....

São sobras de amores a seres que partilharam o nosso espaço, com uma dedicação e uma devoção, eu diria cega e incondicional.
Seres que vieram para as nossas casas, em boas, más condições...mas que sempre aceitaram sem nenhuma reivindicação o que quisemos ou pudemos dar-lhes.
Sabemos à partida que normalmente lhes sobrevivemos....mas a sua ausência deixa-nos sempre um buraco que nada preenche.
O Óscar foi-me trazido pela minha filha, eram  quinze centímetros de gato....após a morte do meu pai, para me salvar da depressão profunda que me afundou durante dois anos....Partiu, no mesmo dia, há um ano!

Há oito meses que estou de novo profundamente mal, e eu acho que a Rita percebe isso.
Quando sente que a angústia me está a doer no peito, vem para junto de mim e olha-me, parecendo querer dizer-me algo que nem ela nem ninguém sabem dizer-me...

Enfim....os horizontes deixaram há muito de ter a amplidão dos da minha planície alentejana, o saco das metas e dos creres, vai-se esvaziando...e o saco dos "restos" vai-se avolumando....até quando?...

Anamar

sábado, 24 de julho de 2010

" DILO....ES LO ÚNICO QUE IMPORTA"...

       "Di tus cosas más íntimas, dilas, es lo único que importa.
         No te avergüences, las públicas están en el periódico"
                                                                               Elias Canetti

Recebi num mail que uma colega e amiga me enviou, esta frase, que vinha inscrita num livro, que por sua vez lhe havia sido oferecido por uma amiga espanhola....

Fiquei longamente a meditar sobre ela e em como seria mais fácil, se nas relações interpessoais as pessoas seguissem este princípio e se "defendessem" menos!
Mas não, até vulgarmente se ouve meio a brincar, meio a sério, que os maluquinhos é que dizem tudo o que lhes ocorre, sem peias ou limitações.
Já se soltaram desta realidade de conveniências e já ocupam outra dimensão!...

Também se diz que de ´"médicos e de loucos, todos nós temos um pouco"...( e eu acredito piamente na ciência milenar, que da sabedoria dos simples criou uma verdadeira bíblia ), e penso que vem daí esta minha veia inconsequente de exposição das minhas ideias e dos meus estares...

De facto, nesta altura da vida, muito pouca coisa limita já as minhas posturas (desde que razoáveis, óbvio), e cada vez é menor a preocupação que tenho com opiniões alheias. Certo ou errado, se qualquer coisa é "a minha verdade", então é-o mesmo, ao arrepio de convencionalismos, modismos, correntes, conveniências...

Quem costuma não me poupar muito a esta minha forma de algum risco, fio de navalha, salto de pára-quedas (chamem como quiserem), é a minha filha mais velha, que me lê religiosamente, e que no verdor dos seus trinta e sete anos quereria ter uma mãe mais enquadrada e "normal"....e descobriu agora, que tem uma mãe, que neste momento é muito mais sua filha, que mãe, e uma avó para os seus filhos que também não encaixa no figurino...

.....mas ela amanhã vai para o estrangeiro.....

Estou convicta, que se as pessoas deixassem falar a alma, tudo era mais fácil...menos mágoas arquivavam, menos dúvidas mantinham, mais partilha dividiam, mais amor e amizade espalhavam à sua volta...

Mas não, o ser humano caminha mais e mais para o ostracismo, para o bem estar e parecer, para o ocultar o "flanco", e parece ter medo ou vergonha de por as suas dificuldades e dúvidas aos seus semelhantes, porque infelizmente conhecemos o aproveitamento hipócrita que é feito do seu conhecimento ; e assim, caminhamos para um mundo de solidão, de individualismo, de "cada um que se amanhe"....sendo o ser humano à partida, um animal gregário, que só teria paz, felicidade e se sentiria pleno e completo, em comunhão com os seus semelhantes!!....

Anamar

quinta-feira, 22 de julho de 2010

"O RAPAZ DOS OLHOS VERDES"

Nunca vos falei dele...
Raro é o dia que não nos "esbarramos", quer dizer, que os meus olhos não batem nele, e têm feito germinar em mim um sentimento de revolta, de indignação perante a vida, de tristeza, de profunda inquietação...

O Miguel, soube hoje que se chama assim, é mais um dedo social em riste, apontado a todos nós....
Vive na rua, dorme onde calha, de comer, pouco me apercebi, deambula com um saco de plástico cujo conteúdo desconheço e permanentemente com pacotes de vinho ou cerveja na mão...permanentemente....

As pessoas evitam-no, porque a sujidade, a degradação, a miséria são de tal ordem, que deixam de mal consigo mesmos, os corações mesmo os mais empedernidos.
Muda-se de passeio, troca-se de calçada, enxota-se daqui para ali, como um cão vadio.

O Miguel não fala com ninguém, não pede sequer esmola...o Miguel tem uns olhos lindos, verdes, inocentes, de criança, mas que já não vivem por aqui....estão perdidos algures num vazio distante, em que recordações, não sei, com que imagens, também não...mas que afinal...fiquei perplexa....sabem chorar...

Hoje acordei muito cedo, eram pouco mais de sete horas.A essa hora, a minha cabeça ainda está leve, ainda tem energia, projectos, forças...e sabe-se lá porquê,  "saltaram-me" à frente a limpidez daqueles olhos que me incomodam.
O ser humano é cobarde. Eu acho, que o ser humano defende-se daquilo que puder agitar-lhe a consciência...e é hipócrita também.... Não estou a excluir-me, não me interpretem mal.
Normalmente recuso esmolas, excepto a idosos, e há dentro de mim uma espécie de vergonha, ao dizer não, um certo acabrunhamento, por eu ser uma privilegiada e eles não....eles, aqueles que de facto se sujeitaram a ouvi-lo...e não consigo encará-los nos olhos....
Decidi, que se os meus caminhos  se cruzassem... com os do rapaz de olhos verdes, hoje iria aproximar-me dele, e tentar perceber a complexidade daquele cérebro, que eu acho que ficou muito lá atrás....

Miguel estava sentado num daqueles bancos das paragens dos autocarros, que partem e chegam constantemente à minha praceta.
Comprei uma sandwich (sou franca, receava a forma como iria ser recebida....). Não queria que se sentisse humilhado, não queria magoá-lo mais que a vida já o fez.
Abeirei-me e estendi-lha...disse-lhe:"coma...agora, ou mais logo....não ponha só álcool no seu estômago...isso faz-lhe muito mal!" perguntei se me podia sentar e conversei longamente com ele, arrancando-lhe a custo algumas palavras....
Trinta anos da maior miséria inimaginável...não vou aqui expor o nosso diálogo...mas fiquei a saber que ele se considera sozinho no mundo....e fiquei a saber que aqueles olhos verdes de criança, sabem chorar...

As lágrimas rolaram-lhe pela face... e não me contive sem lhe dar um beijo e afagar-lhe a cabeça...."Força Miguel....só um dia de cada vez....prometa-me que vai tentar",,,

Demagogia...poderão dizer....Um coração de mãe a falar, isso sim....direi eu!...

Anamar

domingo, 18 de julho de 2010

"AO SABOR DAS LETRAS..."


Saramago encontrou Deus...o Deus que procurou a vida inteira, tenho a certeza, embora se dissesse ateu...
Onde ele estiver, Deus está a agradecer-lhe a forma enviesada como ele lutou por Ele, em vida.
Pelo humanismo, pela luta pelos desfavorecidos e marginalizados socialmente, pela denúncia corajosa e desassombrada das injustiças e arbitrariedades, duma sociedade que está a cair de podre, de uma forma frontal e livre...

Depois, vem a faceta de Saramago, que sou franca, desconhecia, de homem sensível, capaz de rasgar um sorriso aberto naquela cara circunspecta, capaz de se emocionar com aquele mar, aquele vento de Lanzarote, capaz de falar com o carinho, como o faz, da avó Josefa, ou do avô, que lhe mostrou a vida, capaz de querer que as suas cinzas repousassem quase anonimamente, sob a oliveira que plantara na ilha que o viu morrer...

Vem o Saramago, que, de miúdo humilde, quase miúdo de rua, teve que lutar pela subsistência da própria família...

Sou agnóstica, portanto, talvez religiosamente, não tão radical quanto Saramago.
Sou suficientemente egoísta e corrompida pela vida mundana de uma cidade descaracterizada, de um país triste, para nem sequer me poder agarrar a convicções que me dessem razão de vida.
Eu acho que isso, está de facto, entregue aos grandes seres...

E assim, a minha vida é de incoerências entediantes, em que defendo, admiro, vejo, analiso grandes causas, mas o vazio toma-me e tolhe-me...
"Alugo" as pessoas, e depois penalizo-me por isso. Isolo-me o mais possível, e depois sofro horrores...os dias cansam-me de vazios e ausência de horizontes...o silêncio, a quietude, a solidão...são os meus aliados preferenciais, e depois, desejo morrer, porque isto não é viver...

Hoje, acordei convicta que era segunda feira, e pensei que pelo menos, haveria mais vida lá fora, sente-se buliço, sente-se gente...
Depois lembrei que era domingo, e isso causou-me um mau estar que não se entende.
Neste momento, a minha vida é passada entre acordar, não ter nada para fazer e dormir...dia após dia...
As pessoas amigas e são algumas, as fiéis, e até algumas mais recentes, me parecem sinceras na disponibilidade que me oferecem de ajuda, porque acham que não me esforço, porque que tenho que reagir a esta apatia, e tentam de tudo para me tirar deste lodaçal....Não percebem que eu não tenho força para me reerguer....Estou entupida de químicos, e os dias são cópias uns dos outros.

Imaginam o que é (como hoje, por exemplo), pensar: vou fazer o quê, daqui a pouco? E excluir todas as hipóteses que me ocorrem, porque parece que os pés ou o coração estão grudados a este quarto, a esta cama, a este sono doentio, por contínuo?

E penso muitas vezes, embora tenha consciência que não é mais que uma infantil utopia, como desejaria ir embora, não sei para onde, nem por onde...mas depois também sei, que carregaria comigo todo o mal que faço a mim própria, mesmo sem querer...só porque ele está dentro de mim!...

Anamar