domingo, 6 de dezembro de 2009

"SUSPENSA NO ARAME"





Lembrei agora os meus circos de menina.
Circos de província, pobres, paupérrimos quantas vezes...
Lembrei que dia de circo era dia de festa, para qualquer criança um presente abençoado. O reboliço começava com a chegada das caravanas e com os megafones a anunciarem aos quatro ventos: "Grátis às damas.....espectáculo a não perder!!" - muito alarido, música, lantejoulas, caras pintadas, contorcionistas, malabaristas, piruetas, animais obedientes....corpos ginasticados, cor....luz...

O circo onde eu ia era o "Circo Mariano", quase o único que parava em Évora, ao tempo. Nada de circos "five stars"...
E de facto aquele mundo era mágico, aos olhos de qualquer criança. A pobreza e a precariedade não passavam as paredes de lona, nem fugiam pelas janelas das caravanas.

Nunca achei graça aos palhaços...Difícil  arrancarem-me  uma gargalhada espontânea, quer do "palhaço rico", com a sua cara empoeirada de branco, quer do "palhaço pobre", que ainda assim  vinha mais ao encontro dos meus gostos. E tinha dificuldade em perceber por que é que aquelas bancadas vinham abaixo, com as gargalhadas e as palmas da criançada em êxtase absoluto.

Pois hoje lembrei o circo, porque lembrei uma das apresentações que mais  me fascinavam e me deixavam suspensa....tal como me sinto hoje...

O meu número favorito, era de facto, a actuação dos equilibristas. O coração parava-me, quando os holofotes apontavam para os píncaros da cobertura (lá, onde o tecto faz um biquinho), e os artistas, mais míticos ainda, com os fatos a brilhar pelas luzes a incidir, iniciavam a actuação.
O voo entre trapézios, o  mergulho no nada, rumo a umas mãos que "in extremis" os prendiam, o atravessar o arame com uma barra equilibrante nas mãos, entre um lado e outro, a uma altura que atentava contra a nossa cervical, já na época...o silêncio que se fazia, pelas respirações suspensas, eram uma prova de fogo à resistência dos corações, ainda que fossem de criança...

Hoje o meu circo é outro.
Hoje eu sou a protagonista sem treino, de um número de equilíbrio num arame sem rede por baixo. Hoje, eu vivo no limbo do real e do irreal, hoje a minha vida é feita, segundo a segundo, no arame mesmo, com o Mundo a girar em rodopio à volta da minha cabeça, a entontecer-me e a testar o meu equilíbrio.

Não sei se a alma me escorrega, se o coração me cai, se o autómato que sou neste momento, se equilibra ou se deixa finalmente atingir a paz quando os holofotes se apagarem e o circo ficar vazio...
Hoje eu cansei de caminhadas em arames que julgava serem estradas seguras. Hoje eu cansei de vestir de lantejoulas, porque o meu espectáculo terminou ...Hoje eu cansei de ouvir as palmas , ou melhor, passei a ouvi-las longe, longe, cada vez mais longe...já não eram para mim...fechei os olhos e descansei finalmente...

Anamar

2 comentários:

MariahR disse...

Pois é Anamar. Esta vida é um circo que requer mais e mais exímios números no arame.
Parece que estas artes não são para todos...
Um grande abraço
Maria L.

Anónimo disse...

Olá Anamar
Todos vivemos em equilibrio constante. É a vida. Convém é assegurarmo-nos que a rede que nos protege (família e amigos) está em boas condições.
Acredito que estamos bem seguras.

beij

Maria Romã