domingo, 27 de novembro de 2011

CRÓNICAS DE FÉRIAS VII - "OS MENINOS DA PRAIA"




13 de Novembro .........17,15 h  na Indonésia ......... 9,15 h em Portugal

Decididamente o dia hoje trocou-me as voltas.
Amanheceu com chuva copiosa, um céu toldado, parecendo não querer abrir mais. Dissuasor de praia, embora o calor, logo às seis da manhã, fosse intenso.
Só que, de uma forma geral, chuva para as pessoas é sinónimo de "molha", insinua a busca de abrigo rápido, antes que mais algumas gotas nos caiam em cima.
Não percebo por que nos climas tropicais, onde o sol seca num ápice qualquer dilúvio, continuamos aqui a padecer da síndrome aflitiva da "molha" ...
Nós ... porque os autótones não têm de nenhuma forma, esses problemas.
Vê-se bem que combinam com a chuva e a chuva combina com eles, que combinam com a Natureza ... conhecem-se e miscigenam-se.

Depois, ao longo do dia, o sol fez negaças prometedoras de aparecer, mas tudo não passou de boato.
Ainda assim, mais algumas gotas tentaram "fazer-se à pista", mas recuaram...
O ar abafado com uma humidade elevadíssima instalou-se, numa abóboda cinzenta com laivos mais ou menos carregados. O ribombar dos trovões ouviu-se à distância, mas foi só ameaça também!

A meio da tarde, a praia despovoou-se ... Houve uma debandada geral e o silêncio e a paz, instalaram-se, felizmente.
Por vezes é cansativo estar a levar com conversas e mais conversas, em vários idiomas, decibéis acima do razoável, línguas arranhadas, agressivas algumas, frias outras ... mas sempre conversas ...
Gargalhadas cacarejadas, fungadas, gargalhadas de hiena, projetos de gargalhadas ... daquelas que ainda não têm saído e já recolhem ... enfim, tudo nos polui os ouvidos, queiramos ou não.

Resolvi ir andar a pé, areal fora à beira-mar, onde a areia está fresca, mas já consistente, para não cansar em demasia.

Os meninos de Bali, os meninos de Java, os meninos de Sumatra, são donos das "suas" praias quando o sol abranda, quando os turistas, donos do dinheiro,  afinal as desocupam.
Os meninos da Indonésia "fazem-se" nas areias, no meio de lixos trazidos pelas marés e não removidos, no meio dos barcos ancorados em dormência preguiçosa, no meio das algas da maré baixa ...
Andrajosos, sujos, paupérrimos, vê-se claramente ... mas ternos, doces, irradiando simpatia e acolhimento, como só esta terra sabe.
Uma bola na ponta do pé, sonhos na cabeça, liberdade na alma.
Riem, riem muito, esfuziantes de alegria brincam ... são bandos à solta, que se têm como irmãos.
Nunca recusam uma foto. Fazem "pose", verificam no fim a obra feita, e riem mais ainda, quando se vêem no visor da máquina fotográfica ... como se de um "coelho a saltar da cartola" se tratasse.

Não são só os meninos que vêm à praia.
Os autótones, sobretudo muitas mulheres, "ousam" descer à beira-mar, como se isso fosse privilégio dessa hora.
E tomam banho nas "suas águas" ... envergonhadas, tímidas, com sorrisos reprimidos à flor dos lábios.
E tomam banho sempre vestidas ; também elas de novo em bando, riem muito.
Não falam uma palavra de inglês, mas sorriem sempre ...

Um indonésio dizia-me ontem, quando me surpreendi pelo seu cumprimento afável a um turista desconhecido, que na sua ilha, as pessoas devem "dar-se", independentemente do retorno.
O importante é que no cumprimento, no sorriso, passe o seu acolhimento, a sua energia, o espaço do seu coração aberto, a dádiva do seu espírito disponível.

Fiquei a pensar em como nós, os ocidentais, os detentores da civilização, da cultura, do conhecimento, e claro, também do dinheiro, regateamos tantas vezes um simples bom dia, um simples sorriso a quem se cruza connosco.
Fiquei a pensar em como nos "encasulamos" no nosso "mundinho", em como nos achamos bem superiores, em como nos fechamos e levantamos muros e barreiras à nossa volta!

Talvez se a praia tivesse sido só o espaço que nos deixassem quando deixassem, se uma bola tivesse sido só o nosso sonho ... se só o mar e o céu tivessem sido o nosso Mundo ... a nossa filosofia de vida fosse outra ..
Talvez aprendêssemos a dar valor ao bem que faz um bom dia generosamente oferecido, ou a um sorriso "desarmado" espontâneamente desenhado e distribuído ...
Talvez aprendêssemos a viver melhor ... como os meninos de Bali !!!

Anamar

2 comentários:

Jonas disse...

Espantosa a filosofia que nos trás, de um mundo conhecido, muito ao que parece artificialmente, por nós Ocidentais.
(As pessoas da "sua" Aldeia devem dar-se), frase de um Autóctone.
Fico deslumbrado com a "magia" que irradia dos seus "Posts".
Jonas

anamar disse...

Olá Jonas

Realmente teríamos muito a "beber" naquelas fontes!...

Felizes eles na sua pobreza ... infelizes muitos de nós, na nossa abundância !

Um abraço

Anamar