quarta-feira, 30 de novembro de 2011

"OUTRA VEZ DEZEMBRO ... "


Encerrado que está o período de férias, com elas as crónicas que sobre as mesmas escrevi.

Partamos para outra, ou para outras ... afinal a rotina restabeleceu-se, a vida volta a fazer-se no mesmo ritmo.
Olhando para trás, confirmo uma vez mais a velocidade meteórica com que tudo passa ...
O investimento expectante com que vivenciamos certos acontecimentos, o investimento onírico e afectivo que neles depositamos, são rapidamente esgotados, porque o antes foi longo, o depois longo será e o entretanto ... fugiu num ápice!
Afinal, e repito-me ... a ampulheta sempre se esvazia rápido !...

Um dia cinzento hoje, um dia tipicamente outonal, modorrento, um daqueles dias que à partida não terá história.
Aproxima-se o Natal, também a passos largos.
Baldido  hoje o Novembro, tão magoado para mim, um mês que eu apagaria sempre no calendário da minha vida, chega Dezembro, que por outros motivos também não me é mais agradável.
Sempre advoguei detestar comemorações convencionais, criadas por determinadas razões; comemorações que não obedecem a um calendário de coração, que são impingidas e institucionalizadas por factores exógenos ao ser humano.

Não sou religiosa, e por isso o Natal ainda se me "esvazia" mais.
Não sou criança e por isso o Natal já me perdeu o encanto do sonho infantil.
Não sou tão jovem que tenha muitos Natais à frente, e os que estão para trás, são inevitavelmente cicatrizes, que embora saradas ou em vias de o ser, ainda mexem, sempre hão-de mexer ...

Lembro com saudade os meus Natais de infância, os meus Natais de avós, pais, tios, primos ... os meus Natais de família, naquele Alentejo que já me é remoto, e que estranhamente me vai pertencendo a um passado cada vez mais distante e esbatido em neblina ...
Natais de presépio de figurinhas de barro, Natais de musgo a sério, de pinheiro enfeitado singelamente, porque então as sofisticações dos dias de hoje não existiam.
Mas Natais, se calhar de muita cumplicidade, muita paz, muito afecto, muita "luz" nos corações, muito calor na lareira imensa ( como todas as lareiras alentejanas o são ) e dentro de cada um de nós ...
Eram os Natais do perú, das migas, das rabanadas, do arroz doce ... da aletria .... do bolo de buraco ... tudo das mãos da avó!...
São Natais lembrados apenas, em que as personagens já não mexem, em que os peões já não se deslocam no xadrês, só porque já "desertaram" há muito ... quase todos!

Vieram depois os Natais beirões, os Natais de crianças nossas, pequenas ... e tentou-se fazer a "reprise".
Outra vez a árvore, agora mais pomposamente engalanada, outra vez o presépio com as mesmas figurinhas, que atravessaram geração, outra vez o musgo de verdade ...
Em nós, menos sonho, menos ilusão, menos calor na alma ...
O frio da Beira, penetrava e amarinhava,  enquistando-se em "buracos" abertos que já existiam ... os líquenes e os musgos já não eram só do presépio ... também eram dentro de nós !...
Eram Natais de bacalhau e couves, Natais de "roupa velha", de leitão, de doces menos tradicionais (porque alguns já comprados), mas ainda, de arroz doce, "belhoses", figos e passas, nozes e pinhão, de bolo-rei e rabanadas.
Natais de lareira ainda de pedra, menor, mas quente !...
Família ... outra ... menos nossa, porque a família é aquela que se traz do berço, não aquela que se "arranja" pelos percursos da vida.
No entanto, Natais ainda iluminados. As crianças congregavam as pessoas à sua volta, e eram elas a razão desses Natais ...

Hoje ... bem, hoje eu diria que a única coisa que me faz sorrir na noite da consoada, são as risadas dos meus netos, a única coisa que me aquece a alma, é estar ainda na mesma mesa com a minha mãe, as minhas filhas, os pequeninos ...
Os seus atropelos em brincadeiras desgovernadas, a gritaria feliz da noite, a sua excitação pela chegada do Pai Natal sempre carregado, são gratificantes.
Nessa noite abro um parêntesis no amargo da minha história, que relego para o mais fundo de mim mesma, esqueço o que fui e o que foram os meus Natais, esqueço a família que tive, a que arranjei e a que não tenho mais, por esfarrapada ... esqueço que estou só por dentro, e albergo num imenso abraço, todo o magnânimo amor dos que me rodeiam, dos meus, em cujas veias corre o meu sangue, e às vezes ... com um nó a apertar, ainda assim ... procuro criar Natais com outro "rosto", os Natais de hoje, com novas personagens, novos intervenientes, que vão, eles mesmos, começando a "escrever" os seus próprios Natais!...

E assim será !!...

As cadeiras vão-se esvaziando, mercê da ampulheta que corre.
Qualquer dia, não demorará, sou eu que vou ocupar a cadeira da minha mãe, depois, as minhas filhas ocuparão a minha, e haverá outros rostos, outros risos, outra gritaria, outra excitação na sala ... mas a cadeia talvez mantenha os seus "elos" intactos ...
Desejaria que fosse resistente, apesar da inevitabilidade dos tempos e dos atropelos das vidas...
Desejaria que fosse indestrutível, para poder unir tantos e tão diferentes Natais ... porque, queiramos ou não, o 25 de Dezembro sempre atravessará gerações !!!...

Anamar

4 comentários:

Anónimo disse...

Anamar,
Raramente, ouvi descrever tão bem o Natal, como o fez. Identifiquei-me com muito do que afirma.
A minha maneira de o viver, é muito diferente, pois afasto-me,para longe de tudo e de todos.Meu filho,escolhe trabalhar nessa data.Foi assim nos ultimos anos.Entendo eu, que com tanta Familia desagregada,podemos considerar que o Natal, pode ser tambem um pesadelo para muitos. Desculpe-me

Anónimo disse...

Dezembro, mês de Dezembro, a imagem que escolheu a Anamar, foi para mim algo que me deixou emocionado, pois
identifico-me muito, com Rómulo de Carvalho, "O sonho comanda a vida, como uma bola colorida nas mãos de uma criança..."
Bonita imagem, muito bonita de uma menina, com uma bola colorida.
Jonas

anamar disse...

Olá

Sempre há formas de repensar, reverter, alterar esses "Natais" sofridos.

Por vezes surgem dados novos na vida, que deveremos equacionar, porque continuarmos a esbracejar em águas lodosas, não será benéfico nem para nós, nem para quem nos rodeia.

Desejo que o seu Natal este ano seja melhor...Não esqueça...o tempo passa súbito...e os Natais também!

Um abraço

Anamar

anamar disse...

Olá Jonas

Foi a pensar nessa estrofe de Rómulo de Carvalho, que escolhi esta imagem.

É uma imagem de esperança, de recomeço, de renascimento....já que Dezembro também é o mês em que o ano acaba e nasce outra vez...

E o sonho atravessa os anos... o sonho deve atravessar as vidas...

Um abraço para si

Anamar