sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

"RETALHOS..."


"Nieblas" neste 8 de Dezembro, dia da Sra. da Conceição, festejado "Dia da Mãe" dos meus tempos de menina.
Agora, a igreja transferiu esta comemoração para o primeiro domingo de Maio de cada ano, data móvel portanto ... e eu zanguei-me!
Vêem por que me recuso a aceitar comemorações impostas??!!
De repente, e à revelia de nós todos, surge uma cabeça pensante ... e catrapumba ... nada do que era, continua a ser!

Bom, mas eu como sou e serei sempre (acho), contestatária, "decidi" que sou fiel às minhas convicções e memórias, e como tal, mantive e manterei, enquanto a minha mãe viver, o 8 de Dezembro como o "seu" dia oficial.

Nos meus tempos de garotinha, no liceu que eu frequentava, na saudosa cidade de Évora onde vivia, existia uma disciplina que certamente muitos lembrarão ... "Lavores Femininos".
Sempre, ano após ano, nessas aulas e por todo o primeiro período escolar (porque afinal estamos praticamente a encerrar as actividades escolares), se confeccionava um berço, a oferecer no dia de hoje, a uma família carenciada, que obviamente esperasse "a cegonha", com as dificuldades inerentes à situação.

A professora entregava a cada aluna (na altura as turmas não eram mistas ... como sabem), a tarefa de confeccionar, à sua escolha, uma das peças que comporia o enxoval do nascituro.
Assim, uma aluna faria botinhas, outra casaquinhos de malha, gorrinhos, outra babetes, outra bordaria uma ou mais fraldas (na altura em pano, lembram?) ... outra faria uma camisinha ...outras forrariam a alcofinha.
Tudo muito mimoso, tudo bem feitinho, tudo com muito amor.
Claro que se o trabalho estava atrasado e o tempo urgia, a professora fazia-se "desentendida" e deixava que os trabalhos viessem para casa, entre aulas, a fim de que se acelerassem...
Aqui para nós ... óbvio ... era altura das respectivas mães entrarem ao serviço, adiantando ou finalizando a tarefa destinada ... rsrsrs.
Mas era por uma boa causa ... e ninguém era penalizado !

Eu escolhia sempre fazer uma camisinha ... A cor é que oscilava entre o rosa e o azul (também, conhecer-se o sexo do bébé, à altura, era impensável ...).
Por via das dúvidas ficava-me quase sempre pelo amarelinho claro.
Era bordada com "ajour", com florzinhas ou passarinhos a "cheio", "ponto pé de flor"..."grilhão" ou "sombra", e escrita a palavra "Bébé" para a alindar ainda mais!
Pasmo ao lembrar com carinho e uma pontinha de emoção, as coisas que nós sabíamos então, as coisas a que nos dedicávamos ... Os nossos horizontes...dos doze, treze anos ...

Bom, retomando ... Para mim, "Dia da Mãe" "ad eternum", o dia de hoje!...

Amanheceu absolutamente outonal, no cinzento uniforme... uma abóboda de nevoeiro adensava-se por sobre as nossas cabeças, à frente dos nossos olhos...
Ar ... absolutamente gélido... a lembrar-nos que poucos dias faltam já, para o Inverno se apresentar em força ...
A minha gaivota apareceu por aqui, mas não foi para ficar. Vinha acompanhada, e cá para mim, anda de namorado novo ...

E lá fui visitar a minha velhota e obsequiá-la como todos os anos, com qualquer coisa que ela goste.
Nesta altura do "campeonato", enjeita todo e qualquer bem material (diz, e eu acredito, que já tem tudo até morrer...) ...
Como tal, e porque os velhotes sempre são lambareiros, e ela não foge à regra, comprei um bolo-rei pequenino para que inaugurasse a quadra natalícia.
Aproveitou e pediu-me uma "fartura"... o "brinhol", no Alentejo ... de que diz ter muitas, muitas saudades! rsrsrs

A visita hoje foi interessantíssima. Nem vos consigo passar uma pálida ideia de como decorreu.
Começou logo à entrada, por me dizer que há oitenta e alguns anos, na sua terra, morreu a Menina Custódia, trinta e tal anos, empregada no Montepio...uma das duas farmácias da vila. Figura muito popular e acarinhada, a sua partida foi muito sentida pelo "povo".

"O seu funeral e o do Sr. Padre Serrão (tão boa pessoa, que até ciganos casava religiosamente), foram dos mais sentidos por quem os "estimava" muito".
"O Padre Serrão (que também casou os meus avós, sem que o meu avô, que não era de igrejas, se tivesse confessado (!!!)), foi encontrado morto, no banho frio que tomava sempre antes da "missa d'alva"...fosse Verão ou Inverno!"

Da Menina Custódia passou-se para o Tio Tiago Nobre, que de acordo com a descrição, na minha cabeça, encarnaria na perfeição, o Zé Povinho, de Bordalo.
Barrete na cabeça, figura atarracada, com um cão a acompanhá-lo, tinha o hábito de festejar a Restauração da Independência a 1 de Dezembro.
Vinha ao postigo da sua porta, e com uma espingarda, todos os anos à meia-noite, disparava as suas "salvas" comemorativas.
Dizia a minha mãe, que hoje em dia o Tio Tiago Nobre estaria tristíssimo com o governo, por lhe sonegar feriado tão desejado ...
O Tio Tiago Nobre vivia na rua da minha bisavó...portanto, avó da minha mãe ... Aldonsa de nome.
E aí, repegou-se outro tema ...

"Com a minha avó (a cuja casa a minha mãe ia dormir, em criança), aprendi tudo ! Foi ela que me tornou a mulher que fui toda a vida ... a saber dar conta das minhas coisinhas"!...
Enviuvou aos trinta e um anos, tendo ficado com três meninas com sete, cinco e três anos. "O marido finou-se com um "catarral "...  Ainda o "sangraram" ... mas não adiantou"...
conta... 
"A minha avó coitada, p'ra criar as filhas trabalhava no campo. Se era na monda...tomava dois regos por conta, um para ela, outro para a avó (a mais velha das três), que a acompanhava na lida ... para ganhar mais qualquer coisa.
Claro que ela mondava o seu, e completava o da avó" - dizia-me a minha mãe, passando para o discurso directo.

"Se era na apanha da azeitona, a mesma coisa ...
Depois vinha para casa, e sem nunca ter aprendido a "coser" ...aceitava trabalhos de costura e confeccionava mesmo, calças e camisas de homem ...pela noite dentro, na máquina de costura, à luz da candeia ou do candeeiro de petróleo !!! Tempos muito "custosos"...

"Quando eu era bem pequenina, punha-me com os joelhos numa "joelheira" de madeira, para lavarmos o chão, de tijoleira de barro.
Não havia lá esfregonas !!... Era à escova que se lavava! E tinha que ser muito esfregado, para que as juntas entre as tijoleiras, ficassem bem branquinhas, e as pedrinhas que as tijoleiras muitas vezes têm ... a brilhar! Eu andava com um trapinho ao seu lado, e volta e meia dizia-me : tens que lavar melhor ! Ainda não está bem !...
Coitadinha, lembro-me muito dela !..."

"E de manhã muito cedo, varríamos a rua, em frente à porta, com uma daquelas vassouras de buínho. Ela até tinha uma pequenina, para mim!"...

Quando o mês de Maio começava, acordava-me muito cedo, no primeiro dia, e obrigava-me a comer uma amêndoa ... dizia que era para que o Maio não me entrasse, senão ficaria molengona e preguiçosa, todo o ano"... "Não sei bem porquê ... mas era assim !..."

E eu ficaria aqui o resto da tarde, sem que mesmo assim, vos conseguisse dar uma ideia aproximada do que foi aquele mais monólogo, que diálogo.

Nos seus quase noventa e um anos, e a viver só, a minha mãe necessita  conversar,  contar,  reviver pedaços, retalhos dos seus tempos idos, da sua vida passada, que lembra com rigor e pormenor.

Eu, apesar de conhecer de cor e salteado as histórias repetidas vezes sem conta, limito-me a ouvir embevecida, pela enésima vez, quase imóvel para não perturbar a magia desses relatos ... E ausculto a sua alegria por poder contá-los, como se ao contá-los, lá regressasse... como se os lembrando, voltasse lá atrás!...

Anamar

4 comentários:

Anibal disse...

Fabuloso

anamar disse...

Olá Aníbal

Obrigada!

Ainda bem que gostou.
Neste post tive o cuidado de dar "voz" à minha mãe, só isso!

Um beijinho

Volte sempre

Anamar

F Nando disse...

De memórias se faz a vida...

anamar disse...

Olá Fernando

pois é isso mesmo...

E as pessoas mais idosas, quase só vivem disso ...os horizontes já são curtos...

Um beijo

Anamar