segunda-feira, 15 de setembro de 2008

"UMA DOÇURA MAGOADA..."






Há pouco "repeguei" um post que escrevi há dias...uma história ficcionada, cujo contexto se prende com algo de que muito tenho falado...o percurso inexorável do tempo.
O tempo, polvo de tentáculos gigantes, o qual, inapelável e utopicamente por vezes pensamos poder enfrentar...

Alguém hoje na escola me perguntou, se eu já havia ouvido o tema imortal do não menos imortal Léo Ferré (ícone pessoal, ideológico, político, social, de uma época, de uma geração, de uma sociedade...)..."Avec le temps".

E "Avec le temps" parecia prender-se direitinho com tudo o que eu havia escrito anteriormente; parecia fazer uma "ponte" perfeita com tudo isso, e com o que já muitas vezes, melancolicamente por aqui deixei.

O tempo... impiedoso, carrasco, juíz...
O tempo, o adversário mais injusto e desleal que eu conheço...Aquele que "tudo traz e tudo leva" sempre a sorrir de escárnio na nossa cara, aquele que em si desvanece e arrasta na poeira do esquecimento tudo o que era inesquecível!
As grandes dores, os grandes sonhos, os grandes afectos...a fé e o acreditar em marcos indestrutíveis, a certeza em sentimentos inabaláveis...o crer em amores sem tamanho...tudo é efémero frente ao "gigante"!

E qual areia escoada por entre os dedos de uma mão, a única coisa que nos é permitida é que a memória nos seja fiel até ao fim...
O único legado que nos é deixado, é o que se arquiva com o fogo da alma na nossa "caixinha" mágica (aquela onde se vão projectando as "reprises")...
A única dádiva que podemos aceitar, é que pelo menos uma doçura magoada nos inunde, e como velas no vento, resista e nos "alimente" até que "o pano caia".

"Avec le temps, va, tout s'en va...avec le temps on n'aime plus..." Ferré devia saber do que falava...


Anamar

"A ESTRANHA SIMBIOSE..."




Há pouco, na minha janela de fim de tarde pude uma vez mais observar o sr.Pedro e a D.Conceição, que uma outra vez desceram do seu oitavo andar (nariz com o meu sétimo), para o seu cafézinho de "encerramento de expediente".

O sr. Pedro e a D.Conceição são meus"conterrâneos", isto porque temos a mania de dividir tudo...a cidade, a praceta, o ar que respiramos e o café que frequentamos.

Só não dividimos o sr.Pedro, eu e a D.Conceição, porque o sr.Pedro é só um e é dela...

Este casal (que empoleirado um piso acima de mim, me olha logicamente "do alto"), são uns amores de criaturas, na casa dos seus setenta e picos, a quem não conheci, ao longo dos anos, nenhum descendente, parente ou acólito.
Que nem "corda e caldeirinha", p'ra onde vai o sr.Pedro, vai a D.Conceição.
Aliás é mesmo assim, porque quem já puxa "a carroça", na verdadeira acepção da palavra, é mesmo o sr.Pedro, homem escorreito, apresentável e desempenado ainda, para a sua idade.
Já a D.Conceição é mais do tipo "pata-choca", gordinha, saias a meia canela, écharpes condicentes sempre (não vá o pescoço constipar-se), cabelo anos sessenta bem escorado p'la evidente "permanente", baton transbordante e risco de lápis assim só mais no prolongamento dos olhos ...estão a ver?
Sempre vai de braço dado,"a reboque" do marido, mais lesto e ligeiro...

Quando o vejo só, no Escudeiro ao pequeno almoço, logo presumo que algo vai mal, do tipo calos inflamados, ciática a apertar, noite mal dormida...
Outro tipo de problema é impensável neste casal...
Não se vislumbra ali uma discordância (não direi discussão), um amuo, uma briga, um sono perturbado por ciúmes...nada!!!
Neste casal, um é a sombra do outro. Impensável cada um de "per si"...

Por isso, quando o vejo a ler a "Bola", sem partilhar os afãs clubísticos com a D.Conceição, logo pergunto: "Como está sr.Pedro?? A "sua senhora" está bem?...Um beijinho p'ra ela!"...

Reparem..."a sua senhora"...

E é mesmo assim.
Embora eu não use este tipo de frase com mais ninguém ( a menos que fossem casos tão paradigmáticos quanto este), não encontro outra linguagem que melhor encaixe neste casal.
A D.Conceição é espantosamente, p'raí em cinquenta ou mais anos de casamento, "a senhora" do sr. Pedro...
É óbvio (como diria a minha mãe), como "Deus quando fez uma panela, fez logo uma tampa p'ra ela"...

Estes casais, pares, sombras, almas gémeas...cada vez mais raros, sempre me enternecem.

Imagino-os a partilhar a "gota", o ranger das articulações, o ressonar p'las madrugadas... todo o tipo de "ruídos" incómodos (comuns e conhecidos) pelas noites dentro...os tiques e os pigarros...
Imagino-os a dividir as incompreensões de linguagem, porque a "dureza" do ouvido mais não permite...
Imagino-os a ampararem-se na descida dos lancis das calçadas...
Imagino-os num acesso de mau feitio a esconderem os doces e os chocolates um do outro (coisa típica nos velhotes)...
E imagino-os também a partilharem recordações de quando caminhavam de mãos dadas pelos jardins, de quando choraram lágrimas comuns por desgostos que também foram comuns, ou deram gargalhadas em uníssono por felicidades que eram dos dois...
Consigo vê-los a ter sonhos e desejos e ânsias e fés, em futuros que não sei se se fizeram presentes ou não...
a serem capazes de se beijar e amar e tocar...(tão púdicos, cinzentos e discretos, hoje em dia são...)!
Até os "oiço" a partilharem silêncios e sonecas sobre o jornal ou o tricô...

Meu Deus! E chego a ficar "roxa" de inveja...no bom sentido, claro, ao perceber da paz que por ali se respira, da confiança que por ali reina, da segurança que se divide e partilha, na certeza de que cairão um dia os dois...mas para o mesmo lado...

Chego a ter inveja dessa ausência já de horizontes, da calma dessas águas que já não têm turbulência, do vazio de ambições, simplesmente porque a maior ambição foi alcançada e é certamente o poderem (quando for), morrer juntos!...

Esta "estranha simbiose" que se gera e chega a tornar as pessoas até fisicamente parecidas, é uma "bênção" rara, que certamente só está destinada a alguns...Talvez aqueles que estiverem de "bem" com os desígnios do "arquitecto" e como tal, dela sejam merecedores!!...

Essa "estranha simbiose" é afinal, tão só, a fórmula secreta e mágica, das pessoas que nesta vida souberam ser humilde e simplesmente felizes!!


Anamar

sexta-feira, 12 de setembro de 2008

" PRINCÍPIO OU FIM ?... A "máquina do tempo"

Há dias, até os mais afastados dos conhecimentos e informação científica, foram confrontados com uma notícia que espantaria o Mundo: a tentativa levada a cabo pelo CERN (conforme o artigo que transcrevo a seguir), da decifração da origem do Universo, na recriação dos primeiros segundos após a grande explosão que lhe daria origem - o Big Bang.

Tal, foi realizado através da construção, na fronteira entre a França e a Suiça (em pleno coração europeu), do maior acelerador de partículas jamais criado pelo Homem.

Este ambicioso quanto controverso projecto, levantou na Comunidade Científica, questões variadíssimas (até pelo não total conhecimento da abrangência das consequências previsíveis e possíveis do seu funcionamento), divergindo as opiniões dos cientistas quanto à perigosidade do mesmo, no equilíbrio interplanetário e na própria segurança Terrestre.

Não podendo ficar indiferente a este extraordinário, ousado e incomensurável passo no domínio da Física Nuclear, Química, Astronomia e da Ciência em geral, até pela minha formação na área...

Não podendo ignorar as questões e aspectos levantados sobre a "VIDA", o "ESPAÇO" e o "TEMPO" do ser humano...

Deixo aqui este artigo colhido na NET, que me pareceu simples, acessível e ilustrativo da "essência" do LHC (devidamente acompanhado de fotos elucidativas), e ainda três pequenos vídeos, em que, sequencialmente, se fala do Acelerador em si, se colocam interrogações sobre a prudência ou não da sua construção e utilização face a todo o Universo, e finalmente a desmistificação e inerente tranquilização, por parte dos cientistas de todo o Mundo, envolvidos no processo.

Espero ter contribuído para, pelo menos, satisfazer alguma curiosidade dos mais distraídos...


Acelerador CERN Fisica LHC Materia Nuclear Particulas



Qual a origem da matéria? Do que é feito o universo? Para muitos cientistas, tentar decifrar inúmeras questões como estas pode ter uma resposta inusitada: "viajar no tempo"!
Mas vamos explicar melhor. Na verdade, com um projeto de tamanho estratosférico, digno das pesquisas envolvidas, o CERN (Organização Européia de Pesquisa Nuclear, do francês Conseil Européen pour la Recherche Nucléaire), construiu o LHC (Large Hadron Collider) ou o mais poderoso acelerador de partículas do mundo.
Ou quem sabe, a máquina do tempo! Claro, não como vemos em filmes de ficção.
A idéia é tentar recriar o que aconteceu no universo, uma fração de segundo após o Big Bang.
Para tanto, chama-se este projeto de "A coisa mais complicada já construída pelo ser humano". Afinal, mesmo tendo iniciado em 1993 algo parecido e escavado mais de 14 quilômetros de túneis no Texas, os americanos desistiram de encarar tamanha tarefa sozinhos.

Mas afinal, o que é esta máquina do tempo?
De forma simplista, trata-se de uma impressionante estrutura embaixo da fronteira franco-suíça, perto de Genebra, e que é hoje o maior e mais complexo instrumento científico do mundo.
São 27 quilômetros de túneis que visam colidir dois feixes de prótons a 99,9% da velocidade da luz. Esperam então os cientistas que se recriem situações que não existem desde o Big Bang, conseguindo assim um melhor entendimento do Universo.
As forças liberadas serão capazes não só de distorcer o espaço (assim como a gravidade distorce o espaço ao redor da terra), mas também o tempo!
Por isso, a comparação com uma máquina do tempo.


Como cita a pesquisa publicada por Irina Arefieva e Igor Volovich:
"...na relatividade geral, uma curva no espaço-tempo irá correr do passado para o futuro. Mas, em alguns espaço-tempos as curvas podem-se encontrar gerando uma curva mais fechada, o que é interpretado como uma máquina do tempo - o que sugere a possibilidade de viagens no tempo".

Dois prótons viajarão em direções opostas e colidirão em quatro pontos ao longo do caminho - replicando as condições do Big Bang "do plasma cósmico", um misterioso estado, quase líquido, que ocorreu antes dos quarks esfriarem suficientemente para permitir que átomos se formassem.
O acelerador de partículas irá forçar os quarks a separarem-se e recriarem o "plasma cósmico" original reconstruindo as condições do Big Bang.
Será possível?!





No gigantesco túnel, estão localizados 4 detectores do tamanho de edifícios, alojados em grandes cavernas em pontos diferentes.
São eles: Atlas, CMS (Compact Muon Solenoid), LHCb e Alice (A Large Ion Collider Experiment). Apenas um supercondutor solenóide, contém mais ferro do que a Torre Eiffel.

Determinação, empenho e dedicação é o que não falta, além, claro, de muito dinheiro. Veja alguns dados que dão a dimensão do projecto:

• 20 anos de trabalho ainda em andamento;
• Equipa formada por mais de 7.000 físicos de mais de 80 países;
• 27 km de circunferência, 175 metros abaixo do solo;
• Cada túnel é grande o suficiente para passar um comboio através dele;
• As temperaturas geradas são mais de 1.000.000 de vezes mais quentes que o núcleo do sol;
• Magnetos supercondutores são resfriados a uma temperatura mais fria que a do espaço profundo.

A dimensão do LHC é fantástica, assim como deverá ser a maneira de lidar com seus resultados.
Quando estiver funcionando, o CERN registrará um por cento de todas as informações geradas no planeta: 15 petabytes ou 15 milhões de gigabytes de dados por ano.
Como processar tudo isso?!

Aqui começará uma nova etapa na Internet: a Grid! A HP foi a primeira empresa comercial a levar esta tecnologia ao LHC Computing Grid (LCG) do CERN - uma Grid (rede) de proporções épicas. Os HP Labs e o programa HP University Relations Programme estão colaborando com o CERN Openlab para o desenvolvimento de softwares e hardwares para a Grid.
Ela então não só partilhará informação, mas também terá capacidade de computação e armazenamento, significando que cientistas de qualquer lugar do mundo poderão ligar-se à Grid através dos seus computadores pessoais e ter os cálculos feitos por máquinas em todo o planeta.

Entre as inúmeras surpresas que os cientistas esperam testemunhar com o acelerador de partículas estão é claro, um Big-Bang de média dimensão ou um pequeno buraco negro.
Eles garantem porém, que mesmo isso ocorrendo, serão pequenos demais e terão pouca duração para gerar uma forte força gravitacional, ou em outras palavras: Genebra não vai ser sugada para outra dimensão.

Dia 06 de Abril o CERN abrirá as portas e receberá visitantes pela última vez antes de entrar em operação.
Se você estiver na região nesta data, está aí uma bela sugestão de visita!








Anamar

"A LONG, LONG ROAD..."



O ano escolar está à porta.

A lembrar-mo, está uma "bendita" reunião geral de professores, amanhã pelas nove da matina...

Ano que se inicia, trouxe-me inerentemente à ideia, um tema que, penso, tem hoje e terá sempre, toda a acuidade e toda a oportunidade para ser abordado e reflectido: a educação das crianças, jovens e adolescentes, pertinente e desejavelmente a começar em casa, onde os pais deverão ter um insubstituível papel a desempenhar.
Esse papel é seu e só seu. Ninguém nunca os poderá ou deverá representar.
Para lá do amor e dos cuidados primários que um progenitor tem que assumir para com o seu filho, a educação que lhe ministra, será paralelamente um bem inalienável, herança que o acompanhará pela vida fora, mais-valias, como peças de uma sociedade onde deve saber "mexer-se" e posicionar-se, como "gente de bem"...

Formalmente, a educação e os moldes em que hoje se processa e veicula, pouco terão a ver com padrões institucionalizados lá para trás;
contudo, o "direito a ela", nunca foi tão reivindicado, dissecado, analisado, por mil razões que todos conhecemos e que não pretendo abordar neste post, sob pena de me alongar exageradamente.

Vou portanto tecer algumas simples considerações a propósito, mãe e filha que sou...


A minha mãe caminha para a invejável idade de oitenta e oito anos.

Invejável é um lugar-comum aplicável na circunstância; isto, porque eu talvez inveje à distância, poder lá chegar...(até lá não vos garanto que não mude de ideias...) e não porque eu ache uma maravilha ter essa idade.
Aliás, eu "bulho" com a minha, como poderia achar "supimpa" apagar essas velinhas??!!

Bom, mas o importante da questão é que ela está viva, cheia de energia, com uma cabeça, essa sim invejável atendendo ao "desgaste do material" e muita muita vontade de viver. Por ela, estou certa, apagaria por cá as 176 velas, ainda...

A minha mãe é, como vêem, duma geração muito, muito lá para trás, com vida, valores, educação, sonhos que nada têm a ver com os actuais.

Fui educada por ela, como filha única que sou, dentro desse figurino. E digo "educada por ela", porque o foi na verdadeira acepção da palavra, dada a precária presença física do meu pai.
Como tal, sempre se assumiu como timoneira da "minha embarcação", numa exagerada centralização de responsabilidade absolutamente desproporcionada.

É verdade que era um tempo em que o acto de educar talvez estivesse mais facilitado que hoje.

"Educar"não é provavelmente o termo correcto...Na verdade "guiavam-se" ou "conduziam-se" pessoas; de alguma forma, fabricavam-se ou induziam-se pequenos "robôts", que salvo honrosas excepções, não reivindicavam, não questionavam, pouco perguntavam, aceitavam com submissão (quase sempre quase tudo), não recalcitravam, raramente chantageavam e quase nunca se impunham.

Hoje, de acordo com os métodos e princípios pedagógico-didácticos com que se educam os filhos, isto não parece fazer qualquer sentido, mas quem for da minha geração, sabe bem do que falo.
Era a época em que os pais diziam: "É assim, porque é!...", "Não fazes, porque eu não quero!..."

Sofri na pele estas "regras de formação"; imprimi estes "preceitos" de conduta; interiorizei esta forma de estar e ser perante os outros e a sociedade em geral.
Teve méritos o que recebi, certamente. Aprendi a ser respeitadora, a saber acatar, a ser submissa, a reconhecer e valorizar qualidades, a ouvir e considerar o "outro", em paridade, sem me sentir superior ou inatingível, pessoal ou intelectualmente. Foi-me exigido ser responsável, foi-me pedido "ser capaz"...quiseram que tivesse forças para segurar o "mundo" que me punham nas costas...

Teve consequências gravosas também...sem dúvida.
Até hoje, muitos aspectos e episódios do meu percurso, foram pautados e marcados por uma personalidade ( a minha), que me acarretou infelizmente alguns desgostos, alguma infelicidade e insatisfação, alguma impreparação para a vida real, aquela que me esperava "cá fora" e a que não tive acesso, para a qual não me traquejei e escorei, nessa "redoma" ou "casulo" pré-definidos, em que me formei.

Tive eu depois que educar uma geração, onde começaram a dar-se os primeiros passos de "democratização" da educação. Uma geração de crianças e adolescentes, com seres a juzante absoluto do que vivi, seres questionantes, seres recalcitrantes, imperativos, exigentes, avaliadores, juízes...
E pais a "aprender", enquanto educavam...Pais a "tactear", na angústia do desacerto, pais a serem questionados e a questionarem-se, pais a interrogarem-se no medo do erro.
Mas, ainda assim, nunca ausentes, nunca capitulantes, fomentando o diálogo como podiam e sabiam, tentando nunca recusar uma explicação ou resposta...
Pais que pediam desculpa se consideravam ter falhado, quase impondo-se uma justificação para tudo, frente àqueles "diabinhos".
Decididamente, pais que erravam, tentando acertar...

Tive que educar uma geração que, penso, esticou a "corda" quanto pôde, testou até à exaustão, desafiou ostensivamente, fez "braço de ferro" perante quase tudo, foi pouco submissa, excessiva e prematuramente personalizada, pôs tudo em causa, inclusive os próprios caminhos em que era educada.
Falava-se demasiado em "repressão", "invasão de espaço", "desrespeito pela privacidade", "prepotência" de pais mais afoitos, ausência de disponibilidade para ouvir e compreender, "cercear de sonhos e liberdades" (quando se nos afiguravam mais "veleidades", "utopias" ou "desafios", do que sonhos)...

Eis hoje aí, essas gerações a educarem outras...
De novo...o ciclo a cumprir-se.

Talvez se comecem agora a equilibrar os dois extremos;
oiço os pais de hoje falar em disciplina e respeito, oiço exigirem educação, métodos de trabalho e responsabilidade; oiço os pais de hoje, preocupados em não falharem no interesse, no acompanhamento permanente; vejo os pais de hoje presentes, ainda que cansados, no lazer e no trabalho dos filhos, procurando conhecer (sem devassar), da escola, dos tempos livres, dos colegas e amigos, dos namorados; procurando auscultar dificuldades, incentivando nos desaires, exultando com as vitórias; presentes pela positiva, valorizando as capacidades, não penalizando excessivamente as derrotas, estando ao lado; utilizando uma pedagogia de construção e de responsabilização, propiciadora da elevação da segurança e auto-estima, cúmplice na exigência mas também no afecto.
E com isso, mais soltos, menos "assustados", mais desinibidos, mais convictos (como se sempre tivessem sabido a lição), menos auto-flagelados, culpabilizados, angustiados...e por isso, mais felizes, num "estado de graça" de uma missão que se cumpre e desenha com alguma leveza, muita entrega e sem grandes sobressaltos.

Em suma, vejo os pais de hoje mais assumidos...como se ser pai não fosse o "hobby" mais complicado e difícil do Mundo!!...


Anamar



Este post é particularmente dedicado à minha mãe (que o não lerá...) e à minha filha, que já é mãe (e talvez o leia...). Para elas, vão as minhas rosas...







quinta-feira, 11 de setembro de 2008

"A CIDADE DE TODOS OS REENCONTROS"...




( DEDICADO A ALGUÉM QUE O NÃO LERÁ )





As luzes da "cidade das luzes" estavam mortiças e envolventes, a anunciar uma "daquelas noites"...
Aquele Março em Paris, a cidade do amor, convidava ao romance, à magia, ao sonho e também à recordação.

Estava há dois dias na cidade; fora, expressamente para um encontro. Um encontro calendarizado havia muito, um encontro muito, muito importante na sua vida.

Os dias tinham amanhecido sorridentes, luminosos, com um sol meio primaveril e envolvente, a prodigalizar algum calor.
As tardes, à boa maneira de Março, tombavam sonolentas, embrulhavam-se num manto de neblina e numa chuva miúda que não chegava para lhe estragar a ansiedade gostosa e impaciente do coração.

Passeara ao acaso por Montmartre, pelos Champs Élysées, perdera-se em preguiça pelo Sena...o Quai d'Orsay continuava a esperá-la...
Deambulara por cada esquina, bebera em cada "bistrot", vasculhara cada alfarrabista, deliciara-se com cada aguarela, óleo ou retrato, pelas ruas...
Sorvera o sol nas Tuilleries, ouvira música pelas praças, a fazer tempo...varara as noites, nostalgicamente com Aznavour, Bécaud, Piaff, Mireille...Montand...até que chegasse aquela hora...

Decidiu vir a pé desde o hotel, lentamente, com muita antecedência, demasiado cedo, como se quisesse alongar o tempo, esticar a noite, perpetuar o momento.
Como se numa espécie de sortilégio, pudesse deixar suspensa a ampulheta do destino.
Ela não queria que aquela noite acabasse nunca, na sua vida. Ela não queria que aquela página terminasse de ser escrita!

Haviam-se encontrado dez anos antes, também num Março...Certamente num Março de sol e chuva como este, em Paris.
Viveram uma paixão avassaladora, sem limites ou barreiras, transgressora; uma paixão sem convenções ou ditames, uma paixão de loucura, de mergulho, bem física, carnal, sanguínea...como são as paixões...Uma história de livro...uma história de filme!
Ela, uma mulher madura, independente...porém, uma menina-mulher ainda. Ele, um jovem.
Uma relação quase proibida, quase censurável, quase inimaginável; uma relação de "quatro paredes", de mistério, quase de secretismo (e também por isso, mais marcante, mais indestrutível, mais tactuante).
Uma relação de química, de pele, escaldante e arrebatadora, que viveu até se esgotar, até estiolar, sorvida como um ópio, a desnorte, no "vale tudo", na aposta do tudo ou nada...

Terminou um dia, como tudo termina na vida...porque, simplesmente teria que terminar...porque o amor é efémero e a paixão mais que tudo...feita onda gigante a desfazer a grandiosidade da sua espuma pela areia.
E nesse dia, juraram que nesse outro Março, dez anos depois, estivessem onde estivessem...se vivos fossem, fosse qual fosse o "trilho" das suas vidas...voariam para Paris.

A cidade do amor acolhê-los-ia, no intimismo do mesmo banco de pé alto, daquele bar "Nouvelle Époque", rés-vés ao Sena.
A poalha dourada desse fim de tarde estendida sobre a cidade, certamente ressuscitaria as emoções contidas, apertaria mais ainda o nó difícil nas gargantas, testemunharia um frémito viajante pelos corpos...

Como estaria ele? Agora, dez anos depois, um homem de meia idade, calmo, sem sobressaltos, insatisfações, ou as dúvidas que o verdor da idade lhe conferira?
Ela, a mesma postura de sofisticação, requinte e determinação, que o levaram a apaixonar-se, então...
O seu olhar hermético, perdido lá longe...uma mulher-mistério, apaixonada ainda e sempre, pela vida.
Os olhos conservavam a mesma vivacidade e brilho de outrora. O rosto sereno e pacificado, guardava sem mágoa, uma recordação doce de uma felicidade vivida e religiosamente arquivada na sua alma, agora envolvida já pelas calmas outonais...

Quem chegaria primeiro? Quem esperaria por quem? Será que ambos lembrariam esse dia de Março?

Na sua mente, ao longo dos anos, "encenara" vezes sem conta, aquele reencontro; projectara, como numa tela de cinema, vezes a fio, aquele "take".
Tanto teriam a dizer-se, ou quem sabe, o coração em desmando, lho não permitiria...
Tanto para se contarem, tanto para recordarem...ou talvez não, por pudor, num tomar de pulso às pessoas que hoje eram, sem esquecer as que haviam sido e ficaram lá para trás...
Tudo previsível e tudo inesperável!...
"Conhecer-se-iam" ou seriam já dois estranhos, frente a frente, por cima de quem, a vida correu implacável?!

Procurou manter-se calma frente a um "Black Russian"...Estrategicamente "alinhou" as primeiras palavras que lhe diria, tentando não passar emoção excessiva, saudade que a traísse, felicidade incontrolada, pânico que a tolhesse...
Um frio desconcertante dominava-a; uma leve tremura apossava-se do seu corpo.

E aquela porta do bar, ao fundo, entrabriu-se e deixou então ver as águas calmas do "rio dos namorados", com os "Bateaux Mouches" vogando silenciosos e imperturbáveis...O olhar dele deslizou ansioso e emocionado até ao balcão...

"Sempre vieste"!!..."Tinha a certeza que virias"!!...

Aznavour e "La Bohéme"...Paris sempre igual a si própria!!...


Anamar

quarta-feira, 10 de setembro de 2008

"O AMOR E A PAIXÃO"





"NINGUÉM PODE VIVER SEM UMA ALDEIA"...dizia o poeta.

NINGUÉM PODE VIVER SEM UM AFECTO...digo eu.






Hoje "matutei" numa frase que li ontem, já não sei onde, de Saramago. Dizia ele, magistralmente :

" As aldeias são como as pessoas...aproximamo-nos delas devagar, um passo de cada vez".

Conheço e sou apaixonada por algumas aldeias desta nossa terra ; também tive o privilégio de deambular por algumas "lá fora"...Mas, em todas elas, a abordagem sempre foi a mesma...a de Saramago.

Começa a "degustar-se" a aldeia, ainda na curva da estrada, quando, às vezes de surpresa, ela se nos desvenda...

Aproximamo-nos então, e como quem saboreia um petisco, não conhecido mas adivinhado, os olhos penetram, "espiculam", devassam...

Cada pedra, cada fachada, cada sacada florida, cada cão na soleira...ou cada trepadeira numa esquina... uma sardinheira perdida, um rosto "pregueado" envolto invariávelmente num lenço preto, um varal de roupa sem medo, a secar...

E vamos andando, entrando na aldeia, penetrando-a até ao seu âmago, saboreando-a nos seus recônditos mais impenetráveis...um passo de cada vez...

E a paixão inicial que se nos abateu, vai "virando" um amor calmo, de adesão da alma, de impregnação da pele, à medida que calcorreamos as ruinhas, desembocamos nos largos, subimos aos castelos, chegamos aos chafarizes...ouvimos as badaladas, do alto das torres sineiras...sorvemos os cheiros...

E fica aquela "coisa" assim... doce, mansa, cúmplice...e nós, já somos da aldeia, e a aldeia já é um pouco "nossa"...






O mesmo com os afectos...o mesmo com as pessoas...o mesmo com os nossos "quereres"...

Degustados devagarzinho, "agarrados" pelo desvendar do mistério, embalados pela assimilação que é feita pelo conhecimento progressivo, lento, sem atropelos, sem logros ou pretensões...espontâneo, natural, desnudo...

E depois, sabiamente guardados na alma... a caixinha reservada aos nossos tesouros e donde "perdemos a chave"...

Dessa forma, indelevelmente eles vão permanecer, não no tumulto perturbador da "paixão", mas no remanso adocicado e calmo de um "amor" perene e inexpugnável, como muitas das nossas aldeias, que permanecem erectas através da infinitude dos tempos...






Anamar

segunda-feira, 8 de setembro de 2008

"QUANTO MAIS CONHEÇO OS HOMENS"...



"QUANTO MAIS CONHEÇO OS HOMENS...MAIS GOSTO DOS ANIMAIS"

Todos já ouvimos alguma vez, em algum lugar, esta citação.

Hoje chegou-me este vídeo que vos passo neste post.
Parece-me que dispensará qualquer comentário, pela ternura que as suas imagens traduzem, pela comovedora mensagem que nos transmite.

E perante ele, a frase supra-citada vem-nos de imediato à cabeça, como um "flash" despoletador inevitável de reflexão e de comparações que automaticamente estabelecemos.

O Homem distingue-se no reino animal pela inteligência, pela racionalidade, por ser, ou dever ser, um repositório de sentimentos e emoções que deverá ultrapassar largamente apenas a necessidade de sobrevivência, vivência em comunidade, instinto de reprodução e perpetuação da espécie.

O Homem deveria distinguir-se, isso sim!...

Mas quando pensamos e nos confrontamos diariamente com as suas posturas, comportamentos e actuações não só para com os outros seres vivos, mas ainda para com a sua própria espécie, todo o cepticismo doído nos atinge.

Desde ser, como já tenho sobejamente afirmado, a única espécie predadora de si própria...
Desde ser o animal que põe a sua inteligência e capacidades intelectuais, ao serviço da destruição dos seus semelhantes e do espaço que habita e de que necessita...
Desde ser, o ser corrompido que se deixa vender por interesses, "lobbies" económicos e outros...
Desde sossobrar e render-se a megalomanias gratuitas e vaidades inqualificáveis de pseudo-sucesso, a qualquer preço...
Desde usar as capacidades emocionais e afectivas de que dispõe, da pior forma possível, espalhando a dor, a morte, a revolta, reveladora de insensibilidades e indiferenças até para com os seus mais próximos (que utiliza como "joguetes", a seu belo prazer)...

o HOMEM, atrever-me-ia a dizer, deveria, por justiça, na hierarquia das espécies, ocupar não mais do que a cauda, na seriação dessas mesmas espécies que com ele compartilham o planeta Terra!!...


Anamar

TEMPOS....

NO COMMENTS...

ESTE ANÚNCIO FOI PUBLICADO EM 1919, LOGO DEPOIS DO INÍCIO DA PROIBIÇÃO DA VENDA E FABRICAÇÃO DE BEBIDAS ALCOÓLICAS NOS EUA ( a famosa LEI SECA)






Anamar

domingo, 7 de setembro de 2008

"NÃO LAMENTES O QUE FOI..."



Quase "pegava" o hoje com o ontem, pela hora.

Quando "recolhi", já o dia (de hoje)...ou melhor...de ontem...(que grande salsada!!)...ameaçava timidamente espreitar. Eram quase cinco da manhã!
Estas noites de pestana escancarada, de silêncios profundos (toda a gente já dormia no meu prédio), de música que não dispenso, contêm os "condimentos" mais que necessários para ir ficando, numa preguiça boa, numa converseta de mim para mim, num deambular por tudo ou talvez por nada.

Li algures qualquer coisa como isto : "Não chores pelo que aconteceu...sorri por ter acontecido..."

Interiorizar esta frase e o que lhe está subjacente é um acto de maturidade e crescimento, penso.
Sempre temos tendência a lamentar o que se foi, se foi bom...Sempre queremos, porque queremos, perpetuar alguma coisa a cuja perda tendemos a resistir.
Sempre queremos estender passados a presentes, na pressa de chegar a futuros, ignorando que o que aconteceu teve hora, espaço, ocasião para acontecer, e prolongá-lo compulsivamente, pode significar simplesmente adulterá-lo, maculá-lo...estragá-lo.

O que foi...tal como o tempo verbal acusa...é passado.
Foi bom? Tanto melhor! Extraiamos disso o néctar doce que se possa extrair, sem mágoas, queixumes, azedumes que nos impeçam até de saborear a recordação...se só ela sobrou.
Quem se quis bem, estou em crer, jamais deixará de se querer...
Quem desenhou uma "história", sempre a lerá, esquecendo se calhar alguma pontuação, mas não esquecendo nunca o conteúdo...
Quem partilhou sentires, não deixará que eles fujam de uma das gavetas do coração...
Os pedaços de nós que ficaram espalhados, são peças do nosso "puzzle" de então, e por isso os devemos juntar com cuidado, com desvelo, para que o desdém e a raiva não nos impeçam de continuar a ver claro e nos levem a desvalorizar e esquecer aquilo que valeu a pena, foi bonito, mas teve o seu tempo...



Não lamentemos então nada...

Que possamos sorrir sempre docemente, com carinho, benevolência e aceitação, de tudo o que nos aconteceu, porque fosse o que fosse, foi consequência da bênção de estarmos vivos...


Anamar

sábado, 6 de setembro de 2008

"OH DEUS!...NO TEMPO DA MINHA AVÓ..."





No tempo da minha avó e antes da minha avó, ser mulher devia ser uma enormíssima "chatice"...

Nascidas para dar continuidade à espécie, ou seja, para procriar assegurando que a família instituída passasse adiante, as mulheres não tinham qualquer "espaço" social, teriam algum protagonismo familiar e nenhum papel individual, isto é, enquanto pessoas.

Tendo origem em famílias economicamente privilegiadas, as meninas dos espartilhos, culottes sob saias avantajadas, cabelos em papelotes, seios generosos (através dos decotes) e rostos de porcelana nacarada, "perdiam-se" pelos salões, ociosamente, rodeadas de aias que as cuidavam a tempo inteiro.
Abrilhantavam as festas, tocavam piano ou harpa, bordavam, recitavam poemas, falavam francês, não tinham vontade própria...e bocejavam muito, por certo...Eram "coquettes", falsamente púdicas, com sorrisos tímidos. Tinham "cheliques" e enrubesciam com um roçagar de hálito quente no pescoço, ou voz sussurrante ao ouvido...



Era frequente viverem romances tórridos clandestinos (normalmente tendo como alvo "alguém desaconselhado" pela família), carregados de "picante e adrenalina", com trocas de bilhetinhos à sucapa, com a conivência das camareiras de confiança. Tinham encontros fugidios pelo recôndito dos jardins, ou com a palha dos estábulos a servir de alcova. Sempre chegavam correndo em bicos de pés, ofegantes e afogueadas em ânsias de entrega e lascívia...
Morria-se de paixão olhando a lua cheia, ao trocarem-se juras eternas...e suspirava-se muito...languidamente!
Ou então, se se achavam desinteressantes a ponto de não cometerem loucuras, entregavam-se aos desgostos de amor. Os seus semblantes tornavam-se ausentes, carregados de uma tristeza pungente e queriam morrer tísicas, rostos de papel secos, recusando alimentos na busca de morte "libertadora"...



Mas, normalmente acabavam num casamento não escolhido, com maridos que pouco conheciam, envelhecendo azedas e desencantadas!

Era mais ou menos assim...

Sendo oriundas de famílias débeis economicamente, então nasciam para o trabalho de sol a sol, para criarem "pencas" de filhos (o planeamento familiar não existia, como sabemos), para "servir" o marido que seguramente as escolhera, para passarem privações e sofrerem a violência familiar, arrastada por uma vida triste, desinteressante e cheia de dificuldades.
Não se cuidavam nem eram cuidadas...Não apresentavam certamente rostos diáfanos, mas, curtidos pela dureza do sol e da vida, envelheciam prematuramente. Não tinham corpinhos esculpidos pelas cintas e espartilhos. Tinham por certo pernas com pêlos e "buços" generosos...
Lavavam-se em alguidares, porque as banheiras de "pezinhos" da época, não integravam o recheio das casas. Também não tinham banhos com sais nem espuma...mas deviam estar disponíveis sempre que o "senhor" se quisesse "servir" delas.

Era também mais ou menos assim...Contudo, mulheres!...




E a História foi-se fazendo...

A minha mãe, apesar de não ter sido senhora de salões e mordomias (antes uma mulher de trabalho), usou chapéu, estolas de "raposinhas", sapatos de tacão com presilha e botãozinho, a condizer com a mala respectiva, luvas, os seus "tailleurs"de fino talhe, as primeiras "permanentes" ou "mises en plis", os "plissados", os "chiffons"...as pregadeiras ou raminhos de flores nas golas dos casacos e ainda, já um perfuminho de qualidade.
Familiarmente, ao casar, ocupou o lugar central na família, como condutora e responsável máxima pela minha orientação e educação.

A mulher era então a "matrix"; estava em casa (poucas eram aquelas que começavam a esboçar "atrevimentos" profissionais), era detentora de "prendas domésticas", vivia em função da família, em prol da qual se anulava e fazia todos os sacrifícios.
Em sociedade, a proeminência feminina era escassa e resumia-se a alguns poucos casos isolados, de mulheres "estudadas", com cultura e consciência de direitos. O "feminismo", como movimento social de cariz político, intelectual e sexual iniciava os primeiros passos.



E a História continuou a fazer-se...

E para que não me torne excessivamente exaustiva, refiro apenas a sensação de "conforto" e felicidade que experimento quando, como mulher de hoje, transversal aos séculos XX e XXI, me sei objectivamente, como uma mescla de todas as mulheres que o foram, ou o foram sendo ao longo dos tempos.

Sou a que se cuida por gosto... a que exige ser cuidada porque acha que o merece; sou a "coquette" quando me dá gozo...a que escolhe o parceiro, porque o não concebe de outra forma; sou a frágil que morre de amor olhando a lua, mas também a que se impõe no local de trabalho; sou a que se arroga direitos de respeito, consideração e reconhecimento de méritos e profissionalismo...mas também a que chora de emoção ao escutar uma melodia, ou ao ver o sol a sumir no horizonte; sou a que escolheu ter os filhos que teve, quando os quis ter...a que escolhe vestir clássico ou "descascar-se" na praia; sou a que bebe um copo com um amigo, entre conversas e gargalhadas, sem horas, pela noite...e sou a que se "bate" contra as injustiças e descriminações de toda a ordem; sei bordar e falar francês, mas só o faço se me apetece...uso espartilhos e ligueiros, mas não porque tenha que ser assim...apenas porque gosto de lingerie...
Em suma...sou a que traça a vida que se vai fazendo HOJE...sou a que diz não ou sim, a que escolhe, no pleno uso do livre arbítrio da sua existência...



E posso dizer que ao contrário do "tempo da minha avó" e antes da minha avó...ser mulher é um espectáculo!!...





Anamar

"EU FUI AO PANTANAL..."



Hoje, um pouco mais cedo, vou falar-vos dos sonhos...

Dos sonhos?...perguntarão...Quais??
Aqueles que se têm em plena luz do sol, legitimamente, por cada dia que começa?!...
Aqueles que se comem no Natal e até contribuem tristemente para o despautério da nossa "silhueta"?!...
Ou aqueles que por vezes nos "atarantam" as noites, porque, ou o não são e são pesadelos tramados, ou acabam desgraçando o nosso humor, quando escancaramos os olhos e constatamos que "tudo aquilo" era mesmo só sonho...e afinal já estamos "noutra"?!...


Pois, se calhar poderia falar um pouco de todos, mas o que me trouxe de facto à escrita, foi o inusitado da minha "viagem" na noite passada, ao Pantanal...e que não resisto a descrever-vos, tão fielmente quanto a "vivi"...

Exactamente...imaginem que a minha noite, mais não foi do que uma viagem inacabada até ao Pantanal, onde afinal não cheguei a acostar...e digo acostar...porque a minha viagem era de barco.

Aliás, essa também é uma característica dos sonhos...nunca chegarmos à realização do "bom da coisa"...ou seja, levamos o sonho a saborear por antecipação o seu anunciado "happy-end" e depois...nunca o alcançamos.
Eu tenho p'ra mim, que é da emoção que acumulamos, na expectativa de um desfecho desejado. O coração bate mais forte, a respiração fica descompassada e...catrapumba...acordamos!

Acordamos com uma raiva danada e quantas vezes ficamos bem quietinhos, para ver se com um bocado de sorte "repegamos" o fio à meada e conseguindo "driblar" o inevitável, "reembarcamos" no mesmo sonho...
Mas nada!...Pufftt!...O sonho escapuliu-se da nossa mente com "bilhete de ida" e aquelas imagens que ainda há minutos atrás eram tão reais, tão verosímeis, tão consistentes (de som, de cor, de cheiros), desfazem-se que nem espuma de claras, em farófias mal batidas!...



Bom, mas eu ia ao Pantanal...Eu, a minha mãe de oitenta e sete anos e o António de sete...um "pé de trempe", como vêem, com toda a lógica!...
Ora então embarquem comigo no sonho...



Navegávamos lentamente numa lancha aberta, certamente uma "chalana" (lembram-se?), ao longo de um rio cujo nome retive durante algumas horas e claro, como "convém" a qualquer sonho que se preze, já se me varreu, a esta distância...
Mas também, não interessa muito, porque o rio cujo nome eu sabia, só deve ter existido no meu sonho mesmo.

As águas batiam mansas o casco do barco, numa melopeia doce e embaladora, abrindo uma estrada de ondulação; o sol quente e forte de um Brasil em pleno, envolvia-nos e acariciava-nos; o céu, de um azul esmagador e iluminado, lembro-me que nos feria os olhos...

As margens desenrolavam-se com os verdes profusos e as ramagens em espreguiçamento lascivo, mergulhavam luxuriantes na correnteza; os cheiros adocicados do trópico por vizinho, inundavam-nos as narinas e os sons da mata ou do manguezal (gritos estridentes, cacarejos desgarrados, trinados a descompasso), ecoavam no silêncio quente e húmido da floresta pantaneira.
O olhar percorria, adormentado, a imensidão exuberante, onde as aves rasgavam o espaço em bandos compactos de cores intraduzíveis, ou se dependuravam das ramagens, feitas adornos esquecidos em árvore de Natal...

Não lembro vozes humanas, não lembro movimento de gentes...
Lembro apenas sensações inundantes, emoções incontidas e uma esmagadora mensagem de paz, harmonia, bem estar, equilíbrio, plenitude...um forte sentimento de "miscigenação" e entrosamento quase irreal, com aquela natureza primária, pujante, com aquele santuário em comunhão com a nossa alma...

E pronto...Numa espécie de "vingançazinha" do além, acordei, claro...

Apesar disso, a tela tão eloquentemente pintada pôde transportar-se para o meu dia e acicatou uma vontade/desejo/sonho antigo : poder transformar rapidamente este sonho de noite num sonho de dia...poder deixar-me levar pelo ritmo lento das águas, sem estações, sem relógio, sem tempo...simplesmente ao sabor do marulhar da corrente, ao correr do despenteado do bafo quente e generoso... tal como o é a natureza do Pantanal!...







Anamar

terça-feira, 2 de setembro de 2008

"O QUE FIZERAM COMIGO??!!..."




Dia estranho o de hoje...

Começou já ontem esta sensação indefinida bem aqui dentro, assim como uma espécie de desânimo instalado, misturado com uma pitada de tristeza e um "qb" de "stress" esquisito.
Qualquer coisa como uma "receita" algo "explosiva"...

Começou logo ontem a seguir ao almoço, aquela "síndrome" de ter de encarar algo que procurei afastar do pensamento há mais de um mês, como um remédio amargo que guardamos para tomar depois, como uma tarefa cáustica, pesada, incómoda...que deixámos por tempos "pendurada" no cabide, como se ali a pudéssemos ignorar, descartar, esquecer, até melhores dias, como tudo o que é penoso e nos infunde desagradável mal-estar.

Poderá pensar-se que essa sensação sempre surgirá normalmente, quando o ritmo de vida é alterado, no bom ou mau sentido, quando se nos impõe a necessidade de vencer uma inércia instalada...
Disso sei eu...
Sei que envolve custos, esforços acrescidos...mentalização imposta!

Mas afinal, o que demais aconteceu desta feita, para lá de um normal e natural fim de férias, uma "rentrée" esperada, como terá acontecido à grande maioria dos cidadãos deste país, em idade produtiva...que é como quem diz, aos trabalhadores que "intervalaram" para usufruir (os privilegiados que puderam), de um maior ou menor, melhor ou pior, período de descanso??!!

Dei comigo a reequacionar-me, a analisar-me e a tentar achar-me o menos "anormal" possível, na procura de justificação para esta angústia atrevida, para esta teimosa negação interior, associada a um desejo de fuga para lado nenhum em particular...para esta raiva, que "desgramada" me amarinhava e me deixava de mal comigo própria (com a consciência, em boa verdade, a pesar, a pesar que nem chumbo, à medida que um rubor na alma se acentuava), fazendo-me sentir mais e mais "pobrezinha e mal agradecida"!!...
Pois se até há quarenta mil professores no desemprego, caraças...neste início de ano escolar (que eu vou começar com o meu "lugarzinho" garantido e sem sobressaltos, professora que sou do quadro há mais de uma "encarnação"!!!....)
Só posso estar totalmente "abilolada", ser uma "lunática" metida a dondoca, com frescuras inaceitavelmente existenciais...Só pode ser isso!!







Aí, lembrei com toda a nitidez, os dias de outros Setembros, de outros anos lectivos...
Os entusiasmos frenéticos com que nesta altura já "fossava" livros, apontamentos...com que já organizava as listas das turmas, olhando as fotos de quem deixara há pouco tempo, mas que, de repente já parecia ser há uma eternidade...

Lembrei como perscrutava curiosa as "caras" deixadas nas cadernetas dos Junhos anteriores e que agora, com nova "roupagem", pareciam de gente que crescera, tomara ares responsáveis e sérios...(porque era espantoso como os "putos" sempre nos "driblavam" nas férias do Verão, crescendo sem pedir licença, ganhando borbulhas espremíveis ou pêlos de barba semeados em dia de vento...)

Lembrei como me afobava em "gatafunhar" pela enésima vez na minha vida (como se fosse a do ano de "estreia", ainda assim não esquecesse alguma coisa), as informações a veicular na primeira aula, sobre todos nós que iríamos ao longo de um ano constituir uma "família" para o bem e para o mal... todas as regras do "jogo" e de uma feliz e tranquila convivência... todas as respostas possíveis, para as possíveis perguntas sobre as matérias, as rubricas programáticas, os ritmos e a importância a dar a cada momento escolar... sempre com um sorriso no rosto, para afastar "nuvens" que pudessem instalar-se naquelas cabecinhas...

Lembrei como, meio a brincar meio a sério, procurava fazer da Física e Química (na grande generalidade terrificamente receada), uma "estória" acessível, "gira", interessante, fundamental, simples e mesclada com a nossa existência no dia a dia...quase uma "cena que se curtia" com gosto!!...

Lembrei...lembrei...lembrei...

E sabem o que tenho feito ontem, hoje e talvez amanhã??!!

Contas, simulações, previsões, cálculos de penalizações, percentagens dedutíveis...naquilo em que se tornará a minha pensão de aposentação ANTECIPADA, naquilo que será a "retribuição" que me cabe (do estado e da comunidade), para o tal "pacote" de muitas vidas numa vida só...a de pai, mãe, conselheira, psicóloga, mediadora de conflitos, formadora, educadora, amiga, confidente, "bombeira", "socorrista"...etc, etc, etc...que se resume afinal a uma só palavra...PROFESSORA!!

Bom...eu já nem gosto de falar deste "funeral" de sonhos...
Desculpem...isto foi simplesmente um desabafo que me escapou!!

Garanto-vos que até o sol hoje recolheu mais cedo...
Eu bem o vi, com um ar melancólico de Outono que parece ter chegado "às pressas", ir recostar-se prematuramente!...

Já agora..."o que foi que fizeram comigo"??!!...


Anamar

sexta-feira, 29 de agosto de 2008

"PROVOCADORAMENTE SÓ"





Olá, bom dia... ou boa tarde, se quiserem.

Parece que os meus hábitos de escrita estão a mudar um pouco...ou talvez não...Apenas fruto de outra gestão dos dias, nestas férias em contagem decrescente. Afinal, segunda feira, tudo começa de novo...

Hoje amanheci, ou "entardeci", com uma gaivota no meu céu.

Vivo longe do mar e na minha praceta há pombos, muitos pombos...já vos contei. Mas gaivotas...só mesmo as "tresloucadas", as que se perderam de rota...ou as que são "provocadoras" mesmo. E esta "minha" gaivota hoje, é dessas, tenho a certeza.

Levantei-me tarde e a más horas, reclamando com a precipitação vertiginosa do tempo, com a despedida precoce de um Verão, neste dia meio pardo de sol já envergonhado (de uma cor que não é carne nem peixe), que se instalara.

Fui à janela, por detrás dos vidros, espreitar...

E ela lá estava...pousada bem pertinho, tão pertinho que a pude olhar olhos nos olhos, de mulher para mulher, presumo... E aquele seu jeito altivo de "bico" empinado, parecia querer dizer-me qualquer coisa...
Era uma gaivota cinzenta como todas, recortada num céu igualmente indefinido. Era uma só gaivota...e eu tenho a certeza de que também, uma gaivota só!...

Mirou-me, sempre imponente, com ar "desenchovalhado", com peito erguido ao vento, coisa que só as gaivotas, habituadas às borrascas de mares encapelados, conseguem ostentar...
Tinha um ar desafiador, posso jurar...um ar de quem quer dizer mas não diz : "Hei...tu aí ! Sai desse "rochedo" onde te escondeste cobardemente e vem ver o mar"!..."O mar hoje, não está lá "essas coisas"...mas é o mar na mesma, verde-azul dos sonhos e esperança, o mar do coração dos búzios que nos embalam ao ouvido, o mar que vai e que vem, com onda alta, com onda rasa...o mar da espuma, feita renda tecida por mãos de fadas... mas o mar!"...

É uma gaivota teimosa, esta minha...

Levantou voo, com as asas bem esticadas, planando na aragem que corre. E a sua silhueta foi-se desenhando por aí fora, como quem faz um passeio pelo infinito finito, dos prédios da cidade, desenhada num céu vazio, com os pombos desaparecidos pelo calor abafado da tarde que se inicia...
Ela foi, mas voltou, com o mesmo ar desassombrado curtido pelo sal dos mares da sua vida. Voltou, corajosamente, porque é preciso muito para "derrubar" uma gaivota...estou certa...

Tenho para mim, que a sua postura de "senhora provocadora" e se calhar "orgulhosamente só"...foi um recado...Ou então, é esta minha mania de sempre "ler", mesmo quando talvez não haja leitura a fazer-se...
Talvez um desafio do mar que eu adoro... que não tem princípio nem fim, que é berço do sol em hora de cama, que é cama de sereias que nele sonham sonhos acreditados...que embala o coração, quando os olhos nele se deixam embalar...que acalenta e fortalece a alma, na fortaleza que só ele sabe ser...

Tenho para mim, que as voltas e mais voltas que ela, a gaivota, persiste em dar bem junto à minha janela, (quase me tocando com as asas)...tenho para mim que os seus olhos pequeninos e o grasnar da sua voz, que parece chamar alguém...(alguém que ela veio por aqui tentar reencontrar)...são um sinal de uma esperança um pouco perdida, são uma mensagem de fé em alguma coisa, são "palavras" ao vento (que diz sem saber dizer), ao meu ouvido e ao meu coração...São uma espécie de grito de liberdade, de corte de amarras, de quebra de grilhetas ou algemas, com a vida...
Parece que ela, no seu grito estridente que todos conhecemos, me está a fazer não sei que chamada, me está a "empurrar" rumo não sei a que horizonte...
Mas juro que o seu "bailado" que parece não terminar, me desafia, me fortalece...me "abana"...

Senão... o que faria uma gaivota perdida, balançando-se para cá e para lá na correnteza do ar...logo HOJE, neste meu céu?!...





Anamar

"...VOCÊ APRENDE..."




Hoje não vos vou dizer nada...
Vou antes, deixar-vos com um pequeno vídeo, que não é mais do que uma "carta de navegação", um itinerário, um roteiro, um mapa de viagem...Da minha...da vossa...da "viagem" de todos nós...
Palavras de reflexão, momentos de pausa, farol na escuridão, bússola ou estrela polar para encruzilhadas sem norte...Vou dar voz aos pensamentos sábios de um "mestre"...Shakespeare..."Você aprende"...
Simplesmente lindo!!!!!!!!!!


Anamar