sábado, 6 de setembro de 2008

"OH DEUS!...NO TEMPO DA MINHA AVÓ..."





No tempo da minha avó e antes da minha avó, ser mulher devia ser uma enormíssima "chatice"...

Nascidas para dar continuidade à espécie, ou seja, para procriar assegurando que a família instituída passasse adiante, as mulheres não tinham qualquer "espaço" social, teriam algum protagonismo familiar e nenhum papel individual, isto é, enquanto pessoas.

Tendo origem em famílias economicamente privilegiadas, as meninas dos espartilhos, culottes sob saias avantajadas, cabelos em papelotes, seios generosos (através dos decotes) e rostos de porcelana nacarada, "perdiam-se" pelos salões, ociosamente, rodeadas de aias que as cuidavam a tempo inteiro.
Abrilhantavam as festas, tocavam piano ou harpa, bordavam, recitavam poemas, falavam francês, não tinham vontade própria...e bocejavam muito, por certo...Eram "coquettes", falsamente púdicas, com sorrisos tímidos. Tinham "cheliques" e enrubesciam com um roçagar de hálito quente no pescoço, ou voz sussurrante ao ouvido...



Era frequente viverem romances tórridos clandestinos (normalmente tendo como alvo "alguém desaconselhado" pela família), carregados de "picante e adrenalina", com trocas de bilhetinhos à sucapa, com a conivência das camareiras de confiança. Tinham encontros fugidios pelo recôndito dos jardins, ou com a palha dos estábulos a servir de alcova. Sempre chegavam correndo em bicos de pés, ofegantes e afogueadas em ânsias de entrega e lascívia...
Morria-se de paixão olhando a lua cheia, ao trocarem-se juras eternas...e suspirava-se muito...languidamente!
Ou então, se se achavam desinteressantes a ponto de não cometerem loucuras, entregavam-se aos desgostos de amor. Os seus semblantes tornavam-se ausentes, carregados de uma tristeza pungente e queriam morrer tísicas, rostos de papel secos, recusando alimentos na busca de morte "libertadora"...



Mas, normalmente acabavam num casamento não escolhido, com maridos que pouco conheciam, envelhecendo azedas e desencantadas!

Era mais ou menos assim...

Sendo oriundas de famílias débeis economicamente, então nasciam para o trabalho de sol a sol, para criarem "pencas" de filhos (o planeamento familiar não existia, como sabemos), para "servir" o marido que seguramente as escolhera, para passarem privações e sofrerem a violência familiar, arrastada por uma vida triste, desinteressante e cheia de dificuldades.
Não se cuidavam nem eram cuidadas...Não apresentavam certamente rostos diáfanos, mas, curtidos pela dureza do sol e da vida, envelheciam prematuramente. Não tinham corpinhos esculpidos pelas cintas e espartilhos. Tinham por certo pernas com pêlos e "buços" generosos...
Lavavam-se em alguidares, porque as banheiras de "pezinhos" da época, não integravam o recheio das casas. Também não tinham banhos com sais nem espuma...mas deviam estar disponíveis sempre que o "senhor" se quisesse "servir" delas.

Era também mais ou menos assim...Contudo, mulheres!...




E a História foi-se fazendo...

A minha mãe, apesar de não ter sido senhora de salões e mordomias (antes uma mulher de trabalho), usou chapéu, estolas de "raposinhas", sapatos de tacão com presilha e botãozinho, a condizer com a mala respectiva, luvas, os seus "tailleurs"de fino talhe, as primeiras "permanentes" ou "mises en plis", os "plissados", os "chiffons"...as pregadeiras ou raminhos de flores nas golas dos casacos e ainda, já um perfuminho de qualidade.
Familiarmente, ao casar, ocupou o lugar central na família, como condutora e responsável máxima pela minha orientação e educação.

A mulher era então a "matrix"; estava em casa (poucas eram aquelas que começavam a esboçar "atrevimentos" profissionais), era detentora de "prendas domésticas", vivia em função da família, em prol da qual se anulava e fazia todos os sacrifícios.
Em sociedade, a proeminência feminina era escassa e resumia-se a alguns poucos casos isolados, de mulheres "estudadas", com cultura e consciência de direitos. O "feminismo", como movimento social de cariz político, intelectual e sexual iniciava os primeiros passos.



E a História continuou a fazer-se...

E para que não me torne excessivamente exaustiva, refiro apenas a sensação de "conforto" e felicidade que experimento quando, como mulher de hoje, transversal aos séculos XX e XXI, me sei objectivamente, como uma mescla de todas as mulheres que o foram, ou o foram sendo ao longo dos tempos.

Sou a que se cuida por gosto... a que exige ser cuidada porque acha que o merece; sou a "coquette" quando me dá gozo...a que escolhe o parceiro, porque o não concebe de outra forma; sou a frágil que morre de amor olhando a lua, mas também a que se impõe no local de trabalho; sou a que se arroga direitos de respeito, consideração e reconhecimento de méritos e profissionalismo...mas também a que chora de emoção ao escutar uma melodia, ou ao ver o sol a sumir no horizonte; sou a que escolheu ter os filhos que teve, quando os quis ter...a que escolhe vestir clássico ou "descascar-se" na praia; sou a que bebe um copo com um amigo, entre conversas e gargalhadas, sem horas, pela noite...e sou a que se "bate" contra as injustiças e descriminações de toda a ordem; sei bordar e falar francês, mas só o faço se me apetece...uso espartilhos e ligueiros, mas não porque tenha que ser assim...apenas porque gosto de lingerie...
Em suma...sou a que traça a vida que se vai fazendo HOJE...sou a que diz não ou sim, a que escolhe, no pleno uso do livre arbítrio da sua existência...



E posso dizer que ao contrário do "tempo da minha avó" e antes da minha avó...ser mulher é um espectáculo!!...





Anamar

4 comentários:

Barman disse...

concordo que, muito mais que os homens, as mulheres têm tido bastantes dificuldades em ultrapassar todas as entraves que a sociedade lhe impõe, mas fico triste por saber que se não fosse por ignorancia dos homens, por haver necessidade de mão de obra para a construção de armas e material de guerra, aquando a Grande Guerra, possivelmente as mulheres ainda estariam em casa, a sussurrar sonhos impossiveis ao ouvido de seus filhos, enquanto obrigatoriamente os adormeciam.

como homem que sou amiro as mulheres, mas sinto que se tivessem ganho uma total liberdade através da sua propria impossição ao " homem ", teria um gosto muito mais saboroso.

até porque não me importava nada de nos tempos que correm, passar o dia em casa, a tomar conta dos putos e das lidas domesticas, mas sou apenas um homem a falar....

anamar disse...

Olá
As mulheres conquistaram aos poucos e mercê de muito esforço, luta e determinação, o seu próprio espaço, histórica e socialmente falando.
É dos livros, é da História.
No entanto e infelizmente,como sabes,continuamos numa sociedade tipicamente machista, em que a discriminação e a diferença ainda "pesam" substancialmente. Levará gerações, acredito, até que se esbatam completamente as diferenças e se entenda e perceba claramente que as capacidades, os desempenhos, a eficácia, são igualitários. É uma questão civilizacional e de gerações.
Por outro lado, sou-te franca, faz-me um pouco de impressão uma "pseudo-libertação" (negativa do meu ponto de vista), com que algumas mulheres pensam que dignificam e afirmam o direito ao seu "espaço" no tempo que corre. Ao contrário, é triste e nada abona à inteligência, ao bom senso, ao saber-estar.Acho muitas posturas de falsa libertação e independência, um extremo gratuito que em nada dignifica uma MULHER...
Desculpa ter-me alongado...afinal, quase pareceu uma troca de impressões...
Um beijinho
Anamar

Barman disse...

O que está em causa, e que poderá levar a uma maior rapidez, ainda mesmo que lenta, da dignificação das mulheres perante a nossa sociedade, passa principalmente por se vangloriarem por "méritos feitos" e nao por estatutos a alcançar ou um simples rebaixar dos homens.

sinto que com o decorrer do tempo, como tu dizes, tudo poderá mudar, tendo sempre uma consequencia lutadora, intrinseca a todas as mulheres, que as beneficia em muito mas as poderá prejudicar em "guerras laborais femininistas".

como sabes sou barmen e nisso posso ser te extremamente sincero, detesto trabalhar com mulheres, pelo simples facto de quererem sempre mostrar-se superiores, mesmo que isso seja verdade.

na minha opiniao o mérito ganha-se pelos resultados obtidos e nao pelas necessidades inalcanssavéis.

é so mais um desabafo
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Até achei original a possibilidade de tornar os coments quase como que um "chat de discusão dos posts", nunca ninguem me tinha respondido assim.

anamar disse...

Pois é...
Eu também detesto trabalhar com mulheres e também acho que a igualdade é p'ros burros...Dito de outra forma, recuso-me a sectorizar os seres humanos em homens e mulheres. Ninguém é superior a ninguém sem provas dadas.
Como tal, o que te expus é uma visão histórico-social da "alguma"independência e igualização alcançada pelas mulheres através dos tempos. Simplesmente!!...
Para mim, uma mulher inteira não tem que pretender ser superior a ninguém, nem em termos laborais, pessoais ou outros.
E aquela triste "vertente" das "trica-laricas", do leva e trás, das conversinhas de "novidades" que infelizmente devo reconhecer ainda existir por parte de determinado extracto social das mulheres duma forma geral, para mim, são minudências sobre as quais nem vale a pena opinar, porque reflectem uma falta de preparação, nível, cultura, etc que nem sequer abordo.
Certamente são as mesmas que lêem afanosamente as revistas "cor-de-rosa" e discutem no cabeleireiro com quem o Ronaldo está, ou as últimas da novela das 8...
Um beijinho
Anamar