quinta-feira, 11 de setembro de 2008

"A CIDADE DE TODOS OS REENCONTROS"...




( DEDICADO A ALGUÉM QUE O NÃO LERÁ )





As luzes da "cidade das luzes" estavam mortiças e envolventes, a anunciar uma "daquelas noites"...
Aquele Março em Paris, a cidade do amor, convidava ao romance, à magia, ao sonho e também à recordação.

Estava há dois dias na cidade; fora, expressamente para um encontro. Um encontro calendarizado havia muito, um encontro muito, muito importante na sua vida.

Os dias tinham amanhecido sorridentes, luminosos, com um sol meio primaveril e envolvente, a prodigalizar algum calor.
As tardes, à boa maneira de Março, tombavam sonolentas, embrulhavam-se num manto de neblina e numa chuva miúda que não chegava para lhe estragar a ansiedade gostosa e impaciente do coração.

Passeara ao acaso por Montmartre, pelos Champs Élysées, perdera-se em preguiça pelo Sena...o Quai d'Orsay continuava a esperá-la...
Deambulara por cada esquina, bebera em cada "bistrot", vasculhara cada alfarrabista, deliciara-se com cada aguarela, óleo ou retrato, pelas ruas...
Sorvera o sol nas Tuilleries, ouvira música pelas praças, a fazer tempo...varara as noites, nostalgicamente com Aznavour, Bécaud, Piaff, Mireille...Montand...até que chegasse aquela hora...

Decidiu vir a pé desde o hotel, lentamente, com muita antecedência, demasiado cedo, como se quisesse alongar o tempo, esticar a noite, perpetuar o momento.
Como se numa espécie de sortilégio, pudesse deixar suspensa a ampulheta do destino.
Ela não queria que aquela noite acabasse nunca, na sua vida. Ela não queria que aquela página terminasse de ser escrita!

Haviam-se encontrado dez anos antes, também num Março...Certamente num Março de sol e chuva como este, em Paris.
Viveram uma paixão avassaladora, sem limites ou barreiras, transgressora; uma paixão sem convenções ou ditames, uma paixão de loucura, de mergulho, bem física, carnal, sanguínea...como são as paixões...Uma história de livro...uma história de filme!
Ela, uma mulher madura, independente...porém, uma menina-mulher ainda. Ele, um jovem.
Uma relação quase proibida, quase censurável, quase inimaginável; uma relação de "quatro paredes", de mistério, quase de secretismo (e também por isso, mais marcante, mais indestrutível, mais tactuante).
Uma relação de química, de pele, escaldante e arrebatadora, que viveu até se esgotar, até estiolar, sorvida como um ópio, a desnorte, no "vale tudo", na aposta do tudo ou nada...

Terminou um dia, como tudo termina na vida...porque, simplesmente teria que terminar...porque o amor é efémero e a paixão mais que tudo...feita onda gigante a desfazer a grandiosidade da sua espuma pela areia.
E nesse dia, juraram que nesse outro Março, dez anos depois, estivessem onde estivessem...se vivos fossem, fosse qual fosse o "trilho" das suas vidas...voariam para Paris.

A cidade do amor acolhê-los-ia, no intimismo do mesmo banco de pé alto, daquele bar "Nouvelle Époque", rés-vés ao Sena.
A poalha dourada desse fim de tarde estendida sobre a cidade, certamente ressuscitaria as emoções contidas, apertaria mais ainda o nó difícil nas gargantas, testemunharia um frémito viajante pelos corpos...

Como estaria ele? Agora, dez anos depois, um homem de meia idade, calmo, sem sobressaltos, insatisfações, ou as dúvidas que o verdor da idade lhe conferira?
Ela, a mesma postura de sofisticação, requinte e determinação, que o levaram a apaixonar-se, então...
O seu olhar hermético, perdido lá longe...uma mulher-mistério, apaixonada ainda e sempre, pela vida.
Os olhos conservavam a mesma vivacidade e brilho de outrora. O rosto sereno e pacificado, guardava sem mágoa, uma recordação doce de uma felicidade vivida e religiosamente arquivada na sua alma, agora envolvida já pelas calmas outonais...

Quem chegaria primeiro? Quem esperaria por quem? Será que ambos lembrariam esse dia de Março?

Na sua mente, ao longo dos anos, "encenara" vezes sem conta, aquele reencontro; projectara, como numa tela de cinema, vezes a fio, aquele "take".
Tanto teriam a dizer-se, ou quem sabe, o coração em desmando, lho não permitiria...
Tanto para se contarem, tanto para recordarem...ou talvez não, por pudor, num tomar de pulso às pessoas que hoje eram, sem esquecer as que haviam sido e ficaram lá para trás...
Tudo previsível e tudo inesperável!...
"Conhecer-se-iam" ou seriam já dois estranhos, frente a frente, por cima de quem, a vida correu implacável?!

Procurou manter-se calma frente a um "Black Russian"...Estrategicamente "alinhou" as primeiras palavras que lhe diria, tentando não passar emoção excessiva, saudade que a traísse, felicidade incontrolada, pânico que a tolhesse...
Um frio desconcertante dominava-a; uma leve tremura apossava-se do seu corpo.

E aquela porta do bar, ao fundo, entrabriu-se e deixou então ver as águas calmas do "rio dos namorados", com os "Bateaux Mouches" vogando silenciosos e imperturbáveis...O olhar dele deslizou ansioso e emocionado até ao balcão...

"Sempre vieste"!!..."Tinha a certeza que virias"!!...

Aznavour e "La Bohéme"...Paris sempre igual a si própria!!...


Anamar

2 comentários:

Anónimo disse...

eu li

anamar disse...

Então...por que não dedicá-lo a si?!...
De alguma forma sempre será de quem o ler...
Obrigada e um beijinho
Anamar