quarta-feira, 10 de setembro de 2008

"O AMOR E A PAIXÃO"





"NINGUÉM PODE VIVER SEM UMA ALDEIA"...dizia o poeta.

NINGUÉM PODE VIVER SEM UM AFECTO...digo eu.






Hoje "matutei" numa frase que li ontem, já não sei onde, de Saramago. Dizia ele, magistralmente :

" As aldeias são como as pessoas...aproximamo-nos delas devagar, um passo de cada vez".

Conheço e sou apaixonada por algumas aldeias desta nossa terra ; também tive o privilégio de deambular por algumas "lá fora"...Mas, em todas elas, a abordagem sempre foi a mesma...a de Saramago.

Começa a "degustar-se" a aldeia, ainda na curva da estrada, quando, às vezes de surpresa, ela se nos desvenda...

Aproximamo-nos então, e como quem saboreia um petisco, não conhecido mas adivinhado, os olhos penetram, "espiculam", devassam...

Cada pedra, cada fachada, cada sacada florida, cada cão na soleira...ou cada trepadeira numa esquina... uma sardinheira perdida, um rosto "pregueado" envolto invariávelmente num lenço preto, um varal de roupa sem medo, a secar...

E vamos andando, entrando na aldeia, penetrando-a até ao seu âmago, saboreando-a nos seus recônditos mais impenetráveis...um passo de cada vez...

E a paixão inicial que se nos abateu, vai "virando" um amor calmo, de adesão da alma, de impregnação da pele, à medida que calcorreamos as ruinhas, desembocamos nos largos, subimos aos castelos, chegamos aos chafarizes...ouvimos as badaladas, do alto das torres sineiras...sorvemos os cheiros...

E fica aquela "coisa" assim... doce, mansa, cúmplice...e nós, já somos da aldeia, e a aldeia já é um pouco "nossa"...






O mesmo com os afectos...o mesmo com as pessoas...o mesmo com os nossos "quereres"...

Degustados devagarzinho, "agarrados" pelo desvendar do mistério, embalados pela assimilação que é feita pelo conhecimento progressivo, lento, sem atropelos, sem logros ou pretensões...espontâneo, natural, desnudo...

E depois, sabiamente guardados na alma... a caixinha reservada aos nossos tesouros e donde "perdemos a chave"...

Dessa forma, indelevelmente eles vão permanecer, não no tumulto perturbador da "paixão", mas no remanso adocicado e calmo de um "amor" perene e inexpugnável, como muitas das nossas aldeias, que permanecem erectas através da infinitude dos tempos...






Anamar

4 comentários:

Anónimo disse...

Estas imagens trouxeram-me á memoria a minha infância e adolescência.Sou da cidade, mas sempre adorei a aldeia dos meus pais lá bem a norte, no minho.Recordo-me bem dos carros de bois que nos acordavam de manhã com o chiar das rodas de madeira, o andar descalça, tal como eles os espigueiros cheios de maçarocas, enfim tanta coisa...
Aos anos que lá não vou, mas pior que isso é que tudo está modificado, metade ja não existe, morreram os velhotes e os mais novos viraram-se para as novas tecnologias. Até as casas de pedra estao a desaparecer e dar lugar a "montros" de vivendas feitas pelos emigrantes que algumas de bonito nada têm.
Que saudade...
Obrigada por estas imagens por estas palavras.
Bateu uma noltalgia...um reviver de emoções.
Foi bom.
Obrigada Anamar
Bj
Lia

anamar disse...

Lia
Eu sou do Sul, mas cada um tem de facto as suas recordações...
Afinal, como diz o poeta, cada um a seu modo "ninguém pode viver sem uma aldeia"...
Sempre perdurará, por mais anos que passem, a povoar o nosso imaginário!
Beijinho
Anamar

Anónimo disse...

E eu que não tenho recordações do lugar onde nasci...é uma enorme lacuna.
Enfim.. adoptei outro lugar, outras gentes, outros cheiros...

Beij

Maria Romã

anamar disse...

Maria Romã
Segundo creio não tens memória dos lugares onde nasceste, mas tens de certeza um imaginário rico sobre eles.
Eu estive cerca de dois anos em África, há já muitos muitos anos e acredita, ainda hoje há memórias, "flashes", até visuais, que me acedem aos olhos, com muita nitidez.
Qualquer dia escrevo sobre isso...aliás acabaste de me dar uma excelente "dica"...
Beijinho
Anamar