Desde as 2h que "encroqueto" na cama.....Já há tempos que não me acontecia uma destas...ando a dormir pior!
Esta crónica podia começar como aquele anúncio da televisão que diria: "Você podia viver sem o Escudeiro?.... Poder, podia....mas não era a mesma coisa!..."
O Escudeiro vai encerrar definitivamente dia 31, ou seja, daqui a dois dias, ou seja, daqui a dois pequenos almoços.
Quando penso nisso, vem-me logo a imagem daquelas folhinhas que voam, voam, quando estamos a fazer a transferência de um ficheiro, no PC.
Assim a minha vida; lá vai mais uma folhinha levada pelo vento, sem que sequer a minha gaivota ma possa trazer de volta, no bico!...
Já falei no Escudeiro numa das minhas primeiras crónicas, em 2008, creio, intitulada de "Os meus lugares".
Ele existe há tanto tempo, quanto o que eu existo nesta praceta, nesta casa. Há trinta e seis anos...há uma vida!...
Era um emblema da Amadora. Já foi um restaurante conceituado, ganhou prémios de gastronomia...
Foi envelhecendo como todos nós... Ele, e os gerentes. Hoje era um espaço ultrapassado, eu percebo, carecendo de tudo, de sangue novo, desde os donos aos balcões...mas era a minha segunda casa e vai fechar definitivamente!
Assim vão sendo as minhas raízes nesta terra. Vão sendo arrancadas do sólo e morrendo, à falta de nutrientes...
Lá, eu tinha o "meu" lugar (sempre o mesmo ao balcão); lá, eu tinha os mesmos rostos, lá, o meu ex-marido sempre tomou o pequeno almoço diariamente, antes de ir para o escritório, lia o jornal e dissertava sobre as notícias desportivas (com o sr. Gonçalves, que era da cor, o Sr. Alexandre ou o sr. Veloso, que eram da concorrência...), também sempre no mesmo lugar; lá, era o ponto de encontro com amigas: "Passa pelo Escudeiro, vamos tomar um cafezinho!..." "Estou no Escudeiro...espero aqui por ti!..." "Vá buscar as chaves ao Escudeiro...Deixei lá!..."
Tantas caras...por onde irão "espalhar-se" agora??!!
O Escudeiro também está preso à minha vida afectiva; lá, encontrei p'ro bem e p'ro mal, uma pessoa determinante da minha vida; lá, tomei café com amigos, amigos mesmo, com problemas muito graves de saúde e que mais cedo ou mais tarde partirão, porque a vida lhes está a prazo.
De lá, muitos lugares já se esvaziaram, por deserção de quem os ocupava.
Lá, a boa disposição da D. Margarida, que chegava da cozinha ao balcão, fazia rir toda a gente.
Uma heroína de vida, com uma existência desgraçada, uma filha deficiente, dificuldades económicas indescritíveis, que nunca baixa os braços...
Não sei o que virá a ser dela!
Por lá, passaram os nossos filhos e os filhos dos nossos filhos, a quem o sr. Gonçalves sempre dava uma bolachinha, um chupa-chupa, uma pastilha.
Ele, curiosamente, foi o primeiro a partir. Uma depressão profundíssima, vítima da situação e da sensibilidade sem envergadura para aquela dureza, encostou-o "às boxes"...
Os resistentes foram o sr. Veloso e o sr. Alexandre, este, o mais empreendedor dos três, o homem das mangas arregaçadas para tudo, fosse Inverno ou fosse Verão, na rua, ou na alma. Nunca desistiu.
Foi embarcado em paquetes de cruzeiro, durante parte da vida, e eu gostava de lhe ouvir as histórias...
Lá ri, lá escrevi, lá chorei, lá me aconselhei de muita coisa da minha vida...até o fecho encravado da minha bota, foi o sr. Alexandre que mo desencravou, senão, como eu dizia, ou se cortava a perna, ou dormia de bota calçada....rsrsrs.
"Não pense nisso sotôra!, não gosto de ver a senhora assim, hoje está triste! - dizia-me o sr. Veloso.
Quando estive hospitalizada em Sta. Maria, jamais esquecerei que me telefonou a saber do meu estado de saúde e a dar-me ânimo: "Trate-se depressa, que faz cá falta!"
Pois é...o Escudeiro vai encerrar as portadas, não mais se comerá o "Bacalhau à praia da Amadora", que os galardoou largos anos atrás...
A vida podia seguir igual...poder, podia...mas eu sei que já não é mais a mesma coisa!..