sexta-feira, 28 de setembro de 2012

" O GATO E O RATO "



Há tempo para viver, tempo para morrer, tempo para lembrar, tempo para esquecer, tempo para durar e também para acabar, para chorar e também para rir ...

Creio que a Vida tem "timings" que não se explicam, e o mestre é sempre o Tempo !

Ao sabor dele nascemos, crescemos e morremos.  Com ele, construímos e destruímos as construções de Lego, que são a nossa existência.
Tem um transcurso ilógico, ou com uma lógica que quase sempre nos escapa, ou que talvez nem devêssemos ou pudéssemos jamais apreender, embora pensemos que sim.
As suas determinações são sentenças proferidas diariamente, contra as quais pouco podemos fazer, e que independem dos nossos desejos, vontades ou sonhos.
E surpreende-nos.
Sempre nos surpreende, positiva ou negativamente, de forma nunca controlável, apesar de nos questionarmos permanentemente, e permanentemente nos pormos em causa, em todas as circunstâncias.

Como um vento de tempestade, quantas vezes varre, trucida, atropela, vá-se lá saber porquê, este ou aquele rumo que imprimíramos ao nosso percurso ( achando-o lógico, favorável, importante ),  com um indiferentismo aterrador !
O  tempo  não  mede  consequências,  não  explica,  não  se  compadece !...
É de uma imprevisibilidade que nos deixa continuamente à deriva, baloiçando-nos nas ondas, para cá e para lá, sendo tão possível chegar à costa, como morrer por cansaço, em alto mar.
Confunde-nos o tempo todo, rouba-nos todas as convicções ou certezas.  Joga connosco diariamente, com cartas viciadas, um jogo desigual, perante as quais, somos incapazes de reagir ...

Com uma ironia e um sarcasmo desafiadores, brinca connosco sadicamente, por pura diversão, como o gato joga com o rato, na agonia final.
Sacode, empurra, puxa, ignora ... para, num subtil movimento do moribundo, lhe pôr de novo a pata em cima, e lhe mostrar quão à  mercê da sua vontade, está a dele, totalmente impotente.
Resta-lhe abandonar-se e deixar-se morrer, o mais rápido possível.

Essa tortura, o tempo usa maquiavelicamente connosco,  todos os dias, e parece deleitar-se com o nosso estertor, o nosso esbracejar desesperado, a nossa incapacidade de boneco manipulado .
E também como o gato insensível, mostra o seu poder de predador sobre as presas indefesas, que somos todos nós, reféns da sua vontade e dos seus desígnios ...
Desarma-nos com "tiradas" comuns aos doidos, aos alienados, aos inimputáveis ... gozando com  a pessoa  que nós somos ;  cria-nos expectativas, alimenta-as, engorda-as, e a seguir, com um "porradão" bem forte na cabeça e no coração, deita-nos irrecuperavelmente por terra ... E ri ... ri com aquele riso escarninho, devasso, gozador, que parece saborear, típico dos que estão por cima ...

E de repente,  há um dia em que sem imaginarmos ou sabermos porquê, o que era, não é mais, o que sentíamos, deixámos de sentir, o que sonháramos, deixou de ser sonho ... e tudo volta ao antes do ser, ao antes do sentir, ao antes do sonhar, como se se tivesse fechado com o segundo parêntesis, uma frase escrita entre eles.
E perguntamo-nos, como foi que isso aconteceu ?

Bom, eu acho que simplesmente o tempo dobrou uma esquina ... tão só !
Mudou a direcção ou o trajecto desenhado, "fintou" o GPS ... como os meninos safados, fez a pirraça de nos confundir todos, e de nos deixar à nora, sem percebermos de facto, como de um dia para o outro, como num "clique", como numa imagem instantaneamente "flashada", se escreveu o último capítulo de um livro !...

E percebemos uma outra vez, que não somos mais que o ratinho impotente e agonizante, largado entre as patas do gato, que o olha de cima, com uma indiferença absoluta, e que talvez nem o coma ... basta-lhe já que o destrua !!!...

Anamar

quinta-feira, 27 de setembro de 2012

" CARTAS DE AMOR ... " :)))))



As minhas noites são muito engraçadas nos últimos tempos.
Acho que isto é o preâmbulo do fim ... rsrsrs.   Perceberão porquê !

Largo o computador - que nos últimos tempos me saturou, me irrita, de certa forma mexe comigo - bem cedo.
Já não vou tendo paciência para os pps  ou outros mails, correio personalizado é raro.  As pessoas não se escrevem.
Tendo percorrido algumas "capelinhas" obrigatórias, como lhes chamo, e não tendo também muita pachorra para paleio de messengers, porque pessoas interessantes vão rareando ( sinal dos tempos ), aí pelas dez da noite, desligo e vou para a cama.
Tenho bons filmes gravados, mas até esses, raramente vejo.   Limito-me a três ou quatro canais, daqueles em que a gente não precisa pensar, especo-me frente às imagens que vão desfilando pelos meus olhos  ( é certo que a cabeça, na maior parte das vezes, sem avisar, vai indo, e quando dou por ela, onde é que já vai !... ), até que,  muitas noites, começo a percepcionar os sons, a música ou as vozes, bem longe.
É quando  percebo que já estou entre as três e as quatro, ou dizendo melhor, entre a meia-noite e a uma, de certeza.
Olho o relógio e confirmo ... é certinho e direitinho !

Digo então para a Rita, que há muito dorme ao fundo da cama : " Vá Rita, horas de ó-ó !..."  ( a quem mais poderia eu dizer isto ?!... ) ;  ajeito as almofadas ao meu gosto, olho de novo o relógio, olho o quadro a óleo do meu pai, que está perto da minha cama, como num ritual de despedida, e apago a luz.
Última  e  felizmente, não tenho muito tempo para continuar a pensar em demasiadas coisas ( e "agradeço" por isso ) ...  Adormeço.

O meu sono é extremamente leve.  Sempre o foi.  Devem ser resquícios da "profissão" de mãe, com marido, que, desde as filhas chorarem, chamarem, ou cair a casa, nada o tirava do "doce aconchego", e por isso apercebo-me das voltas e voltinhas que dou na cama, pela noite fora, enrolando, que nem croquete no pão ralado.
O relógio biológico é impecável.  Acontece com frequência, noite após noite, olhar o mostrador luminoso, exactamente às mesmas horas, por exemplo, 2,22 ....
E além de constatar que na noite anterior, o mesmo se verificara, ainda tenho "tempo" para achar super gira, a pontaria assaz frequente, de os algarismos serem todos iguais ... Vejam para o que me dá!

Depois, aí pelas 3.30 h / 4 h, desperto mesmo. Desperto e percebo  que não adianta muito, persistir.
Ultimamente levanto-me, porque estranhamente nessas circunstâncias, a cama ganha "picos" .  Todos sabemos isso, creio.  E fazer o quê?
Volto ao computador.
Aí é uma hora engraçada.  É a hora de perscrutar a noite, olhar o Mundo, deste lado.
A maior parte das pessoas, porque são normais ainda, estarão em "vale de lençóis", como cabe a qualquer cidadão, que não tenha motivos que o arranquem ao descanso óbvio.
Normalmente "vejo" apenas, porque evito interromper, um amigo cujo ritmo eu sei  ser exactamente notívago, que é "militante" do FB.
Há outro que "cruza" trabalho ( diz ele ), com a minha insónia, e se assim for, encalho por ali um bocado.
A última, mas não frequente alternativa, é "palear" com alguém do outro lado do Mundo, a partir de Dallas, Estados Unidos, que devido à diferença de fuso, tem seis horas a menos, e portanto está em pleno pós-jantar.
E quando dou por mim ( esta noite por exemplo ), eram seis da manhã !
Consciencializei que cada vez estou pior, que a essa hora muitos cidadãos úteis e trabalhadores deste país, já caminham para os combóios rumando a Lisboa ( aliás a circulação dos combóios já se ouve distintamente da minha casa, perto da estação ) ... que daí a pouco as criancinhas de escolas e colégios estão quase a saltar das camas, a duras penas, que a luz do sol ou não, não demorará a clarear o firmamento.
E com algum cansaço então, regresso à cama que me volta a saber bem, e consigo dormir mais umas três ou quatro horinhas.
Enfim, no cômputo global, fiz uma noite de sono, em duas fatias.   Claro que agora, que é uma da tarde, é que me está a dar a "pedrada" da insónia, e começo a ficar rabugenta como os miúdos ...

Dizia eu no princípio, que este "festival" é o preâmbulo do fim.
Isto, porque segundo se diz e se sabe, à medida que os anos avançam, a necessidade de sono diminui, parecendo que o organismo, não querendo desperdiçar os últimos cartuchos da vida, tenta rentabilizá-los, mantendo-nos mais tempo acordados, para os aproveitarmos o melhor possível.
Às vezes "o pior possível ", diria ...  Mas claro, isto é o meu mau feitio, como se sabe !

Dizia eu também, que graças às novas tecnologias, as pessoas não se escrevem ...
Este é um dos sinais mais tristes dos tempos, acho .
Lembro o tempo das grandes missivas, manuscritas ;  lembro o tempo dos postais dos correios ( quando havia menos a dizer ), dos aerogramas no tempo da Guerra Colonial, dos envelopes emoldurados com aquela cercadura de riscas enviesadas, vermelhas e verdes do correio aéreo, para o estrangeiro ...  o tempo das Boas Festas, religiosamente enviadas a familiares e amigos, pelo Natal ( no tempo em que os cartõezinhos eram baratos e a franquia também ) ... e faziam-se listas dos destinatários, não esquecêssemos alguém ...
Se estávamos de luto, os cartões de visita e os respectivos envelopes,  à  semelhança  dos  "fumos"  nas  mangas  dos casacos   ( quem não lembra ? ), eram contornados com cercadura preta ; mais larga se o luto era recente, mais fina, se já se aliviava...ou se o grau de parentesco não era tão próximo ...
Lembro o tempo em que se parabenizavam as crianças e os adultos, pelos aniversários, pelos eventos relevantes da vida ... tudo pelo Correio, tudo com letrinha mais ou menos desenhada, mais ou menos legível, mais ou menos rabiscada ...
Lembro com saudade o tempo das cartas de amor, epístolas intermináveis, também mais ou menos "inflamadas", contendo  poemas  às  vezes,  florzinhas  secas  também,  a marca  do  bâton dos lábios, em jeito de despedida !...
E lembro o tempo em que a chegada do carteiro se aguardava com desejo, curiosidade e alegria, com frequência.
Em que se olhava para o chão junto à porta da rua, porque em portas onde não existia caixa, o correio era metido por debaixo da dita ...
E os carteiros eram muito mais simpáticos, porque não nos traziam só  contas  para  pagarmos ... aliás,  as  contas  nem  vinham  pelo  correio !
Hoje, o abrir da caixa do correio é diariamente um susto, um filme de terror, porque nunca se prevê nada de bom .... rsrsrs !!!

Bem, vou ficar por aqui.
Esta "viagem" de nostalgia, está a fazer-me sentir dinossáurica, melancólica, saudosa ... Se calhar mais cinzenta que este dia nada prometedor, que faz lá fora !...

E tudo isto, porque, p'ra variar, me comuniquei despersonalisticamente, mais uma vez esta noite, com uma pantalha à frente do nariz, com o "éter" de permeio, com quilómetros galgados mais depressa do que se me transportasse nas asas de uma borboleta monarca, em plena migração !...
Porque uma coisa que chamam de Internet, rouba despudoradamente todos os dias, o lugar aos carteiros, e ao romantismo dos corações de antanho !!!...




Anamar

quarta-feira, 26 de setembro de 2012

" ENLOUQUECI DE VEZ ... "



O tempo virou cá com "uma pinta" !...

Num dia estava eu esbaforida com calor, a "trabalhar para o bronze", naquela liberdade de corpos nus, cabelos soltos, gaivotas na areia ... e no seguinte, trovejava, chovia de noite ( e dava-se bem por isso ), e a temperatura começou a obrigar-nos a pensar que não é lá muito adequado talvez, ir para a rua de alcinhas, a brincar que ainda é Verão.

E não adianta querer resistir, e fingir que o sol tem o brilho e o calor de antes, e que aquelas nuvens lá ao fundo, são só as nuvens da minha vida, e nada têm a ver com o tempo atmosférico.
O sol arrefeceu, nesta "era glaciar" que começou a instalar-se lá fora, sem dó nem piedade, e que dentro de mim já se instalou há muito, ou é mesmo vitalícia !  Muito mais garantida que as reformas dos políticos ... que nunca falham !

Que fazer??

Eu até sei ... emigraria, fugiria atrás do sol.
Bastava segui-lo quando ele se põe, e não o largar mais.
Evitava esta tremenda injustiça, de por cada dia, ter que anoitecer !
Para quê?  Serve a quem, o escuro ??
Só se for aos gambuzinos, ou a quem queira esconder-se de um delito inconfessável ... e aos gatos, é verdade ... que assim se tornam todos pardos !
Os morcegos ... pois é, esses e as corujas, também gostam mais da noite.
Mas eu,  como tenho o meu lado "lunar" perenemente garantido, dispensava-a cá fora .

Já perceberam que disserto displicentemente, como quem passeia numa "Harley",  por uma estrada sem trânsito, ou seja ... deixando-me ir, se calhar apenas deixando-me ir ao sabor do passeio, pelo meio de campos planos, verdes, dourados, salpicados das cores de todas as flores que existem.
O vento, não chegava a sê-lo.  Seria só uma brisa leve, a refrescar-me o coração.
Pássaros havia-os em bandos, em formações geométricas e disciplinadas, determinados em encontrar um destino qualquer, lá longe ;
ou então endoidavam, brincando de rasar os verdes, subindo quase ao infinito, para se lançarem a pique, como os acrobatas fazem quando se soltam das mãos do parceiro, e o nosso coração cai a pique com eles ... para no último momento, ficarem presos pelos pés ... quando nós já quase morremos de susto !

E sol ... Claro que esse passeio era num dia bem iluminado, com aquele sol que parece prometer mundos com ele, que parece transportar na sua luz uma coisa que não sei o que é, a que chamam felicidade, e com que os meus contos infantis obviamente terminavam  : "  e foram felizes para sempre " !...

Esses  finais, sempre tive esperança de vir a compreender mais tarde, e pensava na altura : " Sou muito pequenina para perceber esta parte, mas depois vou entender bem " !

Por que raio contam estas coisas às criancinhas ? Por que é que nos começam a "engrupir" desde cedo ???

É  certo  que  deve  ser  o  correcto, porque geração  após  geração,  a  " Branca de Neve ",  a  " Cinderela " ,   " Os três porquinhos ",   a   " Princesa da Ervilha ",  a  " Carochinha e o João Ratão", a " Alice no país das Maravilhas ",  o "Gato das Botas " e os outros todos, continuam a pé firme.
Dá ideia que querem que fiquemos lá atrás, imbecilizados, a viajar por ali.
Muito melhor, que percebermos que afinal ao crescer, é que nunca entenderemos mesmo, a frase final das histórias, e que os berços de embalo param de baloiçar, as fadas e os príncipes são invenções,  duendes e gnomos bonzinhos não há, bruxas sim, gigantes e monstros das masmorras assombradas, avançam para nós todos os dias, e que o Silvestre ... o gato simpático e sempre enganado pelo ratinho espertalhão ... come-o mesmo, como faz qualquer gato que se preze !...

Claro que cada conto tinha uma "moral" .
Já na primária, a professora perguntava : " Meninos ... qual a moral desta história " ??

Aí está outro logro !  Porque esse conceito também acabou .  As histórias hoje, são absolutamente amorais, para não dizer imorais, que assim é que estaria certo !
Aliás, hoje não há histórias  sequer,  pura e simplesmente !
O nosso imaginário infantil com que resolveram  rechear-nos as mentes, desde que começámos a pôr os pés no chão, seria razão mais que suficiente para fazermos uma queixa na APAV, ou um telefonema para a linha protectora dos maus tratos infantis ...

Enfim, desculpem .   Vou parar de insanidades.  Isto é nitidamente já, falta de serotonina ou dopamina, porque o sol está de malas feitas, e eu não tenho dinheiro para fazer as minhas, e ir com ele, apesar de lhe ter pedido que me fizesse uma reserva para a viagem, mesmo em classe económica.
Por isso é que o meu imaginário hoje, não é o que me impingiram .   Cresci, e vim parar a uma "selva" antipática,  para  a qual  não me tinham prevenido.
O meu imaginário hoje não é infantil, é senil, e como todas as fantasias, jamais passará disso, vocês  verão !

Mas sonho ( porque no seu preço, o Gaspar não vai poder tocar ), sonho à borla, à revelia da Troika, sem impostos ou cortes, que hei-de morrer no país do sol, da lua sempre cheia e provocadora, do mar, com as algas, os corais, as conchas, os búzios, as areias doces e douradas ... e as sereias pelas madrugadas ... O país do céu azul, das florestas e pradarias, das planícies e dos picos de neves perpétuas,  das flores e dos pássaros multicores ... da música e da dança ...  num lugar onde haja um coração com o meu número, e uma alma maior ainda ...  Um país de cascatas, e rios mansos com peixes vermelhos ... onde finalmente eu tenha razões para sorrir, rir ... gargalhar insanamente ... e onde a minha história possa terminar  justamente com a velha frase das historinhas que me contaram há tantos, tantos anos : " ... e foi  feliz para sempre !... "

Anamar

domingo, 23 de setembro de 2012

" TUDO ISTO TAMBÉM É A VIDA !... "




Será  possível  que cheguei  há  um quarto de hora ao café, e já ouvi dez vezes nas mesas ao lado : " É a vida ..." ?!...
Bom, se não foram dez, foram oito ...

A população é sempre a mesma.  As células "especializadas" nos vários temas, fazem-se por mesas.
Como diz a Lena e a Catarina : " Sai desse café ! "
Mas eu sou militante, masoquista, e sempre me afeiçoo ao que não devo ... e insisto e persisto.
Já pus os "phones" nos ouvidos, procurando abafar, com Énya, a distância que me separa do "mundo".
Nas televisões à minha frente, o problema está na escolha.  Numa delas, no circo de feras da Assembleia da República, os maluquinhos degladiam-se, a repetir as insanidades do costume, nesta "rentrée" particularmente quente, e sem horizonte.
Dizem e repetem, abanam as penas de pavão ... redizem, dissertam e masturbam-se mentalmente a ouvirem-se, porque de certeza, muitos deles, mais ninguém ouve.  E realizam-se e deliciam-se ...  São os maiores da sua freguesia !

Este meu humor cáustico, é triste ...  É um esgar de tristeza, se calhar uma caricatura mais triste ainda de humor, que como eles ( os da Assembleia ), também julgo que tenho, enche o meu "ego", e não tenho de todo !!!

O outro televisor vai "parindo" sessões contínuas de desporto e mais desporto, sendo que o privilegiado é o futebol, claro ;  cá, lá ... em todo o Mundo.
Felizmente que sou suficientemente "cegueta", para daqui donde estou, só perceber que se trata de um relvado verde ( depreendo ) , e uns gajos quaisquer, com camisolas de cores contrastantes com esse verde  do tapete, aos pontapés a uma bola ...
Não sei quem são, não me interessa ... tenho raiva a quem sabe !

Na mesa ao lado, três amigos, para lá de ultrapassado o "prazo de validade" ... a "mijar p'ras botas", na "linda" expressão frequentemente usada pelo Carlos ( como se ele não fosse também lá chegar ), falam, ou de comida ou de futebol, óbvio ...
Um deles trabalhou ( cá p'ra mim, na outra encarnação ), em restauração.  Já falou de "massada" não sei de quê, em empadão de atum, em soufflé de gambas ... depois referiu o Bairro Alto como um local onde se come bem ... e o resto já não ouvi, porque já estava saciada ...
Hoje, e nos próximos dias já não vou precisar de almoçar !
Não se pode ir além do "bom dia", porque a história do AVC eu já conheço ( contada a mim e a quem tiver o azar de lhe dar uma "abébia" ), das caminhadas que faz ( percorre a cidade inteira, segundo ele ), com que vai "curando" as maleitas do corpo ( ele acredita ) ... da solidão ( eu não acredito !! )

A D. Maria dos Anjos, uma alentejana com todo o sotaque de Nisa, a sua terra natal, fala das azevias e pastéis  de  massa  tenra, que vende e com que ganha a vida.  Um  único  filho,  que se  suicidou há três anos ( overdose ), deixou-lhe duas netas gémeas, que alguém ficou cá para criar !
É "mundialmente" conhecida, em particular aqui, onde trata toda a gente por "meninos", dos zero aos noventa ...
Fala altíssimo, conta as histórias todas, as relevantes e as não tanto, a quem quer e a quem não quer ouvir.

Depois há um casal super-ternurento, discreto, muito simpático. São pessoas que sabem "estar", como se costuma  dizer.  Estão na sua mesa, lêem o seu jornal, conversam restritamente com uma ou outra pessoa, e entre si.
Ambos de cabelos grisalhos, ou melhor, o senhor, com o pouco cabelo que tem, grisalho. Tem metade da altura da mulher, é "fofinho", muito sorridente, com um rosto de bonomia, que inspira vontade de que se mime.

Aí pelo meio-dia chega o "doutor", de quem já falei num post lá para trás. Compra três jornais por dia. Um, de notícias e dois desportivos.
De um deles, sou herdeira diária, para a minha mãe.
Chega, e antes de se sentar, vai cumprimentar religiosamente os utentes de duas ou três mesas, e recolhe à sua.
O "doutor" impacienta-se sempre que há alguém barulhento, perturbador em excesso, da calma da sua leitura.
Quando está sentado ao alcance dos meus olhos, trocamos olhares de solidariedade reprovativa, porque eu também gosto do meu sossego, nesta espécie de "escritório" diário.
Ele é surdo, e usa aparelho no ouvido. Reduz o som ...  Eu, coloco o MP3 a tocar, e aumento o som !!!

"Choses" !...  ( como diria um amigo meu )

Hoje devo estar particularmente azeda, e sem estofo de resistência para muita coisa.
Tive que ir a Lisboa há pouco.  No carro, sozinha, eu e a minha mente viajante ...  Nem o rádio liguei .  P'ra quê ??
Numa passagem de peões, ao sinal vermelho, parei, obviamente.
Um dos peões que atravessava, era um jovem estudante, imberbe, como todos o são naquela idade ... de capa e batina.
Dei por mim, a meia voz, a dizer :  "Sim, sim ... capa e batina !!...  Mais um candidato ao desemprego " !...

À frente, na rua, um idoso, mais um sem-abrigo dos que povoam as nossas calçadas, a pedir esmola.
Ultimamente deixei de dar esmolas.  Ou empederni, ou defendo aquela demagogia barata de que o Estado ( que me vai ao bolso forte e feio ), é  que  tem  que  resolver o cancro  da  precariedade e da exclusão social, ( quando  estou careca de saber, que se esperarmos isso, morremos todos de fome !...  Portanto ... "balelas" ... Mas todos as dizem, não é ?? )

Na sala de espera do local onde fui, uma televisão, novamente distraía quem esperava, com mais outro programa "construtivo  e aliciante". Um daqueles excelentes programas tipo "Portugal no coração", "Praça da  alegria",  João Baião  e  companhia...Maya  e  companhia, Manuel  Luís Goucha e companhia ... etc, etc ( estão a ver o estilo ?? ) ... para atrasados mentais.  Todos a ganharem, entretanto, uma "pipa de massa" !...
Entrevistada no momento, Luciana Abreu, que conheço de propaganda jornalística, das revistas cor-de-rosa do cabeleireiro, do casa e descasa, destes pseudo-artistas de qualquer coisa ( só é preciso ter corpinho e sabê-lo usar ... ).
Meia dúzia de banalidades arrancaram-me uns quantos sopros, inspirações  profundas  de  tédio,  esgares  no  olhar  ( nada  abonatórios ... ), de impaciência ...
"Bolas" -  diria  a  minha  filha  que  pareço  estar  a  ouvir  - "Tu  realmente !!!  Embirras com tudo !!!..."

Bom, só pode ser o meu mau feitio, a velhice, o desânimo, o cansaço, a saturação da realidade de merda, em que nos movimentamos diariamente, a falta de horizontes ou perspectivas, a inexistência de objectivos ... enfim ... a angústia e a desmotivação que envolve a maioria das pessoas ... ou então ... uma "doença incurável" mesmo, que é este "mau acabamento" que recebi dos meus pais, e que nunca tive capacidade, força  ou  determinação,  para  conseguir  moldar ou alterar ... e  que  parece,  que cada vez "apuro" mais e mais !!!...

Anamar

sábado, 22 de setembro de 2012

" IN MEMORIAM "

Já morri ...

Já morri e não deste por isso ...
Não percebeste que te gritei por socorro ontem, quando o sino da igreja batia as três, e já são três outra vez, e tu não percebeste que entretanto eu morri ??!!...

E como vais então trazer-me as margaridas selvagens que me prometeste, quando a estrada dos castanheiros nos era caminho traçado??
E as violetas das pedras, nas sombras das árvores que esqueceram as suas histórias, porque tiveram princípio mas não têm mais fim ??
Deixaste secar, das encostas, as flores amarelas sem nome ;  como também deixaste o sol ir embora ... e o vento que despenteava os meus cabelos, também partiu já para outros horizontes ...
E por isso, não mos podes trazer ...
As gaivotas já não se empoleiram no alto dos postes, porque nós não estamos mais lá, e o Inverno chegou mais cedo ...
E  as  gaivotas  têm  coração  e  memória,  e  recordam-me ... acreditas ??!!

Foi tudo partindo, só na praia, no topo dos rochedos da maré baixa,  a desafiar a eternidade, continuam as pedras com que brincaste, como um código mudo, apenas para quem o sabe ler ...

Já morri e não me deixaste ver antes os teus olhos outra vez, ouvir a tua voz, ou escutar a tua gargalhada desbragada, com que aligeiravas as horas más.
Não me deixaste repousar no teu regaço uma outra vez, ou aquecer-me no teu corpo, naquele chão que guardou os contornos deixados por nós, em tardes felizes ...

E deixaste-me ir vazia, completamente vazia, simplesmente porque me deste e foste tirando, as rosas vermelhas que sempre me aqueceram o coração ...
Tal qual como me deste e tiraste também  ( com as palavras ), o querer, a esperança, o sonho e a juventude.
Foste tirando, porque sabias que eu ia partir e que tu não tinhas mãos para me agarrar, e não me deixar ir ... mesmo quando às três da tarde te gritei por socorro !

E  agora,  os pôres-de-sol  atrás  da  serra,  lá  para  os  lados  do mar ( porque ele sempre adormece no infinito, não é ? ), vermelhos de fogo, não têm quem os admire e se deixe perder em sonho, a olhá-los ... porque os olhos que os viam e os amavam, cegaram, fecharam, porque não conseguem ver mais ...

Já morri ... afogada ... submersa ...
Não nas ondas salgadas que me adocicavam o corpo, e que,  com o sol, me temperavam a pele com aquele sabor que amavas.
Mas afogada pelas lágrimas que nunca conseguiam escorrer-me pelas faces, e que o coração foi guardando, guardando, até que ... quando o sino da igreja ontem batia as três da tarde, e tu não me ouviste uma vez mais ... eu desisti ... e morri, meu amor !



Anamar

quinta-feira, 20 de setembro de 2012

" RAPIDINHA "


São sete e quarenta da tarde .

É uma hora muito triste na minha casa.
Estou frente ao computador, a ver mails sobre mails, distraidamente, sem grande paciência, curiosidade, sequer fruição da beleza ou da mensagem de muitos.   Olho, mas não vejo, creio ...

Subi a persiana para que o meu quarto aclarasse um pouco, desta penumbra de fim de tarde, que se agiganta.
Ao longe o sol descia, laranja, na busca de mais um sono repousado, lá para os lados de Sintra, lá para os lados do mar.

Não entendo por que o silêncio se agiganta a esta hora, aqui em casa.  Não existe um único som.
Distraí-me e o sol poisou, e dentro de mim poisou mais um dia ... igual, exactamente igual !

Nas casas onde há gente, a esta hora o buliço aumenta.  Apronta-se o jantar, porque há quem o coma.
Nas casas em que há crianças, a balbúrdia é ainda maior ...  Sinal de Vida !
Hora de banhos, de trabalhos escolares, de luzes que se acendem, de televisões que se ligam ... enfim ... Sinal de Vida, realmente !...

Esta hora já foi muito feliz e alegre por aqui.
Faz algum tempo ...
Faz muito tempo, talvez !...

Vontade de partir, rumo a um destino sem rumo.
Vontade de ir sempre em frente, cortando linhas de horizonte sobre linhas de horizonte.  Porque depois daquele há outro, e outro, e mais outro .
Na Terra é assim ... nas pessoas, talvez não !

Escureceu ... o Outono apresta-se a bater à porta.  Afinal, dentro de três dias, pelo calendário, estará aí .
Entramos numa época do ano, que esqueceria se pudesse ...  E nasci nela !
Deve ser por isso !  Sou uma mulher outonal, nunca primaveril, menos ainda estival ...
Raramente há sol dentro de mim .  Poucos os dias em que nascem flores nos meus cabelos, frutos no meu regaço, arco-íris nos meus olhos !
Poucos os dias em que a música me soa, ainda que ao longe !   Nem a música, nem os chocalhos dos rebanhos, nem os sinos dos campanários, nem o canto dos pássaros.
A melopeia do vento do fim da tarde, para cá e para lá, como as cordas de uma harpa, tange os arbustos.
São os címbalos do paraíso, a descerem à Terra !
São as asas dos arcanjos, a adormecerem-nos  as dores da alma !
Tenho a certeza que nas areias, também as ondas, para cá e para lá, embalam os búzios e as vieiras ...
as algas só se deixam despentear... Essas nunca se deixam ir nas marés ...

Como seria bom hibernar !   Hibernar, e só acordar quando o sol se levantasse, numa outra Primavera !...
Quando as cerejeiras já estivessem em flor, os pássaros acasalassem, as borboletas tivessem deixado os casulos, e as nuvens tivessem viajado em migração, para outros destinos, lá donde vieram as andorinhas, os estorninhos e os gansos selvagens ...

Ou mesmo não acordar .
Ter a capacidade de passar à eternidade, sem dar por isso.
Deve ser bom abrir as portadas do "depois" ...
Depois do nascer, depois do sorrir, depois do acreditar, do chorar,  do sonhar,  do amar ... depois  de
imaginar  que  vivi ... depois  de  ser  eu ...
Eu, que transbordo e estou vazia, completamente vazia ;  eu, que sou a sombra abençoada da floresta e que sou a aridez da solidão do deserto ... eu, que sou fogo e sou a água que o apaga ... eu, que sou o luar e a nuvem que tolda a noite ... sou a vida e sou a morte que a destrói ... eu, que sou útero fértil de nados-mortos !...

Eu, que afinal sou e não sou nada ... absolutamente NADA !...

Anamar

quarta-feira, 19 de setembro de 2012

REBECA - a " OUTRA "



A maior parte das mulheres tem uma Rebeca nas suas vidas !...

Uma Rebeca morta, como a tão bem retratada na obra de Daphne du Maurier,  ( passada ao cinema por Hitchcock na sua primeira realizção na sétima arte  - 1940 ),  ou uma Rebeca viva, que essa, na verdade vira uma "assombração" de carne e osso, contra a qual atrever-me-ia a afirmar, ser ainda mais difícil lutar.

A Rebeca morta e enterrada, tem a força que as figuras míticas encerram .  Seres cujas armas não são as que detemos, terrenas ;  são seres que pelo facto de não existirem mais, adquiriram uma auréola e um estatuto mágicos e misteriosos, que mexem com áreas nossas, os humanos, muito mais difíceis de controlar ... o imaginário e o psíquico.
O psicológico foge-nos ao controle, porque não é racionável, e o ser humano sucumbe facilmente ao seu domínio.

É com essa força do que não é racional, lógico, palpável, que alguém que já foi, continua a imperar, a dominar, a condicionar, e a infernizar a vida dos que por aqui estão.
Por isso, essa "outra", consegue impor-se, intrometer-se, e ter um ascendente destrutivo de permeio a um casal.

Conhecemos casos desses, em que a "falecida" não faleceu na realidade ;
aliás quem cá está, continua a partilhá-la, a ser acorrentado por ela, e a fazê-la "reviver" constantemente.
Fazem-se referências subreptícias, a figura velada perambula pelos espaços e pelas pessoas, há comparações subtis, e até há muitas vezes, uma servidão e uma observância religiosa, dos hábitos, costumes, esquemas de vida  passados.
Ou então, em desespero de causa, a estratégia pode ser outra ;  eliminam-se rapidamente todas as referências a essa figura indesejável, tudo quanto materialmente se lhe associa, acreditando-se que com essa "limpeza", vai também a Rebeca perturbadora !...

Admito que hoje em dia, não é já muito comum, que qualquer substituta de Rebeca se deixe impressionar e comandar, sequer se submeter tanto, a ponto do  " fantasma da defunta", conseguir ter a força do retratado no romance.
Posso dizer que essa aí, face aos tempo actuais, é mesmo uma caricatura grosseira, já distante, felizmente.

Eu diria que o que nos perturba na realidade em que vivemos, o que incomoda, desestabiliza e mexe com a mulher de hoje, são as "Rebecas" vivas que andam por aí, às vezes a fazerem-se de mortas, é verdade,  mas com  armas  sempre  em  prontidão ... as  mais  variadas !...
Essas figuras que não passam de arremedos pardos, e que de tudo fazem para se recolorirem, pensam conseguir, de uma forma demoníaca, manipular com um grau de legitimidade que se atribuem, os cordelinhos dos bonecos, com que ainda sadicamente pensam  brincar. ...

Pura ilusão !...
O "cenário" nestas situações, não é de romance ;  é aqui, no palco real, onde se jogam vidas também reais !
Só que elas desvalorizam ingenuamente, que a vida já não se faz nas penumbras de quartos escuros e ambientes de luz velada, de mansões fantasmagóricas, porque já não vivemos entre sombras, a ouvir passos do além, figuras perpassantes, fantasmas ridículos, diáfanos e assustadores.

Essas Rebecas, lembram-me grotescamente as crianças que se embrulham num lençol, onde fazem dois buracos para os olhos, e nos saltam ao caminho, na esquina de um corredor, dando um salto e soltando um gritinho, convictas de que nos pregaram um susto pavoroso, monumental, que nos poderá mesmo deixar em estado comatoso, irrecuperável ...
E nós compomos a cena, e para as deixarmos felizes, fingimos cair para o lado, deitamos a mão ao coração e fechamos os olhos ... e tudo acaba numa estrondosa gargalhada !...

Também há adultos que continuam infantilmente a mascarar-se, no dia a dia, com lençóis "aterradores", e que confiam piamente, na credibilidade da personagem que vão representando ...

Pobres Rebecas, essas ... sobretudo se tiverem nos esconsos dos corredores, Lilliths em vez de Evas, a esperá-las ...

E nos anos que vivemos, com a emancipação física, emocional e afectiva da mulher , a sua assumpção e gestão das duas entidades numa só ... já não assusta !
Lillith não voltaria seguramente a ser desterrada para o Mar Vermelho, nem preterida na mitologia hebraica ou na Bíblia dos cabalistas !...

Por isso, as Rebecas estão cada vez mais a remeterem-se às catacumbas, donde nunca deveriam ter saído ( porque o seu "reinado", na verdade, já foi ), donde se esbate o seu poder, que já não opera milagres ...
E, as assumidas Lilliths, conseguem apagar cada vez com maior facilidade, as rugas dos lençóis, e as marcas dos corpos das Evas, na vida dos seus homens, de que não abdicam facilmente !!!




Anamar

terça-feira, 18 de setembro de 2012

" DIREITINHO ... DIREITINHO !... "



Estou no café habitual, à hora habitual, no pequeno almoço também sempre igual, numa espécie de destino que se começa a cumprir, também igual, pela manhã.
Como se sabe, tudo é igual neste café, a minha vida também parece vestir-se das mesmas coisas, todos os dias.

Estava a ler ;  hoje não me sentia com razão suficiente nem necessária, para escrever.
Necessária talvez, porque afinal, numa vida tão silenciosa quanto a minha, o papel são os olhos, os ouvidos, e até a boca que de vez em quando me fala.
No MP3, não sei quem, canta numa voz rouca e sensual, que se adivinha ( ou eu adivinho ), ser de um homem maduro, cabelo grisalho, daqueles que têm um timbre intimista nas flexões da voz, logo nas primeiras duas frases ;
daqueles cujas palavras vêm embrulhadas em papel térmico, para nunca perderem o calor, aquele calor que estranhamente nos instala  um friozinho, que tem o condão de chegar e subir, ou chegar e descer ... nunca sei !!...

" And I love you so " ... o tema !...

Normalmente esses homens têm vários atributos.  Falam baixo, com sensualidade, fazem "promessas", e despertam sonhos nas entre-linhas ou nas entre- palavras ...  e despem, despem despudoradamente  uma mulher,  de  imediato,  porque  têm  olhar  de  RX ;  atravessa-nos sem pedir licença, e com poderes de que, nem a capa do Super-Homem nos protegeria ...
De quando em vez cruzamo-nos com personagens dessas, que mesmo com um rio de permeio, deixam esvoaçar uns quaisquer fluidos, tipo poções mágicas, que não sei se é a isso que chamam de "química", feromonas, ou sei lá o quê !!!
Eles, os fluidos, varrem o espaço, atravessam distâncias, progridem através de matéria, que estudámos na Física, ser impenetrável.
" Dois corpos não podem ocupar simultâneamente o mesmo espaço ", dizia Pauli no seu princípio da exclusão.
Bom, mas essas individualidades não são seguramente matéria, serão energia, obras do "capeta", seres meio-humanos, meio demoníacos !...

Agora, por que raio estou eu a falar destas coisas ??

Simples !...
Já ontem, curiosamente, a mesa onde me sentei, separava-se de outra, lado a lado, apenas por um anteparo de vidro, o qual divide o café em zonas de fumadores e não fumadores.
E tal como ontem, essa outra mesa, foi ocupada por um casal, de idade indefinida.  ( não tenho jeito nenhum para fazer estas avaliações ... )
Ele, do que vi,  ( e não olharia senão discretamente, óbvio ), com o tal aspecto sedutor, com o tal cabelo embranquecido, figura agradável.
Aposto que tinha voz rouca, baixa, "safadamente" convidativa ...

Ela, sem nenhum traço referenciável.  Um ar descuidado, uma mola plástica a apanhar atrás o cabelo, que não tinha mão de cabeleireira, também já não nova, e vestida modestamente.
Não seria por aí !...
O que me chamou mais a atenção foi o aspecto meio abandalhado, que antigamente se diria ( não me interpretem mal, por favor ; não é nenhum tipo de segregação ou superioridade ), quando as havia ... e vocês sabem que este termo era da linguagem comum ... ar de "sopeira" ( sem desprimor para as mesmas ) !

Eu estava de cá, eles de lá, ela, de frente para mim ...

Eu via-os, eles, não !
E não, porquê ?
Porque estavam num estado de graça tal, que tenho a certeza, nem davam por que estavam no café.
Pairava por cima deles a palavra "romance" ... e recente ( Por que diabo é que só os romances recentes, conseguem conservar a frescura das histórias cor de rosa ??!! ).
De mãos dadas, que só se descruzaram, quando o empregado inconveniente lhes pôs à frente os cafés, olhos de "carneiro mal morto", sorrisos nos rostos, de uma cumplicidade escrita, que sem palavras, mostrava como se diz e se escreve "Felicidade", "Paixão", "Desejo" ... fotografavam-se mutuamente com os telemóveis, ininterruptamente, e via-se que a adrenalina os traía e lhes soprava aos ouvidos ... "vamos embora daqui, para outro sítio !... "

Todos imaginamos para onde, e todos conhecemos o poder destas "urgências" urgentíssimas, o mistério que nos faz apagar o Mundo à nossa volta, e de repente ficamos só nós, nós e o nosso romance que queima, nós, ilhados num mundo irreal que não se descreve, nós e a magia que põe o ser humano com a maior cara de "tonto", apenas possível quando se vivencia uma espécie de milagre, ou bênção ... que têm a capacidade de nos arrancar a este mundo tão descolorido, e nos projectam  lá para um Olimpo, que apenas nestes momentos se corporiza !...

Eu acho que sorria, sem dar por isso.  Pelo menos, o empregado perguntou-me se sorria para ele ...
Por acaso, não !
Sorria para dentro de mim mesma, e querendo ser honesta, vou mesmo dizer-vos o que se passava comigo.

Discretamente, e por cima das letras do livro, olhando para ela, que como disse, se sentara de frente para mim, pensava :  " Tão estúpidas que nós somos !!!  Como tão facilmente acreditamos em tudo !  Como, com uma boa "cantada" ( dizem os brasileiros ), embarcamos sôfrega e avidamente, no romance, na aventura, na história, um terço verdade, dois terços treta !...  Como, quando nos sabem tocar os "cordelinhos", como uma criança extasiada e ingénua, confiamos, adoramos o brinquedo novo, e zeramos todos os desamores, sofrimentos, mágoas, desilusões que nos deveriam proteger, como um chapéu de chuva no coração !...
Como facilmente nos propomos embarcar, embarcar e embarcar sempre, em novas viagens mirabolantes, prometedoras ...  Como "naïvemente" continuamos a acreditar, que felicidade com F maiúsculo existirá de certeza em algum lugar deste Mundo sem graça, nalgum recanto desta vida cinzentona, e que ... talvez seja desta vez !...   Burras, burras, burras !!!... "

Mas ... prometi ser honesta convosco e vou sê-lo.

 Como "quem desdenha quer comprar", dei por mim com um estranho embaciamento nos olhos, misturado com o sorriso disfarçado ( que agora sei que era triste, afinal ), e a sentir uma inveja "do caraças", um aperto aqui no peito, naquele lugar que todos conhecemos, e a achar que a fábula de Esopo, a "Raposa e as uvas" que aprendi na infância, e que estava até no meu livro de escola, se me aplicava direitinho, direitinho ...
"São verdes, não prestam, nem os cães as podem tragar !... "

... lembram-se ???...


Anamar

segunda-feira, 17 de setembro de 2012

" O MONSTRO "



Cá estou eu a dissertar sobre banalidades ...
Aquelas banalidades que ocupam realmente muito da minha mente, e do meu espaço disponível para pensar .
Pensar demais, diz a minha filha, quando, segundo ela, eu deveria "centrar-me" em coisas práticas da vida.
Talvez ajudá-la a forrar os quarenta livros ( que, pelo número de vezes que já me disse, já devem ir em cento e vinte pelo menos ), do início do ano escolar dos próprios filhos.

Eu entendo !...
O verdadeiro discurso que ela se coíbe de dizer, seria : "...em vez de teorizares sobre parvoíces ! "
Também entendo, claro que entendo !

Ela é uma pessoa real, centrada, objectiva.  Eu sou uma espécie de "projecto" de pessoa, um espécime raro, muito mais para "fantasma de gente", muito menos para gente de carne e osso.
Ela é pragmática, racional, metódica na arrumação das ideias, e dos interesses.
É assim, porque assim foi forjada, é assim porque quer a vida profissional quer a familiar, a obrigam a sê-lo.

Eu, não !
Eu sou meio enviesada.  Estou por aqui, mas pairo noutro mundo que cultivo .
Realizo, como toda a gente, o que do ponto de vista prático tem que ser realizado diariamente, e depois tenho um "alter-ego" onde me situo, e para onde me "escapulo", até sem dar por isso.
Os meus "jardins proibidos", têm portões dos quais só eu tenho as chaves, têm recantos que só eu conheço, têm segredos que são meus, só meus !

Mas tudo bem ...  Por alguma razão este meu espaço foi baptizado por mim, assim, sem pestanejar, com um título, que não foi sequer pensado ... caíu-me no cólo : "Filosofices" ... o que significa bem, que se trata  daquelas  filosofias que não valem "um caracol " !...  
Mas que são as minhas, ora bolas !!

Enquanto isso, o "Mundo" saíu à rua, o  "Mundo" está na eminência de desabar, o "Mundo", este, o nosso, aquele que conhecíamos, virou estranho, desconhecido, inseguro, carrasco, traiçoeiro ... virou-nos literalmente as costas ...

E eu cá continuo a dissertar, sobre o que não acrescenta nem retira nada, a esse Mundo.
O tempo, o tempo retira ... muito ... retira tudo !
O tempo é o algoz mais sádico que conheço, é o "gozão" mais endiabrado, provocador e ardiloso que nos enfrenta !...
Por outro lado, tem soluções e mezinhas para todo o tipo de mazelas.
Hoje eu não tenho nenhuma dúvida, de que aquela frase gasta de que "o tempo tudo cura", é absolutamente verdadeira.
O tempo resolve, nem que seja à custa de uma "cortina de nevoeiro" que nos lança sobre a mente.
Com ela, como que perdidos no meio da bruma, deixamos de lembrar, de sentir, e as imagens perdem os contornos e a nitidez.  As memórias esvaiem-se, as feridas ganham crostas que hão-de cair um dia, consequentemente a dor aplaca, a Vida vira as páginas ...

Encontrei há dias uma pessoa, que foi absolutamente determinante na minha vida.  Alguém que eu juraria, jamais ser possível desocupar o lugar que ocupara.  Impensável isso acontecer !...
Pois bem, fiquei chocada comigo mesma, fiquei impressionada com a inalteração do meu ritmo cardíaco, fiquei até incomodada e incrédula, sobre alguma "apatia emocional" que experimentei ...

Como foi isso possível ?!...
Que mezinha me ministraram ?  E quem ?

Obviamente, o tempo, o gigante aterrador, o feiticeiro, o monstro ... mas também o grande mestre !...

Sou compulsiva em fotografar tudo e todos.  Momentos, lugares, pessoas, e acredito que também consigo fotografar a brisa, os cheiros, os sons, as palavras, as gargalhadas, as mágoas e as alegrias .
É uma compulsão que tem um objectivo : criar em mim um antídoto contra o tempo, uma vacina contra o "nevoeiro", uma espécie de "aforro mental", para  quando as "economias" da mente e do coração, tiverem ido !!...

Porquê ( já aqui me perguntei muitas vezes ), porquê injustamente, o ser humano "deleta" em curto espaço de tempo, os rostos, as vozes, as vivências, que eram do tamanho de oceanos, sem fim ou horizontes ??!!...
Admito que sejam mecanismos de defesa, biológicos, do foro mental, para nos preservarem e nos subtraírem a sofrimentos, que, acredito, não suportaríamos.
Mas é triste de qualquer forma, porque a nossa vida vai-se transformando num balão, com um furinho imperceptível, por onde se vai perdendo o ar que o enchia, aos poucos e poucos, aqui e ali, ficando cada vez mais vazio e irreconhecível !...
A nossa vida vai ficando como um livro, que fôssemos lendo e esquecendo as páginas que viramos, uma a uma, sem no entanto devermos e podermos esquecer a história toda, apesar de irmos esquecendo os capítulos da mesma !...

Como é isso possível ... continuarei sempre a perguntar-me ??!!...

Anamar

domingo, 16 de setembro de 2012

" DISSERTANDO ... "


Esta praia são muitas praias ...

O mar nunca é o mesmo, já se sabe. Esta água não conta, mas se o fizesse, diria das aventuras do seu percurso.
Os rochedos brincam de esconde-esconde.  Ora aparecem, ora se escondem debaixo das areias, que se desenham ao sabor das marés.
As lapas, os caramujos e as algas, são os únicos residentes desta praia, porque até os peixes que os pescadores sonham pescar e nunca pescam, são viajantes do mar.
A brisa ... ora, essa nunca ninguém agarra, e sopra displicentemente por cima das arribas, despenteando até, a mais tímida vegetação rasteira que ousa crescer encosta acima.
As gaivotas que são livres, volúveis e caprichosas, só aparecem se querem.  Mas, quando o fazem, ficam donas do areal e sapateiam na espuma deixada na areia, bamboleando-se de pata em pata, sacudindo e aprumando as penas, e batendo os bicos com aquele grasnido, tão nosso conhecido.
E quando o bando levanta, o recorte das asas contra o céu, é uma nuvem que foge até se perder no infinito, levando consigo o nosso olhar, que roubam, o nosso sonho, que carregam, a nossa inveja ...
porque de bom grado  iríamos  com  elas  para  terras  que  não  são  de ninguém ...  Lá, onde  há  outros rochedos,  outras areias  e  outro  mar !...


Nesta praia tudo é transitório, nada é perene, tudo muda, como tudo muda nas nossas vidas, como as vontades mudam com os tempos ...
Até o sol foi embora, e com ele, as pessoas ;  a neblina cerrou, o mar embraveceu mais e mais, assumindo o comando disto por aqui.
Um cenário fantasmagórico, tornou as poucas pessoas que ficaram, em meros vultos, apenas adivinhados, na neblina !
De certa forma apossei-me de novo da praia.
Eu e o meu silêncio que é só meu, porque a rebentação fortíssima faz eco atrás de eco, estendendo-se de falésia a falésia.

Poderia dizer que estava eu pensando com "os meus botões" ... não fora estar de facto, em traje que os não tem ...
E há sempre tanto para pensar, que esta solidão é abençoada !...

Ontem falava com alguém, que no meio de uma conversa, soltou esta frase :   " Há duas coisas que nunca se perdoam, a quem divide a vida connosco : a traição e a cobardia ".

Fiquei a digeri-la, e efectivamente penso que é uma grande verdade.
Já experimentei o amargo de ambas, e também já atraiçoei e já me acobardei.
Talvez por isso, tenha entendido perfeitamente, o que estava a ser referido.

Sobre "traição", genericamente falando  ( não necessitando ser a traição, em que de imediato se pensa, talvez aquela que mais nos mobiliza, a traição entre um homem e uma mulher, numa relação afectiva ), já aqui expus, em tempos, o meu ponto de vista.
Essa, é provavelmente a que mais marca deixa, aquela que mais "mata" ; mas infelizmente, "traição" é bem mais lato que isso.
Há traição nas amizades, nas convicções, nas lutas, nos valores e princípios, nos ideais, nas promessas e expectativas criadas a outrém, até nas relações familiares de afecto e amor.
Quase sempre nos colhe de surpresa, e magoa tanto mais, quanto a maior parte das vezes, é provocada por quem menos esperaríamos que o fizesse, e por isso, a sensação de uma injustiça abissal, é isso mesmo ... abissal !...
E desestrutura, desmantela corações, escancara feridas de difícil cicatrização e recuperação ;
deita por terra e pisa em cima, quase impedindo que nos reergamos, retira-nos defesas e instala-nos um hiper-sensor, tipo"sonar" à nossa volta, quase nos incapacitando de novas apostas, porque nos rouba a capacidade de sonhar, e acreditar outra vez.
E depois, é o tipo de dano infligido de uma forma perfeitamente gratuita, e por isso, maquiavélica ;  é sádica, tem contornos de requinte de premeditação e maturação cuidada ...
Nunca uma traição tem justificação ou necessidade que ocorra ... Não aproveita verdadeiramente a ninguém !
As pessoas são donas dos seus próprios destinos, opções, crenças e apostas, sonhos, vontades, afectos ... e têm o "livre arbítrio" ou vontade própria, que num ser humano estruturado numa formação sólida, se deve sobrepor a tudo e todos.
A coerência, a verticalidade e a honestidade, tornam o indivíduo incapaz de atraiçoar !...

E chegados aqui, impõe-se-nos consequentemente referir o segundo aspecto condenável num ser humano "inteiro", e que jamais deveria ser prevalecente,  independentemente das conveniências pessoais ... a "cobardia" !

"Cobardia" é o oposto à coragem, e coragem não é simplesmente ausência de medo.
Coragem é a atitude que nos obriga a sair detrás da moita, e dar a cara, se tivermos que defender a cor e a camisola ...
Coragem é o que nos faz tomar posições de isenção, ainda que sejam incómodas para alguns ( forçosamente sempre o serão ), se nelas acreditamos.
É o que nos faz lutar pelos ideais e sonhos, mesmo que o vento sopre contra ...
É o que nos obriga a dizer "basta", deixar de aceitar e acatar a cómoda posição de verme ( porque os vermes passam despercebidos mais facilmente ), dar um murro na mesa, virar o jogo, e deixarmos de ser usados e manipulados ...
Coragem é despir o fato de fantoche com que nos mascarámos, e não nos deixarmos mais, mover pelos cordelinhos com que os outros se divertem ...
Coragem é assumpção de coerência sempre, de verdade e verticalidade em qualquer circunstância, como referi, não pactuando nunca com auto-justificações esfarrapadas, para nos mantermos em limbos cómodos, porém instáveis, pisando terrenos de fronteira que não são, nem deixam de ser ...  vestir de cinzento, porque não é branco nem é preto !...
É nunca usar a máscara que se guarda no bolso para o que der e vier, e que a cobardia nos leva a colocar no rosto ... estando de bem com Deus e com o Diabo, como prosaicamente se diz, não nos comprometendo nem com gregos, nem com troianos !...

Não sou moralista ... acho que nenhum ser humano está em condições de o ser.
Todos temos "telhados de vidro" ... e perfeição e pureza não existem.
Não vim portanto, dar-vos aqui lições de nada !
Mas todos temos também, uma obrigação muito séria, para connosco mesmos e para com os outros, de parar para repensar posturas e formas de pensar e sentir ...
Em última análise, todos temos obrigação de reflectir, crítica e isentamente, sobre os nossos percursos de vida e os nossos posicionamentos em sociedade e no Mundo !!!...


Anamar

sexta-feira, 14 de setembro de 2012

" TRISTE REALIDADE ..."



A minha mãe chora porque o "seu país chegou a esta desgraça " ... e não queria morrer ainda, sem ver de novo a sua terra erguida !!

Mas a minha mãe tem quase 92 anos, emociona-se por tudo e por nada ;
chora por ver os fogos a grassar nas nossas florestas ... chora porque aconteceu este e aquele crime hediondo, com que a televisão a não poupou no telejornal ( quase só o único programa que a motiva ) ...  chora pelos acidentes que vitimaram estas e aquelas pessoas aqui e ali ...  chora  porque é o 13 de Maio e as cerimónias de Fátima a mexem ... chora na missa de domingo, que agora deu em assistir também pela TV  ( felizmente que eu não estou por perto ) ...

Chora ...

...porque o Mundo chegou a esta calamidade, porque a preocupa o meu futuro, o futuro das netas, e também já o dos bisnetos claro ...
Acho que mesmo com tanto sofrimento, ela quereria ser eterna, para estender uma "asa protectora", que obviamente não tem, por cima de nós todos ... os seus, e os outros !...
... a minha mãe, que garante que nunca poderia emigrar do seu Portugal,  porque  nunca  conseguiria  afastar-se  do  seu  pedaço  de  chão !...

Falhei ontem o discurso de Passos Coelho, porque me esqueci completamente  ( resta-me saber se foi algum "bloqueio" psicológico com que o subconsciente me protegeu ... ).
Li agora, no café, um dos jornais do dia, que fez o favor de me pôr a par, "grosso modo", das notícias recentes.
O discurso de Vítor Gaspar, acompanhei, por acaso com a minha mãe,  porque  ocorreu  a  uma  hora  em que  sempre  estou  com  ela, ( mais  ou  menos  pela  hora  de  almoço ), e pasmei com o ar atento com que ela bebia todo aquele arrazoado, aquele discurso demasiado hermético, absolutamente técnico e formal, que poucos poderão ou terão capacidade de entender, menos ainda de descodificar, a menos que tenham largos conhecimentos de economia e finanças, e que estejam por dentro de toda a conjuntura nacional e internacional.
Creio que já é intencional, que determinadas linguagens de determinados profissionais em diversas áreas, primem por serem ininteligíveis para o cidadão comum.
Quanto menos se percebe, menos se interroga, menos se rebate, menos se questiona ... e mais fácil é afirmar que se disse, o que não se disse !...
Eu mesma ( e enfim, não sou propriamente analfabeta ), entendi muito pouco, sendo embora verdade, que visceralmente ofereço, mesmo inconscientemente, uma resistência tremenda à política ou às políticas, de que tenho, e penso que só poderei ter mesmo, uma opinião forçosamente negativa.

Para mim, política é corrupção, é compadrio, é desonestidade, é aldrabice, é oportunismo, é o "primeiro amanho-me eu", depois logo se vê ... é falta de transparência, de princípios, de respeito por valores, de protecção das classes já favorecidas e desfavorecimento progressivo, exactamente das que precisariam de quem lhes desse voz.
É ignorar o interesse e o bem colectivo, em benefício de algumas classes ( sempre as mesmas ) !
Em suma, para mim, política é um campo de imundície, é a lixeira da humanidade, é a vergonha da espécie humana.
São jogos de bastidores criminosos e organizados, com objectivos cirurgicamente planeados ...

Não conheço, acho que ninguém conhece, um só político que tenha tanta coerência de vida, de postura, de integridade, de ideais de defesa de valores e princípios ... que seja tão impoluto, que contrarie um só destes aspectos que foquei !

É certo que este posicionamento que exponho, será sem dúvida cómodo, prático ...
É fácil estender dedos acusadores, e depois não pugnar ou envolver-se, em pelo menos, tentativas de reversão do errado.
É comodismo talvez, é hipocrisia, é demagogia se calhar ... é indiferentismo grave.  É irresponsabilidade, ou desresponsabilização enquanto cidadã, enquanto pessoa, enquanto elemento de comunidades, enquanto habitante desta terra e deste Mundo.

Eu sei !

Mas também sei, que para o fazer, é necessário  à partida, ter o tal estofo ou perfil para entrar no esquema, o tal "jogo de cintura" intencionalmente permissivo e conivente ... até porque todos sabemos que mais cedo ou mais tarde, a coerência, as boas intenções, a garra, a verticalidade que até pode caracterizar-nos, a honestidade que apregoamos, e por aí fora, são trucidadas pelo sistema ... parecendo que na verdade, tudo sempre terá um preço, e que os D. Quixotes são cada vez, mais figuras lendárias ... os Sancho Panças não existem, e os moinhos de vento, há muito foram substituídos pelas turbinas eólicas !!!...

E penso que esse indivíduo acaba por, ou deixar-se arrastar pela "enxurrada" e deixar-se corromper, ou se se quiser manter-se em pé, contra ventos e correntes tão poderosas e avassaladoras, o melhor e única saída que lhe resta, é dar um tiro nos "cornos" ... ( desculpem o vernaculismo ), por desilusão, cansaço, desistência ... incapacidade absoluta !!

A minha mãe chora ... a minha mãe tem quase 92 anos ...

Infelizmente não nos sobra muito mais, quando se toma conhecimento, que mesmo a pequena criminalidade dispara, porque os pais de família não têm o que pôr na mesa ;
quando os suicídios por desespero, nas tais pessoas que não têm de facto estrutura nem perfil para encararem, se encaixarem no "molde", para viverem ou sequer se "ajeitarem", também dispara ;
quando, como acabei de ler ( e não é novidade ), as pessoas choram nas consultas médicas (que protelam o quanto podem, por não terem recursos ), deixam de fazer exames médicos, ou racionam os medicamentos que deveriam assegurar a sua saúde, pela mesma razão !!...
Estes, apenas alguns exemplos ...

Eu própria, em pleno café, não deixei soltar uma lágrima, por mero acaso.
Mas o nó no peito e no estômago, juro-vos que me "embrulhou" mesmo, o pequeno almoço !!!...

Anamar

quinta-feira, 13 de setembro de 2012

" A MALDIÇÃO "



A minha orquídea morreu !...
As últimas folhas caíram exangues, soltando-se do pé, num abandono que me impressionou.
Assim ... em silêncio ... sem resistência ... indiferentes ... soltaram-se do pé ainda verdes, mas já mortas ...
Sem um desespero, um queixume, com alguma desistência ... eu diria !
Adoeceu aos poucos e poucos, devagarzinho, sem incomodar, em silêncio, sem indignação, sem raiva ...
Primeiro as flores, lindas, mimosas, delicadas ;  depois as duas hastes começaram a amarelecer.  Primeiro uma, depois a outra, anunciando uma morte ... uma morte anunciada !
Juro que não sei se ela terá gritado, chamado, pedido socorro.  Não sei, porque os meus ouvidos estão embotados demais, e não ouvem ... estão insensibilizados, duros, e os olhos a opacizarem-se gradualmente, como a orquídea ... sem reclamação !
Estão a fechar-se ao que não podem, não conseguem ver ...

Parece que se completam ciclos na minha casa.  Parece que se encerram capítulos na minha vida.
Garanto-vos, é uma sensação desconfortável, estranha, devastadora.
Uma postura de depor de armas, que deve ser a que o guerreiro tem, perante a impotência do campo de batalha ;  a que as populações têm em cenário de guerra, que lhes foge ao controle ;  a dos doentes terminais, que já anseiam acabar o "jogo", o quanto antes ;  a que o Mundo exibe, perante uma  catástrofe natural, onde também nada tem já a fazer ...
Ou melhor, há duas coisas que podem ser feitas :  resignar-se ou desistir.
Eu acho que estou mais para a segunda !...

As plantas morrem, por sistema, junto de mim.  Parece que o meu olhar as devasta, as seca, tem a capacidade de uma maldição estranha.
Parece que toco e desfaço, consigo parir e tirar a vida, transformar o ouro em cinza .
Parece que o que passa por mim, entra irremediável e irreversivelmente num estágio de corredor da morte, aquele local em que nas prisões de alta segurança de alguns estados dos Estados Unidos, os condenados à morte, apenas aguardam.
Engraçado ...  É um espaço exactamente oposto às incubadoras nas maternidades onde a minha filha trabalha ...
Aí, o corredor é da morte para a vida,  eu sou mais, da vida para a morte ... Estranho !...
Acho que estou a enlouquecer aos poucos !...

Entretanto oiço Simone no mp3, que diz que "vai valer a pena ter amanhecido ..." num "Começar de novo" da sua canção ...
Eu, levo a vida a começar de novo, só que não me tem valido a pena, acordar por cada madrugada ...

Hoje amanheci com esta estranha premonição de maldição, de capacidade de secar tudo em mim e à minha volta.
Se olhar para a minha vida, ela parece desenrolar-se num parque de diversões, em que as diversões são mais as que assombram o "Combóio Fantasma ".
E eu, como um diabinho à solta, como uma menina endiabrada, inconsequente e entontecida, desafio tudo e todos ;  desafio a sorte, o destino, a prudência ...
Pareço deliciar-me sadicamente, a andar em arames sem rede de amparo, pareço subir e descer montanhas russas sem mãos, pareço divertir-me a debruçar-me do topo do rochedo a um passo do vazio, desafiando a vertigem ...

Há uma tendência persecutória de certas doenças, que se manifesta, pelo paciente se infligir dores e sofrimentos.
Não sei o nome dessa neurose. Poderei procurar na Net, mas sei que se trata de pessoas que se auto-mutilam, que se ferem, que se magoam intencionalmente, como se isso as aliviasse de qualquer coisa, como se com essa flagelação, expurgassem de si algum veneno que as atormenta ... exorcisassem fantasmas que as atazanam !...

Agora ... porquê ???

Por que se punem de alguma coisa lá do subconsciente, que acham que lhes exige essa destruição ??!!...
Por que, doentiamente, como numa masturbação psicológica e mental, só se sentem realmente "enquadradas", quando em sofrimento, em dor, em mágoa ... repito, como se com isso quisessem purificar algo de muito errado no seu ser ??!!...
Cumprir penitência pesada, por algo de muito perturbador que têm dentro de si ??!!...

Eu movimento-me muito perto desse registo.
Eu inflijo-me, de uma forma leviana e imatura ( e parece que me deleito ao fazê-lo ), desafios  constantes de limite de resistência, piso terrenos endemoninhados, como se realmente uma maldição me comandasse, e perante a qual sou impotente, e me imobiliza.
Tenho atracção por provar aquela poção mortal, sabendo que o é, mas parecendo querer testar até onde consigo chegar, até onde resistiria, até onde teria antídotos suficientes para a mesma ...
Parecendo desafiar, atrevidamente, a minha distância entre o ser terreno e o divino, que todos detemos ...
Enfim, tenho uma pulsão imperativa e assustadora, pelas "red lines" da Vida ...

Repito ... acho que estou a enlouquecer aos poucos !...

Mas ... Afinal a minha orquídea morreu !!!...



Anamar

terça-feira, 11 de setembro de 2012

" O FECHO DO CICLO "

   

Estou a ler, ou melhor, a reler, um livro escrito por uma renomada psicanalista espanhola, que apreciei particularmente logo na primeira leitura, o que me remeteu a uma segunda, mais lenta, talvez mais cuidada e reflectida.
É um livro escrito  para, e sobre mulheres, e resultou basicamente, da experiência clínica da autora, embora obviamente, as abordagens lá feitas,  não se  "colem" integralmente às personagens reais.
É um livro que eu arriscaria dizer que "cabe"  em qualquer vida feminina, que encerra algures no seu conteúdo, alguma coisa da vivência de todas e de cada uma de nós.
Não diria ser um livro de auto-ajuda, mas sim um livro de reflexão efectiva.
Chama-se o livro,  "Mulheres mal-amadas", e recomendo-o vivamente.

Entretanto, de todas as histórias de vidas, lá abordadas, uma chamou-me em especial a atenção, por traduzir, penso, muito do masoquismo afectivo que a maioria de nós parece ter compulsão em cultivar.
Uma espécie de auto-punições, que nos infligimos, acredito que nem sempre conscientemente, e que estranhamente parece ser transversal a todas as gerações, e a todas as faixas etárias.

Das minhas relações do dia a dia, do meu convívio mais ou menos profundo ou superficial no mundo feminino, concluo, por observação e análise, que há comportamentos típicos e repetidos, quer se fale em mulheres da minha faixa etária, em mulheres de meia idade ( e com isto refiro mulheres na casa dos quarenta anos ), ou em mulheres jovens, absolutamente jovens, parecendo que estas formas de estar e reagir, são uma espécie de marca genética de género.
São formas de vida e posturas que também atravessam todos os níveis culturais, parecendo independer de facto, do grau académico, da formação  ou cultura que detenham, e até do estrato social  a  que  pertençam ( embora, penso, que atingirá graus extremos nas classes socialmente inferiores da sociedade, o que também seria espectável ).

Dizia eu que me impressionou, e me fez reflectir longamente, a história de vida, chamemos-lhe assim, de Sara.

Sara era uma daquelas pacientes que, em consulta, se exprimia com desenvoltura, que não tinha dificuldade de comunicação, e que fazia muito "trabalho de casa", que é como quem diz, vivia mas reflectia e maturava com distanciamento, a sua vida, como se fosse simultâneamente personagem e espectadora, da peça de que fazia parte.
Sara  sabia exactamente onde errava, por que errava, por que continuava a errar, por que não saía de uma espécie de predestinação ou determinismo, no seu percurso de vida.
Levianamente, poderíamos pensar que era "tonta", ou doentiamente masoquista, precisando sofrer para se sentir confortável, como se o sofrimento fosse uma componente imprescindível para viver.
Só não se entende, mas depreende-se, que por detrás dessa prática cultivada e aparentemente "desejável", estaria uma carência afectiva, que a levava a adoptar formas de chamada de atenção à sua volta, vitimizando-se ...  como quem diz : " estou aqui, estou mal, sofro tremendamente ... ajudem-me !" ...

Sara analisava cuidadosamente cada momento do seu percurso, era terapeuta de si própria, duma forma exaustiva ... sabia até soluções, caminhos ...  Não conseguia pô-los em prática.

A sua vida emocional e afectiva estava claramente dividida em etapas, e de uma forma interessante e espantosa, parecia ser uma "pescadinha de rabo na boca", que depois de muito percurso e muita caminhada, muita introspecção e análise, a levava exactamente ao ponto de partida.
Parece, e conclui-se, que Sara sofreu a vida toda, mas estranhamente, como uma aluna dedicada, adquiria os conhecimentos, apenas não sabia aplicá-los a novas situações, tendo portanto parâmetros francamente negativos, na sua  "avaliação".

A geração de Sara foi a minha, a das mulheres que dividiram os anos 50 / 60, entre a infância e a adolescência.
De acordo com os valores da época, veiculados, transmitidos ... eu diria "programados", também ela foi "formatada" - na classe social a que pertencia ( média ) - para ter mais sucesso que os próprios pais, que pertencendo à geração anterior e a classes sociais mais desfavorecidas, viviam fundamentalmente para proporcionar aos filhos, condições de acesso a vidas mais bafejadas, do que as suas.
Mais bafejadas, em condições objectivas de vida, quer a nível das necessidades básicas, quer a nível cultural e intelectual.
É a geração de muitos pais comerciantes, agricultores, trabalhadores braçais, artífices, que de tudo fizeram para produzirem descendentes com acesso escolar, quase sempre mesmo a graus universitários.
A mulher crescia na vida familiar, dentro dos valores tradicionais, e era vocacionada para casar, ter uma profissão ( já ao contrário das mães, normalmente domésticas ), ter filhos ... enfim, depois netos, ser esposa dedicada, exemplo intocável de expoente familiar, aglutinador dos afectos e do amor matriarcal, duma forma indiscutível.

Sara seguiu esse percurso.
Teve um casamento de acordo com o "figurino", sem grandes emoções, sem grandes pretensões também, estável, seguro, morno ... cinzento !
E também nele criou filhos ... claro !

Tinha a intermitência de uma paixão de adolescência, com a qual coloria um pouco a tela uniforme que a enquadrava, lhe humanizava o deserto emocional que vivia.
Hoje, Sara percebe, que foi a "clandestinidade" dessa relação, que a alimentava e obviamente a mortificava.
Nunca teve coragem, nem equacionou outra saída de vida, que não fosse continuar o "modelo" que lhe coubera em destino ...

Os anos passaram, os filhos cresceram, partiram para as suas vidas.  Independentizaram-se dos pais, inclusivamente em termos de proximidade física. Procuraram os seus próprios caminhos.
E Sara, mais sozinha ainda, na aridez do que já não era, porque nunca fora na verdade, decidiu também, que era chegada a sua hora, que havia mais mundo lá fora, e que deveria pôr um términus, num amor afinal inconcretizado.

E ficou só ;  embora solidão, fosse algo que ela conhecia há muito !
Teve que reaprender, ou talvez aprender a viver, num esquema que não dominava.
E conheceu novas emoções.

Ela e Francisco iniciaram uma relação, alimentada agora, pelos contornos do impossível, do improvável, do ilogicismo, do "socialmente não aceitável", do sonho, do "hollywodesco" que a revestiu.
Francisco era, perto dela, um jovem, cativante, muito atraente, com uma "química" que era também a sua.
Sara viveu uma paixão de corpo e alma, tórrida, com todos os condimentos que a retiravam da realidade.
Viveu um paraíso que não imaginava poder existir, conheceu os inversos de tudo o que conhecera até aí.
Hoje, à distância, entende claramente que era óbvio que nunca aquela relação poderia ter dado certo ;  era objectiva demais a precariedade da mesma, nos interesses individuais do casal, nas diferentes linguagens motivadas por formações culturais distintas,  e  por faixas etárias  bem diferentes, por objectivos futuros inexistentes.
Não era de facto, uma relação de casal ;  era um conto de fadas, e como todos os contos de fadas, mais cedo ou mais tarde acabam ... primeiro, porque fadas não existem, e depois, porque contos são histórias, com toda a utopia inerente, e todo o afastamento do real.
E claro, houve um dia em que o "edifício" ruíu ...

Sara ficou sem chão, sem ar, sem companheiro, sem amor, sem "filho", sem menino para embalar no cólo ... ficou órfã !...
E percebeu que o que sustentara todo aquele encantamento, fora muito mais o que ela concebera, inventara, criara, desenhara na sua cabeça, de acordo com as suas necessidades, do que a realidade que tinha tido sempre à sua frente.
Sara amara por dois, protegera por dois, embalara por dois, adorara o "deus" que inventou, submeteu-se e anulou-se, encontrando explicações e justificações para todas as omissões, falhas, descasos, humilhações até, de que fora alvo ...

Sara voltou ao princípio.
Teve que reaprender a viver uma vez mais, previsivelmente com mais experiência de vida, mas com uma desestruturação e um buraco na alma e no coração, maior que o Mundo.

Iniciou um novo ciclo.

Uma etapa de vingança de vida.
Fechou os olhos, os ouvidos e a mente, calcou o coração bem para o fundo, apagou toda a razoabilidade, os valores e os princípios que aprendera e sempre a haviam norteado, e partiu para uma vida que não obedecia a objectivos ou metas, justificações ou razões ...
Sara  flagelava-se e auto-destruía-se diariamente, quase sadicamente, como que numa auto-punição, nem ela sabia bem de quê, mas que lhe garantia na boca o sabor do veneno que já bebera, e com que envolvia e "matava" quem a rodeava ...
Pela primeira vez tomara os comandos da vida.  Sentia que agora as regras eram suas ;  as rédeas e o leme do barco era ela que os detinha, e os encaminhava pela tempestade e pelo turbilhão ...
E nessa "montanha-russa" viveu, sobreviveu ... talvez apenas tivesse "durado" !...

Acidentalmente, conheceu uma pessoa aparentemente oposta a todas as que conhecera até aí.
Uma pessoa que falava a sua linguagem, que a valorizava, que lhe promovia a auto-estima e a auto-confiança, que a envolvia do doce da existência, que lhe deu a saborear o mel da identificação de estares e  sentires, de  gostos  partilhados, de emoções comuns ... que lhe transmitia protecção, que a amava ...  Ou Sara precisava simplesmente ser amada, "salva" !...

E quando de novo, irremediavelmente envolvida,  percebeu  que talvez não fosse bem assim ... era já muito tarde !
A dureza e a injustiça da vida, abateram-se outra vez sobre si.  Ela, que já não tinha a resistência, a idade, a saúde, e as defesas dos anos lá para trás !
Sentiu-se traída pelo destino, de novo, ou pelas pessoas que sempre cruzavam o seu.

E novamente ficou sem ar, sem chão, sem objectivos, sem horizontes, sem vontade, sem determinação ...
Novamente Sara ficou "órfã",  agora mais magoada, mais céptica, e com o coração cravado de dúvidas e desconfianças, sobre tudo e todos ...
Reiniciou a estrada, porque afinal tinha que acordar todos os dias e viver também !
Virou mais uma esquina.  Virou, porque para sobreviver tinha que a  virar, doídamente, a morrer por dentro momento a momento !...

E cruzou-se outra pessoa na sua vida.

Sara era, apesar do passar dos anos, uma mulher que facilmente despertava atenções, interesses, emoções, nos homens com quem convivia.
Era uma mulher normal, contudo atraente, tinha um carisma especial, uma qualquer "química", ou forma de estar e ser, que atraía o sexo oposto.

Talvez deixasse passar uma sensação de desprotecção, de fragilidade ou carência ( a narrativa, não é bem clara neste aspecto ;  por vezes leva o leitor a crer que sim, por outras, mostra uma Sara, que talvez por defesa  ou já  dureza  e insensibilidade  no coração, se  mostra altiva, segura, distante, determinada, rude, até ... ).

O homem que ama Sara, ao contrário de todos os outros, ocupa agora o "lugar" que ela ocupou em todas as suas relações.
É ele que a respira, é ele que a idolatra, é ele que lhe atapeta  e facilita os caminhos, foi ele que se organizou em função dela ; é ele que projectou a sua vida para que ela ocupe o lugar de "rainha", na dele ; é ele que só aceita projectos a dois, planeia sonhos pelos dois, realiza o que ela ainda nem inventara ;  em suma, transformou Sara na razão da sua existência, "para o resto dos seus dias", jura-lhe constantemente.

E a história de Sara não adianta muito mais.
Mostra uma Sara numa relação tradicional outra vez, estável, "familiarmente convencional", teoricamente equilibrada, "socialmente" impoluta, materialmente segura ... enfim ... não sabemos se morna, se cinzenta, se sufocante ... ( penso que a terapeuta, deixa ao critério de quem foi "conhecendo" a personalidade e a vida desta mulher, a conclusão do que terá acontecido ) ...  parecendo irónica e incoerentemente, dessa forma, fechar um ciclo ... o "seu", inicial, como uma rotunda que nos leva sempre ao ponto de partida ...

... Aparentemente, tão só, a cumprir os desígnios do seu ciclo de vida ... aquilo que alguém, sei lá onde, escrevera para ela !!!...



Anamar

segunda-feira, 10 de setembro de 2012

" SONHOS PROMETEDORES "


SONHOS  PROMETEDORES

" Tenho mais pena dos que sonham o provável, o legítimo e o próximo, do que dos que devaneiam sobre o longínquo e o estranho.

Os que sonham grandemente, ou são doidos e acreditam no que sonham e são felizes, ou são devaneadores simples, para quem o devaneio é uma música da alma, que os embala sem lhes dizer nada.

Mas o que sonha o possível tem a possibilidade real da verdadeira desilusão.

Não me pode pesar muito o ter deixado de ser imperador romano, mas pode doer-me o nunca ter sequer falado à costureira que, cerca das nove horas, volta sempre a esquina da direita.

O sonho que nos promete o impossível já nisso nos priva dele, mas o sonho que nos promete o possível intromete-se com a própria vida e delega nela a sua solução.
Um vive exclusivo e independente ;  o outro submisso das contingências do que acontece. "

                                                  Fernando Pessoa


O " Mestre " sempre soube das coisas todas ...  Não vi quem mais entendesse da alma humana !

Os sonhos ... Tanto  os abordei  já  por aqui !  Os sonhos que povoam os nossos dias e as nossas noites, que povoam as nossas vidas .

Sonhar "alto", sonhar razoável, sonhar lógico, dentro das lógicas das vidas de cada um ...
E quer uns quer outros a desfazerem-se, a desmancharem-se como as nuvens lá no alto se desmancham, por cada segundo que passa, como as construções na areia vão ruindo bem na nossa frente, impotentes, por cada subida da maré !
Até os castelos fortificados, aqueles que atravessaram a História, de grandes rochedos, no topo dos montes, vão deixando rolar encosta abaixo, uma e outra das suas pedras ancestrais ;   até as falésias que nasceram com a Terra, não vão morrer com ela, porque vão morrendo todos os dias um bocadinho ...

O sonho é inerente ao Homem ... o "sonho comanda a Vida " - diz Gedeão ...o sonho é o que nos faz levantar por cada manhã, "sonhando" que algo preenchedor nos vai dar sentido àquele dia ;  
é  mola impulsionadora nos momentos difíceis e desalentados.

Então, qualquer sonho serve ... os possíveis e os impossíveis, embora uns possam transformar-se nos outros e vice-versa, e muitas vezes somos simplesmente nós que o fazemos.
Na verdade, por vezes depende apenas de nós, tornar algo improvável em realização objectiva, mercê do acreditar muito, e do esforço que desenvolvamos para isso.
Outras vezes, ao contrário, algo que parecia tão possível nas nossas vidas, e alimentou o nosso ser longamente, vira uma impossibilidade absoluta ...

Esses são os sonhos, como diz Pessoa, que "cobram" à vida a sua concretização ou não, e esses são talvez os únicos que nos ferem verdadeiramente, e nos cortam por dentro.
Os outros, são baralhos de cartas que conseguimos pôr em pé, e que injustamente se desmoronaram,  ou são construções de puzzles que erguemos, e como crianças nos deliciaram, nos fizeram sorrir e nos deixaram brincar ...
E caem por terra ...  Como se isso não fosse lógico e previsível !!!...

Arregalamos os olhos, abanamos a cabeça, e como um menino p'ra quem acabou a brincadeira, encolhemos os ombros e ... continuamos a brincar ... simplesmente !...
Não doem muito esses sonhos !
Talvez apenas nos tenham mantido " crianças ", durante algum tempo ;  e as crianças são fadas para serem bruxas no instante seguinte, são elas próprias e os amigos "imaginários" no mesmo momento, e com a inerente ingenuidade que só se tem nessa fase da vida, acreditam mesmo que o são, e que podem ser tudo o que quiserem ser ...
Por isso também não se defraudam, são imunes à decepção ...

Mas as crianças tornam-se adultos, e os adultos, excepto os saudavelmente loucos, apostam pouco em sonhos de fadas e duendes, constroem ( por defesa ),  cada vez menos castelos de areia na beira-mar, menos torres com os "legos" da sua infância, menos paredes de cartas a segurarem edifícios irreais ...  porque a Vida os obrigou a poisar como garça cansada, a quem resta a babugem das ondas, para a busca de alimento ...

Deixaram de saber ver o Mundo de cima, desaprenderam de ser meninos, desinvestiram no crer e quase no desejar ;  ou então, como eu, passam-se definitivamente para o mundo dos loucos, mundo confortável, sem peias ou regras, mundo onde eu posso sempre ser e crer no que quiser, quando e onde quiser, porque tenho um estatuto que me deixa ser a águia dos penhascos, a cabra montanheira, a borboleta que voeja livre de flor em flor, sem saber quão são escassas as horas que a vida lhe concede para o fazer ...

Por isso, sou e quero continuar a ser uma irremediável devaneadora, com a certeza de que com os meus sonhos,  " músicas da alma e embalo do coração ",  serei certamente feliz, ainda que tudo não passe só de mais e mais SONHOS !!!...

Anamar