quinta-feira, 13 de setembro de 2012

" A MALDIÇÃO "



A minha orquídea morreu !...
As últimas folhas caíram exangues, soltando-se do pé, num abandono que me impressionou.
Assim ... em silêncio ... sem resistência ... indiferentes ... soltaram-se do pé ainda verdes, mas já mortas ...
Sem um desespero, um queixume, com alguma desistência ... eu diria !
Adoeceu aos poucos e poucos, devagarzinho, sem incomodar, em silêncio, sem indignação, sem raiva ...
Primeiro as flores, lindas, mimosas, delicadas ;  depois as duas hastes começaram a amarelecer.  Primeiro uma, depois a outra, anunciando uma morte ... uma morte anunciada !
Juro que não sei se ela terá gritado, chamado, pedido socorro.  Não sei, porque os meus ouvidos estão embotados demais, e não ouvem ... estão insensibilizados, duros, e os olhos a opacizarem-se gradualmente, como a orquídea ... sem reclamação !
Estão a fechar-se ao que não podem, não conseguem ver ...

Parece que se completam ciclos na minha casa.  Parece que se encerram capítulos na minha vida.
Garanto-vos, é uma sensação desconfortável, estranha, devastadora.
Uma postura de depor de armas, que deve ser a que o guerreiro tem, perante a impotência do campo de batalha ;  a que as populações têm em cenário de guerra, que lhes foge ao controle ;  a dos doentes terminais, que já anseiam acabar o "jogo", o quanto antes ;  a que o Mundo exibe, perante uma  catástrofe natural, onde também nada tem já a fazer ...
Ou melhor, há duas coisas que podem ser feitas :  resignar-se ou desistir.
Eu acho que estou mais para a segunda !...

As plantas morrem, por sistema, junto de mim.  Parece que o meu olhar as devasta, as seca, tem a capacidade de uma maldição estranha.
Parece que toco e desfaço, consigo parir e tirar a vida, transformar o ouro em cinza .
Parece que o que passa por mim, entra irremediável e irreversivelmente num estágio de corredor da morte, aquele local em que nas prisões de alta segurança de alguns estados dos Estados Unidos, os condenados à morte, apenas aguardam.
Engraçado ...  É um espaço exactamente oposto às incubadoras nas maternidades onde a minha filha trabalha ...
Aí, o corredor é da morte para a vida,  eu sou mais, da vida para a morte ... Estranho !...
Acho que estou a enlouquecer aos poucos !...

Entretanto oiço Simone no mp3, que diz que "vai valer a pena ter amanhecido ..." num "Começar de novo" da sua canção ...
Eu, levo a vida a começar de novo, só que não me tem valido a pena, acordar por cada madrugada ...

Hoje amanheci com esta estranha premonição de maldição, de capacidade de secar tudo em mim e à minha volta.
Se olhar para a minha vida, ela parece desenrolar-se num parque de diversões, em que as diversões são mais as que assombram o "Combóio Fantasma ".
E eu, como um diabinho à solta, como uma menina endiabrada, inconsequente e entontecida, desafio tudo e todos ;  desafio a sorte, o destino, a prudência ...
Pareço deliciar-me sadicamente, a andar em arames sem rede de amparo, pareço subir e descer montanhas russas sem mãos, pareço divertir-me a debruçar-me do topo do rochedo a um passo do vazio, desafiando a vertigem ...

Há uma tendência persecutória de certas doenças, que se manifesta, pelo paciente se infligir dores e sofrimentos.
Não sei o nome dessa neurose. Poderei procurar na Net, mas sei que se trata de pessoas que se auto-mutilam, que se ferem, que se magoam intencionalmente, como se isso as aliviasse de qualquer coisa, como se com essa flagelação, expurgassem de si algum veneno que as atormenta ... exorcisassem fantasmas que as atazanam !...

Agora ... porquê ???

Por que se punem de alguma coisa lá do subconsciente, que acham que lhes exige essa destruição ??!!...
Por que, doentiamente, como numa masturbação psicológica e mental, só se sentem realmente "enquadradas", quando em sofrimento, em dor, em mágoa ... repito, como se com isso quisessem purificar algo de muito errado no seu ser ??!!...
Cumprir penitência pesada, por algo de muito perturbador que têm dentro de si ??!!...

Eu movimento-me muito perto desse registo.
Eu inflijo-me, de uma forma leviana e imatura ( e parece que me deleito ao fazê-lo ), desafios  constantes de limite de resistência, piso terrenos endemoninhados, como se realmente uma maldição me comandasse, e perante a qual sou impotente, e me imobiliza.
Tenho atracção por provar aquela poção mortal, sabendo que o é, mas parecendo querer testar até onde consigo chegar, até onde resistiria, até onde teria antídotos suficientes para a mesma ...
Parecendo desafiar, atrevidamente, a minha distância entre o ser terreno e o divino, que todos detemos ...
Enfim, tenho uma pulsão imperativa e assustadora, pelas "red lines" da Vida ...

Repito ... acho que estou a enlouquecer aos poucos !...

Mas ... Afinal a minha orquídea morreu !!!...



Anamar

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