domingo, 16 de setembro de 2012

" DISSERTANDO ... "


Esta praia são muitas praias ...

O mar nunca é o mesmo, já se sabe. Esta água não conta, mas se o fizesse, diria das aventuras do seu percurso.
Os rochedos brincam de esconde-esconde.  Ora aparecem, ora se escondem debaixo das areias, que se desenham ao sabor das marés.
As lapas, os caramujos e as algas, são os únicos residentes desta praia, porque até os peixes que os pescadores sonham pescar e nunca pescam, são viajantes do mar.
A brisa ... ora, essa nunca ninguém agarra, e sopra displicentemente por cima das arribas, despenteando até, a mais tímida vegetação rasteira que ousa crescer encosta acima.
As gaivotas que são livres, volúveis e caprichosas, só aparecem se querem.  Mas, quando o fazem, ficam donas do areal e sapateiam na espuma deixada na areia, bamboleando-se de pata em pata, sacudindo e aprumando as penas, e batendo os bicos com aquele grasnido, tão nosso conhecido.
E quando o bando levanta, o recorte das asas contra o céu, é uma nuvem que foge até se perder no infinito, levando consigo o nosso olhar, que roubam, o nosso sonho, que carregam, a nossa inveja ...
porque de bom grado  iríamos  com  elas  para  terras  que  não  são  de ninguém ...  Lá, onde  há  outros rochedos,  outras areias  e  outro  mar !...


Nesta praia tudo é transitório, nada é perene, tudo muda, como tudo muda nas nossas vidas, como as vontades mudam com os tempos ...
Até o sol foi embora, e com ele, as pessoas ;  a neblina cerrou, o mar embraveceu mais e mais, assumindo o comando disto por aqui.
Um cenário fantasmagórico, tornou as poucas pessoas que ficaram, em meros vultos, apenas adivinhados, na neblina !
De certa forma apossei-me de novo da praia.
Eu e o meu silêncio que é só meu, porque a rebentação fortíssima faz eco atrás de eco, estendendo-se de falésia a falésia.

Poderia dizer que estava eu pensando com "os meus botões" ... não fora estar de facto, em traje que os não tem ...
E há sempre tanto para pensar, que esta solidão é abençoada !...

Ontem falava com alguém, que no meio de uma conversa, soltou esta frase :   " Há duas coisas que nunca se perdoam, a quem divide a vida connosco : a traição e a cobardia ".

Fiquei a digeri-la, e efectivamente penso que é uma grande verdade.
Já experimentei o amargo de ambas, e também já atraiçoei e já me acobardei.
Talvez por isso, tenha entendido perfeitamente, o que estava a ser referido.

Sobre "traição", genericamente falando  ( não necessitando ser a traição, em que de imediato se pensa, talvez aquela que mais nos mobiliza, a traição entre um homem e uma mulher, numa relação afectiva ), já aqui expus, em tempos, o meu ponto de vista.
Essa, é provavelmente a que mais marca deixa, aquela que mais "mata" ; mas infelizmente, "traição" é bem mais lato que isso.
Há traição nas amizades, nas convicções, nas lutas, nos valores e princípios, nos ideais, nas promessas e expectativas criadas a outrém, até nas relações familiares de afecto e amor.
Quase sempre nos colhe de surpresa, e magoa tanto mais, quanto a maior parte das vezes, é provocada por quem menos esperaríamos que o fizesse, e por isso, a sensação de uma injustiça abissal, é isso mesmo ... abissal !...
E desestrutura, desmantela corações, escancara feridas de difícil cicatrização e recuperação ;
deita por terra e pisa em cima, quase impedindo que nos reergamos, retira-nos defesas e instala-nos um hiper-sensor, tipo"sonar" à nossa volta, quase nos incapacitando de novas apostas, porque nos rouba a capacidade de sonhar, e acreditar outra vez.
E depois, é o tipo de dano infligido de uma forma perfeitamente gratuita, e por isso, maquiavélica ;  é sádica, tem contornos de requinte de premeditação e maturação cuidada ...
Nunca uma traição tem justificação ou necessidade que ocorra ... Não aproveita verdadeiramente a ninguém !
As pessoas são donas dos seus próprios destinos, opções, crenças e apostas, sonhos, vontades, afectos ... e têm o "livre arbítrio" ou vontade própria, que num ser humano estruturado numa formação sólida, se deve sobrepor a tudo e todos.
A coerência, a verticalidade e a honestidade, tornam o indivíduo incapaz de atraiçoar !...

E chegados aqui, impõe-se-nos consequentemente referir o segundo aspecto condenável num ser humano "inteiro", e que jamais deveria ser prevalecente,  independentemente das conveniências pessoais ... a "cobardia" !

"Cobardia" é o oposto à coragem, e coragem não é simplesmente ausência de medo.
Coragem é a atitude que nos obriga a sair detrás da moita, e dar a cara, se tivermos que defender a cor e a camisola ...
Coragem é o que nos faz tomar posições de isenção, ainda que sejam incómodas para alguns ( forçosamente sempre o serão ), se nelas acreditamos.
É o que nos faz lutar pelos ideais e sonhos, mesmo que o vento sopre contra ...
É o que nos obriga a dizer "basta", deixar de aceitar e acatar a cómoda posição de verme ( porque os vermes passam despercebidos mais facilmente ), dar um murro na mesa, virar o jogo, e deixarmos de ser usados e manipulados ...
Coragem é despir o fato de fantoche com que nos mascarámos, e não nos deixarmos mais, mover pelos cordelinhos com que os outros se divertem ...
Coragem é assumpção de coerência sempre, de verdade e verticalidade em qualquer circunstância, como referi, não pactuando nunca com auto-justificações esfarrapadas, para nos mantermos em limbos cómodos, porém instáveis, pisando terrenos de fronteira que não são, nem deixam de ser ...  vestir de cinzento, porque não é branco nem é preto !...
É nunca usar a máscara que se guarda no bolso para o que der e vier, e que a cobardia nos leva a colocar no rosto ... estando de bem com Deus e com o Diabo, como prosaicamente se diz, não nos comprometendo nem com gregos, nem com troianos !...

Não sou moralista ... acho que nenhum ser humano está em condições de o ser.
Todos temos "telhados de vidro" ... e perfeição e pureza não existem.
Não vim portanto, dar-vos aqui lições de nada !
Mas todos temos também, uma obrigação muito séria, para connosco mesmos e para com os outros, de parar para repensar posturas e formas de pensar e sentir ...
Em última análise, todos temos obrigação de reflectir, crítica e isentamente, sobre os nossos percursos de vida e os nossos posicionamentos em sociedade e no Mundo !!!...


Anamar

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