quinta-feira, 20 de setembro de 2012

" RAPIDINHA "


São sete e quarenta da tarde .

É uma hora muito triste na minha casa.
Estou frente ao computador, a ver mails sobre mails, distraidamente, sem grande paciência, curiosidade, sequer fruição da beleza ou da mensagem de muitos.   Olho, mas não vejo, creio ...

Subi a persiana para que o meu quarto aclarasse um pouco, desta penumbra de fim de tarde, que se agiganta.
Ao longe o sol descia, laranja, na busca de mais um sono repousado, lá para os lados de Sintra, lá para os lados do mar.

Não entendo por que o silêncio se agiganta a esta hora, aqui em casa.  Não existe um único som.
Distraí-me e o sol poisou, e dentro de mim poisou mais um dia ... igual, exactamente igual !

Nas casas onde há gente, a esta hora o buliço aumenta.  Apronta-se o jantar, porque há quem o coma.
Nas casas em que há crianças, a balbúrdia é ainda maior ...  Sinal de Vida !
Hora de banhos, de trabalhos escolares, de luzes que se acendem, de televisões que se ligam ... enfim ... Sinal de Vida, realmente !...

Esta hora já foi muito feliz e alegre por aqui.
Faz algum tempo ...
Faz muito tempo, talvez !...

Vontade de partir, rumo a um destino sem rumo.
Vontade de ir sempre em frente, cortando linhas de horizonte sobre linhas de horizonte.  Porque depois daquele há outro, e outro, e mais outro .
Na Terra é assim ... nas pessoas, talvez não !

Escureceu ... o Outono apresta-se a bater à porta.  Afinal, dentro de três dias, pelo calendário, estará aí .
Entramos numa época do ano, que esqueceria se pudesse ...  E nasci nela !
Deve ser por isso !  Sou uma mulher outonal, nunca primaveril, menos ainda estival ...
Raramente há sol dentro de mim .  Poucos os dias em que nascem flores nos meus cabelos, frutos no meu regaço, arco-íris nos meus olhos !
Poucos os dias em que a música me soa, ainda que ao longe !   Nem a música, nem os chocalhos dos rebanhos, nem os sinos dos campanários, nem o canto dos pássaros.
A melopeia do vento do fim da tarde, para cá e para lá, como as cordas de uma harpa, tange os arbustos.
São os címbalos do paraíso, a descerem à Terra !
São as asas dos arcanjos, a adormecerem-nos  as dores da alma !
Tenho a certeza que nas areias, também as ondas, para cá e para lá, embalam os búzios e as vieiras ...
as algas só se deixam despentear... Essas nunca se deixam ir nas marés ...

Como seria bom hibernar !   Hibernar, e só acordar quando o sol se levantasse, numa outra Primavera !...
Quando as cerejeiras já estivessem em flor, os pássaros acasalassem, as borboletas tivessem deixado os casulos, e as nuvens tivessem viajado em migração, para outros destinos, lá donde vieram as andorinhas, os estorninhos e os gansos selvagens ...

Ou mesmo não acordar .
Ter a capacidade de passar à eternidade, sem dar por isso.
Deve ser bom abrir as portadas do "depois" ...
Depois do nascer, depois do sorrir, depois do acreditar, do chorar,  do sonhar,  do amar ... depois  de
imaginar  que  vivi ... depois  de  ser  eu ...
Eu, que transbordo e estou vazia, completamente vazia ;  eu, que sou a sombra abençoada da floresta e que sou a aridez da solidão do deserto ... eu, que sou fogo e sou a água que o apaga ... eu, que sou o luar e a nuvem que tolda a noite ... sou a vida e sou a morte que a destrói ... eu, que sou útero fértil de nados-mortos !...

Eu, que afinal sou e não sou nada ... absolutamente NADA !...

Anamar

Sem comentários: